Uma Canção de Neus Artells escrita por Braunjakga


Capítulo 24
Prisão




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Neus olha o Sol nascer quadrado.

Estava sentada no chão da cela, abraçando os joelhos.

Esperava paciente o fuzilamento.

O mais tardar, se desse tudo certo, seria amanhã.

Ao seu lado, havia um prato de comida já fria que nem sequer tocou.

Pensou “pra quê que eu vou comer se eu vou morrer amanhã? Pra ter forças para ficar em pé?”.

Fazia uma semana que se passou o julgamento.

As paredes da cela eram úmidas e cheias de sal por causa da proximidade com o mar.

No início sentiu frios e calafrios, mas depois se acostumou.

Só tinha um pedaço de pano para se cobrir e as fardas de coronela foram trocadas por calças e camisas de saco de chão.

Seu cabelo ruivo, crespo e rebelde estava mais crespo e rebelde ainda.

Apesar de ser a Presidenta de uma Generalitat que já não existia mais, não recebia visitas.

Cartas tão pouco, pois vai lá saber se o exército espanhol não as interceptava.

Todos aqueles que podiam lhe visitar já estavam mortos ou já não estavam na Catalunya, nem em Barcelona.

De repente, um carcereiro do exército se aproximou de sua cela.

Eles sempre vinham quando lhe davam comida, mas agora era diferente.

Ele não estava com uma bandeja na mão, nem vinha num horário que Neus sabia que ele viria.

— Visita.

“Visita?”, Pensou.

Era Gerard.

O guarda abriu a porta da cela e deixou os dois a vontade.

Gerard estava diferente.

Estava com os cabelos e barbas aparados, mas ainda volumosos do jeito que Neus gostava.

Ao contrário dela, estava bonito, elegante, vestindo a farda de General espanhol recheada de medalhas no peito.

“Poderia ter a mulher que ele quisesse agora”, pensou.

Mas, estava com uma cara tão terrível quando a dela.

Seu olho esquerdo estava branco e não enxergava mais.

"Seria por causa daquelas lágrimas de sangue?", tentou deduzir.

Gerard se ajoelhou diante de Neus e agarrou as mãos dela chorando, como se suplicasse à um santo.

— Me perdoa, me perdoa por não ser forte o bastante pra te tirar daqui, meu amor, me perdoa!

Gerard tremia. Estava desesperado, com a alma em frangalhos.

Mesmo sendo ela a morrer no dia seguinte, era como se ele fosse o executado.

Não deu para Neus segurar.

Ajoelhou-se também, abraçou o namorado e segurou a cabeça dele.

— Gerard, você não me deve nada! Você teve a sua missão, eu tive a minha, a gente foi empurrados pra um destino que a gente nunca quis, mas agora já era, a gente tem que caminhar pra frente e encarar as consequências disso juntos!

Em vez de acalmá-lo, aquilo fez Gerard se desesperar ainda mais.

— Neus! Você pensa que tá sendo fácil pra mim? Quantas e quantas vezes eu pedi pra você e o Pau não dar ouvidos para o Santi, quantas e quantas vezes eu pedi pra vocês não tentarem fazer justiça com as próprias mãos que eu já estava cuidando disso? Mas não! Você preferiu acreditar no Pau…

Neus ficou espantada com Gerard. Ele não apenas estava triste, estava extremamente melancólico e não conseguia enxergar um horizonte. Aquele não era o homem forte que conheceu.

— Gerard, não pensa assim! O Pau não tá aqui pra se defender!

— Você preferiu acreditar nas brincadeiras dele, que eu era um agente espanhol infiltrado só porque meu pai tava em Madrid! Droga! Há uma semana atrás era pra gente tá se vendo em Tarragona! Eu, você e o Pau! Eu ia levar vocês pra casa do meu pai até a poeira abaixar! Mas não! – Gerard chorava sem consolo – Agora, amanhã você vai ser fuzilada, Neus! Fuzilada! Era pra eu estar junto de vocês agora… Mas que inferno!

Gerard se levantou só para socar, em vão, as paredes da cela, tentando arrombar aquelas pedras.

Neus começou a chorar também.

— E você teve como fugir da sua missão, Gerard, pra me prometer todo esse futuro? Nós prometer, porque o Pau tá nele!

— Eu não tenho como acabar com isso, Neus! Nunca ninguém saiu da Ordem! Só se sai morto! Quem mandou você pegar essas malditas cartas, droga!

Neus ficou séria quando ele continuou a questionar a decisão dela de pegar as cartas.

— Eu tomei minha decisão, Gerard, eu quero que você me respeite, da mesma forma que você tomou a droga da decisão de se juntar à essa Ordem e eu tou te respeitando! – Neus falou num tom tão sério que Gerard parou de chorar e engoliu o choro.

— Você tá certa, Neus, O que eu mais amo em você é essa sua liberdade, essa sua força pra enfrentar tudo, essa sua coragem de tomar as decisões por si mesma, só de saber que eu vou perder isso amanhã, me deixa desesperado, sabe? Eu te amo tanto, tanto, que meu peito dói por dentro, entende?

Era Neus quem não aguentava ouvir aquelas palavras da pessoa que mais amou na vida fora da sua família e tinha feito inúmeros planos com ela.

Tremeu e sentiu finalmente o peso dos seus atos no relacionamento dos dois.

Eles não se aguentaram e se abraçaram, chorando, com a voz trêmula:

— Eu vou morrer amanhã, Gerard, eu também sinto medo! Tou com muito medo, sabia? Só de pensar que nunca mais vou te ver… Eu… eu sempre quis te ver quando você estava longe de mim! Eu sempre quis que você tivesse perto de mim quando eu tava na guerra!

— Você pensa que eu não? Eu tava querendo acabar essa maldita guerra só pra ficar com você!  

Os dois se soltaram com dificuldade.

Neus, não aguentando ver a cara dele mais, virou as costas para ele:

— Viva por mim o que a gente não pode viver juntos, meu amor…

— Eu nunca vou conseguir viver… Só de saber que o maldito Enric…

Neus tapou os lábios dele com o dedo.

— Escuta, Gerard: se a minha morte servir pra alguma coisa, que seja pra que gente como o Enric não pense que ele vai ficar tranquilo fazendo o que der na telha dele… Eu quero que você viva, viva pra lutar contra ele, contra isso…

Ele não respondeu.

Gerard se soltou de Neus e tentou sair da cela, mas parou no portão de ferro:

— Eu nunca, nunca mais vou conhecer alguém como você… Não sei se vou ter força pra lutar contra ele…

Gerard saiu da cela pior do que entrou.

Um objeto brilhante, transparente como água, estava nas mãos de Gerard.

O coração de Neus espremeu mais ainda dentro de seu peito vendo Gerard daquele jeito com aquela coisa estranha na mão.

 

Continua…


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