Minguante escrita por JennyMNZ


Capítulo 13
Then I Cross A Bridge


Notas iniciais do capítulo

Várias surpresinhas nesse capítulo :)



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Hae Soo queria que aquela trilha não acabasse nunca.

Sempre que ela caminhava ao lado do Rei, não importava o quão frio e ventoso o clima estava. Ela só queria continuar caminhando ao lado dele, aproveitando o seu calor e a sua presença, ouvindo sua voz suave. Ela só queria continuar sentindo ele a abraçando bem perto, sem ligar para quem pudesse vê-lo. Ela queria que eles continuam caminhando para sempre, e que o destino deles nunca chegasse. Assim, ela poderia ficar livre com ele por mais um tempo.

Mas então a voz dele a tira de seus pensamentos, quebra sua distração e a arrasta para a dura e fria realidade.

— Essa é a última vez que a gente vem caminhar aqui fora, — o Rei fala e de repente ela sempre o frio vento de inverno ameaçar congelar seus ossos.

— É o quê? — A voz dela treme e ela para de súbito e se vira para ele, pronta para outra discussão.

— Pelo menos até o inverno acabar, — ele suspira e explica, já que sua expressão deve mostrar que essa conversa não vai ser fácil, — Nós nem devíamos estar aqui no vento agora. Não é bom pra você nem pro bebê.

— Eu estou bem, — ela diz com teimosia, mesmo embora seus joelhos tivessem começado a doer alguns segundos depois que eles saíram.

— Como você pode falar que está bem sendo que você tem uma doença terminal?

So não gosta de falar da doença dela. Ele prefere usar um argumento de que ele é rei e de que ela deveria obedecer suas ordens, então sua pergunta incomum a faz hesitar. Porque, mesmo que ela já tenha aceitado esse fato, é doloroso falar disso para ela também.

Soo pisca com força, olhando para baixo para seus pés e depois para o céu, tentando encontrar palavras que possam tranquilizá-lo e ao mesmo tempo convencê-lo a não pôr um fim nas suas caminhadas rotineiras. 

— Isso é só daqui a uns anos. — Ela não pode dizer que as caminhadas acalmam sua mente, apesar da dor aumentar em seu peito, — Eu estou bem agora.

Ele não parece acreditar na sua pequena mentira, mesmo que ela tenha certeza de que soou convincente.

— Você acordou com dor no meio da noite, — ele não fala em um tom acusatório, mas parece, e ela não consegue esconder sua culpa. Mas ao mesmo tempo há surpresa no seu rosto, já que ela tinha certeza de que ele estava dormindo profundamente quando ela escapuliu da cama e do quarto dele naquela noite, tentou acalmar seu coração, que batia violentamente contra seu peito e começava a se estilhaçar, e fazer seu estômago parar de se esvaziar do jantar, e quando ela voltou em silêncio para o lado dele e tentou dormir novamente.

Ele nota a surpresa dela e arqueia as sobrancelhas, incrédulo.

— O quê? Você achou mesmo que eu não ia perceber? Ou todas as outras vezes que tentou esconder de mim?

Soo se encolhe se sentindo culpada, uma vez que há um número considerável de vezes que ela tentou disfarçar as dores no peito ou nos joelhos na frente dele. E o fato de que quando ele não estava presente as dores ocorriam com a mesma frequência e ela nunca falou nada, deixava tudo pior.

— Eu não queria te deixar preocupado.

Eu não queria que você soubesse que minha saúde está se deteriorando mais rápido do que esperávamos. Eu não queria que você ficasse se culpando por algo que está completamente fora de controle. Eu não queria que você sofresse também.

O Rei respira fundo, claramente irritado pela sua decisão de esconder as coisas, mesmo que seja para o bem dele.

— Então você vai continuar fingindo que está bem e continuar arriscando sua saúde e a do nosso bebê por uma tradição sem sentido? — Ele parece estar zangado, e mesmo que ela realmente acredite que a tradição deles tem sentido, dessa vez ela não tem como argumentar. Porque ele também soa magoado e preocupado, como se o mundo inteiro dele estivesse se acabando.

— Você não precisa saber de tudo.

Ela sente as mãos deles segurarem os ombros dela gentilmente, e depois falar suavemente.

— Eu tenho o direito de saber de tudo, porque eu tenho o dever de proteger e cuidar de você. De vocês dois.

Soo olha para ele então. E enquanto So parece estar com medo e preocupado, ela não consegue deixar de sorrir de leve, se sentindo um pouco à vontade em tê-lo no modo superprotetor ao seu lado.

— Você não é meu marido.

— Eu sou o pai do seu bebê.

Ele sorri de leve também, mas ainda parece estar tenso e nervoso, desesperado para colocá-la numa caixa fortificada para ela ficar livre de perigos. E mesmo que ela ache isso muito fofo, ela tem certeza que ele vai continuar sendo superprotetor até que não tenha mais preocupações, então ele decide acatar o pedido dele dessa vez. Pelo menos para lhe dar um pouco de tranquilidade.

— Tudo bem, então, — ela cede, e respira fundo antes de entrar num compromisso, — Eu prometo, essa é a última vez que a gente vem passear aqui fora.

— Eu sinto muito. Mas, pelo menos até a primavera chegar, é assim que tem que ser. — Ele solta um de seus ombros para acariciar sua cabeça e seu cabelo suavemente, claramente aliviado e tranquilizado, — Agora vamos, você tem que ir direto pro quarto hoje. Descanse um pouco. As meninas no Damiwon estão com tudo sob controle.

Ele começa a levá-la de volta pelo caminho que eles vieram e ela resiste, começa a entrar em pânico, porque esse passeio tem um propósito específico, e não é voltar quando ainda estão na metade.

— Voltar? Agora?

— Eu te disse ontem, — ele pisca, pego de surpresa pela sua reação, — A reunião, esqueceu?

Então é a hora dela piscar em surpresa, já que ela realmente se esqueceu da reunião convocada pelos anciões dos clãs. Eles estavam forçando já há um tempo para discutir um arranjo nos impostos e contribuições para a coroa e o exército real, especialmente nas áreas de conflito. So vinha reclamando sobre isso nos últimos dias, murmurando que eles só queriam arrancar mais um pedaço dele, e que não ficariam satisfeitos até que ele começasse a sangrar, ignorando o dano que isso seria para as fronteiras.

É uma reunião importante e crucial, e não tem jeito de Soo conseguir convencê-lo a negligenciar seus deveres reais dessa vez. Também seria imprudente da parte dela fazer isso. Mas ela não pode voltar agora.

Os olhos dela passam rapidamente pelo cenário à sua volta, tentando encontrar alguma saída, porque se ela voltar para a sombra do palácio agora, tudo estará acabado. Então quando ela vê as pilhas de pedras, ela fala de vez, antes que ele possa levá-la de volta.

— Pode ir na frente, então. Eu quero terminar minha nova torre de pedras.

— Uma nova torre de pedras?

— Para o pequeno? Está vendo? — Ela aponta para a distância, mas duvida que ele possa ver, já que elas são pequenas e estão muito longe para que ele consiga enxergar — Já que não vou voltar aqui por um tempo, é melhor terminá-la hoje.

O Rei parece um pouco cético, dividido entre concordar com ela e deixá-la ter alguns momentos de paz de espírito, e levá-la de volta neste instante, porque os sábios disseram que pode começar a nevar a qualquer momento.

— Está muito frio hoje.

— Então deixa sua capa comigo, — ela apresenta uma solução rapidamente, já que está sempre pronta para qualquer argumento que ele possa usar, — Eu prometo que não vou demorar. E eu vou direto para o meu quarto depois, e beber um copo de chá quente. E amanhã não vou nem levantar da cama.

So respira fundo, suspirando em derrota quando o sorriso dela cresce, e ele tira sua capa longa e negra, ficando apenas com seus robes reais.

— Não o amasse.

— Eu já amassei alguma roupa sua?

So estreita os olhos quando ela faz esse comentário, sorrindo maliciosamente. E ela não consegue deixar de sorrir também quando ele coloca a capa sobre os ombros dela cuidadosamente, fechando-a meticulosamente para que ela não caia ou seja levada pelo vento.

— Não demore, — ele diz de novo, dessa vez no tom autoritário e régio, e ela concorda firmemente com a cabeça.

Ela continua a sorrir, mesmo quando ele começa a ir embora, e continua a observá-lo de costas, esperando ele se virar e sorrir para ela como sempre.

Se fosse no século XXI, Hae Soo provavelmente teria soprado um beijo para ele, ou feito corações com as mãos. Mas já que ela está presa no passado, ela decide ser um pouco antiquada.

— Pyeha! — Ela grita alto o bastante para que ele possa ouvi-la, — Eu te amo.

O sorriso dele fica ainda mais largo, e ele grita de volta.

— Eu sei.

Soo continua olhando para ele até que ele vira uma curva e some de vista. E então a alegria dela é completamente substituída pela melancolia.

Aquela não foi a primeira vez que ela disse que o amava. Mas comparado com todas as vezes que ela disse quando ainda era Go Hajin, ela não disse para ele com tanta frequência. Talvez mesmo comparando com quantas vezes ela o ouviu dizer, as palavras dela estavam presas em sua boca.

Soo sabe que So não se importa com quantas vezes ela já disse que o amava, mas agora ela se arrepende de não ter dito mais vezes. E esse era um arrependimento que ele não queria deixar para trás.

Para manter os pensamentos indesejados à distância, e para parar de recontar seus arrependimentos, ela decide empilhar o restante das suas pedras rapidamente, fazendo outra prece por seus amigos e sua pequena família. As mãos dela ainda estão unidas e sua mente está focada nos seus desejos, mas ela ouve o som de passos bem alto e com clareza, e seu foco logo vai embora.

— Wangjanim.

— Estou atrasado? — Baek Ah se aproxima com cautela, olhando em volta para ver se algo está errado, — Era pra você estar mais à frente.

Soo sacode a cabeça, suas mãos caindo ao lado de seu corpo e ela segura com firmeza a capa de So.

— Você chegou bem na hora, eu só queria acabar uma coisa, — ela explica para tranquilizar sua mente, olhando uma última vez para suas preciosas pedras de oração, — Eu creio que tudo esteja pronto.

O 13º Príncipe parece estar um pouco inquieto e ainda incerto, mas levemente afrontado por ela questionar seu curso de ação.

— Eu não arriscaria a sua segurança. Ou a do bebê.

— Eu sei, — ela consegue sorrir, apesar do sofrimento que começa a tomar conta dela, — É só que, agora que chegou a hora, eu estou com um pouco de medo.

— Ainda dá tempo de mudar de ideia.

Ela queria poder. Ela queria poder dizer a ele que pusesse um fim a todos os planos, voltar para o quarto dela, beber um copo de chá quente e esperar que ele fosse até ela, ficar deitada na sua cama e deixar seus joelhos finalmente descansarem. Ela queria poder cumprir todas as suas promessas e não mentir para ele de novo. Mas agora ela não tem só ela mesma para se preocupar, e ela não quer perder mais ninguém.

Se mudar de ideia agora significa arriscar a segurança do seu bebê, então não tem para que pensar duas vezes. 

— Não. Vamos fazer como planejado, e tudo vai ficar bem. — Soo respira fundo, reunindo toda a coragem que ainda lhe resta dos seus dias de travessuras, — Tenho certeza que vou ficar mais calma quando tudo tiver acabado.

Baek Ah lhe dá uma pequena caixa e ela a segura perto do seu peito. Ela é pequena o bastante para não atrair muita atenção e grande o bastante para esconder seus tesouros e segredos. É pesada, mas não o bastante para deixá-la cansada. E comparado ao seu mais novo arrependimento, não é um fardo.

Ah, eu devia tê-lo beijado antes de ir embora.

O 13º Príncipe começa a seguir na direção oposta que o Rei foi alguns minutos atrás e ela o segue de perto, resistindo a vontade de olhar para trás. 

— Eu realmente espero que você saiba o que está fazendo, — Baek Ah diz baixinho, ainda insatisfeito com o caminho que eles estão tomando.

Com essa fala dele, Hae Soo só pode sorrir amargamente, engolindo seus arrependimentos.

— Estou fazendo o que preciso fazer.

 

 

A reunião acaba e deixa So com uma massiva dor de cabeça, e mais uma vez ele lamenta não poder usar os punhos e a espada para debater e resolver os problemas na corte. Mas assim que ele sai da sala confinada e vai para o pátio, deixando o ar fresco lhe trazer alguma calma e clareza, ele tenta esquecer os gritos e expressões de ultraje dos anciões, antes que ele fique louco de raiva. Ao invés disso, ele decide pensar em Hae Soo e se firmar no último fragmento de sua vida que ainda faz sentido.

So sente o peso nos seus ombros ficar mais leve à medida que ele caminha para o quarto dela, a tensão deixando seu corpo com a expectativa de vê-la novamente. Já está bem tarde e ela deveria estar dormindo para não forçar o corpo, mas ele tem certeza que ela ainda está acordada, provavelmente escrevendo poemas ou cartas, esperando que ele apareça. Hae Soo estava sempre muito inquieta para conseguir dormir e descansar um pouco.

É por isso que, quando ele chega e vê que ela não está no seu quarto, mesmo que fique consternado, ele não fica surpreso. Apesar de sua promessa mais cedo de ir direto para o quarto, So tinha certeza que ela não conseguiria resistir à tentação de dar uma passadinha no Damiwon, e depois ficaria entretida e perderia a noção do tempo.

Ele começa a preparar um sermão de repreensão, mesmo que ele saiba que ela vai conseguir distraí-lo e ele vai acabar cedendo para os seus grandes olhos brilhantes. No entanto, o sermão dele morre antes que ele consiga dizê-lo, uma vez que quando ele abre a porta do quarto que ela sempre fica, ele o encontra vazio e já frio. Pego de surpresa, ele dá meia volta, indo em todos os quartos, tentando entender por quê ela ficaria num quarto diferente, quando vê a dama da corte que sempre acompanhava Soo e a chama.

— Hae Soo está aqui? — Ele pergunta à mulher quando ela se aproxima e se ergue depois de se curvar. 

— Ela não esteve aqui hoje, Pyeha, — a dama da corte responde sem olhar para ele nem demonstrar inquietação, então ele consegue se acalmar um pouco.

— Se ela aparecer, diga que preciso vê-la.

Ainda há a possibilidade deles terem se desencontrado, afinal o palácio é grande demais. Ele precisa manter a cabeça fria e não começar um estardalhaço desnecessário.

Jang Mi parece também entender isso, e se curva mais uma vez.

— Seguirei suas ordens.

Ele libera a dama da corte e marcha rapidamente para o seu quarto, esperando que ela tenha decidido entrar lá escondida e esperar por ele, seu coração começando a acelerar, um suor frio começando a se formar na sua testa e um medo a se acumular e afundar no seu estômago. E então o desespero e o vazio quando ele abre a porta do seu quarto e o encontra tão vazio quanto o dela.

Ele não consegue pensar.

Ele não consegue respirar.

Ele não consegue fazer absolutamente nada.

Ele respira fundo, tentando encontrar uma solução. Tentando encontrar alguma coisa. Tentando formar um plano de ação para que ele possa decidir qual é o próximo passo para consertar as coisas. Tentando encontrar um sentido no que está acontecendo, porque ele sente que o mundo está fugindo do controle.

O mundo está fugindo do controle, e ele precisa fazer alguma coisa, rápido, antes que ele deixe de fazer sentido mais uma vez.

Ele refaz os últimos instantes que esteve com ela. Sua pequena forma estava envolta numa capa que era grande demais para ela, sorrindo como uma criança e acenando para ele, de pé ao lado das suas pedras de oração, porque ela queria construir uma nova pilha para o bebê deles, e sua mente clareia um pouco. Ele se apressa para o lado de fora, para as suas pedras de oração, segurando o fôlego em apreensão, fazendo uma prece para que ele a veja lá, intocada e imaculada.

E então ele precisa de todo o seu controle para não derrubar as pequenas torres em frustração depois que ele confere, confere de novo, e confere mais uma vez, que ela não está lá. Nem em nenhum outro lugar do palácio que ele a viu antes, e ele sente que está prestes a perder seu último traço de sanidade.

Ele volta rapidamente para o seu quarto, e depois para o quarto dela, sentindo que está alucinando ou só tendo um sonho muito ruim, enquanto investiga todos os cantos nos aposentos, atrás de telas e janelas, debaixo das camas e das cobertas, só para se frustrar mais uma vez. Então ele retorna para o Damiwon, confere o escritório da Sanggung e os quartos dos convidados, procura pelas salas de banho e até nos quartos das damas da corte.

Em algum momento de sua busca, ele se depara com a dama da corte Jang Mi e a interroga de vez antes que ela ao menos possa se curvar ou cumprimentá-lo.

— Ainda não houve sinal de Hae Sanggung?

— Não, nada, Pyeha, — a mulher soa apreensiva, e seu coração é engolido por preocupações.

— Ela disse alguma coisa sobre onde ela estaria hoje? — Ele espera que tudo não passe de um mal-entendido e ele só precise encontrar o pedaço de informação que está faltando, mas a mulher sacode a cabeça com empatia.

— Hae Sanggung só me disse que se alguma vez ela não vier ao Damiwon, devo assumir que ela não está se sentindo bem.

— Ela nunca manda um recado ou nada do tipo?

— Só quando ela precisa de mim.

— E as outras damas da corte?

— A única que ela chamaria tirando eu seria Min Kyung, e ela esteve ao meu lado o dia inteiro.

So respira fundo mais uma vez, e forma outro plano de ação. Segura firme a cada fragmento de razão que ele ainda tem.

— Seja discreta com o que fala e faz, — ele avisa a mulher, que acena com a cabeça e se prepara para cumprir as ordens, — Preciso que dê algumas voltas pelo palácio. Fique de olhos abertos.

Assim que as ordens saem de sua boca ele se vira para voltar a verificar em todos os quartos, mas a dama da corte fala atrás dele.

— Perdoe-me por falar sem permissão, — ela diz numa voz firme, — Mas já olhou nos jardins do palácio? Ela pode ter tido outra crise de dor e desmaiado de novo.

Outro pensamento sombrio atravessa sua mente. Que ela está morta ou morrendo em algum lugar lá fora, sozinha na noite fria, e que ele não vai chegar a tempo de salvá-la, e seu coração parece parar e esfriar no seu peito.

— Vou olhar agora mesmo, —  ele diz às pressas para a mulher, e começa a sair do Damiwon, — Quando acabar de verificar no palácio, veja na Torre do Astrônomo.

Ele não espera que a dama da corte responda, ele sai rápido pelas portas e começa a correr, sem se importar com decoro ou protocolo. Ele corre por todos os caminhos conhecidos nos jardins, e também pelos desconhecidos. Ele corre de uma margem do lago para a outra, olhando debaixo de cada árvore e por trás de cada pedra ao longo do caminho. So não sabe por quanto tempo ele corre, ele só continua a correr, passando pelo mesmo lugar múltiplas vezes, e só pára quando vê a lanterna da dama da corte que vem às pressas até ele, e ele espera por ela, arfando por ar.

— Não consigo encontrá-la, — ele diz quando vê seu olhar esperançoso.

A mulher sacode a cabeça devagar, com o semblante também preocupado.

— Não há sinal dela em lugar algum, Pyeha.

A respiração dele já está errática, então a dama da corte não percebe o quanto as suas palavras o afetam. So sente que está sem fôlego, mas não por causa de algum mal funcionamento de seus pulmões, mas porque ele está sendo dilacerado e revirado no tornado que sua mente se torna. 

Ele começa a andar mecanicamente, sem qualquer pensamento envolvido no processo, e volta para o quarto dela. Ele fica lá de pé, sem conseguir respirar direito, sem conseguir pensar direito, sem conseguir fazer coisa alguma além de encarar o vazio diante dele. O vazio dentro dele.

Ele não consegue juntar mais um fôlego. Ele não consegue formar mais um plano. Ele não consegue entender o sentido de mais nada. 

O mundo está fora de controle, e ele só pode assistir, desamparado. Mas ainda assim, ele tenta se levantar do meio do caos, lutar contra seu coração dilacerado para esfriar a cabeça e consertar as coisas. Porque, mesmo que tudo esteja fora do controle, Hae Soo precisa dele. Onde quer que ela esteja, ela precisa dele, e ele não vai deixá-la na mão.

So não sabe quanto tempo ele fica lá, tentando reorganizar seus pensamentos, tentando acalmar seu coração, tentando se recompor, quando as portas se abrem atrás dele e ele se vira para ver um rosto familiar.

— Pyeha, — seu irmão o cumprimenta e se curva. E mesmo que ele não pareça estar tão aliviado quanto ele estaria se fosse Soo quem tivesse entrado, ele sente alívio assim mesmo.

— Baek Ah-yah, eu preciso de sua ajuda.

So avança sobre ele, segurando-o pelos ombros, ansioso demais para se importar com qualquer outra coisa além de encontrá-la e trazê-la de volta. O irmão dele, no entanto, parece não entender o quão grave a situação é.

— Espera, você precisa se acalmar primeiro.

— Eu não posso me acalmar. Soo está desaparecida. Ela está desaparecida faz horas, e já está escuro lá fora. — Ele o solta, começando a caminhar em voltas pelo quarto num frenesi, — Eu não consigo encontrá-la em lugar nenhum. Ela deve ter desmaiado em algum lugar e eu preciso encontrá-la antes que seja tarde demais.

— Talvez ela não tenha desmaiado. — As palavras de Baek Ah são baixas, mas elas ainda conseguem chegar até seus ouvidos e tirá-lo de seus pensamentos. 

Isso faria sentido, So começa a pensar. Talvez ela não tenha desmaiado em algum lugar lá fora, porque talvez ela nem esteja mais no palácio para começar.

— Tem razão. Talvez ela tenha sido sequestrada. — A nova teoria faz mais sentido, e seu desespero e seu vazio começam a se transformar em ira e raiva, — Aqueles velhos traiçoeiros sempre quiseram se livrar dela...

Ele agora tem um novo plano de ação. Descobrir quem levou Soo, e então encontrá-lo para saber onde ela está, destruir a vida do bastardo, e trazê-la de volta. A fúria dele será implacável.

— Pyeha, — Baek Ah o interrompe antes que ele possa sair marchando e pegar sua espada, respirando fundo antes de continuar a falar, — Eu sei onde ela está.

Um pouco da ira dele parece desaparecer com o alívio em ouvir as palavras do seu irmão.

— Você sabe onde ela está, — ele repete para saber que é verdade, Baek Ah sabe onde ela está, então ele pode ir até ela nesse instante e colocar as coisas no lugar.

— Eu sei, — ele acena tranquilizador com a cabeça, falando com firmeza, e So sente que consegue respirar direito agora, — Ah, mas eu não posso contar.

So pisca em surpresa, sem esperar essa mudança de eventos. Seu alívio congela, e perplexidade começa a tomar conta dele, seu corpo entrando num estado de estupor e entorpecência. 

Ele sente seus nervos se agitarem quando a histeria o faz rir, essa sequência de absurdos finalmente fazendo-o perder qualquer sinal de sanidade.

— Você não pode. Por que não pode? É claro que pode, — ele soa como um louco, se agarrando nos ombros de Baek Ah como se ele fosse um pedaço de madeira no meio do mar, porque se ele não pode trazer de volta para o seu lado, então o mundo não tem sentido e ele não tem como recuperar a razão, — Quem a levou? Onde ela está? Me diga agora mesmo, que eu vou trazê-la de volta.

— Pyeha...

— Baek Ah-yah, onde Soo está?

As mãos dele o apertam com mais força, e uma voz no fundo da sua mente diz a ele que é força demais, que deve estar machucando, mas ela se perde na tempestade que ruge dentro dele. Ele não consegue pensar direito, ele só sabe que precisa vê-la.

— Ela está bem. Eu sei onde ela está, mas não posso te contar. Pelo menos, não agora, — Não aqui, os olhos de Baek Ah parecem dizer, e So está perdido quanto o que está acontecendo mais uma vez, — Se você quer vê-la, vai ter que me prometer uma coisa.

So está prestes a gritar, a exigir que seu irmão o leve para ela, a ordenar que ele diga onde ela está nesse mesmo instante. Mas antes que ele possa dizer qualquer coisa, Baek Ah levanta uma mão, estendendo algo para ele ver.

É pequeno e não muito chamativo, mas ele chama toda a atenção de So. Uma parte de sua tempestade parece se acalmar quando ele vê o pequeno acessório na palma do seu irmão. O grampo de cabelo com a peônia é uma mensagem clara para ele, e ele finalmente reencontra os trilhos da razão.

— Ela está bem? — Ele suspira aliviado, sentindo que seu coração e sua mente finalmente acalmaram depois de ver o grampo de cabelo na mão de Baek Ah, mas algumas coisas ainda estão fora de ordem, — Promete?

 

 

Soo sabia que o plano dela era loucura. Ela disse isso a si mesma quando repassou seu plano de ação diversas vezes nos últimos meses. O 13º Príncipe disse a mesma coisa de novo e de novo quando eles saíram escondidos do palácio em direção a noite escura. E ele continuou dizendo quando eles tomaram o caminho secreto para os cavalos que ele tinha escondido mais cedo.

(Ele também ficou dizendo “Pyeha vai me matar”  o tempo todo, então ela teve que bloquear algumas das murmurações dele).

Quando eles finalmente chegaram já estava um breu, e os pensamentos contínuos de Baek Ah já haviam se transformado numa expressão de culpa esculpida no seu rosto. As costas e os joelhos dela protestaram contra a viagem apressada, e o pequeno reclamou com chutes agressivos na sua bacia. Ela estava com fome e seus dedos estavam dormentes por causa do frio, e pela primeira vez na vida ela desejou estar de volta ao palácio.

Mas então ela entrou na barraca, se abrigando do clima frio, e tomou a liberdade de criar um pequeno fogo para preparar chá, enquanto esperava Baek Ah preparar a lenha para aquecer o quarto. E quanto ela se sentia aquecida por dentro e por fora, ela respirou profundamente, saboreando o ar fora das barras de sua gaiola pela primeira vez em anos.

E é aí que as portas se abriram e Baek Ah se aproximou, suas mãos inquietas por conta da culpa e da ansiedade.

— Eu sei que disse que eu não ligo pro que ele possa fazer comigo... — Ele não terminou a frase, o medo era claro no seu rosto.

Soo levou uma mão até seu cabelo, tirando um acessório das suas madeixas e dando-o para ele.

— Aqui, leve isso.

— Um grampo de cabelo, — Baek Ah disse ao tomar o grampo nas suas mãos, inspecionando-o por inteiro, — A melhor arma do mundo.

Ela sorriu com a fraca tentativa de humor dele, tingida de tensão.

— Mostre-o para ele e ele vai te ouvir, — Soo explicou rapidamente, não havia tempo para ela contar toda a história daquele grampo de cabelo, — E quem sabe ele também não guarde a retaliação para outra hora.

— Isso é um alívio, — Baek Ah disse, soando nem um pouco aliviado, — Fique à salvo e não saia daqui. Eu já volto.

Ele foi embora, fechando a porta atrás de si, e Hae Soo ficou completamente só.

Há um sentido de vulnerabilidade, mas um sentimento maior de liberdade quando ela pensa na sua situação. Ela está livre. Ela poderia sair daquele quarto se quisesse, e continuar andando para onde ela desejasse. Não havia guardas lá fora, não havia muralhas.

Não havia ninguém.

Ela está livre, mas ela queria estar livre com ele.

A capa do Rei ainda está sobre seus ombros, e embora ela não precise mais dela para se proteger do frio, Soo o puxa com mais firmeza em volta dela, segurando firme esse pedaço dele para não se sentir solitária.

Conforme o tempo passa, ela tenta distrair sua mente vazia, antes que todos os pensamentos sombrios começam a abalar sua confiança. Soo prepara misturas de chá e bolsas de incenso, ela desenha formas em papéis descartados e depois se levanta para exercitar seu corpo dolorido e dormente. Ela encontra algo para comer e conversa com seu bebê, assistindo pela pequena janela quando as estrelas começam a iluminar a noite sem lua. E ela espera.

Ela não sabe quanto tempo se passa, já que o tempo nem parece existir num lugar tão remoto quanto aquele. Mas ela já está cansada de esperar, de se sentar no quarto vazio, quando ela ouve o som de cavalos, e a porta é aberta com força quando o Rei entra com passos firmes.

Ele a vê quase que imediatamente e antes que ela possa dizer alguma coisa ele já está na sua frente.

— Venha. — So a segura pelo pulso e começa a arrastá-la atrás dele, mas ela puxa o braço e consegue se libertar antes que ele possa tirá-la do quarto.

— Eu não posso.

— Não pode?

— Pyeha, ouça...

— Eu vou ouvir quando estivermos de volta no palácio, — ele a interrompe e a toma pelo pulso mais uma vez, — Agora venha.

Soo puxa o braço mais uma vez, e então o deixa longe do alcance dele. A ira dele parece se agravar com as ações dela, então ela se explica rapidamente.

— Está muito frio lá fora. Está tarde e eu tenho que descansar. Meus joelhos estão doendo e eu estou com um pouco de dor no peito, — ela diz sem rodeios, sem se importar com sua reação de dor, — Está muito escuro, então as estradas não estão mais seguras. Já foi perigoso antes vir até aqui sem machucar o bebê.

Isso o faz parar, olhar atentamente para ela, em silêncio por alguns segundos antes de finalmente falar. 

— Então tá. — O Rei anda com firmeza para o canto perto da porta e se senta, apoiando a cabeça contra a parede, — Vá dormir, e eu vou esperar aqui. Quando clarear, nós vamos voltar.

— Eu não vou voltar.

— Eu não estava perguntando. Agora vá descansar.

— Pyeha, ouça...

— Eu já disse que vou ouvir quando estivermos de volta no palácio, — ele diz sem olhar para ela, uma máscara de ferro em seu rosto, — Agora vá dormir.

Soo suspira, já se sentindo exausta por causa dessa conversa, mesmo que ela já soubesse que convencê-lo não seria fácil. Ela se aproxima dele e se senta à sua frente, se apoiando de lado na parede, tentando conseguir a atenção dele mais uma vez. 

— Eu não vou voltar, — ela diz de novo, dessa vez num tom mais suave.

Os olhos de So finalmente se encontram com os dela, mas ele não soa calmo nem apaziguado.

— Então para onde você vai? — Ele soa como um homem perdido, tentando encontrar sentido nas coisas que acontecem à sua volta, e, mais uma vez, ela se sente mal pelo que fez mais cedo. 

— Lugar nenhum.

Ele bufa quando ouve sua resposta, mas não acaba com a conversa.

— Você não está fazendo sentido algum.

— Eu não vou voltar. E eu não vou para lugar nenhum, — ela explica com firmeza, mas ao mesmo tempo com gentileza, — Eu vou ficar bem aqui.

— Agora você está sendo ridícula, — ele fala em voz alta, cético, — Você pelo menos sabe onde está?

— Na terceira residência do 13º Príncipe Wang Baek Ah.

Ele pisca, claramente não esperando que ela respondesse, mas se recupera rapidamente.

— Isso não quer dizer nada. Você não pode ficar aqui.

— Por que não?

— Porque você disse que não ia embora! — Ele grita abruptamente, e ela se encolhe, pega de surpresa, enquanto que ele continua a desabafar, — Você disse que ia ficar comigo no palácio, mesmo que não fosse minha esposa. Você disse que não ia embora e eu acabei de passar pelas horas mais agonizantes da minha vida correndo pelo palácio sem saber onde você estava. Eu até pensei que você tivesse morrido. — Ele se aproxima dela e põe as mãos nos ombros dela possessivamente, — Você disse que não ia me deixar, então você não vai. Você vai voltar comigo amanhã, e eu vou tentar esquecer o que aconteceu hoje.

Soo queria poder. Ela queria que o mundo fosse mais simples e que a corte não fosse tão traiçoeira quanto é, pois assim ela poderia tomar a mão dele e voltar para o palácio, logo depois de ter escapado dele. Mas tem aquela história do que acontece com as coisas que as pessoas querem em Goryeo, então ela sacode a cabeça fracamente. 

— É muito perigoso.

— Tem uma conspiração pra te assassinar?

Soo sabe que a pergunta dele é só mais uma tentativa para convencê-la de que tudo vai ficar bem, mas tem algumas coisas que ele ainda não sabe.

— Tem. Ou pelo menos tinha.

— O quê?

— Enfim, não importa se tinha ou não. O que importa é que minha barriga está quase aparecendo debaixo das minhas roupas. E o inverno vai acabar logo, então eu não vou mais poder esconder minha gravidez, — ela coloca uma mão protetora sobre seu filho ainda não nascido, — Eu já sou um alvo, isso só vai fazer com que eles ataquem mais rápido.

O Rei olha para a sua barriga, parecendo estar levemente confuso com as suas palavras. 

— Por que você precisa esconder? — Ele pergunta embasbacado, — Eu só preciso nomeá-la como minha segunda esposa.

— Eu não posso.

— Bem, já que você odeia tanto assim a ideia de ser rainha, pode ser uma concubina nobre. Você vai ficar segura e ninguém vai ousar tocar em você, — o toque dele fica mais leve e ele coloca uma mão sobre a dela, — Pense no bebê.

Ela afasta a mão dele de sua barriga, fazendo-o focar somente nela.

— Eu estou pensando no bebê, foi por isso que tive que ir embora, — a explicação e a lógica de Soo não parece esclarecer as coisas para ele, nem apagar a sua raiva.

— Não. Se você realmente estivesse pensando no bebê, então você voltaria para o palácio, onde eu posso proteger vocês dois. 

Soo respira fundo. Eles já ficaram conversando em círculos por tempo demais, e ela sabe que os dois são teimosos o bastante para continuar assim a noite toda. E quando a manhã chegar eles não terão chegado a um consenso. E é por isso que ela se permite magoá-lo um pouco.

— Quanto tempo demorou pra você perceber que eu tinha sumido? Como vocês me protegeram no passado? Como o falecido rei Taejo protegeu Oh Sanggung?

O Rei vacila depois de seu ataque de perguntas sucessivas. Ele não consegue nem retrucar, não porque não saiba as respostas, mas porque isso é uma realidade.

É a realidade deles. E ela não quer dizer essas coisas para acusá-lo nem nada do tipo. Soo só quer que ele preste atenção na realidade deles, para que eles possam escolher as coisas certas para o filho deles.

— Eu não sou meu pai, — So finalmente fala, sem fôlego de repente.

— E eu não sou Oh Sanggung, — ela concorda suavemente, apesar de ter acabado de se estressar, — E a Rainha não é sua mãe. Mas o palácio ainda é o mesmo. Se o único jeito de me salvar fosse me deixar ir embora, você não deixaria? Você quer mesmo que essa criança viva como nós vivemos?

— Nós podemos mudar as coisas.

— Você pode arriscar a sua vida, e eu posso arriscar a minha, — ela argumenta, as lágrimas começando a acumular atrás de seus olhos, e ela se esforça para não começar a chorar, — Mas não a desse bebê. Se tivermos uma chance de dar uma vida melhor a ele, não deveríamos tomá-la?

Dessa vez ele não responde porque ela não está pedindo uma resposta. Ela só está pedindo pela ajuda dele, que ele tome a mesma decisão que ela e fique ao seu lado para que eles não tenham mais que brigar.

Ele fica em silêncio por alguns segundos, segundos bem longos e agonizantes, e então fecha seus olhos, jogando a cabeça para trás num sinal de derrota.

— Então você vai me deixar, — a mente dele vai para o pior cenário possível como sempre, — Vocês dois. Vocês vão me abandonar.

Ele soa perdido e solitário mais uma vez, que nem no dia em que ele confessou ter rasgado a carta que o falecido Rei deu a ela. Ou que nem quando ele abriu seu coração e ela o viu chorando pela primeira vez. Soo não poderia deixá-lo, nem mesmo se alguém ameaçasse matá-la. 

Se a conspiração continuasse, ela não fugiria. Que nem como ela fez com a Rainha, ela moveria as peças certas para continuar ao lado dele. Ela se recusaria a ser afugentada ou a perder seus últimos poucos anos com ele. Mas isso não é sobre ela, então ela não tem outra escolha a não ser deixar o palácio.

No entanto, o Rei não parece entender realmente as intenções dela em ir para lá, então ela coloca uma mão em cima do joelho dele, garantindo a ele que isso não é o fim.

— Eu vou voltar depois, — ela explica cuidadosamente, — Isso é só para o nosso bebê continuar escondido.

Ela explica o plano, cuidadosamente esquematizado com a ajuda do 13º Príncipe, para que ele possa parar de se preocupar e de temer a ideia dela ficar na pequena casa e a expectativa dele de ficar sozinho no palácio. No entanto, quando ela acaba, ele não parece estar nem um pouco mais tranquilo. 

— Que tipo de coisa anda brotando na sua cabeça? — Ele esguicha incrédulo, — Esse seu plano é absurdo.

Soo sabe disso sem ele precisar falar. Ela sabe que sua ideia é boba e até insana demais, e mesmo que ela se sinta livre, ela também se sente insegura, já que tomou um pulo de fé quando partiu.

— Vale a pena tentar.

— Isso é ridículo. Parece até que você não vai mais estar aqui quando o bebê nascer. — Ela desvia o olhar, incapaz de sustentar o dele, e age como se não tivesse considerado essa possibilidade, e ele ofega, ficando desesperado mais uma vez, — Soo-yah, você disse que não ia morrer.

Foi, ela disse. Ela tinha tanta certeza até então. Quando o seu corpo ainda não tinha começado a sentir os efeitos da gravidez, quando a dor dela era apenas um desconforto eventual e leve no seu peito. Ela suspira, sem querer colocar mais sofrimento numa conversa já dolorosa.

— Eu vou sobreviver ao parto. Mas depois disso, eu não sei. — Ele fica boquiaberto, piscando os olhos em negação. Ele respira fundo, e está prestes a dizer alguma coisa, mas ela segura a mão dele com as suas, aperta-a com força e a traz para seus lábios, — Eu também estou com medo. Mas eu tenho mais medo que algo aconteça com o bebê. Eu sei que você vai amar esse filho infinitamente, você já ama, mas há um limite para o que você pode fazer, — ela hesita por alguns segundos, suas lágrimas voltando mais uma vez para seus olhos, — Seu primeiro irmão tinha o apoio do rei, e ainda assim sempre foi atacado. E mesmo sendo um homem já maduro, ele sofreu; pode imaginar o que seria para um bebê pequeno e indefeso?

— Eu não deixaria.

Soo sorri amargamente quando ouve sua constante fé e determinação em proteger as pessoas que ele se importava, mas as lágrimas não vão embora. 

— Depois que eu me for, você vai ter que cuidar e proteger uma criança sozinho. Quem no palácio pode ser confiado com a vida do nosso bebê? — Como ele não diz nada, ela continua, — Pyeha, o que estou fazendo não é loucura comparado com o quão vis aquelas pessoas podem ser.

So continua em silêncio, olhando para ela com olhos perdidos, como se seu coração estivesse se partindo por dentro, e isso também parte o dela. Soo olha de volta para ele, tentando demonstrar confiança e determinação. Ela não vai desistir deles e ela não vai desistir do bebê. Mas ela precisa do apoio dele para ir até o fim.

— Vá dormir, — ele finalmente diz, indicando a cama que ela tinha preparado mais cedo do outro lado do quarto, — Eu vou pensar no que você disse, — a voz dele treme e ela desvia o olhar, escondendo seu rosto antes de perguntar, — Mas se eu concordar, isso não vai ser o fim, vai? Você não vai desaparecer de novo, não é?

— Não é o que eu quero, meu bem, — Soo aperta a mão dele uma última vez, — O oposto de amar é abandonar, e meu coração não vai abandonar o seu. Seu coração ainda é meu, não é mesmo?

— Você sabe que é.

— Então tudo vai ficar bem, — ela beija a testa de So de leve, desejando que a mente dele pudesse se acalmar e ele pudesse entender o que ela estava fazendo, — Vamos confiar um no outro.

 

 

Ela acorda numa cama vazia e num quarto vazio.

Embora ela temesse a conversa que eles provavelmente teriam pela manhã, ela temia ainda mais que ele fosse embora. Então ela sente as lágrimas voltando e seus medos começando a tomar conta de seu coração.

As portas se abrem, e isso dá a ela um breve segundo de esperança, até que ela percebe que é só Baek Ah trazendo uma bandeja com comida.

— Bem, você ainda está aqui, então podemos considerar o plano um sucesso? — Ele imagina em voz alta quando a vê sentada na cama, —  Bom dia.

Soo só acena para cumprimentá-lo, olhando em silêncio para o lugar vazio em que ele estava quando ela caíra no sono noite passada.

— Ele foi embora assim que acordou?

— Ele nem sequer dormiu, — Baek Ah diz a ela, colocando seu café da manhã com cuidado na pequena mesa perto dela, — Ele ficou ali fora e quando o sol nasceu ele montou no cavalo e foi embora.

A janela está fechada, mas ela continua olhando para ela, como se estivesse observando a trilha leve pela qual eles tinham chegado na noite passada, e pensa na expressão dele durante sua última conversa. E então na postura dele quando ela seguiu o seu pedido e sua mente cansada se rendeu a um sono inquieto.

— Ele está com muita raiva?

— Eu nunca sei ao certo com ele.

— Acha que ele vai me perdoar?

— Ele só precisa se acalmar um pouco, — Soo sente ele colocar uma mão confortadora no seu ombro quando ele fala gentilmente, — Você sabe disso.

Ela sabe disso, mas depois de viver em Goryeo por tanto tempo, depois de quase desmoronar no passado, ela não consegue apagar os sentimentos ansiosos que entram em sua mente. No entanto, o 13º Príncipe parece estar melhor do que o que estava ontem, então ela muda o assunto da conversa para ele.

— Você parece estar aliviado.

— Ele poupou minha vida, — Baek Ah diz dramaticamente, — É claro que eu estou.

Um sorriso abre nos seus lábios, mas ele logo desaparece.

— E se ele não quiser mais me ver?

Os olhos lacrimejantes dela parecem assustá-lo um pouco.

— Está tendo outra daquelas súbitas mudanças de humor?

Se fosse qualquer outro momento, ela teria rido. Mas agora ela realmente está tendo uma súbita mudança de humor, e ela sente que, apesar de se esforçar ao máximo para não se render à melancolia, ela está prestes a se debulhar em lágrimas.

— Eu não quero perdê-lo, Wangjanim, — Soo sussurra, provavelmente deixando Baek Ah em pânico.

Mas a mão dele acaricia o seu cabelo, e ele dá o seu melhor para animar os espíritos dela.

— Ele também não quer te perder. É por isso que ele está tão chateado. — Parte dela ainda tem um pouco de dúvida, mas ela acena com a cabeça e ele respira fundo, — Agora coma, a viagem foi difícil para você.

Ela não consegue comer. Na verdade, ela consegue, ela precisa. Ela dá um jeito de mastigar a comida e engoli-la, mas isso a faz se sentir enjoada e nauseada, como se ela estivesse comendo papelão, então ela desiste. Depois que o 13º Príncipe deixa o quarto, Soo se afasta da bandeja de comida, andando para a pequena janela, e se senta na velha cadeira, olhando para fora e esperando pelo seu retorno. Mas ela não consegue esperar também, então quando Soo desiste e se levanta, ela se pergunta se esse é o melhor momento para começar a chorar.

E então, para distrair a mente de coisas do tipo chorar e se render ao desespero, ela começa a escrever. Ela não está acostumada com esse pincel – grande e longo demais para ela – mas ela consegue escrever alguns caracteres, enquanto vasculha sua mente por nomes de bebê e se distrai.

O resto do dia é um borrão para ela. Ela não sabe quanto tempo se passa até que o 13º Príncipe retorna com seu almoço, e depois com seu chá, e depois com sua ceia. Soo acha que ele fala com ela, mas então ele se vai e ela não tem mais certeza de nada.

Ela consegue encontrar uma pequena porção de conforto nessa tarefa, ouvindo o leve som de Baek Ah tocando sua gayageum do lado de fora, e quando ela percebe, o sol começou a se pôr e seu quarto está ficando escuro.

Seus pés a levam de volta para a janela, seus olhos procurando por ele na distância, e então de volta para a mesa, velas iluminando as folhas de papel espalhadas, a tinta começando a secar no pincel, e ela retoma suas atividades de escrita. Soo sabe que ela devia estar organizando seu pequeno baú de pertences que ela conseguira trazer junto, já que ela vai morar ali pelos próximos meses, mas ela não consegue se afastar de suas novas cartas – de suas palavras bem escolhidas, seus envelopes lindos e elegantes.

E então ela tem uma crise.  

O peito dela já estava doendo há um tempo, mas a dor intensifica subitamente, fazendo-a arfar e se agarrar a o que quer que esteja mais próximo de seu alcance. Ela a acerta como um martelo e a derruba, desamparada.

Ela não consegue gritar. Ela não consegue se mover. Ela só consegue aguentar até que tudo acabe.

E é aí que ele aparece, do nada, como se estivesse estado ali aquele tempo todo. Ele aparece bem do lado dela, e seu toque parece acalmar seu corpo já trêmulo. Ele a traz para perto do seu peito, tentando fazer a dor dela desaparecer.

— Soo-yah! — A voz do Rei soa desesperada e cheia de urgência, mas ressoa como uma melodia aos seus ouvidos, e ela suspira.

— Pyeha...

Apesar da dor, ela sente uma onda de alívio invadi-la quando ela vê seu rosto angustiado, mesmo que ele pareça estar contrito e prestes a chorar por vê-la naquele estado. 

— Onde está Baek Ah? — Ele pergunta freneticamente, tentando fazer algo por seu corpo debilitado, — Temos que buscar ajuda.

Ela tenta sorrir, acalmá-lo. Ele sabia da dor, mas essa é a primeira vez que ele testemunha uma de suas crises em primeira mão, e Soo não precisa imaginar por quê ele está agindo como se ela estivesse morrendo agora mesmo.

— Pyeha...

— Soo-yah, o que eu faço? O que eu faço? — Tem lágrimas nos olhos dele enquanto ele a segura com firmeza pelos ombros, pânico se espalhando pelo seu rosto e seu corpo inteiro, enquanto ele treme de leve.

Soo só se aproxima dele, enterrando o rosto no seu peito.

— Só me abrace.

So envolve os braços ao redor dela com força, e ela só espera que a dor vá embora.

 

 

— Ai, que susto.

— Nem tente brincar com isso, — ele reprime sua péssima tentativa de animar o clima, o corpo dele ainda tremendo e seus braços se recusando a soltá-la, — Não ouse.

Ela não tem a força nem a coragem de provocá-lo sobre seu estado, então ela só se aninha mais perto dele.

— Me desculpe por te assustar.

— Só cuide de sua saúde, — So consegue falar numa voz abafada, — Assim eu não vou ter que me preocupar.

Aquele era o único pedido que ele fazia a ela sempre que ela lhe pedia que ele lhe desse algo para fazer, e ela se sentia triste por ser tão ruim em fazer isso.

— Você voltou, — Soo sussurra e é capaz de sorrir, — Eu achei que minha conduta noite passada tinha te afastado para longe demais e que você me odiasse.

O discurso dramático dela finalmente o faz se mover, e ele segura seus ombros para afastá-la e olhar diretamente nos seus olhos.

— Não há nada que você possa fazer, nesse mundo inteiro, que me faria te odiar, — ele diz lentamente, como se explicasse a uma criança, — Quantas vezes eu tenho que te dizer?

— Então por que você foi embora?

— Para garantir que ninguém perceberia que nós desaparecemos no meio da noite.

Ela sorri e dá uma batidinha de leve no seu rosto.

— Você é tão esperto.

O Rei continua sério quando a pega nos braços e a carrega de volta para a cama. Ele puxa os cobertores gentilmente sobre ela, e depois que ela já está confortável, ele se senta ao seu lado, olhando para seus olhos ansiosos.

Parece que mil anos se passaram quando ele finalmente começa a falar.

— Então, você vai ficar aqui?

— Sim.

— Para manter o bebê em segredo.

— Sim.

— Você vai dar à luz ao nosso filho nesta casa carcomida?

— Não é carcomida, — ela guincha em protesto, — O 13º Príncipe já está preparando essa casa há meses. Ela é bem localizada e não é visitada, então é perfeita para...

— Sim, sim, eu já sei, — ele a interrompe, dando de ombros, — Baek Ah me deu uma explicação detalhada.

So desvia o olhar, e ela se prepara para uma continuação da discussão que eles tinham começado na noite passada, respirando fundo antes de falar.

— Eu não teria arriscado se não tivesse certeza que considerei todas as possibilidades.

— Então por que saiu escondida daquele jeito e quase me matou de susto? — A acusação dele a atinge com força, mas ela não cede.

— Porque se eu tentasse te convencer lá, você não me deixaria vir.

So não diz nada, porque os dois sabem que o que ela disse é verdade. Ele apenas suspira, fechando os olhos por um momento, antes de olhar de volta para ela. 

— E você tem certeza de que vai ficar bem aqui? Sem mim?

— Só por alguns meses, — a resposta faz parecer que ela está implorando, — Eu prometo.

Outro momento de silêncio vem sobre eles novamente. Soo só olha de volta para ele, esperando que ele diga alguma coisa, qualquer coisa, para que eles possam ou entrar em acordo ou voltar a discutir. Ele se move, remexendo no seu robe, tira e estende o grampo de cabelo dela – o que ela tinha dado para Baek Ah na noite anterior – para ela ver.

— Eu sei que eu te dei isso, mas pode me emprestar por um tempo? Até você voltar para mim.

Soo só consegue olhar para o grampo e para ele, indo e voltando, até que ela compreende o que ele está tentando dizer, e congela de surpresa.

— Então você concorda.

— Eu não gosto disso, — ele diz rapidamente, antes que ela exploda de alegria e pule no pescoço dele, chorando de alívio, — E nós vamos ter uma conversa séria quando eu conseguir voltar aqui de novo. Mas, já que você tem uma teoria sem fundamento de que é perigoso ter o bebê no palácio, eu vejo como é melhor que você fique aqui fora, assim você não vai ter muita negatividade acumulada. Se é o melhor para você, então é também o melhor para o bebê, — So pega uma das mãos dela e diz com firmeza, — Vamos conversar aos poucos sobre as coisas, e você me avisar antes de tomar qualquer decisão drástica. 

O aceno vigoroso e entusiasmado dela é tudo o que ele precisa para saber que estão de volta na mesma página novamente, e ele se inclina para beijar a testa dela, uma mão acariciando sua barriga.

 

 

Soo devia tentar dormir e descansar direito, mas ela prefere se sentar e observar ele caminhando pelo pequeno quarto, vestido como um camponês e fazendo atividades simples. Ela quase consegue fingir que eles são recém-casados se mudando para uma casa nova, o corpo dela inchado e cansado da viagem e da gravidez, e ele cedendo a todos os pedidos dela, fazendo até mesmo coisas que ele não precisa fazer, como organizar os pertences dela.

A fraca iluminação no quarto não é nem um pouco inconveniente no momento, então ela sorri sem perceber.

— Obrigada, — ela diz, aliviada, e ele se vira para olhar para ela, — Estou feliz que você esteja nessa comigo.

— Por você, — ele adiciona, sorrindo, antes de um súbito pensamento sombrio escurecer seu rosto, — E eu ainda estou com raiva do que você fez, então não se considere totalmente perdoada. Ainda.

Soo ri, e ele tenta esconder o sorriso. Claro que ela sabia que ele já a tinha perdoado.

So vai até a entrada do quarto, pega algo no chão e vai até ela, se sentando à sua frente, e oferece para ela.

— Toma. Eu comprei pra você. — A pequena caixa de madeira não parece ser tão cara ou luxuosa como as que ela deixou para trás no seu pequeno quarto no palácio. Mas ela é linda e bem trabalhada, os entalhes da superfície escura pintados de branco. Soo se maravilha com o design, contorna-o com seus dedos, então a abre para investigar seu conteúdo e depois olha para ele com uma expressão confusa, — Aquele baú já estava cheio, então eu pensei que você precisaria de uma nova para organizar as cartas.

Conforme o que ele disse, a caixa não é muito mais larga que os envelopes, só o bastante para guardá-los com facilidade e sem deixar espaço para eles ficarem bagunçados e desorganizados. E tinha bastante espaço para ela colocar ainda mais. Ela sorri para ele, e ele parece feliz que ele tenha gostado do presente, depois de reclamar por tanto tempo sobre ele ter que escolher sozinho algo para ela.

— Obrigada. — Ela segura sua nova caixa perto do seu peito e seu sorriso aumenta ainda mais, — Então você trouxe todas as minhas cartas?

— Na verdade, só os envelopes brancos, para o pequeno, — ele explica, ajudando-a a se deitar mais uma vez, — O que foi? Tem alguma outra carta secreta que eu não estou autorizado a ver?

E só porque ela pode, Soo decide provocá-lo um pouco mais.

— Se eu contasse não seria mais segredo, não é mesmo?

Ele revira os olhos, mas ela sabe que ele está incomodado. Ela o assiste lutar contra e resistir a ânsia de continuar o assunto enquanto ele se deita ao lado dela, e então ela sorri quando ele suspira, desistindo.

— Seria para Wook? — O Rei pergunta e Soo grunhe em frustração.

— Você gosta do 8º Príncipe ou algo do tipo?

— O quê?

— É que você vive trazendo ele pras nossas conversas.

Ela dá de ombros e a sobrancelha dele treme em irritação.

— Tá bom, — ele grunhe, olhando dramaticamente para o teto, — Eu não vou te perguntar mais nada sobre ele.

— Obrigada.

Apesar do seu chilique, ele não a afasta quando ela se aninha mais perto dele, mas envolve um braço em volta dela, trazendo-a para mais perto.

Ela fecha os olhos, seu corpo completamente relaxado e pronto para cair no sono, quando ele se move e a afasta para perguntar mais uma coisa.

— Ele beijava bem?

Soo quer gritar.

— Você disse que não ia perguntar mais nada literalmente dez segundos atrás.

— Isso me veio à mente agora, — ele explica com um sorriso bobo, e ela revira os olhos, — E então, sim ou não?

— Eu não tenho como saber. — Ela dá de ombros, revirando os olhos em irritação, só querendo pôr um fim na conversa para poder dormir.

Ele pausa, e depois sorri ainda mais quando o significado das palavras dela o acertam.

— Eu vou me confortar nisso, então.

Ela ri e o abraça, seus braços logo se envolvendo ao redor dela, e ela sente paz e liberdade enfim.


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Notas finais do capítulo

Esse é o capítulo que eu ignoro o bom senso e faço o que eu bem quero fazer, porque a fanfic é minha e quem manda nela sou eu. E se fosse pra sofrer mais drama eu ia assistir o dorama de novo, então se eu tiver que apelar pro ridículo, só pra eles terem uns 15 minutos de felicidade, é o que eu farei. :D

Como sempre, roubei o título de letra de música -> https://youtu.be/HiK9ue4Gqng

Opiniões são bem vindas.
Elogios sempre aceitos.
Críticas apreciadas.

:)



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