Uma Canção de Neus Artells escrita por Braunjakga


Capítulo 19
O pai




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Tarragona, Espanha

7 de Setembro de 1714

 

I

 

El Rey examinava alguns papéis sobre a mesa.

Ele olhava fixamente para um pergaminho.

Do seu escritório no ajuntamento de Tarragona, uma gota de água escorria na janela de vidro colorido com a imagem de São Jorge matado um dragão.

Aquela era uma das raras janelas com vidros naquele lugar.

Chovia.

A porta do escritório bateu.

— Entra!

— Com licença, majestade…

— Entre, Enric.

Enric fechou a porta e se sentou diante do Rei.

— Algum sucesso em Barcelona, Majestade?

— Nenhum, se você quiser saber. Vamos ter que fazer tudo pelo jeito mais difícil…

— Eu estou colocando em suas mãos o jeito mais fácil, majestade… o que me diz?

El Rey tirou os olhos do pergaminho e olhou para Enric:

— Isso é certeza mesmo que vai facilitar a guerra? Quem me diz que não foi esse Clow que facilitou as coisas pros separatistas?

— Nós temos o anjo dele, majestade, ele não vai fazer nenhuma gracinha…

El Rey levantou-se e olhou para o vitral com a imagem de São Jorge:

— Eu soube que ele escapou da prisão de vocês; por que ele não faria outra gracinha na frente dos nossos narizes?

— Porque a gente pode matar o anjo dele em batalha! A gente pode acabar com o leão dele! Eu já destruir a alma de Neus uma vez, que obstáculo eu vou ter para acabar com aquele mago?

— E quem garante isso?

— Eu…

Enric fechou o pulso e raios negros saíram de lá.

El Rey sentiu um arrepio subir a espinha e olhou a mão dele com preocupação:

— Que diabos de poder diabólico é esse, Enric?

— O poder da Torre Negra, Majestade! Um poder que eu mesmo desenvolvi pro momento que eu desafiar o Gerard pela incompetência dele…

— O Gerard tem a minha confiança…

— E até onde vai essa confiança, Majestade? Até ele trair a gente? O senhor pensa mesmo que o Gerard não pode vacilar quando tiver que enfrentar a namorada dele? E quem garante que as Cartas Clow não seja um problema maior? Quem?

El Rey não respondeu.

—  Eu, o senhor sabe disso! E o pergaminho na mão do senhor é a garantia do que eu tou falando…

El Rey hesitava. Respirou fundo e tomou uma decisão:

— Está certo! Reúna todo mundo aqui.

— Como quiser…

Enric saiu da sala com um sorriso sádico no rosto.

Uma mosca voava sobre El Rey, naquela sala. O monarca rebateu a mosca com a mão.

 

II

Tarragona, Espanha

8 de Setembro de 1714



El Rey estava na mesma sala do ajuntamento de Tarragona, com as janelas de vidro colorido com a imagem de São Jorge; ele estava em pé, em frente à mesa.

Ao lado direito dele, estava Zigor e Gerard, com armas em mãos.

Do outro lado de El Rey, estavam Nadja, Luna e Pietra, com armas em mãos também.

El Rey reuniu os principais Generais da Ordem para fazer um anúncio importante naquele lugar:

— Majestade, é alguma coisa que a gente não definiu antes da batalha? – Começou Gerard.

— Não, Gerard. Quanto a isso, nenhuma dúvida ou hesitação. Partiremos com as tropas amanhã mesmo pra chegar em Barcelona o mais tardar dia 10. O que eu tenho a falar é que teremos a ajuda de mais alguém…

— Mais alguém? – Questionou Gerard.

— Isso tá me cheirando a merda, e das grandes… – Comentou Zigor.

— Se El Rey chamou todo mundo aqui, algum motivo importante deve ter, Zigor, pra batalha de Barcelona! Escute El Rey! – Disse Pietra.

— Senhora Pietra, eu sinto calafrios aqui dentro de mim com qualquer coisa que estiver pra vir…  – Disse Nadja.

Um soldado da Ordem entrou na sala e fez um sim com a cabeça para o Rei.

— Eu já vou resolver as dúvidas de vocês….  Entre, Enric!

— Não tem cheiro de Merda, é merda! – Zigor pegou uma garrafa de rum numa prateleira próxima e bebeu um gole.

Enric entrou na sala acompanhado do Mago Clow.

Nadia, Pietra e Luna ficaram surpresas em ver aquilo e arregalaram os olhos.

— Santo Deus! O maldito Clow, aqui dentro com El Rey e a gente perdendo tempo indo atrás dele! – Comentou Pietra.

— Ele que não pense fazer outra gracinha! Eu já prendi ele uma vez, eu posso fazer de novo… – Disse Nadja.

— Don Enric tem a minha confiança e com certeza ele tem um plano! Já estamos sabendo da sua história com a rebelde, Don Gerard! Não espere lealdade da gente! – Disse Luna, educadamente.

— Eu que nunca quis ela, Luna! Ser educada não significa ter lealdade. – Respondeu Gerard.

— E, pelo visto, ser Interventor agora é licença pra trair o país! Essa é sua lealdade, Don Gerard? – Retrucou Luna.

Zigor tentou mudar o rumo da discussão:

— Então esse é o tal de Clow, nada mal, garoto, não acha?

— E eu que deixei de ir atrás dele pra tentar salvar o Enric! Por isso não encontrei ele! Ele tava bem debaixo do nariz do Enric! Dois miseráveis! Majestade, eu começo a suspeitar que o Enric está por trás dessa arma dos separatistas há muito tempo! Ou talvez coisa pior! – Disse Gerard, furioso.

— E como eu vou dar uma arma que eu quero nas mãos dos separatistas? Se Clow estivesse comigo desde o começo, eu já teria as cartas faz tempo, não precisaria desse trabalho todo! Pra que eu ia queria mais trabalho? – Enric sorria.

— Pra lascar a minha vida, miserável!

Gerard pegou o arco e flecha das costas e andou até Enric. Pietra e Zigor impediram o rapaz de continuar.

— Majestade! Ele é o Senhor Clow que eu capturei em Málaga não faz nem um mês! Comlo o senhor permite uma invasão da nossa segurança dessa forma? – Disse Nadja.

— Bem, o Enric sabe o que faz! – Disse Luna, enfática, para a surpresa de todos.

— Está negociando com separatistas, Enric? Me falaram que esse Clow estava escondido numa barraca de campanha dos Coronelas e curou muitos deles! É esse homem que você confia?– Criticou Pietra.

— Pietra, O senhor Clow é tão vítima quanto todos nós aqui somos dos separatistas! Se os separatistas entrarem em nossas reuniões, não vai ser por culpa minha e vocês já sabem de quem pode ser!

Enric falou olhando para Gerard.

— O que você disse, Enric?

Gerard ficou mais furioso ainda e só não avançou mais porque Zigor e Pietra seguraram o rapaz.

Enric não se importou com Gerard e continuou:

— Senhor Clow, o senhor pode se explicar para nós porque o senhor é vítima?

— Claro, Mylord; há dois meses dois separatistas invadiram Gibraltar pra roubar uma arma mágica muito poderosa minha. Eu fui enviado pelo Coronel MacDonald da Real Marinha britânica para reaver essa arma.

— Oras, então porque ele mandou um agente inglês te capturar em Málaga? – Indagou Nadja. – O agente foi tão ousado que ele fez dormir a cidade toda!

— Por causa disso… – Clow tirou o Rashinban das dobras da roupa e mostrou para eles. – Essa é uma bússola que eu criei pra localizar as cartas, ele queria isso porque o meu reino me mantém exilado em Gibraltar.

— Por que seria, hein? – Indagou Zigor.

— Se vocês olharem bem, ele está apontando para Barcelona, onde está Neus…

O rashinban brilhou em azul e uma cúpula de luz apareceu no meio dele com um raio apontando na direção nordeste.

Clow continuou:

— Ele queria isso para não ter que contar comigo porque minha própria coroa não confia em mim, por conta dos meus… poderes?

— Poderes? – Indagou El Rey.

— Eu consegui escapar da cadeia de vocês, your grace.

— Eu entendo, Messiê Clow, mas também tem um lado ruim essa história, não tem? Por que o senhor escaparia da gente? Por que os ingleses não confiam no senhor? E que motivos temos para confiar no senhor? – Perguntou El Rey.

— Porque essa arma mágica pode causar uma tragédia sem precedentes em mãos erradas… se não pararmos os separatistas, quem sabe quantas vítimas essa arma pode causar, mylords e myladies?

Gerard olhava Clow desconfiado.

— Se você é tão bonzão assim, Clow, porque não foi até a Neus e pegou as cartas da mão dela? – Perguntou Zigor.

— Consegue passar a nossa segurança e não consegue pegar as cartas… aí tem coisa! – Disse Pietra.

— Eu explico, Gerard, Pietra, Zigor.

Clow estava sério.

— Então comece a se explicar, condenado, ou vai se explicar pra minha espada aqui! – Disse Zigor.

— Eu tentei conversar com a Neus. Eu enfrentei a Neus. Eu perdi pra Neus. Por isso que eu tava nas barracas dos Coronelas…

Todo mundo ficou surpreso.

Zigor gargalhou:

— O grande mago Clow, perdeu pras próprias cartas.

— Não, eu não perdi pras Cartas. Eu perdi pra Neus mesmo.

Clow olhava olho no olho para Zigor.

O mais velho da equipe quis responder, mas o olhar de Clow não parecia dizer que ele mentia ou tentava enganar.

Mesmo assim, ainda desconfiava.

— Você mente bem, senhor Clow!

— Pergunte pra ela então… vocês não estavam com ela há dois dias?

Todos se espantaram com a resposta de Clow para Zigor.

Esperaram a reação do velho, mas ele não reagiu. Cruzou os braços e se calou de vez.

Gerard andou até Clow e ficou encarando o mago, cara contra cara:

— Senhor Clow, o senhor é a causa dessa desgraça toda! Se acontecer alguma coisa, o senhor vai ser o culpado! O senhor vai ser fuzilado num muro, num paredão, sem honra, nem glória nenhuma! O senhor consegue ver isso?

— Yes, mylord. Tem muita gente fuzilada em paredões que vão ser homenageados daqui há cem, duzentos, trezentos anos e outros vão ser cobertos de glória pra serem amaldiçoados e vilipendiados depois da morte.

Clow olhava para Gerard sério, como se lesse sua alma.

Gerard não gostou daquilo. Encarou Clow mais sério ainda, com as testas quase se encostando:

— O que o senhor está dizendo, senhor Clow?

— Estou dizendo que Neus Artells é uma mulher fantástica e foi um prazer ter conhecido ela… muita gente aqui tem que escutar o que ela tem a dizer…

Gerard agarrou a veste chinesa de Clow com as duas mãos:

— Como você diz uma coisa dessas?

— Eu falei com ela… eu conheci ela cara a cara…

— Eu conheço a Neus minha vida toda e você fala como se conhecesse ela mais que eu? Você só viu ela uma vez!

— Por isso o senhor tem que me ajudar, Gerard; me ajudar a convencer ela a mudar de ideia…

Gerard quis dar um soco nele, mas desistiu e soltou o mago.

— Sim! Mudar de ideia e entregar as cartas… pra nós!

Zigor cochichou para Gerard:

— Fica ligeiro que ele tá pensando que é pra ele!

— Agora que todo mundo concordou que Clow agora é parte do time, Precisamos definir isso aqui e definir agora quem vai ficar com o batalhão que vai enfrentar a tal de Neus Artells… – Disse Enric, fechando os punhos.

Gerard interrompeu:

— Eu comando o batalhão que vai enfrentar essa Neus Artells como você mesmo diz!

— E vamos correr o risco de você facilitar as coisas pra ela depois de tudo o que a gente soube de vocês dois?

— Você vai na minha retaguarda pra me dar apoio… Ela é um problema meu, que eu criei e vou lidar de uma vez por todas!

Enric olhou para El Rey com raiva. O monarca fez um sim com a cabeça, concordando com o plano de Gerard.

— Messiê Clow, não tente gracinhas…

— Não passa nem perto de mim fazer isso!

— Eu espero que sim, Messiê Clow, afinal estamos com ele… entrem!

Enric abriu a porta, deu ordens e Yue foi trazido diante deles, escoltado por dois soldados da Ordem armados de lanças, com os olhos vermelhos brilhantes.

Estava sem vida, sem personalidade e nem reconheceu o mago.

Estava também mais pálido e mais magro que antes.

Seus cabelos antes prateados brilhantes, agora estavam secos, opacos e quebradiços.

Clow teve vontade de tocar Yue e arrancar ele de lá.

A fisionomia de Yue revelava que ele sofria por dentro com aquele poder da Ordem e tentou bater de frente várias vezes e foi impedido várias vezes.

Clow teve vontade de agir, mas não podia agir naquele momento, estava diante de um monarca e de sua guarda, mas a vontade dentro de si era enorme e, uma hora, aquela vontade sairia para fora.

— Messiê Clow, eu vou dar o seu “amiguinho” de volta pro senhor quando essa batalha de Barcelona acabar.

— Your grace, eu tenho certeza que o senhor vai cumprir com a sua palavra.

— Mas, em troca, messiê sabe nossas exigências para botar uma pedra de uma vez nesse assunto… El rey estendeu o pergaminho que examinava naquele escritório para Clow.

O pergaminho era feito de escamas de jacaré branco e estava escrito com letras de sangue puro.

Clow sentiu uma magia sinistra em volta dele.

Nele se lia:

 

“Eu, Mago Clow Reed, cederei voluntariamente as Cartas Clow para a Ordem do Dragão para que elas sejam usadas à serviço da Coroa da Espanha em todas as partes do mundo que ela desejar, para os fins que ela achar melhor.

"Para isso, eu cedo todos os conhecimentos e tecnologias para o uso e manuseio das Cartas.

"Caso eu não cumpra a minha promessa, que a Ordem do Dragão use todos os meios disponíveis para que cumpra e faça cumprir esse acordo.

 

Enric aproximou-se de Clow com uma pena em mãos.

Ele furou o próprio braço para fornecer tinta para aquele pergaminho.

— Olha que acordo interessante! Ele não colocou o nome dele! – Disse Zigor.

Nadja e Pietra sorriram:

— Como a gente pode questionar Dom Enric como líder da Ordem? Isso é um acordo vantajoso para ambos! Acho que ainda recebemos pouco! – Disse Luna.

— Eu tou pouco me importando com essas cartas! Sempre contamos com nossos poderes, não precisamos dos dos outros! Assim que eu tiver elas, elas vão pra Dom Saul em Toledo pra ficar num cofre! Só quero tirar elas das mãos da Neus e quero tirar agora!

— Calma garoto!

— Tou com um mal pressentimento com esse negócio de 'Cartas Clow'. Só acho que vai todo mundo perder com isso! Ninguém vai ganhar nada! – Disse Pietra.

Nadja se arrepiou:

— Senhora Pietra! O que é isso?

— É a voz da intuição! Escuta ela bem!

Clow assinou sem hesitar e sorriu como quando entrou na sala.

— Ao império, senhor Clow? – Enric sorria.

Clow não prestou atenção nele.

Só olhou para Yue sendo levado pelos guardas para fora da sala.

— Por Yue!

 

Continua…


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