Uma Canção de Neus Artells escrita por Braunjakga


Capítulo 2
A agricultora


Notas iniciais do capítulo

Alguns podem estranhar alguns nomes aqui como "Neus", "Pau", "Santi" e "Pere". Já vou logo explicando:

"Neus" é como se fosse o nosso Neusa. É um nome muito popular para mulheres na Catalunha
"Pau" quer dizer "Paulo", por favor não pensem besteira!
"Santi" é abreviação de "Santiago"
"Pere" é o mesmo que "Pedro"

Por ser uma cultura e um povo diferente, os nomes podem causar alguma estranheza, mas não precisam se preocupar! Logo dá pra se acostumar...



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“Quando nossas asas vão bater

e vamos voar juntinhos novamente?

Como quando a gente sonhava

correndo uma maratona até os céus?”

 

“Que nada divida o nosso amor,

Pois só quero gastar nossos dias

sorrindo, varrendo os problemas”

 

“Que cada sentimento que eu sinta por você,

Voe até você e deixe marcas no seu coração”

(Catch You, Catch Me, Sakura Cardcaptors – Traduzida e adaptada por Braunjakga da versão em inglês por Amanda Lee)

 

Barcelona, Catalunya

3 de agosto de 1714

 

Santi Castell tentava abrir o livro das Cartas Clow, sem sucesso.

Colocava e colocava a chave no lacre e nada conseguia.

Tentou a noite inteira, a manhã inteira e nada.

Chamou inúmeros soldados e eles também não conseguiram abrir o livro, de nenhuma forma.

Irritou-se e jogou o livro com tudo no chão depois de mais uma uma enésima tentativa fracassada.

Santi era um rapaz, um jovem homem com seus vinte e poucos anos. Era o Presidente da Generalitat de Catalunya. A região estava em guerra com a Espanha e precisava urgentemente de uma arma para reverter a desvantagem.

Estava em um escritório no arsenal de guerra de Barcelona, primeiro andar.

Não tinha muitos livros porque não gostava de ler. Tinha uma estátua ao lado da porta em cima de uma estante cheia de papéis administrativos.

Havia também janelas rodeadas de cortinas vermelhas de frente para o Parc de la Ciutadella, onde Santi acompanhava o momento das tropas daquele dia.

A porta bateu.

— Entre Pere.

Pere, o rapaz alto de pele morena que servia de porta-voz de Santi sentou-se

— Você sabe que me assusta quando fala assim, Santi!

— E a gente tem que negar o que somos? Que somos magos?

— Não, Santi, só acho que a gente tem que ter cautela…

— Cautela é coisa de Espanhol! Aqui é a República Catalã, a primeira do mundo a ter comuns e magos lado a lado.

— Não é isso que os tradicionais pensam, até aqui na Catalunya…

Pere sentou-se diante de Pere e continuou:

— Usar magia pra conseguir nossa liberdade… Eu tenho um mal pressentimento… Os espanhóis podem querer fazer o mesmo!

—  Primeiro a independência, Pere, depois eu me dedico a esses assuntos, a democracia está acima das leis!    

— Você sabe que não é assim, né, Santi?

Santi ficou nervoso.

— O que você quer, Pere? Ou você fala ou cai fora daqui! Não tá vendo que os Espanhóis estão agindo?

— Descobri alguém que pode abrir esse livro das cartas!

Santi tomou um choque e se levantou da cadeira com a notícia:

— Descobriu, como assim? Eu já tava achando que o Josep ou o Carles colocaram um feitiço nessa coisa pra ninguém abrir!

— Eu falei com uma bruxa daqui e ela falou que não tem feitiço nenhum no livro! Ela falou que não é qualquer um que pode abrir o livro e ela também disse uma coisa…

Santi agarrou os ombros de Pere:

— E que coisa é? Fala logo?

— A primeira é que só a Neus pode abrir o livro.

— A Neus?

— Sim… foi o que ela falou, mas te mais…

— Que mais?

— Essas cartas, essas cartas só vão trazer a tragédia pra gente!  

— Apronte a Carruagem e os Coronelas! vamos pra Sabadell agora mesmo!

 

II

 

Sabadell, Catalunya

Tarde de 3 de agosto de 1714

 

Uma garota ruiva junto com uma rapaz olham para um campo devastado, apoiados em uma enxada, abraçados.

Havia desânimo e tristeza em suas faces.

 

A garota se chama Neus Artells. Tinha 19 anos. Seu rosto era branco e completamente coberto por sardas. Seus cabelos ruivos eram crespos e ondulados e tinha profundos olhos verdes escuros.

Ao contrário das outras mulheres jovens de sua idade, preferia usar um macacão jardineira do que vestidos e saias. Trabalhava arando o campo como os demais homens no sítio de melancias da família e não se intimidava de pegar em enxadas e foices.

Quem olha assim para Neus pensa que ela não era feminina como as outras mulheres. Muito pelo contrário. Neus se cuidava, vestia uma camisa limpa e se banhava todos os dias.

Por ser da zona rural, conhecia uma série de plantas, flores e ervas aromáticas que também usava.

Por outro lado, Neus era nervosa e esquentada e se irritava facilmente.

Nasceu em Terrassa, uma pequena cidade vizinha a Sabadell e se mudou pra Sabadell bem cedo com o irmão, porque o sítio da família era lá.

Ao lado de Neus, estava seu irmão, Pau Artells.

Pau Artells tinha 15 anos. Era um garoto ainda franzino em fase de crescimento, como ele gostava de dizer, um pouco menor que a irmã mais velha. Era branco, de cabelos castanhos e olhos verde escuros como os da irmã e um pouco sardento, mas não tão sardento quanto a irmã.

Também usava jardineira castanha, mas ao contrário da irmã, não trabalhava com frequência no campo. Gostava de criar galinhas caipiras e construir coisas de madeira.

Pau era um rapaz impulsivo e preferia agir que falar, assim como a mãe.

Os pais de Pau e Neus morreram em Barcelona quando faziam uma entrega de melancias há dez anos. Foram mortos durante o bombardeio dos Habsburgo na cidade.

 

Agora, olhando o campo onde antes havia uma plantação de melancias que deu tanto trabalho para plantar, Neus e Pau ficaram arrasados por dentro e por fora

Eles tinham um e o outro para se apoiarem em momentos difíceis como aqueles, mas mesmo assim, a dor e a indignação vendo aquilo era grande.

O campo devastado era o sítio deles onde plantavam melancias e vendiam em Barcelona e Tarragona.

Toda a colheita estava perdida. Tudo havia sido queimado pelo fogo e nem mesmo a casa principal havia sido poupada.

Pau pegou algumas pedras no chão e elas se esfarelaram nas suas mãos. As pedras eram ossos das galinhas caipiras que criava.

— Cadê a tia, Neus?

— Ela conseguiu se salvar… Foi pra Terrassa com o tio… As primas não…

— Droga!

Pau jogou a enxada com tudo no chão negro de carvão e saiu chutando aquela terra negra a esmo.

— Pau, eu sei que você tá com raiva, eu sei que você gostava muito das primas… mas… a gente não tem outra alternativa, a gente tem que trabalhar e recuperar tudo o que a gente perdeu!

— Trabalhar? E a gente vai deixar isso barato? Primeiro o pai e a mãe e agora isso? Não, mana, a gente tem que reagir!

Pau pegou a enxada e saiu correndo.

— E você tá pensando que é o que? Os segadores, é?

— Que seja! Eu tou com vontade muito grande de quebrar a cara de um!

— E você por acaso sabe quem fez isso pra falar uma coisa assim?

— Não sei… se foram os Miquelets ou os espanhóis…

— Você é espanhol, Pau!

Pau não falou mais nada por um tempo. Não queria discutir nacionalidades com a irmã e Neus sabia disso.

— Olha só, Eu só sei que… Queimaram a cidade toda de Girona não faz nem três meses direito, mana… derreteu até ferro… Foi o Exército Espanhol! O Santi me falou.

— O Santi fala até que os Espanhóis colocaram pedras no meio do caminho pra ele tropeçar quando ele tropeçar em uma!

Pau ficou nervoso. Colocou as mãos na cabeça e gritou:

— Eu só sei que eu tou cansado disso, tá? Tou cansado de não fazer nada enquanto tá tudo desabando a nossa volta!

— Você não tá pensando em se juntar com os separatistas, não é, moleque?

     Neus ficou realmente irritada com o que disse o irmão e agarrou a jardineira dele.

— Mana… olha só, o Pere tá lá, o Santi… todos os nossos amigos! O Santi agora é presidente! Eu nunca vi nenhum Miquelet queimar fazendas… o exército espanhol sim!

Disse Pau, com um olhar firme. Neus não soube responder e Pau continuou:

— Você também sabe da verdade, mana, e não quer ver! Só fica aí esperando o Gerard voltar de Madrid que nem idiota! Ele não vai voltar! Se toca e deixa esse namoradinho pra trás! A gente vai estar morto quando ele voltar! Se voltar!

Pere soltou-se de Neus e andou pelos campos.

Neus berrou:

— Pau! Pau! O Gerard é tão nosso amigo quanto o Pere e o Santi! Não fala assim dele!

— O pai do Gerard é Coronel do exército aposentado, isso sim! Tá lá em Madrid, longe dos nossos problemas!

— O pai do Gerard é catalão e espanhol, Pau! Assim como todo mundo aqui é Catalão e Espanhol aqui! Pau! Pau!

Neus gritou, mas o irmão não quis ouvir.

Nessa hora, dois cavalos apareceram na frente de Pau.

— Hey, Pequeno Pau, Não tem tempo nem pra falar com os amigos?

— Santi! Pere!

— A gente tava indo pra Lleida e passou para uma visitinha….

 

III

 

Santi Castell e Pere Montserrat apareceram nas terras devastadas do sítio da família Artells vindos de Barcelona.

Estavam montados em cavalos pretos, vestiam capas e gibões pretos e estavam armados de fuzis e espadas. Santi carregava também uma imensa bolsa de couro marrom nas costas.

Os amigos se abraçaram.

— Desculpe, Santi e Pere, por não ter nada pra oferecer pra vocês… Perdemos tudo, a nossa fazenda está arruinada por causa da guerra…

— Sem problemas… a gente tá aqui só de passagem… eu só vim acompanhar o Pere um pouco no caminho dele até Lleida e já estou partindo…

— Eu queria ver vocês, amigos, e saber como vocês estão; se precisar, O Santi poder arranjar uma casa e uma pensão pra vocês em Barcelona até vocês se restabelecerem, não é, Santi?

Santi fez sim com a cabeça.

— Puxa vida, gente! A gente tava pensando nisso agora mesmo! Eu tava discutindo aqui com a mana, Santi e Pere, sobre esses ataques estranhos, sabe? - Disse Pau com ironia para a irmã.

— Não são ataques estranhos, gente, são ataques do exército Espanhol!

— Que novidade! – Ironizou Neus.

— Do exército Espanhol? Sabia!

— Como o Santi disse, não são ataques normais. Girona, Granollers, Puigcerdà, Tortosa já tiveram incêndios assim…

Neus apertou a mão no peito.

— Eu sabia! Eu ouvi falar que Sant Sadurní d'Anoia, Tàrrega, Terrassa também aconteceu isso, pessoal!

— E agora Sabadell, na casa dos meus amigos…

— Pera aí! Vocês não podem sair culpando todo o exército por isso! Isso com certeza teve ajuda de gente daqui!

— Neus, eu sei que você sente um grande amor pelo Gerard e que ele tá em Madrid, mas entenda! Quando um soldado recebe uma ordem, ele tem que cumprir até o fim, não importa de onde ele venha! Eu sei disso, Neus, eu sou presidente, tenho Miquelets e Coronelas ao meu serviço.

— Eu já sabia disso, Santi, mas a mana aqui é burra feito galinha!

Neus olhou para o irmão com olhos vermelhos de raiva.

— E outra: pra completar o que o Santi disse, a cadeia de comando é uma só! Se os soldados executam uma ordem é porque os oficiais já pensaram antes. Não existe essa coisa de facção e divisão! Tudo é uma coisa só!

Neus apertava a testa com as mãos e fechava os olhos como se não quisesse escutar o que era dito.

Pau aproveitou para provocar a irmã:

— E o que me diz, Santi e Pere, dos filhos de oficiais espanhóis de alta patente?

— Continuam o legado dos pais… Quase sempre!

Neus irritou-se:

— Já basta vocês dois! Espanha vai atacar o próprio povo que diz que é tão seu?

— Sim quando esse povo é a Catalunya… Você está tentando me convencer que não foi o exército quem fez isso, Neus?

— Não, Santi! Tou dizendo que essa é uma resposta muito simples e nada tão simples resolve as coisas!

Santi sorriu.

— Então, temos um problema?

— Claro que sim!

— E você não gostaria de resolver?

— Com certeza! – Gritou Pau.

— Então temos muito em comum…

Santi tirou a bolsa de couro das costas e abriu, mostrando o livro das cartas Clow com a chave do lacre em forma de cabeça de pássaro.

O livro brilhava e emanava uma onda energética sensível o bastante pra Neus sentir que por trás daquilo havia mais.

— O que é isso? – Exclamou a garota.

 

IV

 

O livro de capa vermelha com detalhes e letras de ouro escrito “The Clow” e a chave do livro em forma de cabeça de pássaro brilharam quando Santi estendeu o livro para Neus.

Neus pegou o livro sentindo um misto de medo e euforia.

— O que é isso, você me pergunta… Faz exatos três meses que o Pere teve um sonho e nesse sonho ele via fazendas em chamas como a de vocês, Neus e Pau!

“Um dragão era quem colocava fogo em tudo, cuspindo jatos de fogo com o nariz e a boca. A terra ficou preta como carvão. De repente, alguém se levantou no meio das chamas.

“O dragão sentiu a ameaça que se aproximava dele e jogou uma bola de fogo contra a pessoa que se levantou contra o dragão…

“A pessoa simplesmente cortou a bola de fogo em dois com uma espada rosa, mais leve que o cobre. O punhal da espada era feito com penas de pássaro.

“Daí, eu perguntei pro Pere quando ele me contou do sonho 'como é que uma pessoa corta chamas de dragão com uma espada mais leve como o cobre com penas de pássaro no punhal?’

“Ele me respondeu ‘com magia, magia, Santi! Dragões são criaturas mágicas por natureza! Se são feitos com magia, só se combate com magia!

‘E quem é o feiticeiro poderoso que vai nos salvar dessa destruição.

'Uma jovem mulher.

“O sonho não parou por aí. O dragão ia cuspir  outra bola de fogo, dessa.vez mais forte que a outra. Enquanto o dragão tomava fôlego, a mulher sacou um livro, retirou uma carta de um livro

— Uma carta? A mulher sacou uma carta pra enfrentar um dragão? – Indagou Pau.

—  Sim, respondeu Santi. – Uma carta saída de um livro capa vermelha com detalhes dourados. Sabe o que a mulher fez com a carta? Levantou a carta no ar e disse: Voz!

“Uma pequena fada rosa apareceu. A fada virou uma bola de luz e entrou na garganta do dragão. Ele não conseguiu mais cuspir a bola de fogo, como se tivesse perdido o fôlego.

“Era a hora do ataque. A mulher simplesmente cortou a garganta do dragão e derrotou o dragão que assolava a terra, nossa terra.

— Pere sonhou esse sonho mais uma vez. Perguntei pra ele se esse livro realmente existia e ele disse que sim. Estava em um rochedo longe daqui chamado Gibraltar. Pere copiou o círculo mágico que estava no livro e mostrou aos dois heróis que aceitaram essa missão. Perdemos dois homens, mas ganhamos uma esperança de dias melhores

Neus entendeu o que eles quiseram dizer.

— E quem é essa menina?

— Sua irmã, menino Pau, Neus Artells!

Neus ficou com o rosto vermelho como morango ouvindo isso.

Neus pegou o livro das cartas Clow, a chave do lacre e tentou abrir o livro, sem sucesso.

— Isso não é uma chave… É um báculo!

— Como assim?

— Olhem…

Neus esticou o braço para o chão com tudo e a chave brilhou.

De imediato, a chave brilhou como um pequeno sol até se tornar uma espada rosa com o punhal feito de plumas, tão leve quanto o cobre.

Pau, Santi e Pere ficaram boquiabertos.

— O livro não está trancado, nunca esteve…

— Como você soube disso, Neus?

— Não sei, quer dizer, só sei que… alguma coisa falou comigo e…

— Que coisa?

Neus removeu o lacre com uma facilidade que impressionou Santi e ele até esqueceu que sua pergunta não foi respondida. Tentou de tudo e não conseguiram abrir.

Dentro do livro, as cartas Clow.

Nas mãos de Neus, desfilaram “A grande”, “A pequeno”, “A flecha”, “A através”, “A Onda”, “A libra”, “A movimento”, “A labirinto”, “A retorno”, “A escudo” e muitas outras mais.

Elas não sairam voando por aí. Misteriosamente, ficaram rodopiando em volta de Neus e e voltaram para o livro em ordem.

— Por que elas são tão diferentes?

— Cada uma tem um poder, Santi…

— Quer dizer que, cada carta dessa tem um poder diferente? – Respondeu Pere.

— Sim, os poderes para a nossa liberdade!

Neus ficou tristonha, apesar de estar excitada por dentro como se tivesse ganhado um presente que há muito queria.

“As cartas me deixam assim, elas me aceitam” – Pensou.

— Santi, eu não quero ser uma separatista.

— Você não precisa concordar comigo, Neus, apenas aceite elas como um presente meu!

— Um presente pra usar na guerra, Santi?

— Um presente que você vai usar contra tiranos!

— Santi, você roubou isso de alguém? Por que tá escrito “Clow” nisso? Em inglês ainda! Você roubou isso dos ingleses, Santi?

— Neus… deixa eu explicar...

— Eles vão vir atrás da gente!

— Os ingleses são tão nosso amigos quanto os holandeses!

— Os mesmos holandeses que mataram meus pais em Barcelona?

— Neus! Entenda! Estamos vivendo um momento único na nossa história! Temos em mãos uma coisa que vai nos permitir fazer justiça pelos nossos pais, pela nossa terra! Se foram os ingleses que estão devastando os campos, estamos vingados! Se foram os holandeses ou os espanhóis, vamos atrás deles! Eu estou tanto do lado da justiça quanto você! Mas se você não quiser… Eu vejo outra pessoa disposta a lutar com as cartas… mas se eu vim até aqui é porque eu acredito em você e vejo em você um coração sincero, inclinado para a justiça…

Neus ficou em silêncio.

Não queria discutir mais com Santi, mas também duvidava dos meios que ele usou pra obter as cartas.

— E como eu vou usar isso?

— Erga a espada, Neus! Quem sabe a voz não fala como funciona, não? – Gritou o até então calado Pere.

E fez-se.

Neus pegou uma carta qualquer do baralho chamada “A bosque”, fechou as outras no livro das cartas e jogou a carta no ar, recitando:

— Carta Criada pelo Mago Clow, abandone essa velha forma e venha servir sua nova dona! Em nome de Neus! Bosque!

Tocou a carta com a espada com ela e uma mulher com rosto genti apareceu.

Ela era verde, com folhas e cipós no lugar dos cabelos e seus olhos eram verdes também.

— Volte a forma humilde que merece, Carta Clow!

A carta “bosque” voltou a ser uma carta, caiu na mão de Neus e voltou para o livro das cartas.

Pare, Santi e Pau sorriam diante dos poderes de Neus.

— E agora, gente, o que eu faço?

— Bem, Neus, agora é a hora, ceifadora, é a hora de estar alerta!

— Pois se vir um outro espanhol, afiemos bem nossas espadas! É! – Gritou pau, levantando a enxada no ar.

Todo mundo olhou para ele sem entender direito o que ele fazia.

Pau ficou sem graça e baixou a enxada.

— Eu tentei, né?

V

 

Tarde, quase anoitecendo.

O céu ficou laranja com os últimos raios de sol do dia.

Dentro de uma barraca de campanha, Neus escrevia seu primeiro nome em cada carta Clow.

Santi, Pere e a tropa de coronelas que os acompanhava montaram muitas outras no terreno devastando dos campos de melancias do sítio da família Artells para pernoitar antes de prosseguir marcha no dia seguinte.

Eram ao todo 52 lâminas com rosto de meninas, jovem mulheres, mulheres, animais ou alguma figura abstrata.

Naquela noite, Neus testou uma por uma e viu que seus poderes eram variados. Tinha uma que podiam atravessar as cortinas da barraca, outra que transformou a porta da barraca num portal para um labirinto e outra que movia pequenos objetos à distância.

Havia cartas poderosas como a carta fogo, que quase queimou a barraca, outras gentis como uma que parecia um gato e acelerava as coisas e outras travessas que fizeram Neus crescer até ocupar todo o espaço da barraca.

Foi quando Neus terminou os testes que Santi abriu a porta da barraca para ver Neus:

— Bem, Neus, acho que você já testou tudo…

— Sim, Santi, só não quero que nem eu nem meu irmão se envolvam muito nessa guerra…

— Tudo bem… Não sei quanto ao pequeno Pau, ele tá animado com o fuzil!

A resposta de Neus veio na forma de imagens.

Neus e Santi saíram da tenda e viram Pau manuseando o fuzil, apontado para um alvo numa árvore, atirando e recebendo vivas dos demais coronelas, se divertindo também.

Era difícil ver o irmão fardado com aquela farda vermelha dos Coronelas e não pensar no pai que queria ver os dois longe daquilo tudo, longe daquela batalha onde eles morreram.

Usar aquele chapéu preto de três abas e um casacão vermelho era um dos sonhos do irmão que Neus nunca concordou.

Sorriu triste e discretamente.

Ela também estava fardada com o casacão vermelho dos Coronelas, o chapéu de três abas e um fuzil nas costas.

Neus sempre achou muito exagerado muitas ações de Santi, mas promovê-la para Capitã e dar o comando de alguns homens só por causa de um livro mágico era exagero.

Santi insistiu, falou que as Cartas Clow davam pra ela habilidades melhores do que um soldado com a espada e o fuzil em anos de treino, graças graças a carta “Tiro”, “Espada” e “Escudo” e que era mais que justo aceitar a promoção.

Neus só aceitou os soldados porque temia pela segurança do irmão. As estradas catalãs podiam estar com soldados espanhóis a espreita para atentados, como aconteceu em Girona.

Pere chegou até eles com um grupo de 50 coronelas.

— Companhia, sentido!

Os soldados ficaram parados, imóveis num bloco de 5x10 pessoas, os braços para trás e os pés afastados, mochilas e fuzis nas costas.

Depois, Pere Foi até Neus e bateu continência para ela:

— Eu Pere Montserrat, porta-voz da presidência da Generalitat, apresento companhia para a Capitã Neus Artells!

— Eu, Capitã Neus Artells, Recebo o comando da companhia…

Neus bateu a continência com o rosto corado e o coração disparando.

Nada seria como antes.

 

VI

 

Noite.

A companhia, sua Capitã e seu Sargento montaram em cavalos, se despediram de Pere e Santi e partiram para o norte, para os Pirineus.

Na estrada batida de terra, Pau perguntou para Neus:

— A nascente do Rio Ter é o nosso objetivo, né mana?

— Sim, Setcases… tem alguém que viu uma das supostas criaturas que estão queimando os campos… Deve estar escondido nas montanhas… A gente vai investigar…

Neus faltava com uma cara triste que Pau estranhou:

— Você não gostou, né, Mana? Se você quiser voltar pra Sabadell… eu fico com as cartas…

— Não é isso… é que quando eu vi você atirando naquela árvore seca… eu me lembrei que foi em Setcases que eu me despedi do Gerard antes de ele ir pra Madrid, debaixo de uma árvore como aquela…

— Do mesmo tipo?

— Sim… daí você atirou num frutinho que tava crescendo nela e isso doeu aqui dentro, sabe?

Pau sorriu.

— Pará com isso! Vai dar tudo certo!

— O meu medo é que não dê; não era você que tava dizendo que o Gerard não ia voltar mais? Eu tenho medo de isso ser verdade…

— Verdade o escambau! Seria verdade se a gente tivesse ficado lá, parado, sem fazer nada! A gente vai lutar, Neus! A gente vai lutar!

Pau estava excitado em sua cela. Neus não queria pessimismos na tropa onde era comandante.

Não teve escolha . Sorriu e exclamou em voz alta para a noite toda ouvir:

— Nós vamos ganhar, vamos lutar, vamos mostrar nosso valor e vamos conquistar nossa liberdade!

A tropa inteira repetiu e ficou animada.

“E eu vou te reencontrar, Gerard! Vou sim”

— Viva Catalunha livre!

— Viva! –  Todos exclamaram.

Em Cima dos  cavalos, Neus e Pau apertaram as mãos como irmãos.

 

Continua….

 


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