Izuku na torre escrita por Dama Magno


Capítulo 1
Da torre para o mundo


Notas iniciais do capítulo

Ahoy!

Pela primeira vez não sei o que dizer antes da história. Só espero que gostem usaushuasuahsuha

Leiam as notas finais para CURIOSIDADES e NOTAS DE RODAPÉ.



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Era uma vez, na província de Satsuma¹ quando os povos dos falcões² ainda a habitavam, um jovem que vivia excluído. Sem casa e sem trabalho, o rapaz era obrigado a viver na desonra e a se alimentar do que era oferecido pela natureza. Esse jovem, diferente de todos os outros, tinha uma ligação espiritual diferente com o mundo e, além disso, não compartilhava dos mesmo cabelos e olhos escuros, por isso não era bem visto. Ninguém comentava sobre seu passado, mas esperavam que seu futuro não fosse muito longe.

 

Para desgosto deles, o jovem conseguiu viver sozinho por anos e aprendeu por conta própria que sua ligação com a terra era forte, capaz de coisas inimagináveis; ela o permitia usufruir de sua força e era a única que não o rejeitava. Até mesmo no dia em que achou que morreria.

 

Jovens do vilarejo o cercaram quando estava a caminho da floresta em que morava, servidores imperiais que se gabavam de seu poder e não permitiriam que uma existência tão vil quanto a dele permanecesse a andar sobre a terra. O rapaz renegado e lesado ainda foi capaz de caminhar por entre as árvores, deixando atrás de si um rastro carmesim. Ele mal se mantinha de pé e quase não enxergava além de borrões cada vez mais indecifráveis, até se permitiu cair em desistências. Em seu interior sabia que jamais chegaria longe e aceitou seu destino, sua vida chegaria ao fim. A natureza cantou em seu ouvido e ele se esticou para ouvi-la, seus dedos se fecharam em torno dela e cantou junto, no que achava ser sua despedida.

 

No entanto, o frio da morte foi se afastando e algo passou a brilhar ao seu lado. Os olhos claros se abriram para observar o pequeno sol que o aquecia e quando a luz se findou, não somente pode perceber que segurava uma bela flor dourada, como seus ferimentos deixaram de existir.

 

Ele estava bem e a natureza o amava tanto ao ponto de não deixá-lo partir. O amava tanto que enquanto aquela flor existisse, ele existiria também.

 

E Monoma Neito faria de tudo para retribuir esse amor.

 

¨¨

 

Posso afirmar, com certeza, que Monoma realmente fez de tudo para proteger aquela pequena flor e que esse amor mútuo perdurou por anos. Até mesmo séculos.

 

Neito viu com seus olhos claros e ao longe, sem chamar atenção, às mudanças do mundo em que vivia. Viu a morte de todos que o desprezaram, viu imperadores caírem e novos governantes aparecerem, e jamais ninguém encontrou aquela existência brilhante. O presente que a natureza deu a ele permanecia em segredo.

 

Um novo imperador estava no poder quando Neito se viu profundamente enganado. O novo governante das terras em Satsuma chegou, um daimyo³ tão diferente dos que já vira, que levou Monoma a crer que talvez ele não precisasse mais ficar sozinho. Um homem tão parecido com ele havia chegado a uma posição importante e aquilo representou para ele a redescoberta da esperança.

 

Toshinori Yagi era um tozama daimyo⁴ que, segundo o que ouviu, havia se provado digno da posição ao lutar bravamente ao lado do próprio Tokugawa Ieyasu⁵ durante a Batalha de Sekigahara⁶. Toshinori, de acordo com as histórias que foi capaz de entreouvir enquanto voltava a caminhar entre as pessoas daquela terra, quase morreu em nome de Tokugawa e até hoje carregava em si o sinal de sua lealdade.

 

Com a presença dessa nova realidade, Monoma se deixou sair da floresta mais vezes. Viu crianças correrem de perto, mulheres caminharem discretamente e acompanhadas, viu homens trabalharem como há séculos não via. Ainda tinha cuidado de se manter coberto e voltava para casa que construiu, no coração da floresta e próximo a flor que o mantinha vivo, sempre cauteloso para que ninguém o seguisse.

 

Era um verdadeiro período de paz.

 

Pelo menos até a esposa do daimyo Toshinori adoecer.

 

A mulher era pequena demais, haviam dito, e sua saúde era delicada. Por conta disso, ao descobrirem que estava grávida, toda a gestação foi acompanhada de perto para que não houvesse nenhum risco a nenhum dos dois, ela e o bebê. No entanto, quando estava prestes a dar a luz, acabou ficando doente.

 

Durante dias era a única coisa que se ouvia falar nas terras do senhor Toshinori, todos estavam preocupados com a vida do que poderia ser herdeiro do clã e com a própria esposa do senhor. Monoma apenas escutava o que diziam, comia alguma coisa e então partia para sua casa, imaginando se poderia ou deveria fazer algo para ajudar aquela família.

 

Ele não devia nada a ninguém, havia sido maltratado durante toda sua vida por pessoas desprezíveis e por isso não sentia qualquer obrigação em ser bom com elas. Contudo, pensava, muito tempo se passou desde que fora atacado por alguém e aquele homem, Toshinori, era tão parecido com ele. Quem sabe quantas coisas não havia sofrido também? E ainda assim, lá estava, cheio de poder. Quem sabe Neito também não teria essa oportunidade? Sabia que era capaz de ajudar a mulher e a criança, tinha conhecimento e a natureza ao seu lado.

 

Quando decidiu que faria o certo, usar seu dom para salvar vidas, Monoma apareceu no castelo ao final do dia. Sob o céu alaranjado, coberto por um largo jyuttoku⁷ escuro e um ajirogasa⁸ sobre a cabeça, ele anunciou suas intenções para os guardas que protegiam a entrada da lugar. Neito admirou a grandeza da fortificação enquanto esperava um dos samurais voltarem com a resposta; talvez um dia ele próprio poderia ter um castelo como aquele. Talvez.

 

— Você, entre e me acompanhe — A voz do guarda o tirou de seus devaneios.

 

Sem hesitar, Neito seguiu o guarda por entre os corredores de madeira, passando por um pátio onde criadas tentavam esconder suas curiosidades ao vê-lo passar. Os dois homens caminharam pelo que poderia muito bem ser um labirinto, até finalmente chegarem a um ponto onde outro guarda os esperava. A porta de madeira correu para o lado e Monoma foi escoltado para dentro do cômodo, amplo e preenchido apenas por três figuras: dois samurais, prontos para atacarem a qualquer sinal, um de cada lado de seu Senhor.

 

Toshinori Yagi era alto e pálido, os cabelos brilhavam feito o Sol e seus olhos lembravam o céu em um dia quente. No entanto, para um daimyo e guerreiro que disseram, o homem parecia miserável; o rosto era fundo e seus trajes ficavam tão largos em seu corpo magro, que Monoma não pode deixar de reparar como os dedos longos impediram o hakama¹¹ de escorregar para o chão quando o Senhor se levantou.

 

— Você é o homem que diz poder salvar minha Inko? — O daimyo perguntou sem demora, Neito confirmou com a cabeça. — Como acredita ser capaz disso, quando ninguém mais foi capaz?

 

— Porque eu, Toshinori-sama — respondeu retirando o largo chapéu que lhe cobria os cabelos que se misturavam em tons dourados e pratas —, sou o único que viveu tantos anos, ninguém tem mais conhecimento do que eu.

 

Toshinori o olhou por longos minutos, Monoma sabia que suas feições eram uma estranha visão do novo e do velho, mas que demonstrava por si só que ele não era qualquer pessoa.

 

— Se diz ser realmente quem é, prove. — O homem voltou a dizer. — Salve minha Inko. — Neito sorriu confiante.

 

Era o que ele faria.

 

¨¨

 

Talvez o erro de Monoma tivesse sido confiar demais, em si mesmo e no homem que acreditava ser igual a ele. Talvez tivesse que ter sido mais precavido e não ter aparecido no castelo, ao longo dos dias em que usou sua ligação com a natureza para tentar salvar a esposa e o filho de Toshinori, tão diferente da vez em que se apresentou. Foi ingênuo, da mesma forma que fora séculos atrás.

 

Toshinori desconfiou não somente suas capacidades, quando cada uma das tentativas de curar Inko foram se mostrando ineficazes, como também de sua existência. Como alguém tão jovem poderia parecer tão velho, às vezes? Foi uma das muitas perguntas que Neito ignorou. Você realmente está fazendo tudo o que pode para salva-lá?

Monoma sabia que sua flor tinha o poder de curar a mulher, mas não podia arriscar. Apenas uma pétala não funcionaria, pois somente o conjunto era capaz de reverter qualquer ferimento ou doença. Tirá-la da terra estava fora de cogitação, ela poderia perder sua habilidade, e mesmo que não fosse o caso e ela funcionasse normalmente, Neito a perderia para sempre e estaria condenado a vida mortal novamente.

 

Ele se esquivou do daimyo e suas questões enquanto pode, jamais voltou direto para casa e apenas ia até a flor quando os bichos da floresta também adormeciam. Monoma realmente acreditou ser capaz de protegê-la. Ingênuo.

 

Ingênuo e burro.

 

Em uma noite, enquanto o brilho da flor o aquecia e levava para longe os efeitos do tempo em seu corpo, samurais o atacaram da mesma forma que outro fizeram um milênio atrás: de surpresa. Foi jogado contra a terra e imobilizado, incapacitado de impedir que aqueles homens levassem sua flor para longe de si.

 

Neito se sentiu estúpido e traído.

 

Mas se Toshinori tinha o poder militar ao seu lado, Monoma tinha o da natureza a seu favor. E ele estava disposto a fazer o homem sofrer, não importava como.

 

¨¨

 

Monoma Neito jamais se viu rodeado por pessoas, havia crescido sem família e excluído por todas as outras pessoas. Logo, nunca imaginou que um dia criaria uma criança como se fosse sua. Mas lá estava ele, com aquela pequena criatura em seus braços. De incríveis olhos verdes e cabelos de mesmo tom, que o encarava sem medo ou rejeição.

 

— Ei, ei, não se preocupe — falou manso, balançando a criança de um lado para o outro quando ela começou a chorar. — Eu vou cuidar de você.

 

Foi com a intenção de acalmar a criança que Monoma começou a cantar, a mesma música que o trouxe a vida muitos anos atrás e que o tranquilizou quando acreditou que tudo estava perdido. E assim como naquele dia, o calor e o brilho trouxeram paz para sua existência, dessa vez não em pétalas, mas em pequenos fios de cabelo.

 

— Eu realmente irei protegê-la, minha menina. Minha pequena Izuku.

 

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Quando aceitou aquele trabalho, realmente achou que seria fácil. Tinha dinheiro, contatos e uma recompensa que não permitiu que questionasse qualquer coisa. Na realidade, era extremamente raro isso acontecer, ao trabalhar para alguém, e por isso sempre foi uma pessoa muito requisitada.

 

Shiro Mamono era reconhecido como ladrão e caçador de recompensas, cartazes de Procurado Vivo ou Morto com um desenho seu estavam espalhados em várias províncias. Seu valor era imenso, quase um oban⁹, e isso lhe garantia respeito e confiança em seu trabalho. Atualmente vivia mais com o que ganhava do que com o que roubava, pois boa parte de seus clientes eram daimyos, que fingiam uma boa convivência, mas traiam uns aos outros na surdina. E usavam pessoas como ele, O Demônio Branco, para fazerem o trabalho sujo.

 

A missão ao qual foi requisitado era simples, entrar no castelo do daimyo de Satsuma e recuperar um item familiar do clã Shigaraki, um antigo ornamento que fora roubado há anos e estava sob a posse de Toshinori Yagi. Uma semana bastou para entender a troca de guardas e alguns ichibuban¹⁰ para comprar um deles, um jovem idiota chamado Mineta, que gastava tudo o que ganhava com mulheres e estava se afundando em dívidas.

 

Entraria durante a madrugada, pulando o muro que seria guardado por Mineta, e iria até a menor construção do complexo. Do lado de fora, os dois guardas encarregados da segurança seriam distraídos por serventes do daimyo, que segundo Mineta estavam tendo casos há alguns meses, enquanto o de dentro estaria dormindo. Seria uma entrada rápida e uma saída ainda mais ligeira. Mamono estava garantido.

 

Ele só não contou com o fato de que Mineta Minoru era um samurai leal ao seu senhor. Ou medroso demais para aguentar a desonra de ser um samurai sem mestre. Logo, no instante em que colocou os pés nas terras do castelo, se viu cercado por guardas, sem tempo de desembainhar sua espada, confiscada pelos homens, e foi levado por entre os corredores do local. Em silêncio se deixou ser arrastado, escaparia eventualmente, mas teria que esperar o momento certo para isso. Um dos samurais que o segurava apertou os dedos em seu braço com força antes de atirá-lo para dentro de um dos muitos quartos da construção, sendo obrigado por ele a ficar ajoelhado.

 

— Shiro Mamono. — Uma voz rouca soou dentro do quarto escuro. O lugar parecia grande, devido a voz ter soado bem longe de si, e não tinha nada além de uma janela coberta, pela qual apenas fios de iluminação escapava. Uma luz amarela brilhou ao fundo, deixando visível um rosto distorcido por sombras, que foi se aproximando. — O Demônio Branco.

 

A vela foi colocada em frente a seus olhos, o fazendo franzir o cenho. O homem à sua frente tinha um rosto longo e anguloso, com bochechas cadavéricas e olheiras profundas que deixavam o azul dos olhos mais sobressalentes. Seus dentes eram grandes, como tudo parecia ser naquele corpo gigante. Sem se deixar intimidar, Mamono sorriu de lado, diante do conhecido daimyo de Satsuma, Toshinori Yagi.

 

— O que veio fazer aqui, garoto tolo? — O senhor perguntou enquanto retiravam o pano que cobria a janela, deixando o quarto mais claro pela luz da Lua.

 

— Shigaraki me contratou para tirar algo de você — respondeu. Não tinha motivos para guardar a informação, havia sido impedido de continuar com o trabalho, logo não ganharia nada, e não possuía lealdade alguma com o homem que o contratara. Fingir que se importava com as relações dos daimyos era perda de tempo. — Se me pagar o dobro, posso retribuir o favor — debochou em tom de negócios. O guarda atrás de si apertou-lhe a nuca, o fazendo fechar a mandíbula com força.

 

— Você é muito conhecido. — Toshinori tornou a falar, ignorando tudo o que havia dito. — Cabelos claros feito a lua, olhos vermelhos de um demônio. Um homem cuja lealdade recai apenas sobre si mesmo, que está disposto a tudo pela quantia certa de dinheiro. Venderia a própria alma se possível. — Mamono riu de canto ao ouvir aquilo.

 

— Não a nada que o ouro não compre, Toshinori-sama — disse dando um ênfase sardônico no honorífico, novamente os dedos se fecharam em sua nuca e dessa vez não foi capaz de conter um grunhido. — Almas, vidas e mortes — continuou em um tom rouco, ainda com a mandíbula fortemente fechada. — Tudo pode ser conquistado, todo homem tem seu preço.

 

O rosto pálido do jovem se contorceu quando o guarda, talvez se sentido poderoso em sua posição, apertou-lhe ainda mais o pescoço. Com um movimento rápido, impulsionando a cabeça para o lado com força, Mamono se livrou do agarre; o guarda no mesmo instante tentou segurá-lo pelo cabelo, mas ele escorregou para trás, entre as pernas do samurai, e chutou as costas do homem. Um outro guarda, que estava na porta, desembainhou sua espada e tentou atacá-lo; girando o próprio corpo enquanto se apoiava em apenas um braço, chutou a katana para longe. Enquanto o samurai se distraia com o movimento, Shiro pegou a bainha vazia e a usou para acertá-lo na cabeça.

 

— Pare! — Toshinori gritou antes que o primeiro guarda fosse para cima dele também. — Guardas, por favor, nos deixem a sós — ordenou.

 

— Mas, senhor… — Um deles tentou protestar, porém o olhar que receberam foi suficiente para calá-los.

 

— É um idiota se pensa que a falta de uma espada me impediria de matá-lo — alertou colocando a bainha sobre o ombro. Toshinori riu.

 

— Antes de tentar qualquer ameaça ou eu permitir que fuja por aquela janela — apontou para ela —, me permita discutir algo com você, garoto. Qual seu preço?

 

— O que? — Olhou confuso para o daimyo.

 

— Tenho algo que gostaria que recuperasse para mim, me diga seu preço. — Mamono franziu o cenho, desconfiado.

 

— Me diga o que quer recuperar — exigiu. Toshinori soltou um longo suspiro e se aproximou da janela, seu cabelo dourado balançou com o vento que passou por ela.

 

— Há alguns anos, confiei em uma pessoa que tirou de mim meu bem mais precioso — começou a falar. — Esse homem apareceu do nada, dizendo que ajudaria a salvar minha mulher. Ele me garantiu que faria de tudo para salvá-la, mas depois de um tempo eu desconfiei dessa promessa; ele tinha um dom estranho de aparecer como um ancião em um dia e um jovem, como você, no outro. — Toshinori tirou os olhos do horizonte e o encarou, para então tornar a olhar para fora. — Mandei um de meus guardar segui-lo e confirmei que ele não estava cumprindo com sua palavra. Então tirei dele a única coisa que salvaria a vida de minha mulher.

 

— E, em troca, ele tirou algo seu — constatou, o homem afirmou com a cabeça.

 

— Meu bem mais precioso, de valor inestimável. — A voz do daimyo estremeceu, Mamono deu um passo à frente, interessado. — Minha filha, sequestrada na noite em que nasceu. Desaparecida há quase dezoito anos. — Mamono recuou.

 

— E só agora você quer contratar alguém pra ir atrás dela? — questionou indelicado.

 

— Durante anos contratei muitos homens para tentar encontrá-la, mas ninguém jamais foi capaz.

 

— E você espera que eu consiga, depois de dezoito anos? — Soltou um riso de escárnio. — Desista, velho…

 

— Vinte oban. — Toshinori falou enquanto ainda estava no meio de sua frase desencorajadora. — Te ofereço vinte oban para procurá-la, mesmo que não encontre nada.

 

— E caso encontre? — perguntou novamente interessado.

 

— Me diga o que deseja e eu te darei, sem importar o valor. — Foi a resposta.

 

Mamono lambeu os lábios e sorriu.

 

— Temos um negócio, velho.

 

¨¨

 

Toshinori Yagi era um homem bom, era o que muitos poderiam dizer sobre o senhor que serviam e adoravam. Para Shiro Mamono, no entanto, seu caráter era o que menos importava; sua fortuna, por outro lado…

 

A proposta era tentadora, a maior que já havia recebido em toda sua vida e poderia conseguir muito mais, caso encontrasse a menina desaparecida. Mas isso estava fora de questão, se ninguém havia achado nada durante dezoito anos, não seria ele o primeiro; provavelmente estava morta durante todos esses anos, mas a dor e esperança do pai jamais o faria aceitar. Por isso, já tinha em mente o que faria: primeiro conseguiria uma boa quantia de dinheiro com o daimyo, sob o pretexto de precisar se alimentar; depois ficaria alguns dias longe da província e voltaria apenas para receber sua parte do acordo.

 

Era um plano simples e rápido.

Mamono só não contava contava com um companheiro infame.

 

— Este é Tenya. — Um dos guardas disse, na manhã seguinte, ao acompanhá-lo até os portões do castelo, onde mais outro homem os esperava com um cavalo. — Um dos melhores da guarda, dá tudo de si em missões e jamais perdeu um homem. Ele é perfeito para rastrear pessoas.

 

— Prefiro trabalhar sozinho, me deixe só o cavalo — alertou olhando para o guarda com o cavalo, que abriu um sorriso faceiro e estendeu as rédeas a ele.

 

Este é Tenya. — O homem, ainda sorrindo, disse olhando para o animal.

 

Os olhos vermelhos de Mamono encararam o cavalo, que tinha a cabeça erguida em uma postura orgulhosa. Ele era branco e sua crina escura, em um tom azulado como o céu noturno. Quando Shiro segurou as rédeas, o equino guiou os olhos em direção a sua cabeça e seguiu até seus pés, o animal então relinchou de maneira que pareceu um bufido e puxou as rédeas para longe de suas mãos.

 

— Vocês estão me dizendo que seu melhor homem é um cavalo? — perguntou sinceramente confuso. O cavalo o olhou como se estivesse ofendido e bateu as duas patas dianteiras, como se o desafiasse a fazer melhor.

 

— Sim, Tenya segue ordens como ninguém e serve ao nosso senhor da maneira mais leal já vista. — O guarda disse em um tom de admiração, depositando uma das mãos sobre a crina escura.

 

— Que idiotice, é só a droga de um cavalo — falou incrédulo, segurou as rédeas novamente com uma das mãos e com a outra segurou na cela, apoiou o pé no suporte e ao impulsionar o corpo para montar, o animal ergueu as patas dianteira o fazendo cair no chão. Tenya relinchou e Mamono teve certeza que foi um riso de deboche. — Animal estúpido.

 

— Tenya, por favor, acompanhe este homem. — O guarda pediu de maneira formal demais ao se direcionar a um animal. — Precisamos que alguém fique de olho nele e ninguém está mais capacitado que você.

 

— Ah, pelo amor de… — Seu resmungo foi cortado por um trote e um relincho do cavalo, que tornou a tomar uma postura orgulhosa, com a cabeça erguida como se estivesse em guarda. O homem entregou as rédeas para ele novamente e dessa vez ele foi capaz de montar no animal.

 

— Leve isto com você. — Mamono olhou para o pedaço de tecido que lhe era oferecido, sem dar muita importância pegou o pano e amarrou no cabo de sua espada, que recuperou na noite anterior. — É pedaço do pano que cobria a filha do Senhor na noite em que foi levada, talvez seja útil para Tenya rastreá-la.

 

— Tá, tanto faz — disse, bateu com os pés no cavalo e sacudiu as rédeas. Tenya virou a cabeça para olhá-lo e apenas alguns segundo depois de seu comando é que ele começou a galopar para fora do castelo.

 

Era só que faltava, Mamono pensou, um cavalo que tem vontade própria.

 

¨¨

 

A princípio, o plano continuou o mesmo, então assim que chegou na vila que se estendia ao pé da montanha onde ficava o castelo do daimyo Toshinori, Mamono desceu do cavalo e foi gastar uma parte do dinheiro que havia recebido para alimentação. Peixe e sake, era o que precisava naquele momento. O cavalo relinchou. E mais sake para esquecer aquele animal, pensou.

 

— Ei, imbecil, cale a boca! — praguejou para o bicho que não parava de fazer barulho, estava sentando em uma mesa próxima a uma parede que tinha uma janela enorme que dava em direção a rua, e onde havia amarrado o animal.

 

Quando o peixe e o sake chegaram, Mamono sorriu. Relincho. Aquela seria sua missão mais tranquila e bem paga, relincho, tudo o que uma pessoa precisava para sentir que finalmente a vida valia a pena. Relincho. Relincho. Relincho.

 

— Eu já mandei calar a boca! — gritou se virando pra janela. Tenya o encarou em silêncio e quando Mamono finalmente achou que poderia comer em silêncio, ele colocou a cabeça para dentro do lugar e relinchou. — Okay, okay! Me deixe comer primeiro e irei atrás dessa garotinha idiota!

 

Com outro relincho, o cavalo pareceu contente com a resposta e se manteve quieto enquanto Mamono comia, novamente em uma postura de guarda. Sinceramente, aquele não era um cavalo normal.

 

¨¨

 

— Já se passaram dezoito anos, que idiota acha que vai encontrar alguém depois de dezoito anos? — Mamono se perguntou enquanto caminhava pela ruas movimentadas do começo da tarde. O cavalo ao seu lado balançou a cabeça e adiantou o passo, apenas para mover o rabo escuro e acertar aquele monte de pelo na cara do rapaz.

 

Shiro olhou para Tenya com ódio e fechou a mão sobre o cabo da katana, sentindo o tecido que havia sido entregue a ele algumas horas atrás. Ele era claro, em um tom rosado quase branco, como algumas flores de cerejeira, e não parecia ter outro cheiro além de mofo. O cavalo ao seu lado virou a cabeça para olhar o que ele fazia, então, apenas imaginando que assim aquele animal começaria a se comportar de maneira normal, Mamono desamarrou o pano e estendeu na frente do focinho acinzentado.

 

Dois segundos depois, lá estava ele correndo atrás de um cavalo imbecil.

 

¨¨

 

— Você não é um cavalo normal — resmungou enquanto desviava de um ou outro galho mais baixo. Estava montado no animal, que seguia de cabeça baixa e adentrava a floresta que existia há alguns quilômetros de distância da vila em que estavam. Provavelmente ainda nas terras do daimyo Toshinori.

 

Tenya o ignorava há alguns minutos, desde que havia conseguido segurar o bicho pelo rabo para montar nele. Mamono não entendia muito bem o que havia acontecido, nem como era possível um cavalo agir feito um cachorro e como uma pessoa ao mesmo tempo. Mas sinceramente, quem era ele para questionar algo do tipo. Ou se importar. Enquanto não tivesse que fazer muito esforço, o cavalo poderia agir feito uma gueixa ou tentar fazer uma pintura, que não se importaria.

 

Era pra ser um trabalho fácil e continuaria sendo independe do rastro que o animal estivesse seguindo, pois no máximo iriam se deparar com um aglomerado de fungos que cresciam em algum tronco caído.

 

— Certo, agora só estamos andando em círculos — falou descendo do cavalo. — Você não farejou nada, estamos no meio de uma floresta e sozinhos. Não tem ninguém por perto.

 

O cavalo continuou a ignorá-lo e Mamono se sentiu um idiota por estar tentando ser racional com um animal.

 

— Você sabe que caso tenha realmente farejando a menina, o que eu duvido, você deve estar sentindo o cheiro do corpo dela enterrado, certo?

 

Pela primeira vez em minutos, Tenya levantou o olhar para Mamono e relinchou. Era como se estivesse franzindo o cenho, irritado com o comentário desrespeitoso. Relincho, trote, relincho, relincho, trote. Aquilo era um sermão em linguagem de cavalo, tinha certeza, e isso tirou a última gota da pequena poça de paciência que Shiro tinha dentro de si.

 

— Nós voltaremos para a vila, eu vou comer e beber mais sake, então iremos para um lugar bem longe daqui e voltar apenas para eu receber meu dinheiro — disse pegando as rédeas e puxando o animal na direção em que entraram na floresta.

 

Tenya puxou de volta, mas Mamono não soltou. Os dois se encararam e o cavalo relinchou, puxando com mais força, porém o rapaz continuou sem soltar, mesmo sentindo a pressão do ato no próprio corpo. Tentou firmar os pés no chão, no entanto foi jogado na terra com o terceiro movimento do animal.

 

— Seu animal imbecil, se você segue ordens, essa é uma: vamos voltar! — Relincho.

 

Mamono grunhiu e se levantou, limpou as mangas do kimono e o hakama¹¹ pretos que usava. Parou na frente do cavalo, que havia retornado a farejar, e o segurou pela cara. Os dois tornaram a se encarar. Relincho, me solta. Mas ele não soltou, então Tenya goleou seu corpo com a cabeça. Doeu, porém Shiro não demonstrou, apenas sentiu sua raiva pelo bicho aumentar. No entanto, antes de conseguir reagir, teve o corpo empurrado pelo animal novamente.

 

E de novo, e de novo.

 

Até que tropeçou em um tronco cheio de fungos e caiu. Entre folhas, terra úmida e galhos, Mamono rolou por um declive curto e ao parar, sentiu a cabeça doer. Ouviu um trote desajeitado e relinchos, abriu os olhos se sentindo tonto.

 

— Você quase me matou, cavalo inútil — resmungou, porém o animal o ignorou e continuou a relinchar.

 

Ainda caído no chão, Mamono virou a cabeça em direção ao que provocou aquela reação em Tenya. Então ele viu, de ponta cabeça, uma construção cumprida no meio do nada.

 

Era pra ser uma missão fácil, ele pensou. Era.

 

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O chá estava quente e ela queimou a língua ao tentar tomá-lo mesmo assim, o gosto amargo a fez torcer o nariz. Tinha preferência por coisas doces, mas aquele era o último chá na casa e não era como se ela tivesse liberdade para sair na florestas atrás de ervas; ou liberdade para sair de casa, ponto.

 

Os olhos verdes seguiram para fora da janela, as únicas coisas que eram possíveis de ver na altura em que se encontrava eram amontoados de folhas verdes e o topo de um castelo, muito distante, sobre uma montanha. Ela sabia a quem pertencia, assim como tinha consciência de que jamais o veria de perto, por mais que desejasse, pois seu pai a alertou dos perigos que rondavam aquele lugar.

 

Suspirou, deixou o chá de lado e se levantou. Andando de um lado para o outro, Izuku pensou no que faria no restante do dia: tinha que limpar seus pincéis, organizar a estante de livros por ordem alfabética e cronológica, terminar a pintura que estava fazendo em uma das paredes de casa, ler alguns livros… Tinha algo mais, o que poderia ser?

 

Um barulho fraco a tirou da listagem, tentando encontrar a origem do som, Izuku percorreu todo o quarto novamente. Até que se deparou com um ponto amarelado em meio a um emaranhado de fios esverdeados e escuros.

 

— Ah, sim, desembaraçar o cabelo — comentou para si mesma, agachou diante do ponto amarelo e sorriu a tirar o pequeno bicho colorido de lá. — Desculpe por isso, Denki — pediu segurando o animal com as duas mãos.

 

Denki, o camaleão, mudou de cor para um verde enjoativo e se jogou contra os dedos finos da garota, que riu com o drama do amigo. Mais uma vez ela pediu desculpas e o acariciou na cabeça, o réptil ficou rosado ao fechar os olhos, e tornou a ficar amarelo com uma listra preta na testa antes de subir sobre o braço dela até parar em seu ombro. Izuku riu novamente e olhou em volta.

 

— Bom, ainda está cedo — disse ao ver o céu pela janela novamente, segurou o queixo com uma das mãos e então virou a cabeça para o amigo. — Que tal brincarmos um pouco antes do papai chegar? — Denki devolveu o olhar e desceu por ela, usando os longos fios verdes que se espalhavam pelo chão de madeira. — Certo, eu começo contando, mas tenha certeza que irei vencer dessa vez. — O animal a olhou e virou a cabeça de lado, como se zombasse da menina.

 

Sem dar atenção ao camaleão, Izuku se sentou no chão e escondeu o rosto entre as mãos, se encolhendo com os joelhos servindo de apoio para sua testa e então começou a contar. Denki era muito bom naquele jogo, estava ganhando com uma diferença de cento e oitenta e quatro pontos, contra o único dela - que foi uma boa ação do amigo, que a deixou ganhar uma vez por pena. O que estava tudo bem, pois tinha a intenção de conquistar outro ponto, de maneira justa, e conseguiria dessa vez.

 

¨¨

 

— Temos que colocar a regra de não mudar de cor — falou tempos depois, enquanto lavava seus pincéis e Denki descansava sobre sua cabeça. — Vamos combinar, estou em uma desvantagem natural aqui — pontuou.

 

Com todos os pincéis limpos, Izuku os balançou para tirar a água e então os deixou sobre a mesa onde ela e o pai comiam. Imaginando onde ele estaria, a garota se aproximou da janela e ficou a observar o horizonte. A ponta do castelo sempre foi seu ponto favorito, ela encarava o lugar e imaginava como seria viver em um lugar tão majestoso, como seria ser da nobreza e ter tudo o que quisesse. Na realidade, boa parte de seu dia, ela sonhava acordada com uma vida onde ela poderia correr livremente.

 

Desde muito pequena, Izuku vivia naquele quarto; suas primeiras memórias eram dela correndo por ali, quando tudo parecia gigantesco. Todas as noites em se sentou com seu pai, de frente a janela para ele pentear seu cabelo, que crescia mais e mais, enquanto cantavam, ela se perguntava por que tinham que viver naquele lugar e por que apenas o homem podia sair. Quando finalmente criou coragem para perguntar, quando tinha cinco ou seis anos, Neito, seu pais, respondeu:

 

— Porque homens maus poderiam fazer coisas ruins com você, minha pequena. — A voz dele saiu baixa, como se tivesse medo que o ouvissem. — Quando você era menor, ainda bebê, o senhor daquele castelo tentou te tirar de mim, pois ele viu como você era especial.

 

— Por causa do meu cabelo? — perguntou segurando os fios verdes contra o próprio corpo, eles já estavam na altura da cintura. Seu pai balançou a cabeça.

— Sim, primeiro ele tentou cortar uma parte dele, mas seu cabelo perde o poder e fica preto. — Ele segurou uma pequena mecha, a menor e mais escura, que ficava na nuca da menina. — Quando viu que era impossível ele ter seu poder sem tê-la, o senhor do castelo tentou sequestrá-la.

 

— E o que aconteceu? — Sua voz tremulou com medo ao fazer a pergunta. Neito a colocou em seu colo e pegou uma pequena folha que entrou pela janela.

 

— Papa conseguiu salvá-la, então fugimos para cá. — Ela o olhou assustada e ele sorriu para confortá-la. — Mas não se preocupe, minha flor, papa consegue fazer com que ninguém nos ache — disse e para demonstrar que era verdade, fechou a mão sobre a folha e ao abri-la, Izuku não foi capaz de ver nada. — Enquanto papa quiser, a natureza vai nos esconder.

 

Durante essa conversa, seu pai explicou que ela precisaria ficar lá, pois apesar de ter a capacidade de escondê-los, o poder dele não era tão forte ao ponto de a acompanhar por todos cantos. Só era possível fazer isso com um local específico, por tanto, ele tinha medo que Izuku saísse e algum homem mau a levasse para o Senhor do Castelo.

 

Naquele dia ela jurou que jamais sairia de casa, porém conforme ia crescendo, manter sua palavras se tornava cada vez mais difícil. Moravam em um lugar pequeno e com poucas coisas para fazer. Todos os dias ela pintava, penteava o cabelo, preparava chás e organizava seus livros em ordens diferentes. Cada dia que passava, a vontade de conhecer o mundo a consumia.

 

— Vamos, Denki — chamou após um longo suspiro, pegou a escova que estava jogada no canto e passou uma das mãos no topo da cabeça, retirando o amigo dali. — Vamos pentear o cabelo.

 

¨¨

 

Izuku estava terminando de desembaraçar seus longos fios verdes quando ouviu um barulho vindo do lado de fora. Uma voz que não conhecia resmungava alto lá em baixo. Assustada, pois a única pessoa que ouvia do lado de fora era seu pai quando ele voltava de uma colheita e pedia sua ajuda para subir, Izuku se escondeu em um canto escuro da cozinha, onde Neito organizava os utensílios que utilizava para cozinhar.

 

Ela sabia que a pessoa do lado de fora não a encontraria, pois era impossível alguém ver a torre onde vivia. Seu pai havia garantido, porém o coração batia acelerado em seu peito com medo do desconhecido. Os olhos encontraram os de Denki no silêncio, que estava sobre a mesa a encarando preocupado; com um movimento de cabeça ela pediu para que ele fosse até a janela. O camaleão fez o que lhe foi pedido e com um vermelho vivo a alertou do pior.

 

Gemidos e grunhidos seguiram o aviso do amigo. A pessoa estava se aproximando.

 

Denki voltou correndo para onde Izuku estava, a garota não sabia o que fazer. Poderia se esconder no armário que ficava acoplado a uma das paredes de madeira, mas seria facilmente encontrada. Seu pais já deveria estar em casa, mas justamente naquele dia ele resolveu se atrasar.

 

— Ótimo, grande ideia, pai — resmungou baixo para si mesma, mas em seguida tampou a boca com a mão.

 

Certo, pensou respirando fundo, ela teria que se virar sozinha. A pessoa estava cada vez mais perto, porém ainda demoraria, pois parecia estar parando em cada andar da torre (um dos grandes mistérios de sua vida, ela pensou por cima das primeiras ideias). Ela tinha tempo de pensar em algo para sair daquela situação. Olhou em volta novamente, imaginando o que poderia utilizar para atacar o invasor.

 

Foi quando a primeira mão surgiu na janela que Izuku soube o que faria. Seus dedos se fecharam contra o cabo de uma das panelas que estavam empilhadas ao seu lado, a pessoa se sentou na janela e passou a primeira perna para dentro. Izuku apenas conseguia ouvir o próprio coração batendo rápido. A pessoa entrou no quarto e Denki correu por ela, fazendo com que ficasse distraída por tempo suficiente para que a garota pudesse agir. Ela se levantou, ergueu a panela com as duas mãos e fechou os olhos.

 

Dois barulhos.

 

Abriu os olhos.

 

Viu o corpo estendido no chão e sorriu para Denki. Havia conseguido, não era tão indefesa quando seu pais achava. Nem havia sido tão assustador assim, pensou consigo mesma. Com certeza o mundo lá fora não deveria ser tão perigoso...

 

— O que… — A pessoa gemeu e começou a se erguer, apoiando as mãos no chão. Izuku gritou e acertou a panela novamente na pessoa.

 

É, ela conseguiria se virar.

 

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A primeira coisa que Mamono notou antes mesmo de abrir os olhos foi que sua cabeça doía, não como das vezes em bebeu além do que deveria, mas como se algo pesado tivesse caído sobre sua cabeça. Algumas vezes. Ele franziu o cenho e tentou levar as mãos até o local, mas não conseguiu; tentou mexer as pernas, porém elas também estavam imobilizadas. Só então abriu os olhos, no entanto não pode enxergar nada além da escuridão.

 

Tudo, pensou, só precisava manter a calma…

 

— Ei, quem quer que esteja aqui, me solte agora ou irei cortar sua cabeça fora! — gritou enquanto se mexia freneticamente. Estava em um espaço pequeno, como pode notar. Ninguém respondeu, então ele levou os braços até a boca querendo acabar com o que o prendia com os dente. — Mas que merda é essa?! — perguntou ainda aos gritos depois de sentir a textura das amarras.

 

Repentinamente, enquanto gritava ameaças, um clarão fez Mamono fechar os olhos novamente e gemer descontente. Uma silhueta escura pareceu contra luz, adquirindo formas e cores enquanto os orbes vermelhos se acostumavam com a iluminação. Quando a pessoa a sua frente finalmente se tornou visível, Shiro grunhiu diante da figura feminina.

 

— Quem é você? — questionou. — Não importa, me desamarre — mandou sem dar tempo da garota responder, mas como ela não se moveu, voltou a ameaçar: — Sério, garota, me tira daqui antes que eu te transforme em um guisado.

 

— Não tenho medo de você, está sem sua espada. — Ela disse com o queixo erguido, porém a voz e mãos tremiam, Mamono riu. — E não irei te soltar até me dizer quem é ou o que quer comigo?

 

— Com você? Que me solte agora — respondeu, a menina franziu as sobrancelhas e Mamono sentiu o que prendia suas mãos e pernas se puxado, o derrubando no chão. — Que merda é essa?

 

Seus olhos se abaixaram e ele viu vários fios verdes se enrolando por todo seu corpo, ele seguiu o caminho de fios que se estendiam não somente nele, mas por todo o chão do local até… Abriu a boca incrédulo ao dar de cara com o rosto da garota novamente.

 

— Cabelo? Isso aqui é seu cabelo? — Deixou as palavras saírem mais indignadas do que geralmente faria.

 

— Quem é você e o que quer comigo? — A garota tornou a perguntar, dessa vez mais confiante, se atrevendo a segurá-lo pela gola do kimono.

 

— Escuta aqui, cabeluda, eu estou em missão e não quero nada com você — respondeu, ergueu os braços e disse: — Então se puder me soltar, antes que eu arranque esse monte de cabelo da sua linda cabecinha de merda… — A garota corou e Mamono revirou os olhos, não tinha tempo pra isso.

 

— Você trabalha pro daimyo?

 

— Não, eu trabalho por conta própria. — A resposta pareceu agradar a menina, que o desamarrou.

 

Livre, Shiro se levantou e olhou em volta. Aquele parecia ser o único ambiente da torre que era habitada; cada andar que parou, ao escalar, não parecia ter qualquer entrada além do último andar. Como aquela garota fazia para sair dali? Há quanto tempo vivia nessa torre? Ela parecia jovem demais para viver sozinha e em um lugar como esse. Eram muitas perguntas, mas ele não fazia questão de ter alguma resposta.

 

— Ei, você é um homem, certo? — A voz na menina soou atrás de Mamono, enquanto ele procurava sua espada com os olhos. Ficou em silêncio. — E não está aqui por minha causa.

 

— Eu não poderia me importar menos.

 

— Então me leve com você! Eu disse pro meu pai que como presente de aniversário eu gostaria de sair, conhecer o mundo, mas ele disse que era muito perigoso pra mim. Porém, eu consegui me defender muito bem de você, sozinha. Bem, não sozinha, porque Denki me ajudou. Mas a questão é que…

 

Shiro olhou pra garota que não parava de falar enquanto andava de um lado para o outro. Um lagarto amarelo balançava na parte de trás do cabelo dela, o mesmo que o distraiu quando entrou pela janela; provavelmente o tal Denki que ela se referiu. A menina continuava falando quando ele avistou sua katana em um canto do quarto, pegou-a e se dirigiu até a janela.

 

Sentou na borda, olhou por cima do ombro vendo a garota ainda resmungar com o lagarto na cabeça. Olhou para baixo e suspirou, havia escalado para subir, agora faria o caminho inverso. Pensou em perguntar se não havia saída mais fácil, mas ainda era possível ouvir a voz feminina resmungando e ele não queria lidar com essa dor de cabeça.

 

Sem dizer nada, desceu.

 

¨¨

 

Izuku ainda falava quando Denki apareceu em seu ombro e bateu o rabo em seu rosto. Ela se calou e o olhou para o amigo, que se virou para a janela. Ele já foi.

 

— Denki, por que não me avisou antes?! — perguntou indignada correndo em direção a janela e olhando para fora. O camaleão a encarou. Sério? — Ele ainda não chegou lá em baixo, vamos, amigo.

 

E dizendo isso ela segurou o próprio cabelo e o jogou em uma viga de madeira do teto. Com os dedos firmes em volta dos fios, Izuku subiu na borda da janela e, sem pensar duas vezes, saltou.

 

Se Denki pudesse dizer alguma coisa, ele com certeza estaria gritando.

 

¨¨

 

Mamono estava no primeiro andar da torre quando monte de fios verdes o acertou na cabeça.

 

— Mas o que? — Olhou para cima e viu a garota usando o próprio cabelo como corda para descer. Saltou para o chão e esperou que ela estivesse no chão para dizer: — O que pensa que está fazendo?

 

— Eu achei que seria interessante que minha primeira experiência no mundo seja com… Qual seu nome mesmo?

 

— Não é da sua conta — respondeu, as sobrancelhas franzidas.

 

— Isso foi grosseiro. — Mamono bufou e a garota se curvou diante dele e disse: — Eu me chamo Izuku. Se escreve assim. — Ela pegou um graveto no chão e desenhou na terra os kanjis que compunham seu nome.

 

— Bom, Deku

 

— Izuku.

 

Deku, pode voltar para sua torre, pois você não vem comigo — falou categórico, uma das mão paradas sobre o cabo da espada e o olhar sério. — Ouve seu pai, criança, o mundo é perigoso, você não vai gostar.  — Deu as costas para ela e caminhou em direção ao barranco em que havia caído.

 

— Temos dois problemas com o que você disse. — Izuku falou ao conseguir passá-lo, parando em frente a Mamono, que grunhiu. — Primeiro que eu não sou uma criança, já vou fazer dezoito anos. — Revirou os olhos. — E segundo que… Eu não tenho como voltar.

 

Os dois olharam para cima e depois para baixo, onde todo o cabelo da garota estava. Ela foi recolhendo ele aos poucos enquanto o enrolava em volta da cintura e de um dos ombros. Mamono balançou a cabeça. Poderia deixá-la ali, deveria. Tinha que achar o cavalo maldito, que não estava em canto nenhum de seu campo de visão, e ainda dar um jeito de convencer o animal a parar de procurar pela garota desaparecida.

 

Porém, por outro lado, não poderia deixar aquela garota sozinha na floresta. Ela era pequena e frágil, tinha um cabelo longo demais e seria facilmente pega por alguém. Mamono sabia que mulheres sozinhas era sinal de perigo e por mais que não fosse sua responsabilidade…

 

— Certo, mas você vai ficar quieta e tudo o que eu mandar você fazer, você fará!

 

Izuku sorriu e balançou a cabeça. Mamono suspirou.

 

O que estava fazendo?

 

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Monoma Neito saia da torre todos os dias pela manhã, antes do Sol aparecer. Ele acordava Izuku e descia pelos longos cabelos da garota, então ficava horas na floresta, procurando ervas que lhe fossem úteis. Muitas vezes ele tinha que falar com os kodamas¹² para encontrar algo específico, que só aquelas criaturas poderiam saber, ou para saber sobre o movimento na floresta.

 

Dificilmente ele se preocupava com Izuku estando sozinha em casa, pois a torre era muito bem protegida por seus desejos. Ninguém que quisesse encontrá-la, seria capaz, e estava muito longe do limite que as pessoas se atreviam a ir.

 

Naquele dia, acabou demorando mais que o costume, pois precisou ir muito longe para conseguir as flores e cogumelos que estavam em falta. Além disso, resolveu passar em uma vila vizinha para comprar algumas coisas para Izuku, logo ela faria aniversário e toda a conversa sobre o presente que ela gostaria o deixaram irritado. Havia sido grosso com a menina e a feito chorar, precisava se desculpar de alguma forma, pois realmente a amava e não gostava de vê-la triste. Era sua pequena, sua flor, no final das contas.

 

Quando chegou na torre, Neito ajeitou a cesta em um dos braços e sorriu para os livros novos e tintas que havia comprado. Ela ia gostar, pensou. Mais algumas horas e o Sol iria se pôr, então ele também imaginou que poderia fazer uma das comidas favoritas dela.

 

— Izuku, papai chegou — gritou, uma das mãos ao lado da boca. — Izuku! — Tornou a gritar, ao não obter resposta.

 

Ela deveria estar dormindo, ou tomando banho. Não seria a primeira vez que ela demorava um pouco para aparecer, então não havia motivos para se preocupar, pensou. Monoma esperou, arrumou mais uma vez a cesta que estava pendurada em seu braço e agachou quando um dos livros caiu com o movimento.

 

Então ele viu, na terra. Seu coração disparou no mesmo instante.

 

Izuku.

 

— Izuku!  — gritou novamente, esperando que estivesse errado.

 

Sem resposta, novamente. Neito deixou a cesta cair ao correr para um dos lados da torre, onde uma única porta coberta por folhas podia ser vista apenas por ele. Um pó pesado subiu quando ele a abriu, assim como o cheiro de umidade. O homem correu até as escadas de madeira, que rangiam com cada pisada que ele dava nos degraus. Passos fortes, rápidos e cheios de gana de chegar ao topo.

 

Abriu a porta escondida do último andar, tropeçou nas panelas que ficavam em frente a ela e olhou em volta. Nada. Foi ao banheiro. Nada. O armário estava aberto, uma panela jogada no meio do quarto. Nenhum sinal da garota ou do camaleão estúpido que ela chamava de amigo.

 

Correu até a janela, o rosto pálido de preocupação logo se tornou vermelho de ódio ao encarar o topo do castelo. Se aquele homem a tivesse encontrado…

 

— Impossível — disse para si mesmo. Ele havia protegido aquele lugar contra aquele homem e qualquer um que tivesse intenções de encontrar sua filha.

 

Foi então que ele viu, balançando com o vento, um fio fino e preto preso em uma das vigas do teto. Ela havia fugido, aquela pequena tola e ingrata! Depois de tudo o que havia feito por ela, por eles, era assim que retribuía.

 

Neito pegou o frio de cabelo, já sabendo o que faria. Acendeu o okiro¹³ e colocou a chaleira com água em cima, quando as primeiras bolhas começaram a surgir, ele jogou alguns dos cogumelos recém colhidos e parte do cabelo de Izuku. Minutos depois serviu a mistura em um chawan¹⁴ e a bebeu quente.

 

Fechou os olhos, sentindo a garganta queimar junto com seu desejo de encontrar a garota. Ao abri-los novamente, já não via mais o quarto onde morou pelos últimos dezoito anos, estava no meio da floresta andando e resmungando. Izuku olhou para um lado e Neito viu o camaleão amarelo, ela olhou para o outro e ele viu uma figura familiar. Cabelos curtos e brancos, olhos vermelhos. Ele já tinha visto aquela pessoa em algum lugar, onde?

 

Você pode me dizer seu nome agora? — Neito ouviu a menina perguntar.

 

Shiro Mamono.

 

O homem piscou, já tinha a informação que queria. Foi em direção ao armário e abriu um pequeno compartimento, tirou um saco de tecido escuro e pesado, que tilintou ao ser movido. Sabia onde ir e o que faria para recuperar a menina.

 

¨¨

 

A vila localizada ao pé da montanha onde ficava o castelo do daimyo era grande e cheia de gente, boa parte das pessoas que vivam lá eram camponeses que faziam as colheitas e comerciantes que as vendiam, havia também muitos artesãos. Esses trabalhadores viviam no centro e seus arredores mais próximos, enquanto as margens era possível encontrar aqueles que não se encaixavam. Pessoas que eram seu próprio produto e homens que não tinham um senhor para seguir, ronins¹⁵.

 

Neito já havia sido um deles, das pessoas que não tem lugar na terra. Ele se lembrava como era ser excluído e na época em que havia vivido como eles, não era tão fácil quanto para esses homens. Rounins eram indignos e nem ao menos tinham a liberdade de tirarem as próprias vidas, no entanto, para aqueles que se acostumaram com essa vida, o dinheiro ainda vinha fácil.

 

Você podia roubar por si mesmo ou roubar para alguém. Neito tinha o dinheiro e sabia onde encontrar a pessoa certa; tinha um alvo para ser pego, Izuku, e outro para ser exterminado. A cabeça de Shiro Mamono custava alto e ele a queria. Agora bastava achar quem fizesse o trabalho por ele.

 

Seus olhos claros rondaram as pessoas a sua volta, até pararem em dois homens. Um alto de cabelo escuro, outro mais baixo com dois tons distintos nos fios; ambos com as faces deformadas, queimadas. Sorriu, se aproximou deles e estendeu o saco de moedas de ouro e prata.

 

— Olá, rapazes, gostariam de fazer um trabalho para um jovem senhor? — perguntou, consciente da imagem que passava. Os homens se olharam e depois encararam o saco, o maior se aproximou.

 

— Basta dizer o que ou quem.

 

¨¨

 

Mamono andava pela floresta desviando de troncos e galhos baixos, afastando com as mãos bichos que zumbiam ao pé de seu ouvidos, mas que nunca pareciam morrer ou deixá-lo em paz. Ao seu lado, a garota continuava a falar mesmo com todos o avisos que havia dado antes de se afastarem da torre e todas as ameaças feitas quando já estavam no meio da floresta. Assim como os bichos, ela não morria ou o deixava em paz, então somente se rendeu.

 

— Então, se não foi o destino que te levou até a torre, o que mais poderia ter sido? — Ela perguntou ao final do monólogo sobre como o objetivos dos dois era tão próximo e não poderia ser coincidência que logo ele tivesse entrado pela janela dela.

 

— Tenya — respondeu.

 

— Oh, gostei desse nome, é algum tipo de ser divino? — Mamono franziu as sobrancelhas e olhou para a garota.

 

— É um cavalo.

 

— Um guia espiritual, então?

 

— Um animal.

 

— Eu não vi nenhum cavalo quando saímos da torre. — Ela olhou para cima, encarando o lagarto amarelo. — Você viu algum, Denki?

 

Mamono balançou a cabeça e bufou, ela estava mesmo conversando com um bicho? E pior, parecia que ele respondia. Aquele dia estava cada vez pior, era pra tudo ser tão simples, mas lá estava ele com uma garota que vivia em uma torre, tinha um cabelo gigante e queria conhecer o mundo, que não parava de murmurar e não parecia se importar com o fato de falar sozinha. A maior parte do tempo.

— Com sorte, talvez ele tenha caído de um lugar bem alto ou se perdido para sempre. — A garota e o lagarto o encararam com olhos arregalados, o que por alguma razão fez com que sua garganta secasse e precisasse pigarrear.

 

— Que coisa mais terrível de se dizer sobre um amigo. — Izuku falou indignada, pegou o bicho amarelo com as duas mãos e o colocou contra a própria bochecha. — Eu não saberia o que fazer sem o Denki.

 

— Bom, Deku — Izuku —, eu não tenho amigos — Eu sou sua amiga. — E cuidado com o que coloca no rosto, pode pegar alguma doença — alertou.

 

— Ora essa, Denki não tem doença — rebateu exasperada, abriu a boca para dizer mais alguma coisa, porém um barulho entre as árvores a calou.

 

Mamono desembainhou a katana e se virou para onde o barulho vinha, Izuku se colocou próxima ao seu corpo e pegou um galho grosso que estava caído por ali. Ela realmente achava que aquilo ia ajudar em alguma coisa, idiota.

 

Outro barulho, um farfalhar que avisou que alguém estava se aproximando. Ignorando a garota ao seu lado, se preparou para atacar quem quer que fosse no instante em que aparecesse. Uma folha seca foi esmagada e um galho seco se quebrou, um vulto branco apareceu e Mamono partiu para cima sem pensar duas vezes.

 

— Espera! — Izuku gritou atrás de si e antes que Shiro pudesse enterrar sua espada no corpo a frente, a garota usou o próprio cabelo para enlaçar seu braço e desarmá-lo.

 

Foi aí que Mamono percebeu que a sua frente estava um cavalo alto e branco, de olhos e crina azuis. Suspirou. Logo agora que achava que as coisas não poderiam piorar. Tenya relinchou, bravo ao notar que por muito pouco não morreu.

 

— Esse é seu amigo?

 

— Ele não é meu amigo. — Relincho. Irritado, Mamono relinchou de volta. Os dois se encararam. Izuku riu.

 

— Vocês parecem se dar bem. — Ela disse e se aproximou, curvou-se diante do cavalo. — Muito prazer, sou Izuku.

 

Ela realmente estava…

 

Tenya abaixou a cabeça e relinchou.

 

Os dois estavam…

 

O cavalo andou até ela e se abaixou, deitando no chão. A garota sorriu e agradeceu antes de subir no animal, que levantou em seguida e relinchou como se gargalhasse com ela. O camaleão subiu na cabeça do equino e os dois pareceram se cumprimentar.

 

Ótimo, agora eram melhores amigos. E Mamono estava ficando louco.

 

¨¨

 

Tenya os levou de volta para a vila; ou melhor, levou Izuku e Denki, pois o cavalo não o deixou montar nele. Eles não se gostavam, claramente. Ao contrário da relação da garota com o animal, que pareciam se conhecer há anos. Shiro diria que poderia ter algo a ver com o cabelo dela, algum tipo de influência ou poder com animais.

 

Claro, como se isso fosse possível, pensou.

 

Quando chegaram na vila, havia tendas que Mamono não viu pela manhã. Os moradores falavam alto, um por cima do outro e ainda assim era possível ouvir a música produzida por shamisens¹⁶, shakuhachi¹⁷ e shime daiko¹⁸ tocado por um grupo de mulheres. Aos poucos o céu ia se pondo e as lanternas da vila eram acesas uma a uma, iluminando as duas de uma forma que há anos Shiro não via.

 

— O que está acontecendo? — Izuku perguntou deslumbrada, ela desceu do cavalo. Tenya relinchou e tentou puxá-la pela roupa com os dentes, mas a garota o ignorou e continuou a olhar a tudo que a rodeava.

 

— Estão comemorando algo — respondeu, mas sem também saber o que, especificamente.

 

— Desculpa, senhor — ela se aproximou de um ancião que passa por perto —, mas o que estão comemorando?

 

— Ah, minha jovem, estamos comemorando a vida. — O senhor respondeu sorridente. — Infelizmente uma criança se perdeu nesse dia, mas nossa Senhora sobreviveu, então não podemos deixar que as coisas ruins transformem esse dia em uma data triste

 

Dito isso o senhor se afastou, deixando os dois jovens parados no meio da rua, enquanto outras pessoas desviavam deles. Talvez aquele senhor estivesse se referindo ao dia em que a garota sumiu? Se for isso, pensou, não acreditava que era realmente uma boa ideia fazer um festival…

 

— Ai, animal estúpido — reclamou ao ser tirado de seus pensamentos por uma mordida no ombro. Olhou para Tenya, que balançou a cabeça na direção de Izuku e depois para o castelo. — Eu não falo sua língua — falou de cenho franzido. Relincho.

 

— O que será que aconteceu?  — Izuku questionou se virando para ele, que deu de ombros.

 

— Acho que estão falando do dia em que a filha do daimyo Toshinori foi raptada — respondeu. — A esposa dele estava doentes antes disso, mas conseguiu dar a luz, porém a menina sumiu no dia em que nasceu e ninguém nunca mais a encontrou, provavelmente morreu — E supostamente eu deveria estar fazendo isso.

 

— Meu pai nunca comentou nada disso, mas explica muita coisa. — Ela murmurou para si mesmo, apoiando o queixo em uma das mãos enquanto o indicador cobria-lhe a boca. — Quantos anos ela teria?

 

— Fazemos aniversário muito próximas e temos a mesma idade. — Voltou a murmurar. Tenya puxou o cabelo de Mamono com os dentes e relinchou.

 

— Deixa de ser doido, cavalo idiota. — Relincho, relincho, relincho. — Eu já disse que não falo sua língua! — gritou, o que fez algumas pessoas pararem para encará-los com estranheza. — Vamos sair daqui.

 

Segurou Izuku pelo pulso e a arrastou pela rua, Tenya relinchou e trotou até eles.

 

¨¨

 

— Mamono não parece ser um bom nome para se colocar em uma criança. — Izuku comentou. Ela estava sentada em uma tora de madeira enquanto algumas meninas, crianças e adolescentes, penteavam e tentavam prender os longos cabelos que ela tinha.

 

Mamono achou que seria uma boa ideia dar um jeito naquele cabelo antes que algo ruim acontecesse, ainda mais porque os fios estavam se prendendo em pessoas e tendas. Antes de um acidente ser causado, ele achou um grupo de garotas encarando o cabelo verde de Izuku com olhos brilhantes.

 

— Sorte que eu nunca fui uma criança, então — respondeu, ela riu.  — E que tipo de nome idiota é Deku?

 

I-zu-ku — corrigiu pausadamente. Mamono revirou os olhos e bufou.

 

De-ku.

 

Eles teriam continuado na discussão, porém o grupo de meninas se levantou e anunciou que o cabelo estava pronto. Izuku se levantou e encarou o espelho que foi oferecido por uma das garotas, seu cabelo estava repartido em dois e duas tranças grossas pendiam de cada lado da cabeça, se estendendo até o joelho. Não estava maravilhoso, mas Mamono considerou um progresso. Deku agradeceu e Shiro jogou uma moeda para cada uma das meninas. Então os dois se afastaram.

 

— Eu não sabia que tinha dinheiro.

 

— Digamos que é um pequeno adiantamento do meu cliente — disse sem dar uma importância, querendo evitar entrar em detalhes.

 

— E qual sua missão, afinal? — Mas é claro que com ela não há isso de não entrar em detalhes.

 

— Encontrar uma pessoa e levar ela pra casa, mas a essa altura já deve estar morta, então… — Deu de ombros.

 

— Isso significa que você não vai receber o restante do dinheiro?

 

Mamono parou em uma das tendas e pediu um sake, não era capaz de aguentar essa conversa completamente sóbrio. Tomou duas doses antes de responder.

 

— Eu recebo mesmo se não encontrar a pessoa. Quem me contratou é tão rica que vai me pagar de um jeito ou de outro — explicou.

 

— E quem te contratou?

 

Shiro abriu a boca para responder, porém Tenya, que continuava atrás deles, o puxou com os dentes pela gola do kimono e o derrubou em uma tenda cheia de quadros. Quando se levantou, pronto para xingar o cavalo, seus olhos avistaram uma pintura específica. Um homem parado ao lado de uma mulher, sentada, segurando um bebê muito pequeno. O homem era magro e loiro, claramente uma representação de Toshinori Yagi. A mulher… Bem, a mulher parecia com Izuku.

 

Relincho.

 

— Oh…

 

¨¨

 

Dezoito anos. Ninguém nunca soube de nada sobre a garota durante dezoito anos e em um dia ele a encontra. Bem debaixo do nariz deles. Aquilo era muita sorte, Mamono estava pensando pequeno, pois tinha certeza que era um caso perdido, mas graças àquele cavalo maldito, ele poderia pedir qualquer coisa ao daimyo. Qualquer coisa.

 

— Ei, Deku, eu estava pensando — falou se colocando na frente da garota, antes que ela visse a pintura. No entanto, o lagarto sobre a cabeça dela pareceu ter visto algo, pois começou a puxar os fios verdes e balançar a pequena cabeça na direção da tenda.

 

— O quê?  — Ele se aproximou dela e passou um dos braços sobre a cabeça dela, derrubando Denki e aproveitando para puxá-la pelo ombro, a fazendo ficar de costas para as pinturas.

 

— Você não gostaria de ver o castelo de perto? — questionou.

 

— Sério? — O rosto dela se iluminou, mas em seguida o sorriso morreu e ela balançou a cabeça negativamente. — Não, melhor não. Seria perigoso chegar perto daquele lugar.

 

— O lugar é cheio de guardas, não vai acontecer nada. — Tentou convencê-la, mas ela ainda parecia relutante. — Podemos só subir a montanha e ver um pouco mais de perto — sugeriu, Izuku colocou a mão sobre o queixo e começou a murmurar para si mesma novamente.

 

— Tudo bem, vamos — disse por fim. — Mas não chegaremos muito perto, meu pai me mataria se soubesse.

 

Mamono apenas concordou com a cabeça, sem realmente se importar com o fato de que não tinha interesse em manter o acordo. Os dois se viraram para seguir em direção ao castelo, porém dois homens entraram no caminho deles. Um deles era alto e tinha cabelo escuro, o rosto possuía queimaduras do nariz para baixo; o outro era menor, de cabelo bicolor e queimadura em volta de um dos olhos.

 

Shiro os reconheceu imediatamente, pois juntos valiam o dobro da sua cabeça. Os irmãos Todoroki, ronins, antigos servos de um daimyo do norte. Se colocou na frente de Izuku e deixou uma das mãos sobre a espada, preparado para desembainha-la a qualquer momento.

 

— Mamono, quem são eles?  — Izuku perguntou apreensiva.

 

— Saiam da frente, babacas — falou ignorando a garota. O mais alto e mais velho, Dabi, riu de lado.

 

— Estamos aqui para te levar de volta pra casa, garotinha. — Ele respondeu se aproximando mais dos dois.

 

— Pra minha casa?

 

— Papai está muito decepcionado com você, por ter fugido de casa. — Dabi explicou, Mamono sentiu a garota estremecer.

 

— Vocês não chegarão perto dela. — O sorriso do mais velho aumentou.

 

Mamono tirou a espada da bainha e no mesmo instante ela entrou em atrito com outra lâmina. As narinas de Shiro se dilataram como o único sinal de surpresa ao se deparar com o outro Todoroki, que se movimentou com uma rapidez surpreendente.

 

— Tenya, tire-a daqui.

 

¨¨

 

Izuku estava tendo uma noite divertida, o melhor dia de sua vida. Ela nunca havia estado fora da torre antes e o mundo não parecia tão assustador quanto seu pai dizia. Mamono era legal e forte, falava pouco e era grosseiro, mas isso não a incomodava; achava os gritos engraçados e o fato de ele implicar com seu nome apenas deixava ela contente. Ele era seu primeiro amigo. Humano, pelo menos.

 

Ele lhe pagou comida e pediu para que algumas garotas cuidassem de seu cabelo, então Mamono era gentil. Ele se ofereceu para levá-la até o castelo, que era seu maior sonho e mesmo com os avisos de seu pai sobre o perigo de se aproximar daquele lugar, ela confiava no rapaz.

 

Mas de repente tudo mudou, dois caras estranhos apareceram de lugar nenhum e eles eram como os homens que seu pai descrevia: maus. Mas disseram que a levariam de volta para casa, disseram que conheciam seu pai e isso não fazia sentido. Se eles eram maus, porque seu pai queria que fosse com eles? Não havia nada neles que ela sentisse confiança, não eram amigáveis como Mamono, que se colocou à sua frente querendo protegê-la.

 

— Tenya, tire-a daqui.

 

Antes que ela pudesse dizer que não iria a lugar algum, o cavalo a puxou com força com os dentes e a jogou sobre as próprias costas. Logo o animal corria para longe dali, obedecendo o rapaz pela primeira vez no dia.

 

— Tenya, volte! — pediu, mas o cavalo continuou a galopar. — Por favor, não podemos deixar Mamono sozinho contra aqueles dois! — implorou.

 

Mas ele continuou sem dar ouvidos a ela. Izuku já quase não conseguia ver Mamono, ele era apenas um ponto preto e branco no meio da multidão. Foi quando primeiro grito chegou aos seus ouvidos, que a garota tomou uma decisão. Sem pensar duas vezes, pela segunda vez naquele dia, Izuku saltou.

 

Ela ouviu mais do que sentiu o impacto do próprio corpo contra o chão, suas roupas rasgaram em algumas partes porque acabou rolando na terra, porém logo estava de pé e abrindo caminho pelo rio de pessoas que começavam a fugir do local onde estava antes. Pode ouvir Tenya relinchar atrás de si, porém imaginou que o cavalo acabou ficando preso entre os cidadãos amedrontados.

 

Correndo contra a correnteza, Izuku foi empurrada e pisoteada algumas vezes, porém o coração acelerado e a vontade de ajudar um amigo fizeram com que não sentisse nada. Pela metade do caminho de volta, quando a maioria das pessoas já havia se afastado, ela pode ver melhor a luta que acontecia. Mamono não parecia estar ferido, mas com certeza tinha dificuldades de lutar contra os dois homens ao mesmo tempos.

 

Ela parou antes de chegar até eles e olhou em volta, procurando alguma coisa que poderia usar como arma. Sorriu quando viu um shamisen jogado no chão. Aquilo poderia servir.

 

¨¨

 

Shiro já havia lutado sozinho contra mais de uma pessoa algumas vezes ao longo de sua vida, não era fácil, porém seu estilo de vida dependia disso. No entanto, nunca antes havia enfrentando duas pessoas tão fortes e habilidosas quanto aqueles dois irmãos. Os mais velho era ardente, atacava sempre que via uma abertura, enquanto o mais novo era frio, defendia todos os ataques que o inimigo fazia.

 

Eles eram uma combinação falta, pensou sentindo um dos braços ardem. Precisava dar um jeito de separá-los, porém não conseguia ver o local e pensar em uma estratégia. Sua respiração estava pesada e a forma como movimentava os pés era desleixada, o que seus pai pensariam se estivessem assistindo aquela cena? Sua mãe com certeza gritaria algo estúpido para distrair os inimigos, algo como…

 

— Cuidado com a cabeça! — Ouviu a voz feminina e em seguida um som estranho de algo se partindo.

 

Mamono se atreveu a tirar os olhos do mais novo e viu como Dabi cambaleava enquanto Izuku aproveitava a distração do mais velho para empurrá-lo contra uma das tendas. Shouto, o irmão mais novo, também se distraiu com o ataque surpresa, o que permitiu com que ele acertasse um chute no meio do peito dele, o derrubando no chão. O lagarto, Denki, apareceu do nada e acertou o rosto do rapaz com o rabo, antes de correr para o ombro de Shiro. Aproveitando que que os irmãos estavam desnorteados, ele correu em direção da garota e a puxou pela mão.

 

— O que está fazendo aqui? — gritou enquanto corria com ela para longe dali.

 

— Não poderia deixá-lo para trás. — Ela gritou de volta.

 

Ele não soube o que pensar com aquela resposta, contudo um relincho o impediu de sequer tentar entender o que sentiu ao ouvir tais palavras. Mamono ajudou Izuku a subir no cavalo e a acompanhou em seguida. Minutos depois, os quatros se distanciavam cada vez mais da vila enquanto a Lua iluminava o caminho.

 

¨¨

 

Tenya só parou de correr quando estavam bem longe da vila, próximos a um rio onde todos aproveitaram para recuperar o fôlego e matar a sede. Mamono recolheu alguns galhos e folhas secas e acendeu uma fogueira, pois a noite estava fria e agora que estavam parados, os corpos também esfriaram pelo cansaço. Foi só então, quando estava relaxado contra o corpo do cavalo, que havia se deitado para oferecer mais calor a eles, que começou a sentir o corte que Dabi havia aberto em seu braço esquerdo.

 

— Ei, o que houve? — Izuku perguntou ao ouvi-lo gemer.

 

— Nada — respondeu, porém a garota não acreditou e pegou o braço ferido, ela segurou o ar ao ver o machucado e ele revirou os olhos. Recolheu o braço e falou: — É só um arranhão, vai estar bom pela manhã.

 

— Isso não é só um arranhão. — Ela pontuou, porém ele não disse mais nada. — Me deixe te ajudar, por favor, é culpa minha que tenha se ferido. — Mamono bufou.

 

— Primeiro, não foi culpa sua, Deku. — A garota não retrucou, apenas mordeu o lábio superior e se encolheu. Suspirou. — E segundo, como faria isso? Não é como se você tivesse algum tipo de… Poder, ou sei lá o que.

 

— Bem, na verdade…

 

Izuku e seu camaleão trocaram olhares e começaram a destrançar os cabelos da garota, quando os longos fios estavam novamente livres, ela pegou o braço do rapaz e enrolou uma mecha em volta do ferimento. Antes que Mamono pudesse perguntar o que estava acontecendo, a menina começou a cantar.

 

Hana wa kirameku, mahou no hana. — Quando o primeiro verso começou, os olhos vermelhos de Mamono se arregalaram, pois os cabelos verdes de Izuku começaram a brilhar. — Toki wo modose, kako ni modose. — Aos poucos o brilho dourado ia tomando conta de toda a extensão do cabelo da garota. — Kizu wo iyase, unmei no kawa. — Quando o brilho atingiu a mecha que estava em seu braço, Mamono soltou um gemido surpreso com o calor que sentiu. — Sakanobore, yomigaerasero. — A aquela altura, até Tenya, que estava adormecido, havia acordado e encarava a cena surpreso. — Kako no yume¹⁹ . — Izuku cantou o último verso, com isso a luz se findou e apenas a fogueira iluminava eles.

 

— Mas o que…

 

— Como está o braço? — Ela perguntou, um sorriso tímido no rosto. Mamono, ainda boquiaberto apenas olhou para baixo, em direção ao machucado.

 

Que não existia mais.

 

¨¨

 

— Então, seu cabelo é… Mágico? — Izuku assentiu. — Desde sempre? — Novamente ela concordou. — E por isso você vive em uma torre?

 

— É pra minha proteção — respondeu. — Papai disse que muitas pessoas fariam qualquer coisa para ter esse tipo de poder, ele não poderia arriscar me perder. Ele precisa de mim.

 

— Precisa de você? — Mamono olhou para ela, confuso. Izuku se encolheu e ponderou se deveria responder.

 

— Meu pai tem uma… Condição, que eu não sei qual é, mas que precisa constantemente que eu use minha magia para ajudá-lo, caso contrário ele fica muito mal — explicou.

 

— Não é mais fácil ele cortar seu cabelo e você ir viver sua vida? — Izuku riu diante da pergunta, não imaginou que ele poderia ser tão curioso.

 

— Se fizer isso, ele perde o poder, por isso que ele nunca me deixou sair de casa.

 

Depois de dizer isso, os dois ficaram um tempo em silêncio, apenas olhando para a fogueira. Denki e Tenya estavam dormindo, o vento soprava e fazia Izuku se encolher. Ela levantou os olhos e encarou a lua, era muito diferente vê-la naquela altura, geralmente ficava mais próxima dela. Outro vento frio passou por eles, mas em seguida o corpo quente de Mamono se encostou contra o dela, a fazendo sorrir.

 

— Obrigada — sussurrou encostando a cabeça no ombro do rapaz. — Por não se assustar com essa coisa do cabelo — explicou antes que ele pudesse perguntar o motivo.

 

— Não é como se você voasse e soltasse fogo pela boca. — Ele respondeu a fazendo rir. — Mas você deveria guardar melhor esse segredo, não pode sair contando pra qualquer pessoa dessa forma. Seu pai… Esse homem tem razão ao dizer que é perigoso.

 

— Mas você não é qualquer pessoa — disse erguendo a cabeça para olhá-lo nos olhos. — Você é meu amigo e eu confio em você.

 

— Bom, já que é assim… — Mamono começou desviando o olhar pra fogueira novamente. — Nada mais justo que eu te contar um segredo também.

 

— O quê?

 

— Meu nome não é Shiro Mamono… — Izuku ergueu as sobrancelhas. — Meu nome de verdade é Bakugou Katsuki…

 

— Um belo nome — disse antes que Katsuki terminasse a frase, ele balançou a cabeça, mordeu os lábios e soltou junto com o ar que havia segurado, seu verdadeiro segredo.

 

— E eu sou uma mulher, como você.

 

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Katsuki Bakugou era a única filha de um jovem samurai e sua esposa, a garota cresceu bem amada e sendo ensinada pelo pai como manejar uma espada. Mesmo não sendo uma função feminina, ela sonhava em ser uma samurai como seu pai e nenhum deles nunca tentou fazê-la desistir de seus sonhos. Eles eram muito felizes.

 

Até que um dia, não foram mais.

Alguém invadiu a casa deles de noite e matou seus pais, a deixando órfã e nas ruas. Katsuki apenas tinha a espada de seu pai e os conhecimentos que ele havia passado. Os primeiros dias não foram fáceis e tentaram todo o tipo de coisa com ela, antes que tomasse a decisão definitiva. Katsuki cortou os cabelos e nunca mais os deixou crescer, ela abandonou o sonho de ser uma samurai e foi pelo caminho mais fácil.

 

Se tornou Shiro Mamono, o Demônio Branco. Um homem forte e respeitado, que conseguia seu próprio sustento. Ela era Katsuki. Ele era Mamono. E convivia bem sendo os dois.

 

— Eu sinto muito isso ter acontecido com você. — Izuku disse após ouvir a história de Katsuki, as mãos pequenas segurando as da outra garota, mais compridas e calosas.

 

— Eu já superei, sem tempo pra ficar me lamentando — afirmou. Deku apertou os dedos e recostou a cabeça no ombro de Mamono novamente.

 

— Mas fico contente que tenha confiado em mim. — Ela disse serena.

 

O coração de Katsuki bateu forte em seu peito e ela levou os olhos em direção ao castelo, que pairava distante e acima delas.

 

Izuku confiava nela, realmente confiava.

 

¨¨

 

Neito viu quando Izuku ajudou aquele ladrãozinho de merda, viu quando ela o curou e viu quando os dois partilharam um momento íntimo. Ele viu e não gostou nada. Izuku não tinha esse direito. Ela não tinha o direito de confiar em ninguém além dele, não tinha o direito de contar para qualquer pessoa o que seu cabelo era capaz de fazer.

 

Ela não tinha o direito de ser feliz sem ele.

 

Os dois estavam próximos ao rio e Neito sabia onde ficava, ele iria até eles e mostraria para ela como estava errada em acreditar em qualquer pessoa que não fosse seu pai.

 

Ele iria até eles e tiraria aquele sorriso besta do rosto da filha

 

¨¨

 

Izuku não sabia que havia dormido até que abriu os olhos e viu que já o céu já não tava mais tão escuro. Uma fina camada de névoa cobria ela e os amigos, era gelada e a fez se encolher contra o corpo de Katsuki. Ela olhou para a mulher e sorriu. Era sua primeira vez do lado de fora da torre e havia conseguido um amigo e uma amiga tudo de uma vez só, em uma só pessoa. Ela tinha sorte.

 

Enquanto Mamono, Tenya e Deki dormiam, a garota ficou imaginando que apelido poderia dar para sua amiga. Afinal, se ela era Deku, Katsuki tinha que ser alguma coisa também, certo? Contudo, antes que pudesse chegar a alguma conclusão satisfatória, o som de um galho se partindo a fez saltar. Ela olhou em volta, mas pouco conseguia enxergar. Outro galho se quebrou.

 

— Alguém ai? — perguntou baixo, temendo acordar os amigos.

 

Uma mão então lhe cobriu a boca e Izuku se sentiu ser arrastada. A garota se debateu e tentou acertar a pessoa que a segurava, queria gritar por ajuda, mas não conseguia. Foi somente quando ela estava longe de todos, que a pessoa a soltou e falou em uma voz rouca, porém familiar.

 

— Izuku, sou eu.  — Ela então olhou para a pessoa e viu seu pais. O rosto enrugado, os olhos azuis estavam quase opacos e os cabelos loiros se misturavam com um tom estranho de cinza. Ele estava velho, mais que o de costume, mas ela ainda era capaz de reconhecê-lo.

 

— Você me assustou — reclamou se levantando. — Pensei que era aqueles homens novamente.

 

— Que homens? — Ele perguntou. Izuku revirou os olhos.

 

— Os que você enviou para me levar de volta para casa — respondeu irritada.

 

— Não sei do que está falando, minha flor. — Ela o encarou cética. — Sinceramente, estava morrendo de preocupação, passei o dia inteiro te procurando por todos os cantos. Que tipo de pai pensa que sou, acha mesmo que eu contrataria alguém para ir atrás da minha menina?

 

—… Me desculpe — pediu cabisbaixa. — Por ter fugido.

 

— O importante é que está bem, minha flor. — Ele disse a abraçando. Izuku fechou os olhos e sorriu retribuindo o gesto. — Mas agora vamos para casa.

 

— O quê? Não! — Se afastou do pai. — Não posso, prometi a um amigo que o ajudaria.

 

— Amigo? Izuku, acha mesmo que aquele rapaz é seu amigo? — Neito perguntou irritado. — Ele está apenas te usando, garota tola. Ele trabalha para Toshinori e sabia desde o começo quem você era!

 

— Isso não é verdade! — rebateu igualmente nervosa. — Kacchan jamais trairia minha confiança! — disse, o apelido fluindo naturalmente de seus lábios.

 

Neito riu e balançou a cabeça. Izuku deu alguns passos para longe do pai e segurou as lágrimas que enchiam os olhos verdes.

 

— Você está confiando na pessoa errada, Izuku. — Ele disse em um tom ameaçador que a fez estremecer. — E você irá se arrepender dessa escolha.

 

Dito isso, a névoa engrossou envolta dele e quando Izuku piscou, seu pai já não estava mais lá e a névoa se dissipou. A garota esfregou os olhos e respirou fundo, virou e caminhou até onde seus amigos estavam.

 

Seu pai estava errado. Ele tinha que estar.

 

¨¨

 

Quando Katsuki acordou, o céu já estava azul. Ela se perguntou por quantas horas dormiu e levou um tempo para lembrar de tudo o que havia acontecido. Olhou em volta procurando por Izuku e se assustou quando não a viu, até que seus olhos a avistaram próxima ao rio, conversando com o lagarto amarelo.

 

A mulher se levantou e limpou as roupas, caminhou até a garota e conteve o sorriso quando Izuku sorriu ao vê-la.

 

— Dormiu bem? — A menina perguntou quando se sentou ao lado dela.

 

— Já tive noite melhores — respondeu. — Não é todo dia que você descobre que sua amiga tem um cabelo mágico. — Izuku riu.

 

— Sou sua amiga? — Katsuki revirou os olhos.

 

— Não vai se achando, não é como se isso fosse grande coisa, — falou sem se importar se estava sendo grossa — Deku. — Empurrou a garota com o ombro ao acrescentar a provocação.

 

— Isso me lembra, tenho um apelido pra você também. — Ela disse orgulhosa. — Kacchan.

 

— Não, definitivamente não. — Se levantou. Izuku riu e a acompanhou.

 

— Mas é fofo!

 

— Eu não sou fofo. — Deku o encarou como se estivesse mentindo. Mamono balançou a cabeça e caminhou até onde Tenya estava, agora de pé. — E se me chamar assim em público, eu corto sua língua e finjo que não te conheço.

 

— Você não faria isso, Kacchan!

 

— Quer apostar?  — perguntou olhando por cima do ombro. Izuku parou por um instante, mas logo voltou a andar atrás dele.

 

— Kacchan, espera! Kacchan!

Não, ele não estava sorrindo.

 

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Quando seu aldeões resolveram tornar o aniversário de sua filha em uma comemoração, Yagi não os impediu, mesmo que isso aumentasse a dor em seu peito e Inko ficasse no quarto chorando o dia inteiro. Aquela data era um lembrete para que não descansar enquanto não encontrasse a menina, era um sinal de esperança para que um dia pudesse comemorar com todos.

 

Sabia que muitos acreditavam que era uma causa inútil, que ela já deveria estar morta. Mas Yagi sentia dentro de si que não era verdade. Ele havia guerreado, lutado até quase morrer, carregava em si um ferimento que nunca se curaria por completo e continuava vivo, e enquanto continuasse nessa terra, jamais desistiria de achar sua filha.

 

— Senhor? — Toshinori estava no pátio do castelo, sozinho vendo o amanhecer quando um de seus guardas o chamou. — Houve um tumulto no festival, ontem de noite e conseguimos informações interessantes.

 

— Prossiga — falou se virando para o homem, que estava curvado em sinal de respeito.

 

— A briga ocorreu entre Shiro Mamono e os irmãos Todoroki, ronins vindo do norte. — O homem começou a explicar. — Não se sabe ao certo o motivo, mas aldeões afirmam que o Demônio Branco estava acompanhado — pausa —, por uma garota.

 

— Uma garota? — O guarda afirmou com a cabeça. Toshinori sentiu o coração bater rápido, causando dores em seu peito. — Que garota?

 

— Não sabemos senhor, ninguém nunca a tinha visto antes. — Eles respondeu, respirou fundo e continuou: — Mas disseram que ela tinha cabelo e olhos verdes, que era muito parecida com a Senhora.

 

— Encontre-os — ordenou segurando o rapaz pelo ombros — e os traga até aqui. Agora!

 

¨¨

 

Katsuki e Izuku estavam montadas em Tenya, que caminhava sem pressa. Izuku falava sobre tudo o que havia lido, enquanto Mamono comentava se a leitura prestava ou não, geralmente nada era bom. Na realidade, a mulher não prestava atenção no que era dito pela outra, pois em sua mente ela debatia consigo mesma o que deveria fazer.

 

Como Mamono, deveria entregar a garota e pegar sua recompensa sem olhar para trás. Como Katsuki, que nunca havia confiado em ninguém e jamais soube o que era ter amigos… Bem, não era uma questão de dinheiro.

 

— Deku — começou cortando a fala da menina no meio. — Por que seu pai disse que o castelo é perigoso? — Izuku se mexeu desconfortável atrás de si e apertou os braços em volta de sua cintura, antes de responder.

 

— Quando eu bebê, ele tentou me tirar o meu pai. Me raptar como fizeram com a filha dele, aparentemente.

 

— Mas por que você? Por que não outra criança? — Ela deu de ombros.

 

— Papai disse que foi por causa do meu cabelo.

 

— E você acredita nele?

 

— Bom, ele é meu pai. — Katsuki reprimiu a vontade dizer que não era verdade.

 

Mamono voltou a ficar em silêncio enquanto a garota conversava com Denki. Deveria contar a verdade para ela? E se ela não acreditasse? Ficou se perguntando essas coisas durante alguns minutos, debatendo consigo as respostas até chegar à conclusão que sim, deveria ser sincera. Katsuki nunca fez o tipo de pessoa que acha que esconder as coisas era o melhor caminho, mesmo que seu jeito de viver não condizendo com o pensamento.

 

— Tenya, pare aqui — pediu, o cavalo parou e ela desceu. Estavam em um campo aberto, entre a floresta e a vila.

 

— Aconteceu alguma coisa? — Izuku perguntou também descendo do cavalo.

 

— Eu preciso te falar uma coisa — disse. — Sobre a minha missão.

 

— Certo… — A garota respondeu franzindo as sobrancelhas, incerta.

 

— Eu fui contratado para encontrar a filha do daimyo Toshinori. — Fez uma pausa, olhando para o rosto de Izuku continuou: — E eu acredito que seja você.

 

¨¨

 

Izuku ouviu aquelas palavras e as entendeu, porém, ao menos, não soube o que elas significavam. O que Katsuki queria dizer? Ela realmente estava insinuando que poderia não ser a filha de seu pai? Era impossível.

 

— Não é verdade — falou depois de alguns segundos. Katsuki suspirou e coçou a cabeça.

 

— Ele disse que um homem a sequestrou, um que tinha uma aparência muito singular, que era velho e ao mesmo tempo jovem. — Izuku engoliu em seco, poderia ser seu pai. — Ela teria dezoito anos, você vai fazer dezoito. A esposa dele tem cabelos e olhos verdes, como os seus, e eu vi uma pintura dela ontem e vocês são muito parecidas.

 

 — Não é verdade — repetiu balançando a cabeça. — É coincidência, eu sou filha do meu pai e não tenho mãe. Ela morreu quando eu era pequena, meu pai jamais mentiria sobre algo do tipo.

 

— Talvez, mas eu não mentiria sobre isso também. — Izuku fechou os olhos e continuar a balançar a cabeça de um lado para outro, como se isso fosse impedir de continuar ouvindo. — Toshinori disse que a menina teria uma marca de nascença, atrás do ombro esquerdo, parecida com uma flor.

 

Izuku levou a mão ao ombro e abriu os olhos, Mamono tinha um dos braços estendidos e deu um passo em sua direção. A garota saltou para trás.

 

— Deku, deixe eu…

 

— Não! — gritou antes que ele terminasse o pedido.

 

— Mas se você for…

 

— Eu não sou! — gritou novamente e se afastou.

 

A garota sentia o coração acelerado e os olhos ardiam. Não podia acreditar em nada que Kacchan — Katsuki dizia, pois isso significaria que toda sua vida era uma mentira e que o homem que conhecia, o homem que era seu pai, nada mais era que um sequestrador que a havia tirado de sua verdadeira família. E isso tinha que ser mentira.

 

Então porque estava com medo que Mamono visse seu ombro? Se era mentira, não tinha o que temer. A garota fechou as mãos com força e respirou fundo, deixaria que tirasse a prova.

 

No entanto, antes que pudesse manifestar sua vontade, ouviu gritos e galopes ao longe. Katsuki arregalou o olho e sacou a espada ao mesmo tempo que a puxou para ficar atrás de si. Vindos da vila, um grupo de homens com armaduras se aproximavam.

 

— Quem são eles? — perguntou assustada.

 

— Guardas do daimyo. — Katsuki respondeu.

 

Ele está apenas te usando, garota tola.

 

Ele trabalha para Toshinori e sabia desde o começo quem você era!

 

Você está confiando na pessoa errada, Izuku.

 

— Você os chamou! — acusou com olhos arregalados. — Você sabia quem eu era, sabia do meu poder e ia me entregar para ele!

 

— O quê? Claro que não!

 

Izuku não o ouviu. Neito tinha razão, como sempre seu pai tinha razão. A garota deu as costas para Katsuki e correu. Correu para longe dela, correu de volta para casa. O lugar de onde jamais deveria ter saído.

 

¨¨

 

— Tenya, Denki, distraiam eles! — ordenou antes de correr atrás de Izuku, sem se importar se dois animais conseguiriam lidar com os guardas.

 

Katsuki não havia entendido nada do que acontecera nos últimos minutos. Apenas tentou fazer a coisa certa e fazer valer a confiança que Deku havia depositado em si, entretanto, as coisas saíram tão erradas que foi acusada de algo sem o menor sentido. Ainda assim, acreditava que poderia fazer Izuku acreditar no que dizia.

 

Só tinha que alcançá-la antes.

 

Para alguém que tinha que ficar enrolada e segurar uma grande quantidade de cabelo, a garota até que era rápida. Katsuki saltava e cortava coisas pelo caminho, sem perdê-la de vista e cada vez mais via o ponto verde se aproximando.

 

— Deku, espere! — gritou, estava quase lá. — Izuku!

 

Izuku vacilou e tropeçou, Mamono esticou o braço e a segurou pela roupa. O tecido se partiu e a garota caiu para frente, rolando pelo mesmo declive que havia caído no dia anterior. Katsuki a viu rolar pela terra e escorregou por lá, e aproximando da menina que tentava se levantar.

 

— Me deixe em paz! — Ela gritou quando Katsuki tentou ajudá-la, se levantou cambaleante. — Me deixe em paz! — repetiu mais baixo, a voz trêmula e os olhos vermelhos. O rosto dela estava sujo de terra e lágrimas. Mamono perdeu o fôlego e tentou dizer algo.

 

— Izuku. —  Mas outra pessoa a chamou.

 

As duas olharam na direção da torre, onde uma figura curvada parecia estar às esperando. Era um senhor baixinho e corcunda, de pele manchada e cheia de rugas. Os cabelos eram cinzas e opacos, tão ralos que era possível ver a pele por debaixo dos fios. Katsuki nunca tinha visto uma pessoa tão velha antes.

 

— Papai… — A menina disse soluçando e correu até ele. — Eu sinto muito, o senhor tinha razão. — Continuou a falar ao abraçá-lo, o homem retribuiu o gesto e acariciou os cabelos verdes de Izuku com dedos finos e enrugados.

— Está tudo bem, minha querida. — Ele disse em um tom carinhoso. — Um pai sempre perdoa seus filhos.

 

— Você não é o pai dela! — berrou irado. — Toshinori Yagi é, você é o homem que a raptou quando ainda era um bebê!

 

— Ora, rapaz, cale a boca. — Neito disse afastando Izuku e se aproximando de Katsuki.

 

— Tem medo que ela acredite na verdade? — perguntou. O velho contorceu o rosto irritado, mas em seguida abriu um sorriso.

 

— Irá se arrepender por tentar tirar minha flor de mim. — Ele disse e então estalou os dedos.

 

No mesmo instante Katsuki sentiu algo prender em seus pés com força, olhou para baixo e viu cipós grossos e verdes subirem por suas pernas, as apertando como cobras antes de engolir suas presas. Os olhos vermelho se arregalaram e ela tentou se mexer, porém os cipós já havia imobilizado, fazendo com que caísse no chão.

 

— Não! — Izuku gritou correndo até eles, segurou o homem mais velho pela manga do kimono. — Por favor, papai, não faça nada com ele! — implorou, novas lágrimas caindo de seus olhos.

 

— Não posso deixá-lo ir, ele é uma ameaça para nós. — Neito respondeu sem tirar os olhos de Katsuki, que gemia de dor ao sentir os cipós apertando seu abdômen.

 

— Kacchan, eu sinto muito. Eu sinto muito. — Izuku disse caindo de joelhos na frente da amiga, os olhos fechados se negando a ver o que acontecia.

 

— Tudo bem — gemeu as palavras com dificuldade, tocou o rosto da garota com a ponta dos dedos antes dos cipós prenderem seus braços também e sorriu. — A propósito, belo sinal.

 

Izuku arregalou os olhos e olhou para lado, o kimono rasgado revelando o ombro da garota e também a marca na parte de trás dele. Uma flor pequena e pálida.

 

¨¨

 

Quando ela viu a marca sobre sua pele, Izuku sentiu vontade de vomitar. Sua cabeça girava diante da única conclusão possível. Neito estava mentindo. Ela ia se virar para falar algo para o homem que acreditava ser seu pai, ainda sem querer acreditar no que via. No entanto, um par de mãos a segurou pelo cabelo e começou a arrastá-la para longe de Katsuki.

 

— Isso não deveria acontecer. — Neito murmurava enquanto a arrastava. — Ninguém deveria nos encontrar e você seria sempre minha, minha flor! — gritou.

— Me solte! — gritou de volta, segurou as mãos que a prendia e usou as unhas para arranhar a pele frágil, porém o homem não a soltou.

 

Hana wa kirameku, mahou no hana. — A voz rouca começou a cantar, fazendo Izuku se desesperar.

 

— I-Izuku! — Katsuki gritou com dificuldade, a garota olhou para a amiga que já tinha cipós até o pescoço.

 

— Kacchan! — gritou de volta ainda tentando se soltar.

 

Toki wo modose, kako ni modose. — Neito continuou a cantar.

 

Izuku viu Katsuki lutar contra os cipós assim como ela fazia contra o pai. Mamono conseguiu soltar um dos braços e a gritou novamente antes de jogar algo em sua direção segundos depois dos cipós fecharem completamente seu rosto.

 

A garota viu o objeto cair próximo a ela. Longa, escura e afiada, a katana de Katsuki brilhou no chão e ela se esticou para pegá-la. Neito a puxou para trás com mais força, indo para o terceiro verso da canção. Izuku usou o pé para alcançar a espada, usando seu geta²⁰ para prendê-la e a arrastar para perto.

 

Sakanobore, yomigaerasero…

 

Sem pensar duas vezes, antes que o homem terminasse a canção, Izuku segurou a espada com uma das mãos e levou a lamina até onde estava sendo segurada. Com um único movimento, ela sentiu como um a um seus fios iam sendo cortados. Izuku se jogou para frente enquanto Neito caiu no chão. Ainda com a espada na mão e trêmula, ela virou para o homem.

 

— Não, não, não! — Ele resmungou olhando para os fios pretos feito carvão entre seus dedos. — Por que fez isso, por quê? — perguntou se levantando.

 

Izuku, que viu o homem ir para cima dela, segurou a katana a sua frente com as duas mãos e fechou os olhos. Sentiu quando a pressão do corpo velho atingiu a ponta da lamina, mas antes que ela continuasse a perfurar o homem, simplesmente a pressão sumiu. Quando abriu os olhos novamente, apenas encontrou peças de roupa caídas no chão.

 

¨¨

 

Katsuki não sabia quando tempo ficou preso naquela escuridão sufocante, apenas soube que havia desistindo de tentar se soltar quando a claridade e o ar tornaram a atingi-la. A primeira golfada de respiração que deu, de boca aberta e com força, fez seu peito doer e ela começou a tossir.

 

— Você está bem? — A voz feminina perguntou enquanto os dedos delicados a ajudavam a se sentar. Katsuki olhou para frente e viu os orbes verdes brilharem com preocupação.

 

— Melhor do que aquele velho vai ficar quando eu pegar ele — respondeu. Izuku baixou o olhar.

 

— Ele se foi…

 

— Você… — Não se atreveu a terminar a pergunta, incerta se gostaria de ouvir a resposta. Katsuki já havia tirado muitas vidas, mas Izuku era muito melhor que isso.

 

— Não, quero dizer, acho que não. — Ela respondeu e então olhou para o lado, onde algumas roupas estavam amontadas. — Ele só sumiu.

 

Katsuki suspirou, aliviada. Izuku mordeu o lábio inferior, parecendo conter as lágrimas que acumularam nos olhos dela. Colocou a mão sobre o ombro da garota e sorriu quando ela a olhou. As duas se encararam por alguns segundos, até ouvirem relinchos e galopes.

 

— Denki, Tenya! — A garota se levantou, sorrindo para os animais que se aproximavam.

 

Quando o cavalo chegou até elas, trotou contente em volta das duas. Katsuki observou, enquanto se levantava, Izuku abraçar os amigos. Ela ainda estava suja de terra, a roupa rasgada e o rosto, agora sorridente, carregava as marcas da lágrimas e olhos inchados. A mulher viu os cabelos, pretos feito carvão e mais curtos na frente do que atrás, mas preferiu ficar em silêncio. Rápida, subiu na cela do cavalo e estendeu a mão.

 

— Vamos, tem alguém que quer te conhecer.

 

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Izuku passou dezoito anos na torre, sendo apenas Izuku. Deixou o cabelo crescer durante todos esses anos, releu os livros que tinha até decorar cada palavra e pintou a mesma parede de diversas formas. Ela perdeu para Denki cento e oitenta e quatro vezes no esconde-esconde, venceu apenas duas. Ela cresceu em um único quarto, junto com seu pai, e a única visão que tinha era de um castelo que se erguia em uma montanha. Izuku todos os dias sonhava em como seria viver naquele castelo.

 

Agora, naquele momento, lá estava ela parada diante dos portões do castelo e com a única certeza de que continuaria perdendo para Denki no esconde-esconde.

 

— Está pronta? — Katsuki perguntou ao seu lado.

 

— Não — respondeu balançando a cabeça, achando estranha a sensação dos fios tocando em seu pescoço. — Mas tudo bem. — Sorriu para a mulher, que apenas assentiu e andou até os portões, que rangeram ao se abrirem.

 

Quando Izuku pulou da janela, do alto da torre em que viveu por dezoito anos, ela estava animada com a possibilidade de conhecer o mundo. Quando saltou de um cavalo em movimento e se intrometeu em uma briga de espadas com apenas um instrumento de madeira e cordas na mão, ela apenas queria defender um amigo. Naquele instante, ela só precisava dar um passo, mas estava apavorada.

 

— Vamos? — Izuku olhou para a mão que foi estendida e depois encarou a pessoa que a oferecia.

 

Quando Izuku deu o primeiro passo em direção ao castelo, ela estava apavorada. Porém, os dedos que estavam entre os seus diziam que tudo ficaria bem e ela acreditou neles.

 

¨¨

 

Katsuki entrou no castelo segurando a mão de Izuku. Ficou ao lado dela quando esperaram no pátio, com guardas por todos os lados e serviu de escudo contra os olhares curiosos de as criadas mandavam ao passarem por lá. Katsuki apenas se distanciou, um passo para trás e ainda segurando a mão da garota, quando Toshinori Yagi e sua esposa, Toshinori Inko, se aproximaram.

 

A mulher viu quando a Senhora, baixa e rechonchuda, não se conteve em lágrimas e pulou sobre a garota que seria sua filha. Izuku estava tensa e apertou os dedos finos contra os caloso de Katsuki, enquanto se deixava ser abraçada por aquela que era uma total estranha. A Senhora dizia algo repetidamente enquanto olhava para a filha, mas era impossível de entender o que ela dizia.

 

Quando Yagi, o pai, se aproximou e segurou a esposa pelos ombros, deixando que ela chorasse em seu peito, Katsuki sentiu os dedos doerem com o aperto em volta deles. Izuku encarou o homem com as sobrancelhas franzidas e nariz dilatado, ela só não soube se foi por ter crescido acreditando que ele lhe queria mal ou se porque os cabelos e olhos lembravam aquele que Deku cresceu acreditando ser seu pai.

 

No entanto, o daimyo era um homem inteligente, não havia chegado onde chegou apenas por ser bom com a espada, ele notou que a garota estava tensa e provavelmente não seria fácil encarar essa nova realidade. Ainda assim, era incapaz de parar de sorrir.

 

Katsuki entrou no castelo segurando a mão de Izuku e teria continuado assim, se Toshinori não a tivesse chamado para conversar. A mãe e as criadas levaram Izuku para algum lugar, enquanto o homem a levou para outro. As duas só tiveram tempo para trocar um último olhar, Izuku estava preocupada, mas Katsuki a acalmou.

 

— Shiro Mamono — Yagi disse ao entrarem na mesma sala em que se viram pela primeira vez —, o homem que fez o impossível.

 

Mamono abriu a boca para dizer que não havia feito nada, mas as palavras morreram quando o homem de quase dois metros o abraçou e começou a chorar em seu ombro. Ele soluçava, fungava e agradecia repetidamente. Sem saber como reagir, ficou parado, esperando que o daimyo se recuperasse.

 

— Muito obrigado. — Ele disse uma última vez antes de se afastar e secar o rosto. — Mas acredito que tenha mais o que fazer além de ouvir esse velho chorar. Diga, meu jovem, o que vai querer?

 

Katsuki olhou para Toshinori, havia se esquecido que tinham um combinado. Se não achasse sua filha, teria vinte obans. Mas se a encontrasse, poderia escolher o que quisesse. Ela ponderou por alguns minutos, pois não havia imaginado que conseguiria quando aceitou o trabalho.

 

Quando soube exatamente o que gostaria, sorriu e pediu.

 

¨¨

Já era noite quando Izuku se viu sozinha pela primeira vez em dois dias. Seu cabelo estava bem cortado e preso, sua roupa era nova e muito mais pesada que a antiga; até seu cheiro era diferente, agora cheirava a cerejeiras. Ela suspirou olhando para o quarto que seria seu pelos próximos anos, ele era maior que toda sua antiga casa. Pelo menos continuava tendo uma janela.

 

Izuku se aproximou dela e encarou a noite. Conseguia ver as lanternas na vila e a floresta, mas não a torre. Imaginou como seria se ainda estivesse lá, o que estaria fazendo? Provavelmente sonhando em uma vida fora dela, riu

 

— Onde está seu amigo lagarto? — Estava tão distraída, que quando o rosto de Katsuki surgiu bem a sua frente, Izuku se assustou e caiu no chão.

 

A mulher entrou pela janela, da mesma forma que havia feito na torre. Dessa vez sem panelas e cabelos para servir de amarra. Izuku se levantou e olhou para trás, vendo Denki dormindo sobre seu futon. Virou-se para Katsuki e sorriu, pronta para perguntar o que fazia ali e porque não apareceu antes.

 

— Como está agora, que conheceu seu pais de verdade? — Mamono perguntou antes.

 

— Estranho — respondeu sincera. — Minha… — engasgou —, Inko — continuou —, começava a chorar toda vez que olhava pro meu rosto. — Katsuki riu. — E o meu… — Suspirou, era como se tivesse desaprendido a falar.

 

— Está tudo bem, você passou dezoito anos sem saber nada sobre eles e eles, imaginando como você seria. — Ele disse colocando a mão sobre o ombro da garota. — Vai levar um tempo até vocês se conhecerem de verdade. — Izuku sorriu e segurou a mão dela.

 

— Mas o que veio fazer aqui, afinal? — questionou entrelaçando os dedos das duas.

 

— Vim agradecer. — Izuku o olhou confusa. — Por ter me ajudado na missão, sem você eu não teria conseguido. Literalmente.

 

Os olhos verdes da garota encontraram os vermelhos e naquele momento ela entendeu o que aquele encontro significava. Seu sorriso desvaneceu e Izuku se afastou, soltando a mão de Katsuki para cruzar os braços. Ela assentiu e deus as costas para a mulher, não querendo dizer mais nada ou sequer olhar para Mamono.

 

— Boa noite.

 

Izuku não respondeu, pois sabia que aquilo era uma despedida.

 

¨¨

 

Eventualmente, Izuku começou a se sentir confortável com os abraços de Inko e com a forma como ela e o marido a olhavam algumas vezes, como se ela pudesse sumir a qualquer momento. Ela também se acostumou com o quarto que tinha e com as roupas que usava. Ainda não conseguia chamar nenhum dos dois de mãe e pai, mas eles também tinham dificuldade de chamá-la de Izuku, pois aquele nome fora dado por Neito.

 

Mas havia se acostumado com extrema facilidade com duas coisas. A primeira era vencer Denki no esconde-esconde, o placar estava cento e nova contra cinco. Izuku tinha esperança no empate.

 

A segunda era que agora, mesmo sendo a garota do castelo cheio de guardas, Yagi e Inko a deixavam passear na vila sozinha. Ela falava com os aldeões, fazia compras com as criadas e brincava com as crianças da vila. Tinha mais livros, tintas e pinceis. Tinha mais amigos e isso a deixava contente.

 

Por outro lado, uma coisa que sabia que jamais se acostumaria era com a falta que sentia de Shiro Mamono. De Katsuki. Kacchan.

 

Dias haviam se passado desde a última vez que a viu e todas as noites sonhava que a reencontrava e perguntava por que havia partido. Yagi já tinha contado que a recompensa por tê-la achado fora sua liberdade.

 

— Um jovem estranho, esse Shiro, poderia ter escolhido qualquer coisa, mas pediu para não a prendermos no castelo. Que a deixássemos explorar o mundo.

 

Se Katsuki queria que ela explorasse o mundo, por que não continuou ao seu lado para que fizessem isso juntas? Batidas na porta a impediram de continuar pensando no assunto.

 

— Desculpe incomodá-la, senhora, mas seu pai deseja vê-la. — Uraraka, uma das criadas por quem Izuku pegou amizade, avisou.

 

Izuku assentiu e saiu de perto da janela, acompanhando a amiga até o pátio, onde Yagi a esperava perto dos portões.

 

— O que deseja? — perguntou, iria chamá-lo de pai, porém sua garganta fechou. O homem sorriu e se aproximou, colocando a mão sobre seus ombros.

 

— Sei que tem vontade de conhecer as vilas vizinhas. — Ele começou dizendo enquanto a guiava até o portão. — Ainda não havia permitido que fosse, pois não havia nenhum guarda que eu confiasse o suficiente para te acompanhar.

 

Os portões rangeram enquanto se abriam. Izuku franziu o cenho, sem entender onde o homem queria chegar.

 

— Mas agora tenho o homem perfeito para isso, ele é novo, mas sei que vai cuidar bem de você. — Yagi disse sorrindo.

 

Izuku olhou para fora dos portões e arregalou os olhos, sentindo o coração acelerar e as pernas tremerem. Tenya trotou até onde ela estava, relinchou e encostou o focinho em seu rosto. Ela teria sorrido com o gesto de carinho, se ainda não estivesse petrificada pela pessoa em cima do cavalo.

 

— Pronta para conhecer o mundo, Deku? — Katsuki sorriu de lado lhe estendendo a mão.

 

Toshinori Izuku, que cresceu apenas como Izuku, passou dezoito anos de sua vida observando o mundo através de uma janela, no alto de uma torre. Passou quatro semanas vivendo em um castelo, no alto de uma montanha. Ela saiu do primeiro quando uma mão resolveu entrar sem ser convidada, e agora sairia do segundo segurando a mesma mão.

 

Porque não era mais a garota da torre. Nem seria a garota do castelo. Izuku seria a garota do mundo, desde que continuasse com Katsuki ao seu lado.




O fim.


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Notas finais do capítulo

CURIOSIDADES:

??” A história se passa no início do período Edo, pq a obra que os irmãos Grimm se basearam para escrever Rapunzel se passa no século XVII, em 1698.
??” O nome da fanfic foi tirada do título japonês do filme Enrolados, que é Rapunzel na torre (??”の上のラ??—ンツェル), na capa eu troquei o katakana de Rapunzel pelo kanji de Izuku.
??” Kacchan é bigênero, muito obrigada. No caso, nasceu em um corpo dito feminino, mas se identifica como homem e mulher ao mesmo tempo. Claro que na época não tinha essa nomenclatura, mas é isso ai.

NOTAS DE RODAPÉ

¹ - O Domínio de Satsuma era um território feudal que existiu entre os séculos XVII e XIX na ilha de Kyushu (mapa atual do Japão: https://www.researchgate.net/profile/Manyu_Chang/publication/269086852/figure/fig2/AS:669512890327052@1536635720627/Figura-4-Mapa-do-Japao.png , Domínio de Satsuma: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b0/Map_of_Shimazu_clan_1586.png , mapa do Japão do período Edo: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/8a/Map_of_Japan_in_Provinces_in_time_of_Iyeyasu.jpg ).
² - Referência ao povo Hayato, que faz parte dos muitos grupos étnicos da história japonesa. Esse povo viveu nas regiões de Satsuma e Osumi, durante o período Nara (século VIII), ou seja, onze séculos antes do período Edo (XVII-XIX).
³ - Daimyo eram os senhores feudais, eles governavam terras e eram subordinados dos Xogum, líderes/ditadores militar do período do governo xogunato do Japão. Ambos eram nomeados pelo Imperador. Daimyo era um título que existiu durante os séculos X até metade do século XIX, quando o período Edo acabou e deu lugar ao Meiji.
⁴ - Tozama daimyo era uma classe de daimyo nomeados pelo xogum Ieyasu. Durante a Era Edo, havia três classes hierárquicas de daimyo: os shinpan, que eram os mais próximos/familiares do clã Tokugawa e ficaram com terras próximas às terras de Ieyasu; os fudai, que foram vassalos do Tokugawa; e os tozama, que foram homens que se tornaram vassalos do Tokugawa a Batalha de Sekigahara, tenham eles lutado ao seu lado ou contra eles. Os Tozama daimyo ficaram com as terras mais distantes/periféricas. Curiosidade: os tozama daimyo de Satsuma e Choshu foram responsáveis pela queda do xogunato de Tokugawa durante a era Bakumatsu (final do período Edo).
⁵ - Tokugawa Ieyasu foi o fundador e primeiro xogum do Xogunato Tokugawa, um ditador militar feudal. Ele deu início ao período Edo, nome dado por conta de Edo ser a cidade capital de seu Xogunato, atual Tóquio.
⁶ - A Batalha de Sekigahara ocorreu no final do século XVI, em 1600. Basicamente, foi travada entre clãs do leste e clãs do oeste, sendo a vitória conquistada pelo Exército do Leste comandados por Tokugawa Ieyasu. Três anos depois teve início o Xogunato Tokugawa.
⁷ Jyuttoku são aqueles “mantos” largos e compridos que iam por cima dos kimonos, utilizados esses são utilizados por cerimonialistas de chá. Imagem:https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn%3AANd9GcT1LPAnqHJAFOLwoy4N5POCmkUVdZF0JkjbU4XvCsHQZsElQaTU
⁸ Ajirogasa são aqueles chápeus de bambu, meio que em formato de funil. Eles era utilizados por monges viajantes. Imagem: http://www.iz2.or.jp/fukusyoku/kosode/images/137-a.gif
⁹ Oban era uma das “moedas” da época do Xogunato Tokugawa, ele era grande, oval e feito de ouro. Seu valor monetário era equivalente a 10 Ryos, que por sua vez também era uma moeda pré-Meiji cujo valor convertido seria de 100.000 yens no início do período Edo (tem divergências quanto há isso, mas preferi adotar esse valor).
¹⁰ Ichibuban era outro tipo de moeda da época, menor e retangular. Poderia ser feita de ouro ou prata, não tenho informações sobre seu valor convertido.
¹¹ Hakama é uma peça de roupa que cobre os kimonos, pode tanto ser parecido com uma saia longa, quanto uma calça.
¹² Kodama é um yokai do folclore japonês, são espíritos que vivem e protegem as florestas. São pacíficos, até que vc faça alguma coisa errada com a floresta. Fica o aviso.
¹³ Okiro é um utensílio portátil utilizado para se aquecer a chaleira (kama) ao preparar o chá. Imagem: http://4.bp.blogspot.com/-W8Jyq4y9L88/TXASPz86VBI/AAAAAAAAA6g/2136WeOmpXg/s320/okiro1_4923-734841.jpg
¹⁴ Chawan é a tigela usada para tomar chá. Imagem: https://cdn.shopify.com/s/files/1/1008/8428/products/Chawan_Matcha_-_23.jpg?v=1532830121
¹⁵ Ronin são antigos samurais que não possuem um senhor (damiyo) para seguir, ser um ronin era considerado uma forma de penitência de um guerreiro samurai, pois além de não mais possuírem o direito de ter um mestre para seguir, não podiam ceifar a própria vida através do seppuku (ação restauradora da honra).
¹⁶ Shamisen é um instrumento de corda. Imagem: https://shamisen-komatsuya.com/img/products/nagauta.png
¹⁷ Shakuhachi é um instrumento de sopro. Imagem: https://shop.r10s.jp/taiko-center/cabinet/03465143/imgrc0070617367.jpg
¹⁸ Shime daiko é um instrumento de percussão. Imagem: https://d1aeri3ty3izns.cloudfront.net/media/34/340369/1200/preview.jpg
¹⁹ A música é a mesma do filme, aqui está o link para ouvi a versão japonesa, que é lindíssima: https://www.youtube.com/watch?v=sZwKuSOCM0I
²⁰ Geta são aqueles chinelo/tamancos de madeira, que até hoje eu fico imaginando o quão desconfortável deve ser usar elas.



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