Minguante escrita por JennyMNZ


Capítulo 10
I'm Just The Words, You're The Sound




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— Pode me explicar por quê nós temos que acompanhá-lo até o portão? — A irritação na voz do Rei o faz parecer uma criança, e Baek Ah não consegue deixar de irritá-lo ainda mais.

— Porque vocês dois são a única família que eu tenho? — Ele diz com um sorriso enquanto anda em direção ao portão, e seu irmão ri em escárnio.

— Isso não te impediu de ir embora antes do amanhecer da última vez.

O comentário não é feito com a intenção de magoá-lo, e ele sabe disso. Mas não pode deixar de sentir uma pequena culpa começa a se espalhar por ele, e ele se apressa a consertar as coisas.

— Pode-se dizer que estou evitando certas companhias.

— Você não precisa se explicar, — Soo interrompe, sorrindo animada para ele, — Pyeha na verdade está muito feliz por poder acompanhá-lo.

Ele não tem escolha a não ser sorrir também conforme o momento da despedida se aproxima. E quando eles finalmente chegam nos últimos portões, Baek Ah e se vira para eles. 

Primeiro ele fica em silêncio, incerto sobre o que dizer, quando seu irmão fala sem lhe dar outra chance. 

— Eu ainda acho que você deveria ficar, — So reclama com desdém, — Por que está indo embora de novo, mesmo?

A atitude de So diverte Baek Ah, mas dessa vez ele consegue não sorrir. 

— Só preciso conferir umas coisas. E mesmo quando eu voltar, não posso ficar para sempre, — ele explica solenemente, e olha para os olhos cheios de expectativa de Hae Soo, — Eu nem teria voltado se não fosse por causa da sua doença.

Ao lado dele, So suspira com um desapontamento fingido.

— Então é só por causa de Soo?

— Não estarei longe, Pyeha, — Baek Ah diz para tranquilizar seu irmão, mesmo embora ele saiba que não precisa, — Pode me escrever a qualquer hora.

— Se só está indo por minha causa, por favor não vá, — Soo fala antes que eles possam continuar com os disparates, — Eu ainda acho que você não devia estar se desgastando desse jeito.

Baek Ah pode ver a pergunta escondida em suas palavras. Uma pergunta que ela não pode fazer em voz alta na frente do Rei, mas que está clara nos seus olhos. Uma pergunta que lhe custou uma noite em claro. 

Você vai fazer o que pedi? 

— Não posso ignorar meus amigos quando eles precisam de mim, — ele diz num tom solene, — E você precisa de mim agora.

Sim, eu vou. 

Os ombros dela relaxam, e ele se pergunta como ela conseguiu continuar vivendo com aquele fardo sobre eles. 

— Obrigada, Wangjanim. Por ser um bom amigo, — ela diz com um sorriso cândido, e ele sabe que ela não se refere somente a esse favor, — E me perdoe por sempre depender de você.

— Nós sempre dependemos de você, então isso é mais que justo. Não é mesmo, Pyeha?

O irmão dele dá de ombros, claramente ainda chateado.

— Só se cuide e volte logo.

— Eu volto quando eu quiser.

Ao invés de lhe dar uma bronca, So vira o cenho franzido para Hae Soo.

— Viu só? Ele é assim agora por sua causa.

Baek Ah está prestes a intervir, mas antes que consiga, outra briga começa entre eles, e ele se contenta em revirar os olhos. 

— Por que a culpa é minha? — A voz de Soo fica aguda de indignação. 

— Foi você quem ficou falando sobre liberdade com ele. Agora ele pegou seu mal hábito de retrucar sempre que recebe ordens.

— E você que sempre pede pra ele te chamar de hyungnim?

— Isso é diferente. Ele é meu irmão, é claro que deveria me chamar assim.

Ele os assiste discutir sobre coisas minúsculas, o sorriso nos lábios dela e o brilho nos olhos dele, e se enche de alívio e tranquilidade. 

— Fico feliz que vocês dois estejam felizes, — ele diz baixinho, sem querer ser arrastado para a discussão mais uma vez. No entanto, seu irmão ouve seus pensamentos melancólicos, e se vira para ele com um sorriso aberto decorando seu rosto. 

— Claro que estamos, — So consegue dizer com um tom feliz e um tom autoritário ao mesmo tempo, — Agora foque em voltar logo.

Baek Ah se curva ainda sorrindo. Mas quando suas costas se viram e os portões começam a diminuir com a distância, ele sente a amargura voltar para o seu coração.

A carta de Hae Soo agora é só uma pilha de cinzas, mas ele se lembra vividamente do seu conteúdo, e mais uma vez deseja que as vidas deles não fossem uma bagunça gigantesca e que nessa realidade as pessoas pudessem ser felizes. Mas aquela era a vida deles, e eles não podiam mudá-la. Eles só podiam torná-la mais suportável e esperar que o pior não viesse sobre eles.

Eu vou, Baek Ah jura novamente, dessa vez para si mesmo, Eu preciso.

 

 

— Acha mesmo que é minha culpa? — A voz de Hae Soo quebra o silêncio entre eles, e suas palavras fazem So franzir o cenho em confusão quando ele se vira para ela.

— O quê?

— Mais cedo você disse que o 13º Príncipe ficou assim por minha causa, — ela explica ainda olhando para frente enquanto eles andam lentamente, — Você acha mesmo?

Uma percepção desperta nele visivelmente, e ele vai de confuso a incrédulo.

— Ainda está pensando nisso? — O olhar silencioso e expectante não vacila, então ele suspira e diz numa voz encorajadora, — Eu estava brincando. Você sabe disso.

— Eu sei, mas vamos parar pra pensar um pouco, — ela sorri, mas é claro que ela está levando o assunto a sério, então ele ri e tenta aliviar as ansiedades dela um pouco. 

— O quê? — ele pergunta quando se vira levemente para ela, — Está preocupada com seu poder de mudar as pessoas?

— Estou falando sério, Pyeha!

— Não é culpa sua, — ele deixa o sorriso desaparecer de seu rosto para garantir a ela que ele também está falando sério, — Na verdade, se você parar pra pensar, meio que é, mas é pelo lado bom.

— Ele não tem onde ficar agora, como isso poderia ter um lado bom?

— Essa parte não, — ele corta qualquer outro argumento que ela possa ter com um aperto na mão dela, — Antes ele sempre tinha medo. Ele não conseguia falar suas próprias opiniões e nunca ousava passar dos limites, — a descrição dele do antigo Baek Ah parece prender sua atenção, então ele continua a narrativa, — Mas aí uma menina bêbada e um pouco louca ficou falando para ele que algumas pessoas não deveriam estar acima das outras, e que ele deveria viver pelas coisas que ele queria. Por causa daquilo, agora ele é bem destemido. Ao ponto de apoiar minha rebelião e minha reivindicação pelo trono. Ele estava até disposto a largar tudo para se casar com uma princesa de Hubaekje. Se não fosse por você, nada disso teria acontecido.

Os ombros dela caem quando ele menciona Woo Hee, e ele se arrepende imediatamente, mas antes que ele possa dizer mais alguma coisa, ela volta a falar.

— Mas ele não estaria sofrendo.

— Você não sabe disso. Ninguém sabe, — ele cutuca o braço dela com o cotovelo num gesto de repreensão, — Mas eu tenho certeza que ele lhe agradeceria pelo que fez.

— Ainda assim, eu me sinto mal.

— Não se sinta. Como ele está, não é culpa sua, é consequência da ganância das pessoas. É de quem ele é que você deveria se orgulhar.

Ela olha para ele com suspeita, como se procurando um sinal que ele está provocando ou tentando evitar o assunto com o discurso para animar o humor dela, mas ela parece perceber que ele está sendo completamente sério e inflexível, então ela volta o olhar para o caminho à frente deles e suspira. 

— Como pode ter tanta certeza disso?

— Porque você fez o mesmo comigo, — ele diz sinceramente, sem medo de parecer muito vulnerável ou muito ávido na frente dela. Mas então ela ri e seu entusiasmo se torna irritação, — O que foi? — Ele murmura, incerto sobre o que deu nela para provocar essa reação, mas quando os olhos dela se voltam para os dele, ele não se importa mais. 

Tudo com que ele se importa é o brilho de amor e felicidade verdadeiros que ele vê nos olhos dela. 

— Sou eu quem deveria dizer isso, — ela diz, e depois de uma batida do seu coração ele percebe que ela está respondendo sua pergunta, e não consegue impedir o sorriso de abrir no seu rosto. 

— Hae Soo, está me dizendo que eu fiz você ser quem você é hoje?

Ele a puxa para perto pelo ombro e sente seu coração querer voar quando ela abraça sua cintura e reclina a cabeça no peito dele. 

— Sou uma mulher solteira que está com um homem casado, e decidi ficar no palácio, mesmo que agora eu possa ir embora. Não acha que eu estaria de um jeito diferente e num lugar diferente, se fosse quem eu era antes?

E você estaria casada com Wook, ele pensa mas não fala em voz alta. Isso ainda o incomoda, mas ele nunca diz essas coisas em voz alta, nunca quer trazê-lo para a conversa e nublar seu humor quando ele está focado em ser feliz com Soo enquanto pode. 

Então ela faz uma cara pensativa e começa a refletir em voz alta, tentando afastar a cabeça do seu oittavo irmão. 

— Eu não sei, você era bem imprudente antigamente. — Ele ri quando ela revira os olhos e belisca o braço dele, mas continua a falar, — E o que você quis dizer quando falou que pode deixar o palácio?

Dessa vez o sorriso dela é desafiador, e ela arqueia as sobrancelhas quando se vira para ele.

— Está dizendo que eu não posso?

— Isso mesmo. Você não pode. Eu não vou deixar.

— Não? E se eu precisar?

— Por que você precisaria me deixar?

— Eu não sei, — ela faz cara de pensativa e olha ao redor para tentar encontrar um motivo, — Que tal se tivesse uma conspiração para me assassinar?

Ele dá de ombros.

— Eu mataria os conspiradores e você ficaria segura.

— Nossa! — Ela se afasta um pouco, só o suficiente para olhar para ele direito e falar em tom zombeteiro de choque, — Uma ameaça de morte no meio de um passeio tranquilo pelos jardins do palácio. Você não é um fofo?

— Você me conhece, — ele sorri e ela ri alto, então ele marca a conversa como um sucesso. 

Eles conseguem caminhar em silêncio por alguns segundos, mas então a curiosidade e a insegurança de Hae Soo parece voltar.

— Mas falando sério, — ela fala rapidamente e ele desiste de esquecer o assunto, — Você realmente não me deixaria ir embora?

— Por quê? Tem uma conspiração pra te assassinar?

— Você não sabe se tem ou não, sabe? — ela comenta, e então a pergunta dela ganha um tom condescendente, — Talvez você devesse ser um pouco menos possessivo.

— Eu não quero. — Ele para de andar subitamente quando ela faz a última observação, sua expressão agora mostrando que ele definitivamente não está achando graça. Ela franze o cenho, já sabendo onde ele quer chegar, mas ele começa a falar antes que ele tenha a chance, — Eu já vou ter que me separar de você antes do que eu queria, por que eu faria isso ainda mais cedo? Não posso deixar você ir, não quando você é tão importante pra mim.

— Pyeha... — Pela voz dela ele consegue saber o quão vulnerável ele parece. Ele sabe que ela quer chegar mais perto e abraçá-lo, mas, mesmo que ele não se importasse se ela fizesse isso, ele ainda tem coisas para falar.

— Eu ainda estou tentando aceitar, sabia? Tenho que aceitar o fato de que um dia você vai embora pra sempre, e eu vou ter que continuar vivendo como se o mundo ainda fizesse sentido, — ele respira fundo, tentando focar nas suas palavras e não no que ele sente e tenta esconder, — Estou tentando ser forte pra você poder ser forte também, mas se ficar falando dessas coisas, fica difícil pra mim.

Ela se aproxima então, mas em vez de abraçá-lo, ela pega uma das mãos dele e a acaricia gentilmente.

— Se houvesse uma conspiração para te assassinar, — ela fala lentamente, olhando para as mãos deles, — E eu tivesse que deixar o palácio, também não seria fácil para mim.

— Então por que estamos falando sobre isso?

— Porque mesmo que fosse difícil, eu ainda iria. — Ela levanta o olhar, sorrindo, mas com um brilho triste nos olhos, e ele se lembra mais uma vez do dia que ela disse que não podia se casar com ele.

— Então você nem lutaria?

— Ao contrário de você, eu não posso ameaçar matar ninguém, — ela suspira e então pisca com força para afastar a tristeza, e coloca uma cara de ferocidade que consegue fazê-lo sorrir novamente, — Mas mesmo que eu fosse embora eu não desistiria de você, ou deixaria de sentir o que sinto, ou iria querer que você me superasse, ou...

Ele a interrompe com seus lábios nos dela, e depois de um breve toque ela finalmente faz silêncio.

— Eu já entendi, — ele usa a mão, ainda segurando a dela, para arrastá-la atrás dele quando volta a caminhar, — Agora vamos parar de falar desses assuntos depressivos, isso é pra ser um passeio tranquilo pelos jardins do palácio.

 

 

Mais tarde naquela noite, depois que ele termina suas leituras e deixa a Sala do Trono, ela o segue para o seu quarto lhe trazendo um travesseiro novo, e acaba convencendo-o a parar diante do espelho e lavar o rosto antes de dormir.

— Mas eu quero esclarecer que só estou limpando por sua causa, — ele chia, encarando-a com uma expressão de irritação, lutando com o tecido para remover o creme completamente. 

— Quem aqui realmente estudou cosméticos? — Ela retruca e ele não pode discutir, então ele volta à sua tarefa de remover maquiagem, ainda sob seu olhar vigilante e disciplinador, — Deixe a pele respirar. Você está sempre com o creme no rosto. Você nem o remove direito antes de cobrir a cicatriz de novo.

— Então você não tem como deixá-la menos permanente?

— Ei, nem é tão difícil assim de remover, — ela o repreende, — Você que passou demais e acabou com muitas camadas.

— Então você devia vir aqui me ensinar direito.

Ele olha para ela cheio de expectativa quando ela parece pensar no caso, mas então ela sorri e sacode a cabeça antes de dizer com uma voz debochada.

— Não. Eu tô bem te vendo sofrer.

Ela dá um risinho quando ele faz uma cara indignada, e então ela se estica novamente no colchão dele, apoiando a cabeça no braço para vê-lo melhor. 

— O que você está fazendo na minha cama, mesmo? — Ele pergunta quando volta a limpar o rosto e ela rola de lado, ficando mais perto da beira da cama e dele.

— Descansando meus joelhos. Estava um pouco frio hoje.

— Então seria melhor não ter dado aquela passeio à tarde.

— Mas é uma tradição! — Ela choraminga e ele suspira com a lógica dela, por ela preferir suportar dores uma noite inteira do que deixar de caminhar pelo jardim no clima frio.

— Não é uma tradição se só começamos a fazer isso há algumas semanas, — ele diz, sem querer mostrar que está preocupado, mas falha, — O médico disse alguma coisa sobre seus joelhos?

Hae Soo dá de ombros.

— Eles estão como estavam antes.

So põe o pano de lado e olha de novo para a expressão tranquila dela, como se não tivesse nada de errado com seus joelhos antes.

— Você devia ter cuidado, — ele diz suavemente e ela sorri.

— Eu tenho. Você devia cuidar mais de si mesmo.

— Não se preocupe com outras pessoas em momentos como esse.

— Bem, você precisa de alguém que se preocupe com você, — ela raciocina ele não tem mais argumentos, — É melhor que seja eu.

Ele então suspira em derrota, já sabendo como isso vai acabar, mas cansado demais para alongar a conversa ainda mais. Então ele simplesmente se levanta e vai até sua cama.

— Não é como se eu pudesse ordená-la a fazer nada que não queira fazer.

— Isso mesmo.

— E já que nós dois estamos cansados e precisando muito descansar, eu não vou nem pedir que você fique, — ele se senta ao seu lado e olha para ela, — Só me prometa que vai vir me ver pela manhã, e eu vou conseguir dormir bem.

— Na verdade, eu estava planejando ficar hoje, — ela diz enquanto se senta e começa a sair, — Mas já que você está cansado demais para me fazer companhia...

— Não, — ele a segura e a trás para perto, oferecendo o braço como apoio para a cabeça dela. Ela dá um risinho quando ele praticamente salta para impedi-la de ir embora, e ele não pode deixar de rir também, — Então essa é a nova Hae Soo. Nem reclama pra ir embora nem me deixa ficar minutos tentando convencê-la a ficar.

Ele se joga de novo no colchão, trazendo-a junto, e ela ri.

— Eu estou carente hoje, — Soo explica enquanto se aninha para perto do peito dele, — Ontem à noite você não estava ocupado, mas não foi me ver.

— Você gastou muita energia ontem, eu queria que você descansasse.

— Eu queria conversar uma coisa com você antes de ir dormir ontem.

— Desculpa, — ele sussurra no cabelo dela e beija a sua testa, — Mas agora eu estou aqui. Queria falar sobre o quê?

Primeiro, ela não fala nada. Mas então Soo se afasta um pouco dele, o bastante para se apoiar num cotovelo e paira sobre ele, seu rosto completamente sério quando as palavras saem de sua boca.

— Você devia se deitar com a Rainha.

 

 

Go Hajin odiava traidores. 

Claro, talvez isso fosse porque ela foi traída uma vez, mas mesmo antes de saber que seu ex era um lixo, ela sempre achou que traidores não prestavam. E essa característica parecia ter passado para Hae Soo. Foi por isso que, depois que ela chegou em Goryeo, um dos maiores choques culturais foi a poligamia, e como todos esperavam que homens de maior status tivessem mais de uma esposa. Como era estranho para eles alguém ter uma única mulher como parceira até o fim.

As pessoas lá pareciam não ver do mesmo jeito, mas para Hae Soo, aquilo era uma forma de traição.

Ela queria que o seu homem fosse dela, e somente dela. E mesmo que fosse um casamento político, ela acreditava que não conseguiria suportar se ela tivesse que mandar o homem que ela amava para outra pessoa. 

Mas isso foi antes, quando Go Hajin e Hae Soo eram jovens e cheias de esperança. Agora tudo aquilo já se foi e ela só tem medo pela pequena felicidade que ainda lhe resta num mundo distorcido. Agora ela não se importa de sofrer algumas feridas, desde que as pessoas que ela ama fiquem protegidas.

— Você devia se deitar com a Rainha, — ela se prepara e sussurra seu pedido, uma parte dela ficando mais entorpecida quando ela olha para ele, esperando por sua resposta.

So não diz nada por alguns segundos. Ele só consegue continuar olhando para ela, analisando-a com olhos escuros, e ela se sente diminuta e ansiosa sob seu olhar. Mas isso é algo que ela precisa fazer, então ela não desvia o olhar.

Ele franze o cenho, depois fala numa voz estupefada.

— Tinha razão, você é uma pessoa completamente diferente agora.

Ela não revira os olhos e nem faz qualquer sinal de reprovação à sua péssima tentativa de fazer uma piada.

— Estou falando sério, — ela fala firmemente e o cenho dele se franze ainda mais.

— Eu tenho um número limitado de noites com você, e você quer que eu passe uma com ela? — Ele se senta, se apoiando nos cotovelos até que seus olhos estejam no mesmo nível, e depois murmura entredentes, — Você está louca?

— Só uma vez, para tranquilizá-la. — Ela não sabia quando o primogênito de Gwangjong viera ao mundo, mas não é isso o que a preocupa. O que a preocupa é os boatos que começam a se espalhar pelo palácio e como a Rainha olhou para ela da última vez que a viu, — Vocês estão casados há meses e ela ainda não engravidou. 

— Bem, seria difícil para ela engravidar, já que o casamento nem foi consumado pra início de conversa.

Demora um tempo para ela processar a informação e entender completamente o que ele quer dizer. Mas quando ela entende, ela precisa processar tudo de novo e um sibilo sai de sua boca quando ela percebe o que ele quer dizer. 

— O quê? — Ela se levanta de vez e se senta, incredulidade e confusão tomando conta dela, — Então o que você fez na sua noite de núpcias?

— Eu caminhei por aí, — ele dá de ombros, indiferente à sua surpresa.

— Caminhou por aí... — Ela repete as palavras dele para si mesma em um estupor e depois guincha de novo, — Então por que me deixou pensando que estava com ela?

— Por que eu estaria com ela? Eu desprezo aquela mulher.

— O quê? Mas eu... você... — Ela se lembra do quão sozinha e abatida ela ficou no dia do casamento dele, incapaz de dormir à noite porque sua mente sempre ia para lugares indesejados. Mas ela não pode se sentir aliviada agora, mesmo que uma parte dela estivesse desesperada para ouvir aquilo, — Não percebe o quanto isso é perigoso? Ela com certeza não está feliz com isso.

— Não percebe que eu não ligo pra como ela se sente?

— E quanto a mim? Não liga pra como eu me sinto?

— Ligo, — ele endireita sua coluna e se aproxima dela, indiferença sendo trocada por irritação, — Na verdade, você foi o principal motivo de eu ter feito o que fiz. Ou não fiz, nesse caso.

— E se ela descontar em mim? O que vai fazer?

— Por que ela faria isso? Ela já conseguiu o que queria, — ele fala num tom de quem mostra o óbvio, — Ela é Rainha, e nem vai ter que lutar pela posição de Rainha Mãe, já que eu já prometi fazer o filho dela meu herdeiro. O que você poderia ter que a faria querer te machucar?

Ela tem muitas coisas, e Soo sabe disso. Muitos problemas que ainda podem acontecer. Alguns mais importantes que outros, mas todos eles estão no mesmo espectro e têm a mesma origem. 

— Bem, já que você não se deita com ela por minha causa, então ela pode se sentir ameaçada e tentar me tirar do caminho dela?

Ele a observa em silêncio, como que pensando na pergunta dela. E depois suspira e pergunta numa voz esgotada.

— Tá bom, vou perguntar mais uma vez: Tem uma conspiração pra te assassinar?

Os olhos dela endurecem quando ele tenta mudar de assunto e sua voz fica mais ríspida. 

— Você quer mesmo que eu viva como Oh Sanggung?

— Você quer mesmo que eu vá para outra mulher?

Não, é claro que eu não quero, ela quer gritar, mas ela se controla. Ela ignora o aperto que sente no coração e foca em dizer palavras corajosas.

— Se for para proteger você, para proteger a gente, não importa o que eu quero. Nós fazemos o que precisamos fazer, — ela diz em voz alta para ver se consegue acreditar nisso também, pressionando-o quando ele tenta interrompê-la, — Você precisa agradar o clã dela para continuar sendo rei. Você precisa agradá-la para agradar o clã dela.

A irritação dele se vai, levada pela preocupação, e ele desvia o olhar dela, pensativo.

— Se você soubesse que as coisas seriam assim, — ele reflete em voz alta, — Você teria me apoiado para ser rei?

— Teria, — ela diz suavemente, colocando uma mão sobre a dele, — Eu já sabia há um tempo que você estava destinado a algo grande.

Ele revira os olhos, claramente, embora não completamente, entendendo o que ela quer dizer.

— A visão.

— Uma visão linda, — ela sorri, tentando animar o humor dele.

— Você não disse que eu parecia frio e cruel?

— Quando você não parece frio e cruel?

— Não com você, — ele diz firmemente, — Nunca com você.

— E isso me faz sentir muito especial, — ela move a mão e entrelaça seus dedos com os dele, — Os parentes da sua esposa, no entanto, podem não se sentir da mesma forma.

Ele respira fundo e Soo se prepara para o que ele vai dizer, e assim não perder a confiança. 

— Eles não ousariam fazer nada. Não depois de me fazerem casar com Yeon Hwa. Já dei a eles uma prova de minha boa vontade. Aceitei o acordo deles, e lhes dei uma rainha. 

— Mas...

— E Yeon Hwa não vai deixar o clã dela me tirar do trono. Ela é mais gananciosa do que você pensa, e se ela tiver que escolher entre ser rainha ou a irmã de um rei, ela não vai hesitar em marchar até a casa de Wook e se livrar dele pessoalmente.

— Ainda assim...

— Eu também sou a única chance que ela tem de ser Rainha Mãe. Ela sabe que não vou tomar mais nenhuma esposa, e ela já te convenceu a não se casar comigo.

— Isso...

— Mas se eu for até ela e ela engravidar, ela pode decidir me tirar do caminho e colocar o filho dela como rei enquanto ele ainda for pequeno. E assim ela vai até poder ser Regente por alguns anos, e vai ser tudo porque você recusou meu lindo pedido de casamento e me fez casar com ela.

A irritação dele está de volta. Mas a voz chorosa e os olhos tristes também. Depois que ele acaba de falar ele se joga no colchão meio que fazendo birra, e ela sabe que perdeu. Ela não consegue contradizê-lo quando ele fica assim, ela não tem coragem de continuar insistindo no assunto quando o magoa tanto.

Então deixa um pequeno sorriso aparecer nos lábios, se aproxima dele lentamente, e pergunta com cuidado. 

— Ainda está triste por causa disso?

— Estou, — ele grunhe e cobre os olhos com as costas da mão de forma dramática, — Eu nem consigo olhar pra você agora.

Ela ri em silêncio e apoia o queixo no peito dele, tentando persuadi-lo a olhar para ela.

— Bem, você tem uns dez anos pra superar.

A mão dele sai da frente do rosto e os olhos dele encaram os dela, claramente irritado e chateado pelo seu comentário.

— Você brinca com coisas sérias, mas faz a gente discutir sobre coisas que nem são um problema.

Ele está com raiva, mas ela não pode deixar de se sentir aliviada pela briga ter terminado. Parte dela está feliz que ele tenha firmemente recusado o seu pedido, mas a outra parte ainda se preocupa com as consequências. E mesmo que os argumentos dele sejam sólidos e a deem um pouco de tranquilidade, a parte amedrontada continua a fazer planos e cálculos.

A parte feliz, no entanto, se derrete por dentro, se sentindo agradecida. E no fim das contas, Hae Soo decide considerar essa pequena derrota como uma vitória.

— É porque eu me importo demais. Mesmo a menor das coisas me deixa preocupada, — ela se deita ao seu lado, enterrando a cabeça na dobra do seu pescoço, — Me perdoe por ter te empurrado pra ela mais uma vez, por favor não me odeie e se apaixone por outra pessoa.

— Você só precisa se preocupar com as coisas que são importantes, tolinha, — ele bronqueia, mas enrola um braço na cintura dela para trazê-la pra perto, — E como eu poderia me apaixonar por outra pessoa se meu coração já é todo seu?

As palavras dele a surpreendem e ela olha para ele sorrindo.

— Você está muito bajulador hoje.

— Só porque você está aqui. — Ele tenta não mostrar, mas ela sabe que ele quer sorrir também, — Agora durma ou da próxima vez eu que vou insistir pra você ir embora.

Soo coloca uma mão sobre o peito dele e se inclina para ouvir as batidas do coração dele e aproveitar do seu calor. Ela ronrona e fecha os olhos, focando na proximidade do corpo dele ao seu, esperando poder ignorar os planos de preocupação no fundo da mente dela, e finalmente cai no sono.

 

 

Uma semana depois, ele descobre. 

E não porque ela finalmente juntou coragem para contar a ele ou porque ela decidiu seguir o conselho de Baek Ah e ser completamente honesta e clara apesar das consequências. 

Ela estava tranquila naquele dia, quando supervisionou e orientou o trabalho das damas da corte. Ela até teve a disposição de ir até suas pedras de oração e começar uma nova torre.  Quando um eunuco veio lhe dizer que o Rei lhe chamava, ela ficou animada em poder vê-lo mais cedo que o esperado. Ela saiu praticamente saltitando de volta para o seu quarto, sorrindo para si mesma enquanto caminhava pelos corredores. 

Mas então ela abriu a porta do quarto, e toda a sua tranquilidade se dissolveu em medo e insegurança. 

Ela o encontra sentado no chão de seu quarto, mas antes que possa cumprimentá-lo ou sequer se aproximar, ela vê que seu baú está aberto e os envelopes estão espalhados em volta dele. A cabeça dele está caída enquanto ele lê a carta aberta em suas mãos. Ela nem consegue ver o rosto dele, mas o abatimento é claro na forma com que seus ombros estão caídos.

Eu devia ter queimado elas. Eu devia ter queimado todas elas. 

Ela não se move, sem saber o que fazer. Ela tinha imaginado milhares de cenários nos quais ela contava para ele, mas esse não era um deles, e ela está perdida. 

Depois de um tempo ela consegue dar um passo à frente e convencê-lo a falar com ela.

— Pyeha.

— Eu não queria invadir sua privacidade, — a voz dele é fria como gelo e ela corta, a faz parar bem onde está, e ele continua a falar sem olhar para ela, — Eu só ia esperar por você. Mas eu vi o baú aberto, e o envelope tinha o nome de Jung. Muitos envelopes tinham o nome de Jung. Eu fiquei curioso. O que você precisava dizer para ele que acabou escrevendo tantas cartas? E por que nunca as enviou?

Ela consegue ver onde essa conversa vai parar, mas ela não quer começar outra briga entre eles.

— Eu posso explicar.

Ele finalmente olha para ela, e suas palavras se perdem em algum lugar da sua garganta. Mas não é por causa da frieza nos seus olhos. É por causa das lágrimas de mágoa e traição. 

— Eu acho que já entendi, — ele sorri amargamente, dobrando a carta de volta antes de jogá-la no chão, — O que eu não sei ainda é por que você me disse que ia ficar se esse tempo todo você estava planejando fugir. E pra ele, de todas as pessoas.

As palavras dela somem mais uma vez. Dessa vez, no entanto, ela congela de incredulidade e confusão, arregala os olhos e fala numa oitava acima. 

— O quê? Não, não é isso. Qual carta você leu? — Ela marcha até o lado dela, pega o papel e dá uma lida rápida, e então finalmente entende o que ele estava dizendo e o que ele tinha entendido, — É claro que, de todas as cartas, você ia acabar abrindo essa!

Então é a vez dele ficar confuso, assim que entende as suas palavras. Mas ele também parece ficar um pouco irritado.

— Agora vai me dizer que é um mal-entendido?

— Porque é, — ela diz calmamente e bem devagar, para ele poder ver o absurdo do que acabara de implicar, — Eu não vou te deixar pra ir morar com Jung, isso nem faz sentido.

— Ah é? Então pra quê essa carta? — Ele pergunta duvidoso, deixando-a sem palavras mais uma vez.

Só que agora por um motivo completamente diferente. Agora ela só não quer ver a expressão dele quando ela começar a falar sobre sua doença. Então ela abaixa o olhar e tenta encontrar as melhores palavras.

— É uma despedida. Todas elas são, — ela diz sem olhar para ele, focando apenas nas palavras escritas diante dela, — Pelo menos a maioria delas.

— Despedida? — A raiva de So some quase que completamente, mas a confusão ainda é evidente em sua voz.

— Nem todas são para o 14º Príncipe. Essas são pra você, e aquelas pra Baek Ah-nim, — ela explica e aponta para as pilhas de envelope cuidadosamente organizadas no baú, — Eu tenho algumas para pessoas que não estão mais aqui, e mais outras que escrevi por força do hábito. São coisas que eu queria dizer para todo mundo, e coisas que eu quero dizer pra mim mesma. 

Ela respira fundo e continua.

— No começo era só pra pensar na melhor forma de te contar da minha doença. E então virou tudo o que eu sempre quis falar, mas nunca consegui. Ou tudo que eu queria poder continuar dizendo, mesmo quando não pudesse dizer mais nada, — ela finalmente consegue olhar para ele, e sorrir mesmo que seus olhos tenham começado a lacrimejar, — Quando eu não estiver mais aqui, não vou poder te falar mais nada, mas eu ainda quero que você possa me ouvir.

É a vez dele desviar os olhos, e então ele olha para as mãos dela, provavelmente tentando esconder as lágrimas também. 

— E essa? — Ele pergunta, indicando a carta nas suas mãos.

— Essa eu escrevi quando achei que você tinha desistido de mim depois que implorei pela vida do 8º Príncipe.

— Mas por que Jung?

Ela não pode de forma alguma contar para ele que o 14º Príncipe tinha um jeito de tirá-la do palácio, então ela dá de ombros para mostrar indiferença.

— Ele tem uma casa grande o bastante para acomodar um convidado.

Soo esperava que seu comentário o aliviasse um pouco, mas agora o Rei parece estar irritado.

— Você ia morar com ele porque achou que eu ia te mandar embora?

— Não morar com ele, — ela muda o tom da voz novamente, se perguntando como ele conseguia ter ideias tão absurdas, — Talvez ficar lá por algumas noites até encontrar um lugar pra morar.

— Sua fé em mim é tão pequena assim? — Ele encara seus olhos com descrença e incredulidade.

— Você estava agindo estranho, — ela lembra, — E nós tivemos uma briga feia. E eu estava meio deprimida naquele dia. É culpa sua que eu tenha recorrido a esses meios.

Ela diz só pra provocar, mas os olhos dele ficam abatidos e ela sabe que ele levou a sério.

— Já notei isso, — So murmura numa voz trêmula e ela está prestes a reconfortá-lo, mas então ele sorri e ela percebe que ele também a está provocando, — Será que devo compensá-la por isso?

— Será que você pode faltar ao trabalho? — Ela retruca e ele sorri.

— Você sabe o que eu sempre digo.

Soo revira os olhos enquanto ele se arrasta para mais perto dela.

— Sim, claro, você é o Rei.

Ele concorda com um “hm” e a beija lenta e profundamente, então ela esquece de tudo sobre trabalho e da irritação que as desculpas dele lhe causam. Então ele se afasta para beijar sua testa, e sussurrar suavemente, perto da pele dela. 

— Me perdoe por ser tão negligente ao ponto de fazer você cogitar a pedir ajuda de outro homem. 

— A carta ainda está aqui, não é? Isso quer dizer que você já foi perdoado.

— Se eu fui perdoado você deveria queimá-la.

Ela faz uma expressão pensativa e depois faz um bico de chateação.

— Mas seria uma pena, já que eu a escrevi tão bem.

Soo ri quando ele franze o cenho e volta a beijá-lo novamente. 

Ele fica quieto e satisfeito por um tempo, mas grunhe de irritação quando ela se afasta mais uma vez, então ela sorri para não deixá-lo chateado.

— Pyeha, — ela fala com a mais doce das vozes, — Se eu tivesse ido embora antes de contar da minha doença... — So suspira e ela sabe que o assunto o desagrada. 

— Não vamos falar sobre ir embora de novo, por favor.

— Mas se eu tivesse ido depois do que aconteceu com o 8º Príncipe. Se você estivesse com muita raiva de mim, e eu estivesse morrendo..

— Como você consegue inventar essas situações absurdas? — So se afasta para olhar direito para ela e fala numa voz exasperada, — Você podia até deixar de me amar e se casar com outra pessoa, se você estivesse sofrendo eu iria até você num piscar de olhos.

Ele está com raiva de novo, mas Hae Soo só consegue sorrir. 

— Mesmo?

— Ainda tem dúvida?

O sorriso gentil dela vira um de travessura e ela o puxa para perto.

— Eu só gosto de ouvir você dizer isso. 

So tenta ficar sério, mas a risada dela é contagiosa e logo ele ri também.

— Olha só, — ele acusa, — Exibida e gananciosa.

— Não é culpa minha se isso me deixa feliz. — So não discute com ela dessa vez, para o seu alívio, mas se inclina e lhe dá um beijo rápido, para seu desespero. 

Soo quase choraminga quando ele se afasta mais uma vez, mas suspira quando vê seu semblante preocupado. 

— Então você não está escondendo nenhum segredo importante de mim? — O tom de voz dele é cuidadoso, como se ele tivesse medo da resposta dela, como se esse breve momento de paz que eles têm fosse frágil e breve. 

As palavras de Baek Ah voltam a sua mente mais uma vez. O medo de pensar que ele tinha descoberto tudo por acidente com aquela carta ainda está fresco na sua memória. A parte lógica de seu cérebro pede, incessantemente, que ela conte para ele, e conte agora. 

— Na verdade, tem uma coisa que eu preciso te contar.

Ela consegue sentir o corpo dele ficando tenso imediatamente, se preparando para o pior.

— O que é?

— Relaxa, — ela sorri para tranquilizá-lo, mas ele não se move, — É importante, mas não é nada grave.

O Rei parece ficar ainda mais nervoso quando ela vira as costas para ele e se debruça no baú de cartas, mas Soo não pára. 

Ela mexe mais fundo no baú, levantando as pilhas de envelopes coloridos até ver os poucos envelopes brancos. Ela os tira para fora, alisando-os com as mãos, tentando decidir qual deles entregar para ele. E por fim, acaba por escolher o primeiro que escreveu e passa para ele, tentando não entregar tudo pela sua expressão, e ao mesmo tempo tentando deixá-lo à vontade. 

Primeiro ele hesita, mas depois que ela indica para ele ir em frente com um aceno da cabeça, So finalmente abre o envelope e desdobra a carta. 

Soo o observa em silêncio. Ela observa, apreensivamente, o jeito que sua expressão muda quando ele processa a informação da carta, sua tensão se esvaindo e seu rosto ganhando uma expressão vazia. Ela se encolhe um pouquinho enquanto seus olhos vão de um lado ao outro na página, lendo o conteúdo de novo e de novo. E quando So pisca, desvia o olhar do papel para ela, ela congela, sem saber o que ele está pensando.

— Quanto tempo? — Ele pergunta com uma voz neutra, como se só estivesse lhe perguntando como foi seu dia.

— Não sei ao certo, — ela mexe os dedos nervosa, desejando que ele expressasse o que sentia de uma vez, — Talvez uns dois meses?

Assim que as palavras saem de sua boca, Soo sente os braços dele em volta dela, abraçando-a com força, trazendo-a para o seu peito, e ela arfa surpresa com seu movimento. Mas ela não se importa, uma vez que a risada de So logo ressoa pelo seu pequeno quarto.

— Esse tempo todo, e eu nem suspeitei.

Ela sorri quando ouve o tom maravilhado de sua voz, alívio se espalhando pelo seu corpo quando ele beija sua cabeça várias e várias vezes.

— Então, está feliz que eu tenha escondido isso de você? — Ela pergunta de brincadeira, seu sorriso se alarga tanto que suas bochechas começam a doer.

— Não, mas vamos conversar sobre esse seu mau hábito de só me contar as coisas na hora errada mais tarde. — Ele se afasta do abraço e segura o rosto dela, olhando bem fundo nos seus olhos, — Agora eu estou... — ele hesita, tentando encontrar as palavras.

— Feliz?

— Eufórico, — ele diz depois de respirar fundo, seu sorriso nunca desaparecendo por um segundo, — Eu estaria gritando e correndo se aqui não fosse o palácio.

— Eu sei o que quer dizer.

E ela sabe mesmo. Ela ainda se lembra de quando descobriu que estava grávida. A confusão de sentimentos que veio sobre ela. Havia medo, apreensão, insegurança, ansiedade, mas acima de tudo, havia alegria. Ou euforia, como So descreveu. Como se houvessem bolhas dentro dela, subindo até sua boca, e ela precisasse colocá-las para fora.

Mesmo que já tenha passado alguns meses, ela ainda as sente. E quando ele a beija, é como se a alegria dela se amplificasse, porque agora que ele sabe o que está acontecendo dentro dela, ela se sente hilariante.

Eu vou ser mãe.

Você vai ser pai.

Nós vamos ter um bebê.

— Quer saber? Esquece a reunião, eu vou dizer que estou doente ou coisa parecida.

— Você pode fazer isso. Você é o Rei.

Ele ri com a resposta dela e ela o acompanha. Perdida demais nessa felicidade para lhe dar uma bronca e mandá-lo parar de procrastinar. Ela se acomoda na presença dele e se embriaga na sua alegria, e permite que sua preocupação desapareça, pelo menos durante esse momento.

Esse momento, ela jura quando vê seus olhos lacrimejarem de pura alegria, ela vai guardar na sua caixa de memórias e preservá-lo, para que assim não desapareça até que ela se vá.

 

 

Você ainda é só um pedaço de mim, mas eu já te amo mais que minha própria vida.

Eu nunca te vi, mas eu já sei que você é a pessoa mais bonita e adorável do mundo. 

Eu nunca te conheci, mas eu já sei que você vai ser amada e gentil. 

Até agora, eu sempre lutei por mim mesma, mas se for por você, então eu tenho certeza que abriria mão de tudo o que é meu para que você possa viver.

Eu só quero que você viva. Mesmo que esse mundo seja duro e cruel, eu quero que você viva. Eu quero que você viva e seja feliz. 

Aquela alegria que eu quis para mim, mas que escapou de minhas mãos, eu quero que seja sua. 

 

 

Hae Soo espera a euforia dele diminuir. Ela espera até que ele fique sóbrio e sua animação fique mais controlada, sua alegria finalmente se aquiete, e ele não esteja mais querendo correr pelo palácio gritando que vai ser pai. Soo espera porque ele tem o direito de ficar completamente feliz e livre de preocupações desse jeito, pelo menos por um tempo. Mas ela sabe que vai ter que contar para ele.

Eles estão caminhando pelo jardim mais uma vez, depois que Soo argumentou que o exercício faria bem a ela e ao bebê, e ele a convenceu a vestir pelo menos um agasalho leve, mesmo que ainda não fosse inverno.

Como sempre, ela espera até que eles estejam longe dos prédios e fora do alcance dos ouvidos de todo mundo, antes de conversar abertamente sobre o filho deles ainda para nascer. Mas diferente das outras conversas sérias que eles tiveram no passado, ela decide ir direto ao ponto. 

— Você sabe que isso também tem um lado ruim, não é? — Ela diz, e toca o seu estômago discretamente, — Especialmente com sua esposa por aí.

Ele grunhe, já sabendo onde essa conversa vai chegar.

— Foi por isso que mandou eu ir até ela no outro dia?

— Ela não tem filhos, — ela sabe que esse argumento já não funciona, mas ela o diz assim mesmo. 

— Isso é problema dela, — ele dá de ombros e ela não pode dizer que está surpresa. 

— Se você der à Rainha o que ela quer, ela vai nos deixar em paz, — Soo decide dizer de uma vez e evitar sua tentativa de ignorar o assunto. 

Ele então para de andar, e ela se vira para olhar para ele. Por algum motivo, seus olhos não parecem estar com raiva como da última vez que eles tiveram essa conversa. Ele parece estar apreensivo e relutante, quando suspira e molha os lábios.

— Ela quer meu coração.

A repulsa a atinge com força, como um martelo, e a bile parece querer deixar seu corpo novamente quando ela sente uma vontade súbita de vomitar. E dessa vez não é por causa da gravidez.

— O quê? — A voz dela é fria, e ela não sabe como, já que ela está queimando por dentro.

— Ela disse há um tempo que me amava, mesmo antes de eu considerar me tornar rei, — ele explica calmamente, como se não estivesse narrando o evento mais absurdo e doentio de todos, — A oportunidade de se tornar Rainha e receber todas as honras foi só mais um incentivo para...

— Aquela... Vagabunda incestuosa! — Ela grita antes que possa controlar a repugnância, sem nem mesmo deixar ele acabar de falar. A imagem mental da Rainha vil apaixonada pelo seu Rei a faz tremer de raiva, e ela começa a marchar em círculos indignada, murmurando frases desconexas, — Que mulher cruel e perversa! Ela estava tentando te seduzir! Aposto que foi por isso que ela tentou me mandar embora! Esse tempo todo ela queria você para ela! Como alguém pode ser tão repulsivo e indecente?! Eu não posso nem mais olhar para ela! — Pensar em So sendo abraçado por ela faz arrepios descerem pelo seu corpo, e isso só inflama a raiva que toma conta dela, — E eu mandei você se deitar com ela?! Que ultraje!

— Então, — So interrompe seu desabafo raivoso, — Se torne minha segunda rainha e salve-me dela.

Então a ira dela se vai, substituída pela melancolia fria de antes e ela tenta recuperar o foco para finalmente dizer as coisas importantes antes que tudo fique complicado de novo.

— Eu não posso, — Soo sente lágrimas começando a inundar seus olhos, — E o que me deixa com mais raiva é saber que eu um dia você irá até ela.

— Eu não vou. — A voz do Rei é determinada, e ela sabe que ele tem boas intenções. Mas seu status real não vai ajudá-lo a se livrar disso. 

— Meu tempo de vida será menor que o dela, — ela sente sua voz tremer quando ela fala, mas não consegue se ouvir, — Você vai ter que ir, em algum momento. E ela terá seus filhos.

Ela odeia isso. Ela odiava antes e odeia agora. 

Ela odeia a imagem gravada na sua mente do Rei e da Rainha juntos. Ainda não é uma realidade, mas isso é só uma questão de tempo.

Soo não se lembra quantos filhos Gwangjong e Daemok tiveram, mas com certeza foi mais de um. Ele se deitou com ela várias vezes, e ela engravidou e deu à luz aos seus príncipes e princesas.

Mas agora, mais do que raiva, ela sente uma vontade repentina de chorar. E quando ela percebe, as lágrimas estão caindo dos seus olhos e os dele ficam preocupados quando ela a segura com cuidado pelos ombros.

— Soo-yah...

— Eu vi o médico alguns dias atrás, — mais uma vez ela se força a ir direto ao ponto. Evitar qualquer desvio, ser completamente honesta e aberta. 

So fica ansioso de repente, antes mesmo que ela diga alguma coisa a ele.

— Tem algo errado com o bebê?

— Não tem nada errado com o bebê, — Soo suspira, e ao invés de tocar na barriga, como ela sempre fazia quando eles conversavam sobre sua gravidez, ela coloca a mão no seu próprio peito, bem em cima do seu coração agonizante, — Eu que não vou estar aqui para proteger nosso filho.

 

 

Esse mundo é cruel, e Hae Soo já sabia disso há um tempo. Vez após vez, ele tirava alguma coisa dela. Ele machucava as pessoas que ela amava. Ele a destruiu.

E agora está destruindo ele também.

Soo preferiria não machucá-lo assim de novo. Ter que contar para ele da sua doença e de seu estado terminal já foi difícil o bastante, ela não queria passar por isso de novo.

Dez anos já era severo o bastante.

Alguns meses é simplesmente uma tortura.

Ela o observa cautelosamente enquanto conta o que o médico disse para ela anteriormente, mas ele não olha para ela. Ele escuta em silêncio, acenando para indicar que está entendendo, até que ela acaba. E quando ela acaba, ele respira fundo para segurar as lágrimas antes de olhar para ela.

— Como eu poderia escolher entre você e nosso filho? — A voz dele falha e ela sente o seu desespero.

— Então deixe que eu faça essa escolha. — Ela não precisa pensar, como o médico sugeriu. A escolha já fora feita antes mesmo que ela soubesse que a tinha.

A escolha já fora feita, então ela não precisava da opinião dele. Entre uma vida mais curta para si mesma e uma vida para o seu bebê, não havia sequer um segundo de hesitação.

Ele sabe disso, mas ainda dói. É visível no seu semblante perdido e vulnerável.

— Acho que vou ficar com raiva com qualquer escolha que você faça.

— Não fique assim, Pyeha.

— De um jeito ou de outro eu vou perder um de vocês, — ele explode furioso, afastando a mão dela, seu temperamento se inflamando por se sentir incapaz, — Eu não sei como posso ficar satisfeito com nenhuma dessas possibilidades.

— Quem disse que você vai perder um de nós? — Ela resfolega, cruzando os braços, e fala num tom deliberadamente teimoso e inflexível para alcançá-lo em sua melancolia, — Você não sabe disso! Talvez eu seja tão teimosa que eu acabe me recusando a morrer.

— Vai se recusar mesmo? — Ele olha para ela com uma mistura de esperança e suspeita, com medo de ficar desapontado e ansioso para ser tranquilizado ao mesmo tempo.

— Sim. Eu não vou morrer no parto, — ela diz com convicção dessa vez, para ele ver que ela está confiante, — Eu também quero conhecer esse bebê.

— Prometa. — Soo não se importa que ele esteja pedindo algo absurdo a ela, porque dessa vez ela também deseja por algo absurdo.

— Eu prometo, Pyeha. Não vou te deixar tão fácil assim. Não depois de tudo o que passamos.

— Isso mesmo, — ele faz um meneio com a cabeça e se aproxima, seus olhos fixos nos dela, — Agora, se você quebrar essa promessa eu vou ficar bravo de verdade.

So tenta impor sua aura régia, sua voz em tom de comando e sua postura rígida. Mas tudo desmorona e ele está quase chorando mais uma vez, então ela rapidamente o abraça, seus braços envolvendo o corpo dele, e ela murmura baixinho para acalmá-lo.

— Não fique com medo.

— Como, se isso é tão assustador?

— Só foca em mim. — Ela o aperta um pouco para tranquilizá-lo, — Agora eu estou bem aqui. E você está aqui também. Ah, e pense na cara da Rainha quando nos ver pegar aqui juntos.

Soo tenta fazê-lo sorrir, mas ele não cede.

— Por que está tentando me fazer sentir melhor? Sou eu quem deveria te confortar.

— Então me abrace. — Ela sente os braços de So em volta da sua cintura, então ela abraça seus ombros e seu pescoço, — Pronto. Eu só preciso disso.

— Você se contenta fácil.

— O que você queria? Enquanto eu estiver grávida, o que eu quero é o que o bebê quer. E agora nosso bebê quer sentir um pouco de amor dos pais.

Ela sente ele sorri perto de sua têmpora, mas também sente a lágrima que desce pelo rosto dele, e não consegue evitar que as dela façam o mesmo.

— Posso mandar meu amor para vocês dois? — O Rei soa vulnerável, mas as palavras dele a fazem sorrir.

— Claro, — Ela se aconchega mais a ele e fecha os olhos, satisfeita, — O bebê também quer o que eu quero afinal.

So beija a bochecha dela de leve, limpando algumas das lágrimas, e então enterra o rosto no seu pescoço. Hae Soo suspira, já há muito tempo cansada do jeito que as coisas são, já há muito tempo exausta dos constantes ataques que esse mundo lança contra ela.

Mas agora ela não tem tempo de sentir pena de si mesma. Ela já chorou o bastante pela sua vida, então agora ela vai chorar pelos outros. Ela vai chorar com ele e encontrar uma pequena porção de conforto na sua pequena, nova, e já repartida, família de três pessoas. 

Logo será de só duas.

Mas isso é no futuro, e ela só vai focar no presente por agora. E desde que ela os tenha, ela vai ficar bem.


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Notas finais do capítulo

Eu ainda juro de pés juntos que essa fanfic era pra ser de fluff...

Mais uma pra playlist -> https://youtu.be/hStuOgAxN0o

Opiniões são bem vindas.
Elogios sempre aceitos.
Críticas apreciadas.

:)



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