Uma Canção de Neus Artells escrita por Braunjakga


Capítulo 25
Fim




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Eram as primeiras horas da manhã.

Dois soldados espanhóis escoltavam Neus.

Estavam diante do imenso portão de madeira da fortaleza, onde a coronela estava presa.

O pátio da construção estava tranquilo e tinha pouco movimento.

Correntes de ferro prendiam os pés e mãos da sardenta.

Soldados espanhóis encima das muralhas ordenaram para os seus colegas do outro lado abrir o portão.

Assim que foi aberto, uma imensa praça surgiu diante deles.

Era o bairro de La Barceloneta.

Na frente daquele castelo, estava a praia.

As ondas do mar batiam nas rochas da praia com força, uma ressaca estava começando.

O sol se erguia aos poucos, mas a luz alaranjada era ofuscada por uma nuvem.

As pessoas na praça vociferavam insultos, muitas queriam ter uma pedra ou comida podre para jogar nela, mas os soldados espanhóis faziam um cordão de isolamento para que ela passasse por aquela turba.

No meio do caminho, Neus viu o Mago Clow, com Kero em seu bolso.

O guardião amarelo estava muito triste.

— Me desculpa, mylady…

— Senhor Clow, por favor, mantenha as cartas longe deles!

— Eu não, mylady, eu tenho muitos crimes, mas eu tenho certeza que a sua sucessora vai fazer de tudo pra acabar com eles, todos eles…

A Coronela sorriu, arrancou a chave do lacre do pescoço e entregou para ele.

Os soldados continuaram e a multidão seguia com as ofensas e os xingamentos.

No final do caminho, havia um imenso paredão, junto à areia da praia.

Lá, já estavam Joseba Otegi, Germá Cordó e Andreu Collel, os últimos líderes separatistas, que se renderam com ela, diante dos portões de Barcelona.

Todos estavam bem vestidos e arrumados com a melhor farda, mas só a sardenta tinha dragona de general nos ombros e o broche com o brasão da Generalitat no peito.

Os três saudaram-na com gestos e sorrisos. Ela respondeu com acenos.

Na frente dos amigos, o pelotão de fuzilamento.

Laura Sanjurjo, sucessora de Augustin Carbajal, Ainhoa Araintz, filha de Uxue Araintz e Gaspar Tejedor, discípulo de Luísa Almunia, foram os Interventores da Ordem escolhidos para aquela cerimônia.

"Ele não quer que soldados comuns façam isso… ele acha que a gente tem que ser executados por gente com a mesma patente que a gente…", pensou.

Os três já preparavam os fuzis, com as quatro balas que iam usar.  

Eles não usavam a armadura da Ordem. Vestiam fardas do exército, com patente de general, fardas de cor vermelha como sangue.

Acima deles, montaram um palanque cheio de autoridades.

El Rey Dom Felipe II estava no centro. Ele lançou um olhar de lamento para Neus, fazendo 'não' com a cabeça.

Do seu lado esquerdo, estava Enric Miró, sorrindo quase gargalhando.

Zigor estava do lado dele, sério. O basco nem teve coragem de olhar para a cara dela.

Gerard não estava com eles. Ele estava ao lado do pelotão de fuzilamento, coordenando os soldados que auxiliavam a execução.

"Ele mesmo quer dar a voz de execução… Ele quer levar tudo nas costas… Não esperava nada de diferente de você…", pensou a Coronela.

Seu namorado carregava uma cara de morte que preocupava muito a garota, os olhos dele estavam vazios e sem vida.

— Barceloneses. – Dizia Gerard com a voz grave, carregada e sem emoções. – Por Ordem e licença de El Rey, do nosso direito de conquista sobre a Catalunya, foram julgados pelo crime da mais alta traição, essas quatro autoridades da Generalitat, que governavam vocês…

— Morte! – A multidão vaiou.

— Por seus… por seus crimes inumeráveis, foram condenadas por El Rey, cujo poder e autoridade vem de Deus e da santíssima trindade, à morte!

— Malditos! – A multidão insistia.

— Aqui estão três generais que vão executar a sentença divina de morte pelas mãos e autoridade de nosso Rey, Felipe terceiro, rei dos Catalães, Bascos e Galegos, que seu reino dure para sempre, que seus nomes durem pelos séculos e que sua dinastia seja eterna!

— Viva el Rey! – Todos da horda gritaram.

Germà Gordò, comandante dos Miquelets de Catalunya, foi o primeiro a ser posicionado no paredão:

— Felipe, seu maldito! Seu porta voz, traidor da nossa gente, diz que sua dinastia é eterna e você tem direitos sobre nós, como se fôssemos uma meretriz aos seus serviços! Que comédia! Justo quando vimos e vemos reis nascerem, crescerem e caírem! Assim será você: sua dinastia e seu Império cairão por seus inúmeros crimes contra a Catalunya, pelas mesmas pessoas que você oprimiu! Visca la Terra, lliure!

— Preparar, atirar, fogo!

Os interventores da Ordem deram três tiros na garganta do comandante.

Ele morreu sufocado minutos depois.

Soldados espanhóis envolveram seu corpo num pano de lona e tiraram-no de lá.

Joseba foi o segundo a ir para o paredão:

— Se o seu poder vem de Deus, Felipe terceiro, então viemos do inferno? Você condena essa terra toda, que você diz ser sua, ao inferno! Mas espere! Em breve, nos levantaremos de novo e te tiraremos dessa cadeira, onde você olha todo mundo de cima, bem seguro de si! Quando esse dia chegar, você, ou os seus filhos, vão ter que olhar todo mundo olho no olho, cara a cara! Llibertat presos politics!

— Preparar… atirar… fogo!

Os interventores levantaram os fuzis, apertaram os gatilhos e dispararam contra a barriga de Joseba.

O comandante dos coronelas foi envolvido em um pano branco, e seu corpo foi queimado na praia em uma fogueira, ao lado onde queimava o corpo de Germà.

 Andreu Collel, o porta voz da presidência, foi o terceiro:

— Na Catalunya, cada vez mais cresce a consciência de que somos oprimidos, massacrados por um exército, que não é o nosso e desconhece nossa cultura, nossa língua, nossas tradições! Um exército que nos invade e nos destrói! Daqui há um século, a monarquia, esse regime que só reconhece privilégios e diz que uma pessoa é melhor que a outra só por ser filho de ricos e poderosos, virá ao fim, pois esse é o curso da história dos opressores e tiranos! Quando a gente não pudermos fazer mais nada, vamos descobrir, por fim, que podemos fazer tudo o que temos direito! Ara és hora, segadors!

— Preparar… atirar… fogo!

Cada vez mais Gerard dizia a mensagem monocromática sem emoção, sem brilho e sem entonação.

Os três interventores deram tiros na testa de Andreu e ele morreu.

O corpo dele teve o mesmo destino dos demais.

Chegou a vez de Neus e a turba, que antes vociferava, calou-se.

O chão do paredão agora estava coberto de sangue.

O coração da garota pulsava, tremendo, hesitando.

“Estou com medo…”, Pensou.

“Você tem que mostrar que lutou… você tem que mostrar que isso não acabou aqui…”

A voz de Clow apareceu em sua mente.

A sardenta se acalmou um pouco mais.

Ela olhou a multidão calada, O Rei sentado em seu trono, o rosto de Enric, que sorria e parava cada vez mais de sorrir, e a cara de Zigor, dura e fria como aço.

Olhou para Gerard, tão vítima do destino cruel que escolheu quanto ela.

Olhou mais ainda para o céu laranja, cor de fogo, como os cabelos dela, manchado de nuvens negras, como as sardas de seu rosto.

Gerard não ordenou que os três generais preparassem os fuzis.

Ele sacou uma adaga da cintura e andou até a Coronela .

A arma era transparente como água.

Neus se lembrou na hora daquele objeto estranho e brilhante na mão dele, assim que ele a visitou na cela.

"Nossas lágrimas, Gerard?", pensou.

Ele ficou encarando-a por um tempo, e todo mundo calou-se, pensando que o general hesitaria. Quando Gerard levantou a adaga, ela sabia que a hora chegou.

— Visca Catalunya lliure! – berrou Neus.

Por um segundo, um segundo apenas, foi como se o universo em volta de si estivesse parado, ouvindo seu brado.

“Pau, daqui a pouco eu vou plantar melancias no além com você…”

— Visca Espanya i visca Catalunya! – disse Gerard.

Fechou os olhos e só ouviu um bando de pombos voar.

Não sentiu mais nada, nem o corte, nem o impacto, nem a facada.

Só uma pequena pressão na barriga, um abraço depois da pressão e a consciência se apagando aos poucos.

E mais nada.

 

Continua…   


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