Minguante escrita por JennyMNZ


Capítulo 8
I Need You To Hold Me


Notas iniciais do capítulo

Viagens interestaduais me impedem de atualizar. Também me impedem de escrever. Francamente, não sei como ainda estou viva.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/777232/chapter/8

Uma das coisas que So mais sente falta dos tempos de quando era príncipe é a liberdade de fazer sua rotina matinal como quiser. Claro, ele tinha deveres e compromissos a cumprir, uma lista determinada de atividades, uma agenda que ele sempre atendia para manter sua posição no palácio. Mas ele pelo menos tinha a liberdade de começar o dia na hora que quisesse, de ter alguma privacidade para aplicar sua maquiagem e até de tomar seu desjejum em paz. Agora que ele é rei, entretanto, ele precisa seguir uma série de procedimentos e ritos antes de começar o dia oficialmente, e isso o deixa tanto entediado quanto irritado.

Ele ainda não se sente à vontade em deixar qualquer um ver sua cicatriz, então ele precisa fazer a sua maquiagem sozinho antes que as damas da corte entrem no seu quarto ou antes da reunião matinal. Dependendo do quão ocupado ele está, é preciso deixar esse passo de fora e só torcer para que a maquiagem não apague antes que ele possa voltar para o seu quarto.

Toda essa preocupação, no entanto, poderia ser evitada se Hae Soo o ouvisse e viesse ajudá-lo a se aprontar pela manhã. Ela poderia facilmente lavar, pentear e prender seu cabelo, vesti-lo nos seus robes, e também limpar o seu rosto e cobrir sua cicatriz.

Outra coisa que ele sente falta é poder ver Soo sempre que quisesse.

Ela ainda teima em argumentar que não pode vir vê-lo o tempo todo, que os outros não vão ver isso com bons olhos, que os ministros podem até mesmo protestar contra a presença dela no palácio, mas isso não a impede de entrar escondida na Sala do Trono sempre que está a fim.

Ele suspira, um pouco frustrado com as coisas. Ele até poderia ordenar que ela viesse vê-lo sempre que ele quisesse, ele é rei e ninguém ousaria questionar seus atos. Mas um decreto não obrigaria Hae Soo a fazer algo que ela não quisesse, e o palácio inteiro sabia disso. É só que às vezes ele queria que ela viesse até ele de livre e espontânea vontade, sem ligar para as pessoas em volta, agir de forma egoísta só para passar um tempinho com ele. Assim ele não iria se sentir como uma criança desesperada, o único a sentir saudades.

A dama da corte superior acabou de recolher os produtos para arrumá-lo quando as portas se abrem e ela entra graciosamente.

— Vim ajudar o Rei, — ela se curva e fala suavemente, e ele segura o sorriso que ameaça surgir no seu rosto.

A dama da corte se vira para ele, esperando a autorização para se retirar. Provavelmente não é um segredo entre as damas da corte do Damiwon que, se tiver a oportunidade, o Rei sempre prefere ser cuidado pela sua mulher.

— Pode ir.

A mulher se retira rapidamente, mas So só consegue ver ela e seu sorriso. Ela se aproxima em silêncio, mas sem mudar de expressão, e ele acha que o sorriso dele vai acabar rasgando seu rosto, mas ele não liga. 

— Está preparando a maquiagem direito? — Ela pega o pequeno pote perto dos pincéis, e inspeciona o conteúdo rapidamente, espalhando um pouco nas costas da mão, e ele só quer que ela se vire para ele.

— Seguindo suas instruções à risca, — ele observa as expressões dela para ver se ela está satisfeita com o modo que ele preparou o creme corretivo e acaba notando as leves olheiras, seu sorriso vacila por conta da preocupação, — Está descansando e comendo direito?

Ela ri, parecendo não notar o pedido na voz dele, mas logo se vira para ele, como ela já sabia que ele queria.

— Dormindo como um bebê, — ela diz num esforço claro para diminuir sua preocupação, — Comendo de três em três horas. A coisa mais pesada que levantei essa semana foi o bule de chá.

Ele está prestes a fazer mais perguntas, ele quer saber mais. O que ela está comendo? O médico lhe passou um remédio novo? As ervas estão fazendo efeito? Ela está se sentindo melhor do que ontem? Ela sente frio à noite e quer companhia para dormir? Ela pode estar caminhando por aí e até mesmo vindo para o Damiwon?

Ele abre a boca e está prestes a interrogá-la quando sente as mãos dela soltando o cabelo dele e massageando seu couro cabeludo. Ele não pode deixar de relaxar ao toque e permite que ela o faça esquecer de suas preocupações.

So sempre sentiu que ele poderia dormir para sempre quando ela massageia óleo no cabelo dele. No entanto, ele sempre se lembra que não pode assim que ela pega o pente para pentear os nós que se formaram.

Ele se encolhe quando ela chega em um bem doloroso, depois respira de alívio quando acaba e lentamente abre os olhos para observar o reflexo dela no espelho à frente deles. Ao invés de ver sua costumeira expressão contrita, que ela sempre usa quando o cabelo dele estava num dia ruim, ele vê que ela está sorrindo e se divertindo.

Ele zomba.

 — O que foi? Está se divertindo?

Ela pisca em surpresa, extraída de seus pensamentos. Mas a confusão só dura por um segundo, e logo ela entende porque ele está irritado, e ri divertida.

— Eu só estava me lembrando de Oh Sanggung, e de como ela penteava o cabelo do falecido Rei Taejo, — ela explica num tom animado. A mente dela está fixa numa memória feliz e ele sabe, mas seu humor acaba se turvando um pouco.

— Isso é hora? — Ele murmura e ela ri de novo, suas mãos ocupadas, procurando mais nós para exterminar.

— O que foi? — O sorriso dela só aumenta desde que ele interrompeu seus pensamentos, e ele não tem como continuar de mal humor depois de ver o quão feliz ela está, — Pois fique sabendo que eu acho isso bem romântico...

Ele ri da noção boba dela de “romântico”, mas ao mesmo tempo se pergunta se, se ele tivesse pedido a mão dela em casamento enquanto ela penteava seu cabelo, ela teria dito sim.

Então ele pensa no seu pai, que se casou com várias mulheres – e quase com Hae Soo também – mas só conseguia se lembrar e amar a Sanggung do Damiwon, e ele acha que consegue entender um pouco o motivo dela estar sorrindo daquele jeito.

No entanto, ao mesmo tempo, ele também pensa em como Taejo desapontou a única mulher que importava para ele porque não conseguia se livrar de uma rainha.

— Eu não sou meu pai, Soo-yah, — ele diz numa voz suave e ela sorri ainda mais.

— Eu sei disso, — ela coloca uma mão sobre o ombro dele num toque delicado, e se inclina para perto para olhar diretamente nos olhos dele, — Eu sei.

Ele se aproveita do alcance fácil que ela deixou sua mão, e lentamente coloca a sua em volta, puxando-a cuidadosamente para baixo.

— Que bom, — ele sorri carinhosamente, — Porque meu pai jamais faria isso. — Ele rapidamente traz a mão dela para seus lábios e deposita um beijo nas costas, depois outro na curva do seu pulso, depois outro na cicatriz do seu braço, depois outro e outro e outro. 

Ele consegue alcançar até a parte de dentro do cotovelo dela antes que ela puxe o braço, os olhos arregalados de indignação e suas bochechas coradas.

— Pyeha! — Ela grita e ele não consegue segurar a risada.

Ela faz um bico de irritação e deixa as mãos longe do alcance dele.

— Foi só uma demonstração, — ele explica às pressas, tentando fazê-la sorrir de novo.

— Uma demonstração? — Ele percebe uma mudança no tom de voz dela, e sente que ela está prestes a sorrir e se juntar a ele, — Tipo, Oh Sanggung nunca faria isso?

Antes que ele possa perguntar o que ela quer dizer, ele sente um puxão forte no seu cabelo e grita de dor e surpresa.

— Ei! Agora você só quer ser violenta, — ele protesta, e ela ri sozinha dessa vez, — Lembre-se, nosso objetivo aqui é criar uma cena romântica. — Ela ri ainda mais e quando ele percebe, ele está rindo com ela.

Dessa vez ela não protesta quando ele a puxa para mais perto, seus braços se enrolam em volta da cintura dela, a cabeça dela se inclinando para se encontrar com a dele.

Alguns minutos mais tarde do que esperado, ela acabou de arrumar seu cabelo e está limpando o seu rosto para aplicar uma nova camada de maquiagem. Ele quer falar, mas não vai ousar dizer que ela ficaria bem mais confortável se sentasse no colo dele ao invés de se inclinar para ver o rosto dele direito.

Ele se sente em paz assim, com os dedos dela lentamente trabalhando na cicatriz dele, os lábios dela franzidos em concentração, e ele quer olhar só para ela por toda a eternidade. Ele se sentiu assim quando ela tocou no rosto dele pela primeira vez, e ele se sente assim agora.

Para deixar o momento ainda mais perfeito, ela só teria que casar com ele.

— Me traz chá hoje? — Ele sabe que é um pedido egoísta, mas ele não liga. Ele não deveria pedir isso, mas ele não liga. Se ele não puder se casar com ela, ele vai achar outro jeito de tê-la ao seu lado.

— Eu achei que já tinha uma dama da corte responsável por isso. — Ele nota a hesitação na voz dela, e tenta quebrá-la com um sorriso desafiador.

— E isso te impediria?

— Eu não sei se seria apropriado...

— Por favor? — Ele tenta a estratégia dela, e faz uma expressão tristonha, um bico com os lábios. É uma expressão indigna para um rei, mas se ele conseguir fazer com que ela vá vê-lo à tarde, ele não liga.

— Ah, tá bom! — Ele sorri vitorioso quando ela se rende exasperada, — Só não faça mais essa cara.

 

 

— Anunciando a entrada da Rainha Hwangbo.

Se fosse qualquer outro dia, So teria suspirado e se preparado para o que ela tinha vindo dizer. Se fosse qualquer outro dia, ele sentiria um peso caindo sobre seus ombros. Mas isso seria se fosse qualquer outro dia, e naquele dia em especial, seu dia estava indo bem demais para ser afetado pela presença da Rainha e de seus lacaios.

— O que deseja? — ele consegue perguntar com um sorriso leve – e quase escondido – enquanto ela tenta manter uma postura régia e firme.

— Saudações, Pyeha. Vim em nome do clã de Hwangbo para agradecer por poupar a vida no nosso 8º Príncipe Wang Wook, embora ele tenha cometido um crime digno de morte. Sua misericórdia e benevolência são ilimitadas, Pyeha.

A reverência de Yeon Hwa é elegante e graciosa. Mas ela não se ajoelha. Ela nunca se ajoelharia. Ela gostava de estar acima de todos os outros, mesmo que o outro em questão fosse o governante da nação.

Ela não se curvaria, mas ele poderia conseguir diminuir a atitude dela se jogasse direito.

— Aprecio o gesto e os sentimentos do clã Hwangbo, Huanghu. No entanto, minha misericórdia e minha benevolência não são a causa de eu ter preservado a vida do seu irmão. — Ele se vira para Hae Soo, que está ao lado dele, dando seu melhor para parecer composta, mas falhando no instante que ele menciona o nome dela, — Já que quer tanto assim agradecer adequadamente pela sentença leniente do 8º Príncipe, deve agradecer a Hae Soo, que implorou pela vida dele de joelhos e assim, salvou sua a vida.

Ele tenta não sorrir de satisfação quando os olhos de Yeon Hwa se arregalam e seu cenho franze imediatamente, seu peito se inflando de forma desafiadora, e suas maçãs do rosto corando levemente.

Você vai agradecer a ela formalmente, com mesura e tudo, na frente de sua comitiva de ministros e aliados, e diante de seu Rei. Você vai fazer isso agora, porque não pode ignorar a ordem do Rei na frente de todas essas pessoas.

Você vai fazer isso, e quando eles forem embora do palácio hoje, todos se lembrarão de como você colocou uma dama da corte acima de você.

Os olhos dele estão cravados nos dela, esperando que seu orgulho de ferro ceda. Casualmente lembrando-a qual é o seu verdadeiro lugar.

A reverência da Rainha não é tão graciosa quanto à anterior, mas é uma mesura, e mesmo que não seja tão importante, e que não compense por todo o mal que ela já trouxe sobre Hae Soo, é o fim do mundo para ela, e ele sabe disso. Hae Soo sabe disso.

É só uma mesura, mas ele saboreia o momento assim mesmo.

Depois que as portas se fecham atrás da Rainha frustrada e irritada, no entanto, ele deixa a risada dele ecoar pela Sala do Trono vazia.

— Você chegou na hora certa, — ele consegue dizer à Hae Soo, que ainda está congelada no mesmo lugar num misto de estupor e choque, olhos arregalados em confusão, mas com um pequeno sorriso aparecendo no canto dos lábios.

— Eu não implorei de joelhos.

— Mas ela não sabe disso. É algo que você faria mesmo, deixe ela acreditar que implorou.

— Espera, você sabia que ela vinha?

Ele ainda está rindo quando indica que não com a cabeça.

 — Eu só queria te ver um pouco. Mas estou feliz que ela tenha decidido se juntar a nós, — ele fala num tom que nunca usaria para se referir à sua esposa, e então comenta pensativo, — Eu devia ter te pedido pra sentar do meu lado.

— Pyeha!

— O que foi? É bem feito pra ela.

Ela revira os olhos numa mistura de indignação e exasperação, mas ele sabe que ela está tão satisfeita quanto ele por ter visto a expressão embaraçada e irada da Rainha. E assim que ela começa a recolher as xícaras e o bule, ele só consegue esperar que um dia ele possa ver Soo dar uma surra em Yeon Hwa, que nem ela deu em Eun. Isso seria mais engraçado do que fazê-la se curvar.

— Vou te ver hoje à noite? — A voz dela o trás de sua imaginação fértil e de volta para a dura realidade.

— Tenho que ler uns relatórios hoje, — ele diz numa voz cansada, — Vai demorar, então vá pra cama mais cedo.

— Certo, — ela consente e continua a colocar a louça com cuidado sobre a bandeja, o que o faz erguer uma sobrancelha em suspeita.

— Estou falando sério! — Ele olha para ela com firmeza, temendo que ela ignore esse pedido que nem ignorou todos os outros, — Se eu for para os meus aposentos no meio da noite e te encontrar dormindo no chão de novo, vou começar a ser desleixado com meu trabalho e Goryeo vai ser arruinada! O bem-estar da nação inteira depende de você!

Ela ri e dessa vez revira os olhos para provocá-lo, e ele se sente aliviado por ter aprendido a fazer discursos dramáticos com ela.

— Te vejo amanhã, Pyeha. — Ela se curva antes de se retirar, e ele sorri novamente.

 

 

O tempo passa rapidamente para ele, e não é porque Hae Soo está ao seu lado (mesmo embora ele sinta mais confortável por ter a companhia dele à noite), e sua vida não parece ser tão cruel quanto parecia antes. Os pesadelos da sua vida em Shinju lhe assombram um pouco menos, e até o trono se torna um fardo mais suportável. No entanto, ele sente que finalmente está se tornando apto a começar a mudar o país. Ele passa mais noites trabalhando na estabilidade das fronteiras, restaurando a paz entre os clãs e fortalecendo seu reinado. 

Por outro lado, ter que administrar corretamente o progresso da nação significa passar mais tempo na sala do trono com Ji Mong ou um outro ministro, às vezes a noite inteira, e menos tempo com Hae Soo.

Essa noite é uma delas. Ele suspira cansado, esfregando os olhos enquanto caminha sozinho pelo jardim escuro, tentando aliviar a mente e respirar um pouco de ar fresco. Como sempre, ele acaba vagando para o lago, perto da margem onde ele a levou para observar as estrelas anos atrás, e é recompensado com a mais bela vista. 

A lua cheia reflete na sua pele de marfim, seu cabelo está solto e cai em volta de seus ombros, e ela está enrolada num lençol de bordados. Ela provavelmente não conseguiu dormir e saiu do quarto, buscando fazer o mesmo que ele. Está escuro, mas ela parece brilhar perto da água negra. E mesmo que seja muito tarde para ela ainda estar acordada, ele fica feliz por encontrá-la.

— Como conseguiu se esquivar dos guardas e vir aqui? — Ele pára atrás dela e ela se vira, olhando por cima do ombro com um sorriso convencido.

— Um rapaz que eu conhecia me contou as rotas deles uma vez.

— Que gentil da parte dele.

— Ele só estava tentando achar um jeito de me cortejar, — ela dá de ombros e se vira, — Não sabia quando desistir. Era muito irritante.

Ele ri e se senta ao lado dela, envolvendo um braço sobre seus ombros e puxando-a para perto do seu peito.

— Você pode ficar do lado de fora?

— Não está tão frio hoje, — ela diz, mas ainda se aninha no seu peito buscando calor, e enrola seus braços na cintura dele quando encontra uma posição confortável, — E eu estou com um cobertor. Vou ficar bem.

— Ainda assim, me parece arriscado vir aqui só para ver as estrelas.

Ela bufa e olha para ele.

— Quem está vendo as estrelas aqui?

— Não? 

— Eu vim ver o lago.

— O lago?

Ela ri da expressão dele de confusão e então volta o olhar para as águas plácidas na frente deles. Ele faz o mesmo e se deleita no toque dela enquanto escuta sua voz.

— É bem pacífico, não? Quando você o observa à noite ele parece se estender até o infinito e nunca acabar. Me faz sentir que eu vou viver até a infinidade também.

Ele lembra do dia que ela lhe disse que sabia que ele não ia morrer, antes mesmo do seu primeiro irmão se tornar rei, e ele se sentiu imortal. 

— Parece bom, — ele sussurra perto da têmpora dela, — Viver até a infinidade.

Ele está prestes a carregá-la dali, tomá-la nos seus braços e voltar para dentro, mas então ela se mexe e começa a falar.

— Eu ouvi uma história há muito tempo atrás, — ele se aquieta e deixa a voz dela acalmá-lo, — Uma mulher, que tinha perdido tudo, se sentou às margens de um lago, bem parecido com esse, e ficou pensando em como tudo na sua vida tinha dado errado.

— Por que ela foi pensar perto de um lago? — Ele não consegue controlar a curiosidade que o acerta, e ele sente ela hesitar quando ele faz sua pergunta. 

— Eu não sei. Mas se ela não for lá, a história não acontece.

— Por que o lago é tão importante?

— Você quer ouvir a história?

Ele sabe que ela está irritada quando sua voz suave fica um pouco ríspida e seu toque cálido fica levemente agressivo, então ele sorri como o gentil garoto que é para evitar violência. Depois de um suspiro, ela retoma o conto.

— A mulher estava às margens do lago, pensando em como tudo na sua vida tinha dado errado, quando ela caiu na água.

— Como ela caiu na água?

A expressão de frustração e consternação de Soo é completamente adorável, mas So jamais falaria isso em voz alta. 

— Por que isso importa? — Ela se afasta e se vira para encará-lo, exasperada, e ele luta para mantê-la perto e ao alcance de seus braços. 

— Foi um acidente, um ataque ou um ato de desespero?

— Você precisa mesmo de um motivo para ela ter caído no lago?

— Ninguém cai num lago sem motivo.

— Bem, talvez ela escorregou, talvez a amiga invejosa dela a empurrou, talvez ela quisesse nadar ou fazer uma coisa estúpida como salvar alguém que estava se afogando, eu deixo você escolher.

Ele escolhe não escolher nada e finalmente deixar ela acabar a história, então ele pára de sorrir e acena solenemente. 

— Continue.

— Ela caiu no lado, mas não importava o quanto tentasse, ela não conseguia voltar para a superfície. Então ela aceitou seu destino, e afundou lentamente até o fundo, esperando a morte chegar. Mas a morte nunca chegou. — Ele espera, completamente silencioso, pelo desfecho, olhando atentamente para sua expressão saudosa. 

— Ao invés disso, — Soo continua, — ela encontrou um novo mundo debaixo da água...

Ele não queria interrompê-la novamente, mas seu protesto indignado é forte demais para que ele possa contê-lo.

— Não, isso é irrealista demais!

— Com licença, quando foi que eu disse que seria lógica? Eu só estou contando uma história que ouvi há muito tempo atrás. Agora fique quieto.

— Ela encontrou um novo mundo debaixo da água, — ela repete, e olha para o plácido lago à frente, — De certa forma, ele era bem parecido com esse mundo nosso. Mas ele tinha uma cultura e costumes diferentes. No começo, ela tentou voltar, ela achava que tudo era estranho e que ela não conseguiria nunca se adaptar. No entanto, ela aprendeu a viver lá, ela fez amigos, e até mesmo encontrou uma nova família. Ela se tornou parte das pessoas que viviam lá. E nunca mais pensou que sua presença era um fardo para os outros.

Ele espera até ter certeza que ela acabou a história antes de fazer comentários e deixa os olhos se desviarem dela e voltarem para o reflexo da lua na água, e ele sorri. 

— É uma boa história, — ele sussurra e sente ela fazer que sim com a cabeça e se inclinar nele. 

— Faz você desejar que a vida fosse assim fácil de consertar.

Há um leve toque de saudosismo na voz dela, e quando ele baixa o olhar para ela, ele vê o anseio nos seus olhos e começa a sentir um pouco desconfiado.

— Você por acaso está pensando em me deixar e encontrar um mundo novo só pra você debaixo da água?

Ela ri em voz alta, e mesmo que ela esteja rindo dele, ele não pode deixar de sorrir.

— É só uma história, Pyeha, — ela fala como se ele fosse uma criança, mas ele não liga, — E além do mais, eu já tentei antes. Não deu certo.

Seu cérebro começa a imaginar a cena automaticamente. Uma Hae Soo mais nova, vestida com suas antigas roupas coloridas, entrando na água, prendendo a respiração e esperando ser levada para um mundo de fantasia até que ela não conseguia mais respirar.

E é aí que ele percebe que o cérebro dele não está imaginando um cenário, e que isso é uma memória.

— Espera, — ele cutuca o ombro dela, atraindo a sua atenção para ele, — Era isso o que você estava tentando fazer quando foi pega espiando os príncipes no banho?

Ela pisca e abre a boca, surpresa, gaguejando antes de conseguir falar uma única frase compreensível.

— Eu não sei, — ela diz num tom que indica que ela definitivamente sabe, — Eu perdi minha memória, lembra?

— Mas e aquela outra vez, quando você viu minha cicatriz? — Ele questiona com um tom de curiosidade, acuando-a para que ela lhe desse uma resposta.

Ela gagueja envergonhada mais uma vez, e ele precisa segurar a risada para não a irritar de novo, até que ela cruza os braços num sinal de teimosia e faz um bico.

— Bem, talvez sim, talvez não. Você nunca vai saber ao certo.

Ele ri então, puxando-a para perto novamente, com os braços cruzados e tudo, e repousa seu queixo na parte de cima da sua cabeça. Ele imagina um mundo diferente, com uma tradição completamente diferente. Ele pensa num lugar onde ele não tivesse que carregar um fardo tão pesado quanto o trono, mas que ele pudesse viver livremente com Hae Soo, casar com ela, ter filhos com ela, e tudo o mais.

— Seria bom poder ir para lá, — ele deseja e faz uma prece, pedindo por um lugar para o qual eles pudessem fugir, onde as coisas não fossem tão caóticas quanto em Goryeo.

Enquanto eles observam o lago iluminado pelo luar, ele espera que esse desejo um dia possa se realizar, e ele se permite ignorar o instinto de protegê-la do mundo, apenas dessa vez e não carregá-la de volta para o seu quarto, não interromper esse momento.

Depois de um tempo ele sente os braços delas se apertando em volta dos seus, sua mão encontrando a sua, e seus dedos se entrelaçando com força. Mas antes que ele possa dizer alguma coisa, ela começa a falar novamente.

— Tem outro final dessa história, mas eu não gosto muito dele. 

Ele não diz nada, mas se vira para olhar para o seu rosto, ainda observando o lago, e espera que ela continue.

— A mulher, depois de finalmente se adaptar, estabelecer família e encontrar felicidade, estava caminhando em seu novo lar quando de repente ela começou a flutuar, como se alguma coisa a estivesse puxando de volta para a superfície. Ela tentou resistir, porque queria ficar no mundo debaixo da água. Mas então ela sentiu a água entrar em seus pulmões e perdeu a consciência, e depois desapareceu.

So espera por uma conclusão, por um fim mais concreto, esperando que houvesse uma luz no fim do túnel para a mulher, ou pelo menos uma morte clara e definitiva, mas fica confuso quando nenhum dos dois vêm. 

— O que aconteceu com ela? — Ele pergunta, já decidindo que também não gosta desse final da história.

— Quem sabe? — Ela dá de ombros tentando parecer indiferente, mas ele sente seu aperto ficar mais forte por conta do medo, — Talvez ela tenha voltado para o seu mundo de origem. Talvez ela tenha morrido. Não importa. Ela perdeu tudo mais uma vez. E ela deixou para trás a única coisa que ela não queria deixar... — Ela olha para ele e abre a boca como se estivesse prestes a lhe dizer alguma coisa quando, de repente, ela começa a chorar. 

Ele não sabe o que fazer, não entende porque as lágrimas dela começaram a jorrar do nada e ela começou a soluçar e agarrar seus robes, então ele segura seus ombros, tentando confortá-la e entendê-la ao mesmo tempo.

— Eu também não quero te deixar, — a voz dela parte seu coração e o deixa ainda mais confuso. Ele não suporta vê-la chorar.

— Soo-yah... — Ele quer perguntar várias coisas de uma vez só. Por que ela está chorando? Por que ela está falando sobre deixá-lo? O que ele tem que fazer para ela parar de chorar? Do que ela precisa? Ela quer entrar? Ela quer alguma outra coisa?

No entanto, ele só pode observá-la desesperado conforme seu choro fica cada vez mais alto, e ficar ainda mais inquieto, as palavras dela fazendo cada vez menos sentido.

— Me perdoe, Pyeha, — ela sussurra entre lágrimas, — Me perdoe.

 

 

O mundo dele está dilacerado.

O mundo dele está dilacerado e sem cor, ele escapa por entre as rachaduras e se dissolve até se tornar nada. Só existe o vazio e o silêncio ao redor dele. O nada que retorna seu olhar e ele sente que está caindo para mais e mais longe. Tudo ao redor dele deixou de ter significado, e nada mais faz sentido.

O coração dele também parou de bater, e está frio e seco como uma pedra, fazendo seu peito pesar, fazendo-o afundar ainda mais no estado de esquecimento e nada. Seu coração está morto, e se recusa a voltar a vida, e seus pulmões já pararam de funcionar faz tempo.

Mas os olhos dele estão focados nos dela, seus ouvidos ainda tentando compreender as palavras dela, e parte dele ainda grita que é mentira, só pode ser mentira, porque mesmo que ele entenda o que ela diz, não tem como ser verdade. Não pode ser verdade.

Ele sente as mãos dela tocando o seu resto, o calor dela chegando a ele, mas ele continua frio. Ele não sabe quando ou como eles vieram para o quarto dela, mas ele ainda sente que está observando o lago infinito e preso em um estado infinito de perda. Porque ele está perdido, mas ele não está certo se quer ser encontrado e trazido de volta à realidade.

— Pyeha... — A voz dela está carregada de preocupação, e isso só o confunde ainda mais, porque ela não deveria estar preocupada, não no estado em que está. Ele é quem precisa cuidar dela e protegê-la de todo mal.

Mesmo que já tenha falhado nessa parte.

Os braços dela envolvem sua cabeça, e ele sente ela afundando o rosto na dobra do seu pescoço. Ele está cercado pelo cheiro dela, e ele sente o coração dela bater, o coração frágil dela, já vacilando, já morrendo. 

Porque é verdade, e ele não pode escapar da realidade. 

Ele tenta encontrar sua própria voz. Os braços dele se enlaçam na cintura dela, tentando trazê-la para ainda mais perto.

— Há quanto tempo você sabe? 

— Já faz um tempo, — ela responde depois de um instante de hesitação. 

— Soo-yah! — Ele afasta o rosto dela para olhar dentro de seus olhos, — Quanto tempo?

Ela evita os seus olhos, olhando para qualquer lugar menos para ele, e se encolhe quando responde numa voz baixa. 

— Antes do seu casamento.

— Esse tempo todo...

Ele a imagina sozinha, sentada no Damiwon o dia inteiro, fazendo preces para suas torres. E depois, Chae Ryung e Woo Hee falecendo, Baek Ah deixando o palácio. O relacionamento deles quase desmoronando, e depois sendo erraticamente restaurado. Tanta coisa aconteceu dentro de alguns meses, e todo esse tempo ele jamais imaginou que ela estava morrendo. 

Ele só percebe que se levantou quando sente ela agarrar seu robe, tentando impedi-lo de sair. 

— Me perdoe por não ter contado antes! — A voz dela soa desesperada e seus olhos brilham em um pedido que ele precisa lutar para ignorar, — As coisas entre a gente estavam tão caóticas. Eu não podia... Por favor, não fique com raiva!

— Não fique com raiva? É claro que vou ficar com raiva. Você me conta que está morrendo e não quer que eu fique com raiva?

— Pyeha... — Ela se levanta e se aproxima dele, mas ele a mantém à distância, segurando-a pelos ombros. 

— Foi por isso que quis ir embora?

Ela suspira, colocando as mãos dela sobre as dele, antes de responder.

— Não.

— Então foi por isso que decidiu ficar?

— Não, não foi.

—Mas você já sabia. Quando foi me ver na torre de oração e me disse que ia ficar, você sabia que estava morrendo, e ainda assim disse que não ia me deixar...

— Pyeha...

— Você disse que não ia me deixar!

Ele não liga para como ele soa, se ele está sendo birrento ou injusto. Ele não liga se está fazendo chilique. Ele só quer que o mundo pare e volte a fazer sentido, ele só quer encontrar um jeito de consertar isso. 

Os braços dela estão em volta dele mais uma vez, puxando-o para perto pela sua cintura, a cabeça dela reclinando nas costas dele. 

— Se os Céus decidiram que não posso ficar por muito tempo, quem sou eu para me opor? O que eu poderia fazer?

Ele segura suas mãos entrelaçadas, com raiva dos Céus e com raiva da vida em si. Com raiva porque mesmo depois de tudo o que ela teve que passar, ela ainda tenha que lutar contra essa doença. 

— Como conseguiu viver assim?

— Eu só vivi.

— Devia ter me contado.

— Eu não tinha como.

Então é a vez dele desabar. Ele nem tinha percebido que estava prestes a isso, mas ele subitamente não consegue segurar as lágrimas. O corpo dele se curva e ele cai de joelhos. 

Ele não consegue mais respirar, ele não consegue mais pensar. Ele não consegue fazer nada além de chorar e chorar, e a pedra que estava no lugar do seu coração parece ficar ainda maior e o peso o arrasta para baixo novamente. Ele está sendo arrastado para o vazio novamente, um lugar onde nada existe, nem sequer ele mesmo.

Ele não liga. Comparado a uma vida sem Hae Soo, não existir é uma escolha muito melhor.

Ele não sabe quanto tempo ele passa chorando, nem se está sendo quieto ou se está fazendo barulho, mas ele está ciente dela, de suas mãos segurando seu rosto e limpando suas lágrimas, de seus braços tentando acalmá-lo, suas palavras tentando confortá-lo. Mas ele não quer que suas lágrimas desapareçam, ele não quer se acalmar ou ser confortado.

Ele só quer acordar e descobrir que tudo isso não passa de um sonho ruim.

Depois que sua tempestade passa, ela ainda está lá, ainda o abraçando e limpando as lágrimas de seu rosto. Ainda trazendo conforto e acalmando seu coração, mesmo embora seja ela quem mais esteja sofrendo.

A cabeça dele está repousada no colo dela e ela tenta tranquilizá-lo fazendo cafuné no cabelo dele. Demora um tempo, mas ele finalmente consegue falar com uma voz rouca, sua garganta parecendo uma lixa. 

— Você deve ter chorado muito sozinha. — Ela não diz nada, mas faz que sim com a cabeça, suas mãos focadas em acariciar o cabelo dele, — Você ainda precisa chorar mais um pouco?

Ela sorri amargamente e faz que não com a cabeça.

— Eu estou bem, Pyeha. É com você que estou preocupada.

Ele arfa em choque, sem poder acreditar nessa mulher. Ele coloca uma mão sobre o pulso dela, e a observa cuidadosamente. 

— Isso está mesmo acontecendo? Não tem como impedir? — Depois de seu sinal negativo ele se levanta, sua tristeza dando lugar a determinação e convicção, — Eu me recuso. Vou falar com o médico. Ele receberá a tarefa de encontrar uma cura para você.

— Não, — ela diz com urgência, mas não é o bastante para fazê-lo se desencorajar, — Se fizer isso, vai revelar minha doença, e você não está estável o bastante para aguentar um ataque dos nobres se eles me usarem.

— Então vou mandar Baek Ah encontrar alguma coisa, — ele diz num tom resoluto.

— Ele nem está no palácio.

— Ele vai fazer isso por você. Talvez ele possa encontrar um jeito. Eu me recuso a desistir, Soo-yah! — Com a falta de alternativas, sua voz treme de novo, exausta e debilitada, — Senão, o que nós vamos fazer?

— Talvez não tenha nada que possamos fazer. — Ela respira fundo, um sorriso melancólico voltando para seus lábios, — Eu só quero passar os anos que ainda me restam com você.

Ele sente seu coração se estilhaçar de novo, uma dor aguda no seu peito quando ele pensa no quão curto é o tempo que eles terão, e o quanto ele queria que eles pudessem envelhecer juntos. Agora ele só pode desejar paz quando a contagem regressiva começa.

— Não diga isso, — ele a abraça, a traz para perto, afundando o rosto no pescoço dela mais uma vez, e segura as lágrimas.

Ele se permite desistir e saborear o aroma e o calor dela, e imagina como ele vai conseguir sobreviver quando ela se for.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Um dos capítulos mais difíceis de escrever...

NF me ajudou com o título do capítulo de novo!
link para os curiosos musicais -> https://youtu.be/c7LhtzCS8DE

Opiniões são bem vindas.
Elogios sempre aceitos.
Críticas apreciadas.

:)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Minguante" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.