Minguante escrita por JennyMNZ


Capítulo 3
I Can Make It Right


Notas iniciais do capítulo

Pra curtir o feriado...



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Ela não o vê por um tempo.

Ela vaga pelos jardins, tentando limpar os pulmões depois de passar tempo demais na sombra do palácio. Ela para no mirante perto do lago sempre que possível, esperando poder vê-lo lá mais uma vez, mas suas tentativas não resultam em nada. Mas ainda assim ela espera poder vê-lo, e anda por todos os lugares que ele poderia estar, exceto pela Sala do Trono. Ela está desesperada para vê-lo, mas não muito ansiosa por outra briga ou outra conversa de partir o coração à vista de um público.

Ela visita suas pedras de oração com mais frequência do que antes. Ela empilha pedra sobre pedra, mas dessa vez não consegue pensar em nada para dizer. A única coisa que existe naquele momento é o silêncio dela e sua esperança de que os céus possam ver o coração dela de algum jeito e ouvir seus pedidos silenciosos e desesperados.

Ela deseja poder perdoá-lo por estar agindo daquela forma.

Ela deseja poder se perdoar por estar agindo daquela forma.

Ela deseja que eles estejam em outro lugar, em um outro tempo. Uma situação diferente e um cenário diferente. Um futuro diferente que não pesasse sobre ela à medida que o toque da morte ficava mais forte em volta dela.

Ela deseja que as coisas sejam mais simples e que ele não seja forçado a fazer coisas que o tornam mais cruel e mais frio.

Ela deseja que, se não podem ter um presente diferente, que pelo menos suas vidas sejam um pouco mais fáceis. Que eles tivessem mais pessoas de confiança por perto. Que a família dele não o tivesse colocado de lado de novo e de novo. Que todos os clãs nobres, manipuladores e sanguinários, simplesmente o deixassem em paz.

Ela deseja, e então se sente mal porque é a única coisa que ela pode fazer.

Alguns dias são mais frios e solitários que os outros, e nesses dias Hae Soo também tem arrependimentos. 

Quando ela caminha mais perto dos corredores do palácio, buscando abrigo contra o vento violento, ela sente o medo se espalhar pelo seu corpo, seu luto começando a arrastá-la para baixo, sua solidão acentuada pelo eco dos espaços vazios que um dia estiveram cheios do som de risadas.

Ela decide tomar o caminho mais longo de volta para o seu quarto, onde ela sabe que as sombras estão mais escuras. Mas se arrepende de passar por aquele lado do palácio no instante em que ouve alguém falar com ela.

— Ouvi falar que você estará nos deixando em breve. — A Rainha sorri como sempre, mas dessa vez ela parece realmente feliz. Como se a ideia de um lugar sem a presença de Hae Soo fosse tudo o que ela pudesse querer.

— Quem lhe disse isso? — Soo tenta não parecer intimidada, não parecer pequena demais perto da mulher vestida em cores vibrantes, jóias caras e penteado elaborado.

— Eu acho que não importa. Ou será que sim? — A outra mulher inclina a cabeça levemente, deixando a resposta pairando no ar.

Não pode ter sido ele! Ele disse que não ia desistir de mim, ele disse que também ia lutar por nós!

Talvez ele tenha se cansado, o lado mais fraco dela se convence que ele finalmente chegou ao limite.

Ela só quer te provocar, o lado mais sábio e mais forte – mais escondido – dela se recusa a chorar. Você o conhece. Você sabe que ele não vai te mandar embora desse jeito.

(Então ela se sente pior por ter chegado a duvidar dele.)

Soo respira fundo e tenta focar na sua aversão pela mulher perto dela para não começar a chorar de novo.

— Não gosto de falsas cordialidades, Huanghu. Tenho certeza que já sabe disso. Então me diga, o que você quer?

— O que eu quero? — Daemok ri, mas Soo percebe que o sorriso dela é vazio como sempre foi, — Eu sou a Rainha de Goryeo! Existe algo que eu ainda não tenha?

— Então, por favor, não me deixe continuar a incomodá-la, — Hae Soo diz, tentando conter sua hostilidade e se livrar dela ao mesmo tempo, — Por favor, retorne para seu quarto vazio e continue espalhando falsos rumores, já que acaba de confirmar que não vou embora. 

Ela se sente satisfeita em ver o sorriso da Rainha fugir do rosto, embora ela não tenha metade da confiança que demonstra. Os olhos de Yeon Hwa chispam de ódio, e Hae Soo se sente aliviada. Ela prefere que as pessoas mostrem seus sentimentos verdadeiros quando conversam com ela, ao invés das facadas doces e sutis que são tão comuns no palácio.

— É incrível o que o favor do Rei faz com uma pessoa. — A voz da mulher está cheia de desprezo e arrogância, então Soo não consegue reter sua réplica.

— Ou a falta dele. — Sua declaração faz a Rainha semicerrar os olhos para ela.

— Ainda não aprendeu qual é o seu lugar... — Daemok a censura, caminhando para mais perto dela de forma ameaçadora, — Olhe em volta, Hae Soo. Seu fraco amor já está murchando. É só uma questão de tempo até que um de vocês desista. Se agarrar a um pedaço de madeira numa tempestade em alto mar demanda muita coragem e força, mas no fim, é inútil e não muda nada.

Se fosse antes, Go Hajin conseguiria aguentar. Se as circunstâncias fossem diferentes, mesmo que ela tivesse brigado com o Rei, ela conseguiria lidar com a mulher à sua frente. Mas agora, com um coração fraco, com uma mente fragilizada, e com a lembrança dos olhos dele da última vez que conversaram, Hae Soo não consegue.

Ela só consegue impedir as lágrimas de caírem, e isso parece deixar a Rainha de bom humor novamente.

— Sem respostas petulantes dessa vez? — Ela ri, usando suas palavras como adagas, — Devia ter aceitado minha generosidade naquele dia. Agora você deixará o palácio em breve, envergonhada e humilhada, e eu estarei assistindo você partir do topo das muralhas.

 

 

Ela não consegue fingir que as palavras da Rainha não a afetam.

Depois que a mulher repugnante a deixa, feliz por desanimar outra pessoa mais uma vez, a angústia de Hae Soo parece se multiplicar. Dessa vez, no entanto, ela não pode culpar a Rainha por nada além de dizer a verdade. Aquela era a realidade dela, e ela não podia fugir dela.

(Não que ela estivesse tentando fugir.)

Enfim, as palavras da Rainha doem porque são verdade. E aparentemente a outra mulher também sabia que elas machucariam mais do que qualquer um dos outros comentários e menções que ela já se dera ao trabalho de dizer a Hae Soo.

Ela se sente pior ao perceber que aquela era a primeira vez que ela não conseguia esquecer as palavras de Yeon Hwa. Ela se sente pior porque mesmo depois que está sozinha, ela continua a repeti-las de novo e novo na sua cabeça.

(Seu fraco amor já está murchando. É só uma questão de tempo até que um de vocês desista.)

— Não está! — Ela grita para o nada. Ela grita para ninguém. Agora que ela está sozinha, é fácil negar o inegável e deixar as lágrimas jorrarem de seus olhos. — Não está. — ela sussurra debilmente, se apoiando numa das colunas para não cair de joelhos.

O amor deles não está murchando, ela tem certeza. Ele já está morto.

Já está morto e frio, e tudo o que resta são as brasas fracas do que uma vez foi uma fogueira gigante, o leve brilho que sempre lhe dá a falsa impressão de que vão acender e voltar a queimar. Mas a essa altura ela já sabe que elas vão ficar mais e mais frias, até que só restem cinzas.

O amor deles já está morto, e foi ela quem apagou as chamas.

(A rainha está certa. A decisão dela de ficar é fútil, e não vai mudar nada.)

Ela adiciona mais um problema triste na sua contagem. Mais um arrependimento para sua pilha de pedras. Mais uma noite solitária e inquieta à sua frente. Menos um motivo para continuar acreditando.

 

 

(Depois, ela não quer pensar muito nas palavras da Rainha. Ela as afasta, as enfia nas profundezas de sua mente. Ela já está com as mãos cheias, e no fim das contas, esse é só mais um dos muitos motivos de ela estar se sentindo fria, solitária e vazia.)

Quando a noite cai e seus pés se cansam de caminhar sem rumo, ela volta para seu pequeno quarto e se lembra de quando ela pensou que a vida ali seria fácil. Quando ela jurou estar ao lado dele e ajudá-lo a ser visto como o homem sábio e corajoso que ela sabia que ele seria.

Eu era tão ingênua assim?

Desde que decidiu ficar, ela vem tentando ver as coisas de um jeito diferente. Ao invés de repetir as memórias ruins na sua cabeça, ela força a mente a se recordar das boas também. Ela se agarra a cada uma delas como se fossem sua vida – o que elas são de certa forma – e evita que as ruins venham.

(Os arrependimentos de uma pessoa, no entanto, não podem ser esquecidos por muito tempo. Hae Soo sabe disso. Hae Soo sabe que se continuar a construir uma parede de concreto para afastar as coisas ruins, ao invés de lidar com elas do jeito certo, a represa um dia vai rachar, sucumbir à força da água, e ela vai ser arrastada para longe, até se afogar na sua própria angústia.)

Ela foca nas boas memórias, sabendo que ficar sentada sozinha enquanto faz isso não é a melhor forma de superar as coisas que os separam, mas sem nenhum outro recurso ao seu alcance.

Até mesmo o seu jantar, que está começando a esfriar na frente dela, a faz lembrar da última vez que eles comeram juntos – um chateado com o outro, ele indo embora antes de comer metade da sua tigela de arroz, e ela perdendo a força de vontade para continuar com ele.

Soo afasta essa memória e se lembra de outras vezes que elas tiveram uma refeição. A primeira vez que eles tiveram uma conversa pacífica quando ela carregou a comida dele até o topo de uma montanha. O dia pacífico que eles passaram na casa de Baek Ah e ela teve que lhe dar comida na boca porque o braço dele ainda não estava sarado. Seus primeiros dias como Rei, quando eles se sentavam numa mesa com Baek Ah e eram a coisa mais próxima de uma família.

Ela deseja poder ter valorizado mais esses momentos. Momentos mundanos nos quais ele vinha jantar com ela só para passarem um tempo juntos.

Talvez se eu desejar com mais vontade, ele entre por essa porta.

Ela começa a se repreender por pensar nessas coisas e se firmar em falsas esperanças, quando a porta se abre e ele realmente entra por ela.

— Me desculpe por ter sumido, — ele fala apressado e se senta à frente dela na pequena mesa de jantar, — Os ministros não me deixaram em paz até acabarmos um tratado importante.

Ela leva um momento para registrar a presença dele. E então mais um momento para registrar as palavras dele. E então mais outro para compreender a situação por inteiro, para entender porque ele está sentado na frente dela como se isso fosse a coisa mais normal do mundo.

— Você não estava me evitando? — Ela assume que é isso que ele quer dizer ao se desculpar pela sua ausência nos últimos dias. Ele estava ocupado, e essa explicação é tão ordinária agora que ela acha que ele se esqueceu da última conversa que tiveram.

— Porque eu faria isso? — Ele parece um pouco magoado quando franze as sobrancelhas.

Porque eu sou uma pessoa horrível que continua te magoando.

Ela sacode a cabeça e se belisca de leve para ter certeza que isso é real, que isso está acontecendo, e que ela não voltou no tempo para os dias que ela tinha tanta saudade.

No entanto, ela continua confusa e chocada, ainda não acostumada com a visão dele sentado tranquilamente com ela. Não depois de um longo período de distância e de conflito.

— Por que está aqui? — É tudo o que ela consegue pensar em dizer, e isso parece diverti-lo, baseado na forma que seu rosto se ilumina. 

— Posso acompanhá-la no jantar?

Sim, ele está definitivamente se divertindo. Mas isso não parece tranquilizá-la.

— Você acabou de dizer que estava ocupado.

— E estou, — ele dá de ombros lentamente, e ela se pergunta quando foi a última vez que ela o viu tão relaxado, — Mas ainda achei que devia vir.

A ficha dela cai lentamente, seus sentidos ainda saindo do estado de choque. Ela está um pouco desequilibrada, e quando finalmente assimila tudo o que aconteceu em menos de dois minutos, ela começa a entrar em pânico.

Não, agora não. Ainda não. Não quando eu ainda estou cheia de negatividade. Não quando até mesmo uma simples conversa pode acabar virando outra briga. Eu não posso olhar para ele quando estou assim. Eu não estou pronta, eu não estou pronta, eu não estou pronta.

— Pyeha, não precisa fazer isso. — Ele abre a boca para protestar, mas ela o interrompe rapidamente, — Não, por favor. Não é uma boa ideia.

— Não é uma boa ideia. Mas é o que eu quero fazer. — Os olhos dele brilham e a convicção dela se abala um pouquinho.

— Pyeha...

— Você pode me permitir acompanhá-la, ou eu posso ordenar que me permita, — ele diz num tom definitivo, mas isso não a impede de inventar outra desculpa para ficar sozinha no momento.

— Não tenho talheres sobrando...

Nesse instante as portas do quarto dela se abrem mais uma vez e uma dama da corte entra com uma bandeja nas mãos.

— Pyeha, — ela diz e se curva, — O conjunto de talheres que pediu.

— Certo, — ele sorri e manda ela se aproximar.

A mulher se move rápida e silenciosamente, mas Hae Soo continua olhando fixamente para ele durante todo o tempo que ela coloca os utensílios com cuidado na mesa, recolhe a bandeja e se retira.

— Você parece estar preocupada, — ele quebra o torpor dela; seu prato e seus talheres ainda intocados ao lado das mãos dele, — Alguém te disse alguma coisa?

— O quê? — A pergunta dele surpreende-a mais uma vez.

— Foi a Rainha? Um dos ministros? Pode me falar. — Ele soa urgente e genuinamente preocupado. Ela não pode, no entanto, nem pela sua vida, criar coragem para lhe contar nada.

— Não. Não é isso, — ela murmura enquanto suas mãos se movem distraídas.

— Então o que está te incomodando?

A voz dele é doce e cautelosa e a faz transbordar com atenção e cuidado. E ela não aguenta, ela não se sente confortável tendo esse tipo de conversa com ele.

Eu não quero que você veja esse meu lado fraco, que continua querendo desistir de nós.

— Por que está fazendo isso? — Ela suspira e fecha os olhos com força para segurar as lágrimas que ameaçam cair. Ele olha para as mãos delas, que tremem e se movem inquietas, deixando suas incertezas e preocupações evidentes para o mundo inteiro.

— Eu te disse que não ia te deixar lutar sozinha. Eu te dei um tempo, mas já que chegamos à conclusão de que esse método não está funcionando, eu decidi encontrar outro.

— Você não pode fazer isso, — ela murmura debilmente, embora suas palavras tenham um tom reprovador.

— Eu sou o Rei, — ele levanta uma sobrancelha e sorri, se divertindo de novo, — Isso quer dizer que eu posso fazer o que quiser, não?

— Pyeha...

Ele dá a volta na mesa até chegar perto o bastante para apertar a mão dela, e então soltá-la antes que a situação fique ainda mais desconfortável para ela.

— Antes a gente conversava o tempo todo, não era? — O olhar dele está perdido nas memórias do passado, — Às vezes a gente conversava a noite toda, e só percebia quando o céu começava a clarear.

— Pyeha... — Ela sente sua convicção e sua resistência começar a diminuir com suas palavras.

— Eu gostava muito daquelas conversas, Soo-yah. E eu sinto falta delas. Me desculpe por acabar com elas e te afastar de mim. Eu não quero que nos tornemos estranhos, eu não quero que enfrentemos nossos fantasmas sozinhos, fingindo que somos fortes o bastante para resolver as coisas por conta própria. Eu quero que a gente confie um no outro, que nem antes. — Ele então vira os olhos para ela, e eles parecem sugá-la viva, — Vamos conversar sobre as coisas de novo, coisas importantes, coisas triviais, coisas que te incomodam, coisas que te fazem sorrir, coisas que você quer poder me contar, mas tem medo de como vou reagir. Seja honesta comigo, e eu serei honesto com você.

Ela não consegue dizer nada, só olhar para ele num misto de choque e espanto, então ele continua.

— Além do mais, nós precisamos ter aliados para viver num lugar como esse, não é mesmo?

Ela baixa o olhar. Não porque esteja com medo, ou com raiva, ou triste. Na verdade, ela está tão feliz e tão cheia de esperança – muito mais do que quando decidiu ficar no palácio – que ela acha que vai acabar explodindo. Ela está tão feliz que precisa de um momento para se acostumar novamente com a felicidade.

— Então eu também sou sua aliada? — Dessa vez é ela quem está se divertindo, seus olhos firmando-se nos dele.

O sorriso dele então cresce, e ele alivia um pouco da dor que ela vinha sofrendo.

— Você é minha maior aliada, Soo-yah. Você foi desde o começo.

 

 

Ele tenta sempre visitá-la, mas os encontros deles não são tão frequentes quanto ela esperava. A ausência dele, no entanto, não a machuca tanto quanto machucava antes.

Quando as últimas palavras da Rainha começam a pesar sobre ela, tudo o que ela precisa fazer é repetir o jantar deles na cabeça, relembrar como ele sorriu para ela depois de lhe pedir que compartilhasse os seus fardos. Tudo o que ela precisa fazer é lembrar que tem um aliado, e ela consegue encontrar um pouco de conforto naquele lugar.

(Não está morto. Se você o alimentar, o fogo não morre.)

Ela constrói uma nova torre de oração, essa para si mesma. Ela faz uma prece, ela deseja e espera que não seja tarde demais para voltar a ser quem era, ao invés dessa nova Hae Soo, que desconfia de todo mundo, que não deixa ninguém se aproximar. Ela também constrói uma para ele, esperando que ela não o tenha magoado ao ponto de danificar a relação deles permanentemente, embora seja ele quem esteja tomando a iniciativa dessa vez.

Os laços em volta deles ainda são finos demais, e ela usa todos os seus recursos para fortalecê-los. Lançar os alicerces para eles poderem reconstruir seu relacionamento, do jeito certo.

Dessa vez eles estão debaixo da sombra de uma antiga árvore. Ela está sentada em uma das raízes enormes e ele está agachado em frente a ela. Os joelhos dela tinham começado a doer há um tempo, mas ela ainda não queria voltar. Então eles ficaram descansando por um tempo à sombra e no clima agradável. 

— Tem certeza de que está bem? — Ele não está feliz com a decisão dela, e preferiria carregá-la de volta para o quarto dela e passar o resto do dia livre lá, — Está ventando um pouco hoje, você pode acabar piorando.

Ele ainda pensa que a doença dela é algo temporário, e ela ainda não teve coragem de contar todos os detalhes de sua condição para ele. Mais uma coisa para ficar se culpando. 

— Eu estou bem, Pyeha. — Ela força seu sorriso a parecer tranquilo e sua voz a soar calma. Mas ele está perto demais e atento demais, e não é fácil enganá-lo. 

— Pare de dizer que está bem, — ele a censura, — Permita-se não estar bem de vez em quando.

Ela suspira e desvia o olhar. Ele tem razão, ela não está bem. E não é só o seu frágil coração que a preocupa. 

— Eu não estou bem, Pyeha, — ela cede, — Mas o vento não me afeta.

Ele tinha pedido que ela compartilhasse seus fardos com ele, mas até agora ela ficou em silêncio, confiando mais na presença dele ao seu lado do que no seu apoio e na sua promessa de resolver os problemas dela. E ele não pode fingir que o silêncio dela não o incomoda.

— Se fosse antes, você me contaria? — A voz dele é baixa e um pouco triste. 

— Se fosse antes, não estaríamos tão distantes assim. — Ela sorri, mas os dois sabem que é um sorriso amargo.

— Eu sinto muito. — Sua cabeça imponente cai, mas ela se apressa a tocar no ombro dele e tranquilizá-lo.

— Não é sua culpa. Sério, — Ela põe mais firmeza no seu toque por um segundo, se esforçando para passar seus sentimentos para ele, — Eu estou muito grata pelo que vem fazendo por mim.

— Mas você acha que vai poder confiar em mim de novo?

— Eu confio em você. — Quando ele faz uma cara de descrença, ela põe mais convicção em suas palavras, esperando que não existam mais mal-entendidos entre eles, — Estou falando sério, eu confio em você. Com minha vida. Você também é meu maior aliado. Na verdade, eu não confio em mim mesma.

— Você acha que isso foi um erro.

— Não acho não.

— Então me conte, — ele olha para ela com olhos cheios de urgência e dor quando seu pedido sai de sua boca.

— É difícil. — Ela retira sua mão, voltando a mexer os dedos ansiosamente.

— Por quê?

— Esse caos dentro de mim não era para subir à tona. É como se... É coisa demais! Não era pra você me ver assim! Eu estou tão perdida que tenho medo que você me deixe se descobrir demais... Eu... — ela luta para encontrar palavras melhores, ela mexe as mãos tentando ilustrar suas emoções, esclarecer como ela se sente por dentro, o medo e o desespero que ela enfrenta constantemente, mas falha, — Eu não espero que você entenda.

— Eu entendo.

— Entende? — Ela olha para ele e vê que seus olhos estão amenos.

— Foi assim que eu me senti quando me apaixonei por você.

Ela pensa em tudo o que fez ele passar ao longo dos anos, e, apesar de se sentir aliviada por ele poder entender a bagunça de palavras que sai da sua boca, ela também se sente culpada por ter se feito de difícil no passado. 

— Me desculpe.

— Não precisa pedir desculpas. Na verdade, sou eu quem deveria estar pedindo desculpas. — Ela faz uma cara de confusão e ele suspira antes de elaborar, — Eu sinto muito por Chae Ryung.

— Eu sei. — Ela desvia os olhos dele, e ele desvia os olhos dela. Ela queria que eles não conversassem sobre essas coisas, com medo que ele acabasse se afastando, mas ele fora irredutível sobre falar sobre tudo.

— Eu queria que houvesse outro jeito.

— Eu também. 

— Você ainda me culpa? 

— Eu não te culpo, — ela fala com sinceridade, — Eu não poderia te culpar. Não foi sua culpa que ela decidiu fazer o que fez.

— Mas?

— Mas eu preferiria que você não tivesse feito o que fez.

Ele respira fundo e endireita a postura, se preparando para a conversa que eles estão prestes a ter. Ela apenas olha para ele, esperando ouvir as palavras que ele sempre pensou, mas que nunca disse, sair de sua boca.

— Chae Ryung era uma traidora.

— Ela era minha irmãzinha, — ela sacode a cabeça vigorosamente, lágrimas acumulando nos seus olhos, — Ela não merecia morrer daquele jeito.

—E quanto a mim?

— Você não merecia ficar preso à sua posição daquele jeito. — Ela pisca com força e deseja que as lágrimas sumam, — Você foi forçado, não foi? Por causa do trono. Eu te conheço, e você não é assim.

— Eu sou uma pessoa justa e acredito que os culpados devem ser punidos. — Os olhos dele são impiedosos, e ela teme que ele esteja prestes a erguer a voz, quando ele fala com um tom mais baixo outra vez, — Soo-yah, ela era uma criminosa.

— Ela era minha amiga! E nós poderíamos ter salvado ela! Baek Ah me disse que você estava suspeitando dela, que foi por isso que tentou mandá-la embora. — As lágrimas dela finalmente caem, e ela não tenta mais contê-las.  —  Por que não me contou? Por que teve que ser tão cruel? Era mesmo necessário que fosse na frente das outras damas da corte?

— Era. É a lei. — O tom definitivo dele só atiça a raiva dela, contida desde que ela enfrentou o sistema judicial de Goryeo pela primeira vez.

— A lei deveria proteger as pessoas. 

— Pessoas inocentes, — ele corta o discurso emocional dela com uma ira própria, — Chae Ryung matou meu irmão, impediu que Eun-ah e sua esposa escapassem, como pode defendê-la?

— Por causa do 9º Príncipe. Ele a manipulou, e você sabe disso. Ele nem se importou quando ela se foi, e a morte dela foi culpa dele. O envenenamento de Hyejong foi culpa dele. A emboscada para capturar o 10º Príncipe foi culpa dele, mas ele ainda anda livre por aí, como se nada de ruim fosse acontecer com ele. — Ela se lembra da indiferença dele quando o confrontou, e a ira dela cresce ao ponto dela parar de chorar, — Por que a lei não se aplica a ele? Porque ele é um príncipe?

— Sim.

— Então você não vai fazer nada...

— Não foi isso o que eu disse.

Ela estava prestes a gritar, começar outra discussão sem sentido. Mas sua declaração súbita, proclamada numa voz decidida e resoluta, a surpreende.

— O quê?

— Ele não foi o único culpado. Won manipulou Chae Ryung, mas havia outra pessoa dando ordens a ele. — Os olhos dele ficam mais frios, e ela vê o quanto ele despreza as maquinações do seu irmão, — Eu sei quem é, mas preciso de provas para condená-lo. E se eu fizer alguma coisa com Won agora, ele vai escapar.

Fosse qualquer outro dia, ela teria ficado com medo do olhar dele. Fosse qualquer outro dia, ela teria imaginado se ele estava mudando e se tornando no tirano sanguinário que ela tanto temia. O principal objetivo dela desde sua visão no ritual da chuva foi evitar que ele punisse seus irmãos. Mas depois de tudo o que aconteceu, ela podia entender porque ele queria condenar o filho do seu pai. E ela estaria mentindo se dissesse que parte dela não sentia um pouco daquela mesma fúria.

— Então você me promete que todos os culpados serão punidos? — Ela expira. A raiva e as lágrimas desaparecem.

— Sim. Isso te faz sentir melhor?

— Eu não sei. Mas saber que eu não te perdi, que eu ainda posso te alcançar, me faz sentir menos distante de você.

— Ainda está com raiva de mim?

— Eu não estava com raiva.

— Eu ainda te causo tristeza? — Ele refaz sua pergunta com outras palavras, — Consegue ter uma impressão melhor de mim agora?

— Ainda está com raiva de mim por ficar de luto por ela? — Ele franze o cenho como se não entendesse a pergunta, — Você fica me pedindo para não defendê-la.

— Correto. E eu peço novamente. — A expressão dele suaviza, e sua voz fica muito mais gentil, — Você pode continuar a amá-la e sentir saudades dela, mas por favor, não tente perdoar os pecados dela. Chae Ryung não iria querer isso. Eu sei, porque também não iria querer que você perdoasse os meus.

— Pyeha...

— Eu, assim como Chae Ryung, cometi erros terríveis no passado. Eu fiz várias coisas, mas seu amor não vai me deixar limpo e inocente.

— Eu já disse...

— E não importa quantas vezes você diga que não se importa com meu passado, eu ainda tenho que arcar com as consequências dos meus erros.

— Você não tinha outra escolha.

— Nenhum de nós teve.

Ela suspira, resignada, e concorda em silêncio com a cabeça. As palavras dele tornam o luto dela menos rigoroso, desatam o nó gigantesco que estava travado na sua garganta.

— Quando você ficou tão sábio nesses assuntos? — Ela não consegue evitar o sorriso de admiração, e ele sorri de volta.

— Quando você me contou que quanto mais alta a posição de alguém, maior é a responsabilidade.

— Isso é fácil de falar...

— É. E eu sei disso melhor que você.

Eles se sentam em silêncio por um tempo e o sorriso dele desaparece antes que ele volte a falar.

— Sinto muito pelo jeito que as coisas aconteceram. Você tem razão, foi muito cruel, mas é assim que o mundo é.

Ela baixa o olhar para suas mãos entrelaçadas no seu colo, lembrando do que Oh Sanggung lhe dissera sobre uma pessoa como ela vivendo no palácio. Então ela percebe que não importava para onde ela fosse no país, ela sempre encontraria coisas daquele tipo. Não importava onde ela fosse, seria demais para seu coração aguentar.

— Como as pessoas conseguiam viver naquela época? — Ela diz para si mesma, sem perceber que está falando em voz alta.

— O quê?

— Não, nada... — Ela levanta os olhos e tenta pensar em outro assunto, e então se lembra de outro problema que eles precisam resolver, — Eu acho que preciso me desculpar também. Pela sua mãe.

— Você não precisa se desculpar por ela de forma alguma...

— Eu não te entendi, — ela explica antes de desculpar novamente, — Me desculpe, mas eu não pude te entender. Eu ainda não entendo. Me desculpe.

O efeito nele é quase instantâneo. No espaço de um segundo a postura dele vai de relaxada a rígida, e sua expressão volta a ser olhos frios e lábios firmemente cerrados.

— Você pôde entender Jung? — A voz dele praticamente não sai do fundo do seu peito, e a dor nos olhos dele quase fazem com que ela se arrependa de puxar o assunto.

— Sim. Mas não é o que você está pensando, — ela diz o mais firme possível, se recusando a colocar o assunto de lado antes que seja resolvido, — Não é porque eu não queria te entender, eu queria muito. Eu ainda quero. Eu tentei, mas ainda não consigo.

— Foi por isso que ficou do lado de Jung?

— Não haviam lados. Ele é seu irmão e só queria ver a mãe.

Ela solta uma risada amarga e abafada. 

— Infelizmente para ele, a mãe dele também era a minha, — ele tenta parecer estar de bom humor, mas o sentimento de traição que veio sobre ele na noite que sua mãe morreu ainda pesa sobre seu coração, — Eu já te disse. Eu fui rejeitado por ela a minha vida toda, e só queria estar ao lado dela antes dela morrer. Não consegue mesmo entender isso?

— Não, não consigo.

Ele acena para si mesmo silenciosamente, desviando os olhos dela, antes de se levantar abruptamente e virar as costas para ela. 

— Vamos entrar. Está esfriando.

Ela agarra a mão dele antes que ele comece a se mover, decidida a não deixá-lo ir embora e fortalecer a parede entre eles. Por sorte, ele não a afasta e só espera quietamente. Soo respira fundo e então fala baixinho, sem nunca soltá-lo.

— Uma das minhas torres é para minha mãe. Ela era minha melhor amiga e meu escudo. Eu já te contei, não foi? Que se o mundo inteiro virasse as costas para mim, ela estaria ao meu lado. Se a pessoa que eu mais confiava partisse meu coração em mil pedaços, ela estaria lá para catá-los e colocá-los de volta no lugar. Se eu fosse longe demais e me tornasse um monstro para o mundo inteiro, ela ainda me amaria. Ela era tudo para mim. — As lágrimas dela caem mais uma vez, dessa vez pela mãe que ela não se lembrava há muito tempo, a mãe que ela tinha deixado para trás no futuro.

Se as palavras quietas e suas lágrimas movem algo no coração do Rei, ela não sabe, pois ele continua imóvel e em silêncio. Então ela continua, um pouco mais alto, um pouco mais desesperada.

— Quando eu soube como era sua relação com sua mãe, eu não consegui entender. Eu ainda não consigo. Eu ainda não entendo porque uma mãe não amaria seu próprio filho de forma incondicional. Minha mãe era tudo para mim, então quando eu a perdi, parecia que eu estava caindo e me afogando ao mesmo tempo. E eu nem pude me despedir. Ela era tudo para mim, e eu nem tive a chance de me despedir. Depois que eu a perdi, a única coisa que me ajudou a seguir em frente foi a memória dela. Eu não consigo entender como eu viveria se não a tivesse. Eu sei como é ser rejeitada e traída, como se você fosse a pior pessoa do mundo, e a pressão para ser algo que não é. Posso entender a ânsia de só querer viver, e posso entender o desespero por ter feito algo que se arrepende, ou de não poder fazer absolutamente nada. Mas viver sem o amor da minha mãe e ser obrigado a fazer o que você fez, me desculpe, mas eu não consigo entender mesmo. 

Ela se sente angustiada e perdida ao mesmo tempo, só de lembrar do garoto solitário que ele costumava ser. Ela deseja ser tão corajosa quanto ela era quando ousou abraçá-lo no meio de uma explosão violenta, mas ela continua sentada e segurando sua mão.

— Você me culpa por isso? — Soo pergunta quando o silêncio se prolonga demais.

— Foi por isso que mandou chamar Jung? — Ele finalmente pergunta, ainda sem olhar para ela, — Para ele se despedir?

— Sim. Eu também não queria que ele guardasse ainda mais rancor de você. — Ela sente a resistência dele diminuir um pouco e decide forçar mais, — Pode me contar tudo? Sobre sua mãe?

— Talvez outro dia.

Ela o segura com mais força, e tenta, desesperada, puxar seu corpo impassível para mais perto dela. 

— Foi você quem disse que era melhor conversarmos sobre as coisas.

— E foi você quem fez o favor de lembrar que existem coisas que não estamos à vontade para conversar.

— Pyeha...

Ele então se vira para ela, e ela vê que, apesar de parecer cansado e esgotado, ele não está com raiva nem irritado, e com certeza não está prestes a afastá-la. 

— Outro dia, eu prometo, — quando ele a tranquiliza, ela solta sua mão e ele se agacha em frente a ela mais uma vez, — E não é que eu não queira te contar, eu só não estou pronto para relembrar tudo agora. Pode esperar um pouco mais?

— Posso, — ela fala rapidamente, e permite que o alívio se espalhe pelo seu corpo, — Ah, e me desculpe por chamar Jung sem você saber naquele dia. Eu devia ter ido conversar com você primeiro.

— Em sua defesa, eu não estava sendo muito racional naquele dia.

— Mas ainda assim, não foi legal, — ela se recusa a deixá-lo recusar suas desculpas, — Abalou tudo entre a gente. Ou o que quer que ainda restava.

— Foi, abalou mesmo.

— Então, você me odeia um pouco menos agora?

Ele arqueia as sobrancelhas atônito, seus olhos céticos. 

— Você realmente acha que alguma coisa nesse mundo poderia fazer com que eu a odiasse?

— Então você me perdoa?

— Eu já te perdoei há muito tempo atrás, Soo-yah.

Ela sente outro nó se desfazendo no seu coração, e ela se pergunta se eles terão mais conversas como essas até que todos eles desapareçam. 

— É difícil se abrir desse jeito. — Ela não teme em admitir em voz alta, — Foi assim com você também?

— Foi.

Ele se levanta de novo e ajuda-a a se erguer, o tempo de liberdade deles chegando ao fim. 

— Como você conseguiu superar tudo? Ficar forte o bastante para viver no palácio sem se quebrar, e ainda assim continuar bom por dentro?

— Você claramente nunca lidou consigo mesma.

Ele sorri, divertido, mais uma vez.

— O que está implicando, Pyeha?

— Eu não me abri para você, — ele diz como se fosse a coisa mais óbvia do mundo, — Você arrombou as portas e invadiu.

Ela esquece que essas mesmas palavras a deixariam fazendo birra e provavelmente dando um tapa nele. Agora, elas só trazem um grande sorriso para o seu rosto. 

— E eu teria feito tudo de novo.


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Notas finais do capítulo

Título do capítulo vem da música de Red
link para os curiosos musicais -> https://youtu.be/K5GISZOV-DE

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Críticas apreciadas.

:)



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