Uma Canção de Neus Artells escrita por Braunjakga


Capítulo 18
O namorado




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I

Tarragona, Espanha

4 Setembro de 1714

 

Gerard andava furioso pelo corredor do prédio da prefeitura de Tarragona.

Ele só parou quando chegou na frente da porta da biblioteca.

Era lá, naquele prédio, onde estava alojado El Rey, sua guarda e todos os oficiais.

O rei Dom Felipe III foi bem recebido pelo povo da cidade como um libertador e todo mundo entrou em estado de festa.

Os últimos coronelas e miquelets que lá estavam foram presos e julgados como traidores. Três foram condenados à morte.

Enric ficou na cidade preparando tudo para a chegada do monarca desde a briga com Gerard e, por causa disso, conseguiu um aposento amplo para si, naquele biblioteca.

O recinto de duas portas ficava numa torre isolada da construção, ligada à ela por um corredor.

Gerard abriu com tudo a porta da biblioteca, quase arrombando-a com os pés de tão nervoso que estava.

Lá estava Enric, cercado de prateleiras, lendo um grimório ao lado de uma armadura negra.

Aquela não era uma armadura de sangue da Ordem.

Mas Enric vestia uma batina da ordem, toda vermelha. com uma estola cheia de brasões e padrões dourados e um capuz nas costas.

— Ora, ora, depois de ficar um dia todo sem falar comigo, resolveu aparecer?

Disse Enric, calmamente.

Gerard agarrou a batina de Enric e ficou apontando o dedo tremendo para a cara dele, nervoso:

— Foi você que armou pra Neus entrar na guerra, não foi?

Enric só sorria.

— A droga da guerra em que você é comandante ia chegar em todo mundo mais cedo ou mais tarde; era a sua obrigação prender a Neus e pegar as cartas da mão dela, mas o que você fez, hein? Deixou ela ir, sonhando em brincar de casinha com ela e fazer “papai e mamãe” depois do fim da guerra, né? Acorda, Gerard: sua história com a ruivinha acabou, idiota!

O corpo de Enric e Gerard começaram  a soltar raios.

Enric soltava raios negros e o Gerard, vermelhos.

Um temor fez uma parte dos livros caírem das estantes.

— Basta!

Foi nessa hora que El Rey e Zigor apareceram nas portas da biblioteca, El Rey falando com seu forte sotaque francês, prolongando a letra erre:

— O Zigor me contou o que aconteceu… Eu sinto falar que eu estou muito decepcionado com você, Gerard! Justamente meu general envolvido com uma separatista!

Gerard não falou nada.

— Mas estou mais decepcionado com você, Enric! Você deveria apoiar o seu General, mas não! Você luta com ele como dois bêbados na rua!

— Majestade, ele quem me atacou! Ele fica informado com o fim do namoro dele e vem pra cima de mim!

— De qualquer forma, é Vergonhoso ir contra seu General! Meu irmão teria cortado a sua cabeça na guilhotina na França!

— Ele ia cortar a minha cabeça por denunciar as péssimas atitudes de um General descumprindo sua missão? Que recompensa! Aqui a gente ia pensar que os dois têm um caso pra que não recebesse punição!

— Chega, Enric! Você me pediu que trouxesse o resto dos Interventores para cá e eu trouxe, justamente, justamente, por esse caso especial do Gerard que você me falou. Compreendendo melhor a história dele, minha conclusão é outra. Agora me dê licença, preciso falar com o Gerard!

Enric insistiu:

— Eu só acho, majestade, que a obra de expansão do Império ainda não está completa! Ou damos um golpe definitivo de força agora ou a Inglaterra vai começar a crescer pra cima da gente! Aquelas 13 colônias, aquelas malditas colônias americanas são uma ameaça pras nossas! Corremos o risco de perder a Califórnia, o Texas, a Flórida, Cuba daqui há uns anos…

El Rey levantou a mãos esquerda pedindo silêncio para ele.

— E perder a Catalunya aqui? Basta de uma vez! Já foi derramado muito sangue nessas colônias! Não temos condições de colonizar outras partes com a guerra aqui nas nossas portas! Esse negócio de 'Império’ foi obra do meu antecessor, Felipe II, outra casa, outra dinastia, outro tempo! Minha prioridade é aqui! Saia!

Enric jogou o grimório com tudo no chão e olhou o rei com raiva:

— Você vai perder seu império, majestade, escuta o conselho que eu tou te dando!

Deu as costas e saiu da biblioteca contrariado.

— Depois eu cuido dele, primeiro você…

Gerard ainda estava cheio de raiva.

Sentou-se numa cadeira e segurou a cabeça com as mãos.

— O Enric tá certo, Gerard, tá sabendo?

— Majestade, eu devia ter sumido com a Neus, mas eu não fiz isso, sabe por que? Por ser fiel à essa missão até o fim! Agora, perdi minha mulher e meu amigo por essa maldita lealdade!

Gerard saiu chutando tudo.

— Eu sei disso, Gerard, eu sei! Só que metade dos Interventores da Ordem não sabem disso. Eles estão contra você e pedem que eu dê a liderança pro Enric… Eles não estão errados, Gerard.

Zigor interveio:

— Eles pensam que idade é responsabilidade, mas não é, Majestade! Eu podia acabar com cinco daqueles caras facilmente lá em baixo com a minha espada! Viu que o Enric falou aqui?

— Eu sei, Zigor, mas o mais importante e saber o que você, Gerard, tava pensando em fazer com o Enric?

Gerard respirou um pouco antes de responder:

— Eu não sei, majestade! Eu não sei! O problema é: quando eu pensava que tava tudo controlado, tava tudo nas minhas mãos, as coisas fogem de controle, assim, em menos de um mês!

— Não é hora de perder a cabeça! É a sua missão como Gereral trazer controle para o que não tem controle algum!

Gerard calou-se.

— Temos uma cidade pra retomar e você precisa mostrar pros outros que você é o líder aqui!

— Quer saber, majestade? Eu quero que se dane essa liderança! Eu já perdi tudo mesmo! Já perdi a Neus e…

El Rey interrompeu:

— Quanto a Neus, deixe que eu cuide disso por você…

— O que tá dizendo, majestade?

El Rey se sentou do lado dele:

— Eu não conheço muito da Ordem do Dragão, nem das suas tradições, mas… eu conheço o coração de um homem porque eu sou um também…

Gerard olhou surpreso para El Rey:

— Vamos pra Barcelona, garçom! Vamos ver sua namorada… o Zigor me contou que tem uma armadura dourada e bonita de vocês me esperando e só você pode me dar…

El Rey sorria.

— É o que?

Zigor sorria de leve, de braços cruzados.

 

II

Barcelona, Espanha

5 de Setembro de 1714

 

Um coronela que patrulhava as muralhas de Barcelona deu uma olhada no binóculo e começou a gritar apavorado:

— Aspanyols! Aspanyols! Aspanyols!

O homem corria desesperado pela muralha, tocando os sinos de alerta e avisando todo mundo que podia.

Em poucos minutos a muralha estava repleta de miquelets e coronelas com fuzis apontados para três vultos no horizonte oeste, na direção do monte tibidabo.  

Um dos vultos segurava uma bandeira branca, de paz e negociação.

Todos os miquelets e coronelas sabiam do destino das cidades do interior da Catalunya atacada por tropas do exército espanhol: primeiro, dois homens de armadura vermelha como sangue apareciam e eram incapazes de ser fuzilados, depois, eles destruíram os portões da cidade e, por fim, quando o portão estava destruído, tropas espanholas entram com tudo no lugar.

Muitos daqueles homens e mulheres eram sobreviventes dos combates do interior desde Lleida e já viram a cena antes.

Se atirar não adiantava, restava esperar para ver.

Já estavam prontos para não deixar o mesmo acontecer na capital do país.

Uma verdadeira muralha humana estava de prontidão naquele portão oeste da cidade condal.

Conforme eles se aproximavam, um terceiro vulto era visto, usando armadura dourada e capa azul com flores de lis ondeadas ao vento.

Os coronelas resolveram esperar e interromperam o alerta de perigo para que a cidade não entrasse em convulsão.

Afinal, Metade de Barcelona era lealista da Casa Bourbon e saber da vinda de tropas do rei seria interpretada como um alívio do que uma condenação. Muitos se juntariam à batalha como aconteceu em Tarragona.

Assim que se aproximaram, perguntaram:

— O que vocês querem? Por que se aproximam com essa bandeira de paz?

El Rey falou:

— Meu nome é Felipe, Terceiro de Meu nome, da casa Bourbon, rei dos Catalães, dos Bascos e dos Galegos e Legítimo herdeiro da coroa de Espanha deixada pelo meu tio, Carlos, Segundo de seu nome, da Casa Habsburgo! Eu exijo falar com o Presidente da Generalitat de Catalunya, agora!

O sotaque francês do monarca e a imponência da armadura dourada não deixavam dúvidas da sua identidade.

Os coronelas e miquelets se assustaram e abriram de imediato o portão alternativo, ao lado do principal e levaram El Rey e seus dois generais, Zigor e Gerard, até o arsenal de guerra de Barcelona, sede da Generalitat.

 

III

 

Estavam cara a cara, no imenso salão de audiências da Generalitat de Catalunya, inimigo contra inimigo.

Aquele era o mesmo imenso salão onde Josep foi suplicar por piedade por sua família e recebeu só desprezo há mais de dois meses.

Aquele imenso salão que nada mais era do que um corredor largo com uma cadeira no final de um lances de degrau que não levava a lugar nenhum, exceto a cadeira onde estava sentado Santi.

Um monte de coronelas estavam nos mezaninos do salão, com fuzis apontados para baixo.

El Rey só tinha Zigor e Gerard para se defender.

Santi sabia que aquelas eram conversas de Paz, ele não era louco de atacar.

Se acontecesse alguma coisa com El Rey e seus generais dentro daquele prédio. Barcelona seria esmagada por quatro lados até virar pó: Espanha, França, Milão e Veneza.

Se El Rey contava com Zigor e Gerard do lado dele, Santi também tinha sua guarda: quatro comandantes, ao seu lado, no seu trono pessoal.

O primeiro comandante era um homem grisalho e gordo chamado Germà Gordò. Era ele quem comandava os Miquelets da Catalunya.

O segundo era um homem de cabelos castanhos, cerca de 50 anos, de farda amarela dos coronelas de origem basca chamado Joseba Otegi. Era ela quem comandava a patrulha da cidade, cheia de coronelas.

O terceiro era um homem com cabelos meio grisalhos e barba encaracolada. Seu nome era Andreu Colell e se tornou o porta voz da presidência e vice presidente de Santi quando Pere morreu em Lleida.

A quarta era Neus.

Santi desceu das escadas e encarou o Rei face a face.

Os outros quatro comandantes fizeram o mesmo e ficaram atrás de Santi:

— O que você quer, rei de Espanha? Uma visita diplomática? Um acordo de rendição e saída pacífica da Catalunya?

— Eu que deveria, messiê Santiago, oferecer um acordo pacífico de saída da presidência, sua rendição incondicional e seu exílio na Córsega, mas vejo que não está disposto a assinar isso. – El Rey tirou um pergaminho da armadura. – Eu ainda tenho lenha o suficiente pra queimar nessa guerra, e você? Muitos barceloneses iam adorar saber que eu estou aqui!

Os miquelets nos mezaninos chegaram a mirar e colocar o dedo no gatilho.

— Se sair daqui vivo, Felipe.

— Quer tentar?

Zigor e Gerard pegaram no cabo de suas espadas e seus arcos, respectivamente.

Santi pegou o pergaminho e queimou-o com um estalar de dedos.

— Magia…

— Faço com esse seu pergaminho o mesmo que você e suas tropas fizeram com as nossa fazendas e cidades, Felipe. – Disse Santi, apontando para Gerard.

Gerard deu um passo à frente e desabafou toda a raiva que sentia do ex-amigo:

— Você não passa de um aproveitador, Santi! Você nunca teve força pra nada, nada! Se apegou à esse cargo público no governo até virar presidente mamando nas tetas do Angel Colom como seu pai mesmo ensinou! Se aproveitou de mulheres e crianças pra lutar essa sua guerra suja achando que era alguma coisa! Você não passa de um nada! Barcelona não vai resistir com você aqui! Não mesmo!

Santi sorriu com raiva:

— Eu posso ser um fraco como você mesmo diz, mas eu estou exatamente onde eu queria estar, sob princípios onde onde fui educado a vida toda, sem me desviar deles, nem manter eles em segredo de ninguém!

Gerard entendeu a indireta. Santi continuou:

— Se eu estou me aproveitando da vaga deixada pelo Angel Colom, como você mesmo diz, pode ter certeza que eu não precisei mentir pra ninguém e nem mandar destruir nada de ninguém! Ao contrário de você! Você pisou nos seus amigos, traiu a sua namorada, mandou matar seu amigo e pra que? Manter a unidade sagrada do reino? Você não percebe que somos e seremos gente catalã?

— Eu também sou catalão e não penso como você, quer você queira, quer você não!

— Gerard! O que impede de a gente resolver essa questão aqui e agora? Nós dê a independência e tudo está resolvido!

— Espanha não se divide, Santi! Durante séculos nos apoiamos uns aos outros contra os árabes! Demos nossas filhas e irmãs em casamento uns com os outros e nos casamos com mulheres de Castela, Aragão e os outros reinos! Minha mãe é Leonesa, de Leão, que já foi reino antes da Catalunha ser alguma coisa e ninguém tá pensando em dividir nada não!

— Que seja! Daqui há cem, duzentos, trezentos anos, os catalães vão se levantar novamente e se perguntar: a gente fala catalão, a gente tem um modo de vida diferente; pra que continuar num lugar onde não nos dão ouvidos? Mais uma vez, pegaremos em foices e ceifaremos correntes! Isso já aconteceu há sessenta anos atrás, isso vai acontecer mais uma vez se a gente não entrar num acordo!

— Dane-se esse seu acordo, Santi! El Rey já deu o recado, não vou falar de novo! Suas palavras são asneiras!

— Saiba que não tem terra mais ufana debaixo do sol que essa! Você queimou a fazenda de Neus em troca de que? Esses ataques são a chama que alimenta a nossa liberdade!

— Basta! – Gritou El Rey. – Eu entendo que foram cometidos excessos nessa guerra, mas ficar lembrando disso não vai fazer a gente nem andar pra frente, nem pra trás! Faz dez anos que a Catalunha está presa nesse passado de sessenta anos atrás e não vai nem pra frente e nem pra trás, é isso que você quer?

— Quando a gente for independente, a gente vai andar finalmente pra frente!

Os conselheiros atrás de Santi concordaram.

— Neus! – El Rey se voltou para a sardenta – Eu não vim aqui falar com esse cabeça dura, mas sim com você…

El Rey pegou as mãos de Neus com suavidade.

— Eu soube que você lutou esse tempo para falar comigo, falar sobre sua fazenda… eu estou aqui. Quando essa guerra acabar, eu vou te dar uma nova, duas vezes maior…

Neus retirou suas mãos delicadamente das mãos de El Rey:

— Majestade, eu realmente estou lisonjeada com a oferta, mas eu tenho meus poréns. A gente nunca dependeu de rei, nem de nada, só do nosso trabalho…

— Eu tou aqui para reparar os erros…

— E as outras pessoas que perderam a casa, parentes, a vida? O senhor pode dar duas vezes mais pra elas também?

— Neus, veja, eu não posso ser bom com todos…

— Esse é o rei da Espanha! Não pode ajudar todo mundo! – Disse Germà Gordò.

— Por isso queremos nossa república! – Disse Joseba Otegi.

Todos os conselheiros de Santi e os coronelas do mezanino riram.

Neus continuou:

— Meu irmão, Pau, nunca concordou com essa coisa de ‘Rei’ por causa disso; nunca dá pra ajudar todo mundo; e só porque eu namoro o Gerard o senhor tá sendo bom comigo; se o Pau tivesse aqui, ele ia sair gritando, e ralhando com o senhor…

Neus se emocionou falando do irmão.

O coração de Gerard ficou mais aliviado quando Neus falou que ainda eram 'namorados’.

A vontade dele era correr lá e abraçar a ruivinha.

— Majestade; o senhor vai fazer justiça contra o homem que matou meu irmão?

— Sim, sim! Vamos fazer sim! – Gerard se adiantou – Guilhotina nele!

— Não dá pra fazer isso, garoto! Não agora! – Disse Zigor.

— Mas por quê? Não viram o terrorismo que ele fez não?

— Gerard, escute! – Disse El Rey – Enric convenceu meus ministros de que você era perigoso. Cortar a cabeça dele seria… passar a mão na cabeça dos separatistas; tem muita gente em Madrid que quer ver os separatistas fuzilados e, mesmo que ganhemos a guerra, o General Urrutia quer ver você e o Zigor dispensados!

— Haha! A gente faz o trabalho sujo e eles ficam com o crédito! Grande bosta é esse Urrutia, viu? – Disse Zigor.

Gerard ficou desesperado:

— Majestade! O senhor é El Rey!

— Sim, sou, mas estou nas mãos deles; sem meus ministros, eu não posso governar o Reino, eu dependo deles.

— Olha lá! Traz a guerra pra Catalunya e não consegue controlar os ministros! O senhor não passa de uma farsa, rei de Espanha! – Disse Andreu Colell.

Todo mundo riu de novo.

Gerard encarou os conselheiros de Santi e todo mundo que ria de El Rey e estendeu a mão para Neus:

— Vem comigo, vamos conversar… Não venha me dizer que você não quer que eu sei que você quer! Vem!

O olhar de Gerard era suplicante.

Neus ouviu seu coração e deu a mão para ele.

Antes de sair, El Rey falou com ele:

— A gente vai te esperar aqui, Gerard! Toma cuidado.

— Vai lá, garoto! – Disse Zigor.

 

IV

 

Eles não foram muito longe.

Gerard levava Neus pela mão até o Parc de la ciudadela, na frente do arsenal de guerra.

El Rey tinha dado o tempo que fosse para ele.

Estavam em paz, cercados de árvores, mas também aquela praça estava cheia de coronelas que não ficaram indiferentes a visão de uma comandante deles de mãos dadas com um oficial espanhol.

Neus não se intimidou e nem eles a incomodaram. Ficaram a distância, apenas rondando.

Apertou a manopla da armadura dele com mais força, só não sorriu. Não tinha muita coisa para sorrir.

Nem queria transmitir para Gerard que se sentia arrastada, mas uma parte de si achava que aquilo não ia dar em nada.

Os dois se sentaram e ficaram em silêncio.

Gerard tinha dificuldade em começar a conversar com ela, justo ele que sempre se sentiu à vontade ao lado dela.

Neus só olhava ele, com seus olhos verdes de sempre, só que mais vazios.

Tentar se desculpar com ela por causa de Pau, mas desistiu logo que sentiu que ela podia chorar.

— Basta Dragón!

A armadura em volta de seu corpo se soltou e foi parar na frente dele.

Neus olhou de cima a baixo a farda de General que usava: calção branco, casacão azul de punhos vermelhos, as medalhas, as dragonas douradas.

Ele era bonito e odiava admitir, aquilo ficava bem nele:

— Você não tá novo demais não pra usar um uniforme desses?

— Olha ela! Se não é a capitã de vinte aninhos!

Os dois sorriram discretamente. Gerard sentia coragem entrando dentro de si:

— Se lembra, Neus, O que a gente tinha combinado? Passear por Barcelona depois que isso tudo acabasse?

Neus apertou a mão grande de Gerard com as suas.

Gerard sentiu que estavam quentes como sempre, só que agora mais calejadas:

— Quando isso vai acabar, Gerard?

— No maldito dia que eu encher a cara do Enric de porrada até ele não aguentar mais!

Gerard apertou o punho. Neus riu como se não acreditasse naquilo:

— Aquela galega disse, Gerard, que é o seu dever proteger eles; como é que você vai encher de porrada a cara daquele maldito assassino que você tem que proteger?

A expressão de Gerard era otimista:

— Me desafiando! O Enric tá doido pra me tirar da liderança; se ele me desafiar, vai ser a chance de eu quebrar a cara dele de uma vez e vingar o Pau!

Neus continuava sem acreditar.

Gerard se ajoelhou diante de Neus, envolvendo as mãos dela nas suas.

— E ele já fez isso?

— Não… não ainda, mas ele vai fazer…

— A guerra tá na nossa porta, Gerard, e os generais em Madrid não vão querer adiar mais… e se ele não fizer isso?

Gerard calou-se.

—  Eu vou lutar contra ele, e você vai aparecer para salvar o cara que matou meu irmão… você percebe?

— Jamais, Neus! Jamais eu vou lutar contra você!

— E você pode ir contra isso?

Gerard levantou-se e soltou as mãos de Neus. O ânimo na sua cara azedou como leite estragado.

— Não… eu não sei como ir contra isso, Neus! Eu tou preso nessa missão até o dia da minha morte! Mas se você…

— Eu também tou presa na minha missão, Gerard, e eu não vou parar até acabar com a raça do maldito Enric!

Gerard chorava:

— Neus, eu te imploro! Não luta, vai!

— Um monte de gente acredita em mim, perdeu tudo e tá refugiada aqui, em Barcelona; a única forma de El Rey enxergar isso é eu vencendo a guerra; era assim que o Pau pensava… vou levar pra frente esse ideal dele…

Gerard ficou desesperado. Agarrou a mão dela com tudo:

— Neus, Vamos fugir?

— E você pode fazer isso?

— Eu dou um jeito! – Gritou.

Os coronelas da praça ficaram em alerta, mas não fizeram nada, nem se aproximaram.

— Adeus, meu amor.

Neus segurou o rosto de Gerard e os dois deram um beijo longo e demorado naquela praça, naquela tarde como se fosse o último.

Última chance de sentirem o calor do corpo um do outro, o cheiro um do outro, o toque, a respiração, a pulsação do coração um do outro.

Nem queriam se desgrudar mais e se soltaram com dificuldade.

Neus deu um sorriso tímido e correu, correu até não conseguir ver Gerard mais.

Gerard viu que ela chorava.

Gerard ficou congelado vendo sua namorada correr.

Zigor e El Rey chegaram.

— Garoto, vamos…

Os coronelas ainda estavam na praça, cercado eles.

Tudo o que restou para Gerard foi enxugar as lágrimas que insistiam em cair e gritar uma última vez para saber se era escutado:

— Neus!!!

 

Continua…


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