Olhos Cor de Púrpura escrita por Luh


Capítulo 1
Capítulo 1 - Bia




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Estava sentada sozinha perto do bar da boate, tomava um Whisky. A balada estava bem animada e a música era muito boa. Homens e mulheres jovens pulando e dançando juntos, algo comum visto por cima, mas muito entre eles apenas fingiam ser alguém que não eram.

Com as novas leis impostas pelo atual governo, era proibido baladas GLS, então muitas dessas pessoas apenas fingiam ser alguém, para nas escondidas fazer o que realmente querem.

Balançava o gelo dentro do copo enquanto tentava me divertir, desde manhã eu não me sentia muito bem, a culpa estava me consumindo fazia semanas e realmente achava que uma festa me animaria, mas estava enganada.

Terminaria aquela bebida e voltaria para minha vida real, aquela que gostaria de fugir as vezes, mas era mais seguro tê-la do que ser discriminado pelas outras pessoas.

Distraidamente olhei para o lado e vi uma mulher muito bonita, ela parecia tão viva e radiante. Pele alva, cabelos vermelhos e uma boca linda. Ela andou ate o balcão pegou uma bebida e voltou para pista de dança. Fiquei encantada com a energia que ela transmitia por todo seu corpo.

Ela usava uma camisa branca mostrando a barriga e uma calça rasgada, brincos grandes e escandalosos e colares. Parecia tão viva, tão real. Por um momento quis ser ela.

Fiquei a observando dançar, querendo me aproximar e perguntar se ela queria sair para conversar ou algo do tipo, mas era arriscado ter interações com pessoas do mesmo sexo nessas baladas da capital, podia ter alguma coruja observando.

Ela dançava com um cara magro e bem parecido com ela, pareciam felizes e cheio de energia.

Decidi que não ficaria ali, caminhei em direção ao banheiro. Estava vazio naquele momento, joguei minha bolsa em cima da pia e me olhei no espelho.

Estava com o semblante caído, talvez fosse o estresse do dia de trabalho ou fosse a infelicidade que vivia na minha vida de casada. O problema definitivamente não era meu marido, era somente eu.

Me abaixei para lavar meu rosto na pia, mas antes de pegar a água senti alguém passando por mim e entrando em um dos boxes, olhei de canto de olho e vi que era a garota de cabelos cor de fogo.

Precisava olhar para ela mais uma vez antes de ir embora, apenas para ter o que imaginar quando tivesse em casa. Abri minha bolsa e peguei um batom vermelho. Comecei a passar lentamente no lábio, depois peguei um lápis de olho e passei também.

Quando vi que ela estava para sair, tirei minha aliança do dedo e joguei na bolsa, não queria que ela pensasse nada de mim.

Ela saiu do box e me encarou pelo reflexo do espelho, seus olhos azuis eram penetrantes, não dava para ver se eram de verdade ou lentes, mas de qualquer forma eram lindos.

Fingi estar procurando alguma coisa na minha bolsa, enquanto olhava para ela disfarçadamente.

Quando finalmente terminei de enrolar, fechei minha bolsa e me virei para porta, para ir embora, mas ouvi sua voz doce dizendo algo e me virei para ouvir.

— Não tem nenhuma coruja nos olhando agora. — Ela sorriu.

Joguei a bolsa na pia e beijei sua boca. Ela me puxou para dentro do box pela qual ela tinha saído e começou a me beijar. O cheiro que exalava dos seus poroso pareciam tão vibrantes, minha mais vontade ainda de toca-la.

Ela desabotoou minha camisa lentamente enquanto ia beijando minha pele. Eu já tinha feito muito aquilo, mas perto dela me senti inexperiente, ela parecia tão destemida e foi me guiando com sua mão.

Deixei que ela levantasse minha saia e me tocasse, segurei em seus ombros enquanto ela brincava com sua boca. Revezamos e naquele banheiro sujo e mal iluminado fizemos amor, algo proibido perante a lei dos homens, mas ali com ela não existia certo ou errado, era apenas nos duas se tocando, se beijando e dando amor. Podiam tirar nossos direitos, mas nunca apagariam o nosso amor.

Dentro daquele box não existia nada além de duas pessoas se amando, não tinha preconceito, não tinha racismo e não tinha culpa, apenas prazer e amor.

Sua pele branca entrava em contrate com minha pele negra. Quando terminamos, ela me abraçou com força e compadeci daquele sentimento. Não era agradecendo pelo sexo, era agradecendo por deixar que ela fosse verdadeira com ela mesmo.

Abri a porta e vi se não tinha ninguém por perto, sai primeiro e depois ela saiu de dentro do box.

— Me chamo Beatriz. — disse, ainda estava ofegante.

— Me chamo Marina. —  ela sorri.

— Anota meu telefone.

— Tudo bem.

— Está com seu namorado? — perguntei por curiosidade.

— Ele é meu irmão, chamei ele para me fazer companhia. — ela sorriu. — e você? Porque não está com seu marido? Eu vi a aliança no seu dedo quando te vi no bar.

— Complicado.

— Esse mundo está complicado. — sorriu ela novamente me beijando mais uma vez. Pegou meu numero de telefone e saiu do banheiro.

Me olhei novamente no espelho e meu semblante parecia tão radiante, como se a vida daquela garota fosse para mim. Arrumei meus cachos e abotoei minha camisa.

Esperei cinco minutos, peguei minha bolsa e sai do banheiro, olhei para a pista de dança e ela estava lá dançando, de relance olhou para mim e deu uma piscadela.

Ainda era oito horas da noite, mas precisava ir para casa. Mandei uma mensagem para Carlos dizendo que já estava indo embora.

Pedi um táxi pelo aplicativo e aguardei, estava a rua augusto, (antiga augusta), mas por ordem do novo representante o nome tinha sido alterado para o gênero masculino, porque a mulher cujo o nome foi usado era uma indigna. Mas não somente ali, vários locais da grande são Paulo tiveram seus nomes masculinizados. Infelizmente esse não era o maior dos problemas que enfrentávamos, existia questões muito maiores acontecendo e como dizia meu chefe, uma hora tudo vai explodir no colo de alguém.

Meu táxi chegou e sem rodeios entrei nele. Passei o endereço do meu apartamento na Vila Mariano e recostei minha cabeça no vidro. Estava ainda meio zonza por conta da bebida, sexo e pensamentos turbulentos da minha vida.

Enquanto atravessa o centro da minha cidade, não deixava de observar todo o ódio que as pessoas tinham contra homossexuais. Cartazes de ofensas e raiva, como se a situação do país fosse culpa nossa. Quando leio os livros escritos em dois mil vinte e quatro sobre a homossexualidade, percebo que eles ao menos tiveram um pouco mais de liberdade e amor, as coisas nos dias de hoje estão completamente descontroladas.

O último governador literalmente rasgou a constituição e começou uma nova baseada em preceitos religiosos e pessoais, onde pessoas como eu são repudiadas e sujeita a punições severas se forem pegos em atos que para eles são ilícitos de se fazerem em público, como um beijo, mãos dadas, conversas em locais escondidos e outros.

Parecia que estávamos regredindo, a nossa liberdade foi tirada quando menos percebemos e ninguém fez nada. Os protestos são abafados e qualquer meio de comunicação que fale sobre o assunto é censurado imediatamente.

Para eles somos uma macha que precisa ser apagada da terra. Triste mesmo é ver países que antes eram a favor da liberdade, agora regrediram a ponto de prender qualquer pessoa que expresse seu amor.

Por triste que seja tudo isso, ainda sinto que o Brasil inda não tomou medidas drásticas e espero que nunca chegue a esse ponto, já que nascemos com algo peculiar que nos torna diferentes e únicos. Nunca saberemos se isso foi presente de Deus para nos destacar dos outros ou foi uma maldição criada em laboratório pelas mãos do homem para nos identificar e nos oprimir.

— Chegamos no endereço senhorita. — disse o motorista, percebendo que estava distraída.

— Obrigada! — disse por fim.

Acionei o interfone e aguardei o segurança liberar minha entrada. Entrando por aquelas portas eu não era mais Beatriz a lésbica, era Beatriz a esposa perfeita. Entrei no prédio e enquanto esperava o elevador recoloquei a aliança no dedo. Não posso dizer que não tenho uma boa vida, tenho conforto de um lar, um emprego e acima de tudo tenho segurança. Uma mulher casada tem privilégios que uma mulher solteira não tem. A único problema é que não sinto amor por ele.

Entro dentro da minha casa e vejo meu marido sentado na mesa, um homem branco, alto de cabelos castanhos. Um bom partido que qualquer mulher hétero gostaria de ter, o único problema é seu forte temperamento, as vezes explode quando seu trabalho não é satisfatório. Nunca me agrediu e sei que isso é um privilégio, porque sei o que minhas colegas de trabalho passam com seus maridos.

— Bia, finalmente chegou. — veio ao meu encontro e me beijou. Estava de muito bom humor, era incomum.

— Oi amor, estava me esperando? — disse.

— Sim, queria te contar as novidades do meu dia. — falou se sentando a mesa e colocando minha bolsa em cima da estante. — Você estava bebendo? Senti o gosto de Whisky na sua boca.

— Desculpa, sai com as meninas do trabalho, bebi um copo só.

— Então, adivinha que foi promovido a programador sênior?

— Você Meu amor?

— Sim, você sabe o quanto eu queria aquela promoção e finalmente consegui.

Ele realmente estava feliz em conseguir o que parecia ser a meta da sua vida, e eu partilhava daquela mesa alegria. Me levantei e o abracei com força, ele me beijou outra vez. Eu não o amava de verdade, mas gostava muito dele.

— Devemos comemorar isso. — disse ele.

— Abre uma garrafa de vinho, vou tirar essa roupa.

— Tudo bem.

Atravessei a sala e entrei no meu quarto. Me sentia suja por fazer aquilo com ele, por fingir ser quem eu não era, fingir ser uma mulher que não sou e aquilo já fazia cinco anos. Tirei minhas roupas e ainda podia sentir o cheiro de Marina na minha blusa, pensar nela me dava um frio na boca do estômago. Joguei as roupas no sexto de roupas e coloquei uma camisa do Carlos por cima. Sabia como terminaria aquela comemoração, então deixaria para tomar banho depois.

Voltei para a cozinha, Carlos estava com as taças de vinho em suas mãos, a alegria dele me deixava mal, mas meu orgulho por ele não era falso e aquela comemoração não era em tudo mentira.

Brindamos. Ele pegou na minha bunda e me levantou até a mesa. Beijou meu pescoço e sussurrou que me ama no meu ouvido. Disse que também lhe amava, não era verdade, mas tinha que ser a esposa perfeita. Deixei-o tirar minha calcinha, tirei sua camisa social e ele tirou sua calça. Me deitei na mesa e deixei que entrasse em mim, gemi baixinho para ele saber que estava ali e deixei que fizesse o que quisesse, mas naquele momento só conseguia pensar em Marina, fechei meus olhos e pensei nela enquanto meu marido transava sozinho comigo.

Mudamos de posição algumas vezes, tentava fazer o possível para agrada-lo, queria que ele tivesse prazer, como minha amiga tinha me dito uma vez, é mais fácil para nos fingir que gostou do que eles. “Só deixar eles entrar e fazer o trabalho, depois que eles terminam apenas agradeça e fala que foi ótimo, funciona.” Dizia ela, pode me chamar do que quiser, mas eu precisava manter aquele casamento.

Quando ele terminou, me beijou novamente, estava ofegante e exausto. Sussurrei no ouvido dele que tinha sido ótimo, ele sorriu com satisfação e juntou suas roupas e foi para o quarto.

Fiquei sentada na mesa um pouco mais, o dia não tinha sido tão ruim afinal, duas transas em um dia só, pelo menos em uma delas senti orgasmo de verdade.

Desci da mesa e peguei minha calcinha do chão. Caminhei em direção ao quarto, o chuveiro estava ligado e a fumaça saia pela porta.

— Carlos, você já jantou? — perguntei.

— Já. — Ele apareceu nu na porta do banheiro. Ele era muito bonito e as vezes me sentia como se tivesse quebrada por dentro, por não sentir nada por ele. — Quer ir para o segundo round? — disse ele sorrindo.

— Melhor não, só quero tomar um banho quente e jantar.

— Pode entrar, eu já vou sair.

— Eu espero você sair.

Me sentei na beirada da cama e esperei até que ele saísse do banheiro. Entrei e fechei a porta, precisava daquela privacidade, era estranho como eu só podia ser eu mesmo em banheiros, ironia da vida.

Ele saiu enrolado na tolha e me beijo na testa, sua pele estava quente e o vapor subia pelos poros.

Sorri para ele e entrei no banheiro. Fechei a porta e passei o trinco nela, não queria que ele visse ali dentro.

Respirei fundo e passei a mão no espelho para tirar o embaçado e me encarei. Olhava para mim mesmo como pena, tristeza, as vezes raiva. Abri a gaveta e do fundo tirei uma caixinha da lente de contato. Cuidadosamente retirei meus olhos de mentira e deixei que meus olhos de verdade aparecessem. Guardei minhas lentes na caixinha enquanto tomava um banho.

Me abracei sozinha ali no banheiro, sentindo o vapor quente me abraçando de volta.  Dizia para mim mesma que não tinha culpa de fazer aquilo, a sociedade havia criado as regras e que culpa eu tinha em querer segui-las? Talvez eu fosse somente uma covarde e traidora da causa por fingir ser quem não sou, mas não me culpo por fazer isso.

Sou uma boa pessoa e faço tudo pelo meu marido, em troca disso, apenas satisfaço o desejo da minha carne com outras mulheres, será que sou tão errada assim?

Queria muito contar para ele quem eu realmente era, mas sei que ele nunca me aceitaria e poderia ser presa por aquilo, nunca pensei que meu maior problema na vida fosse a culpa.

Olhei novamente para meu reflexo no espelho e me vi como era de verdade, bem grande estampado em minha face estava o que me tornava diferente das outras mulheres, mas me tornava igual aos outros como eu. Meus olhos não eram castanhos, eram cor púrpura.


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