Quando Tudo Mudou escrita por Ronaldo Araujo


Capítulo 4
Capítulo 4




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No dia seguinte eu acordei cedo com a luz do sol invadindo o meu quarto através da janela de vidro. Pude ouvir os pássaros cantar e me senti bem com isso. Ouvir o canto dos pássaros anunciando um novo dia a chegar sempre foi uma coisa que eu gostei muito de apreciar. Me levantei e fui ao banheiro tomar banho. Senti que todas as minhas energias se renovaram após sair do chuveiro. Me enxuguei com a minha toalha preferida cheia de detalhes e fórmulas químicas estampadas por toda parte. Voltei ao meu quarto e vesti uma calça jeans azul, uma camisa preta sem estampas, arrumei minhas coisas e fui até a cozinha. Mamãe já estava acordada e, por incrível que pareça, já tinha preparado todo o café-da-manhã. A mesa estava cheia de coisas deliciosas. Bolinhos de chuva, panquecas, pães, torradas, geleia de amendoim, manteiga, queijo, frutas, sucos, leite e café. Uma mistura de aromas de deixar qualquer um com água na boca. Mamãe prepara as comidas como uma avó. A mesa está sempre bem farta. A cumprimentei rapidamente, demonstrando admiração pelo que ela fez e fui até o papai. Ele estava no sofá da sala com as pernas cruzadas lendo um jornal que tampava toda a sua cara, ao seu lado estava todos os materiais do hospital no qual trabalha, por em cima de uma mesinha que fica à esquerda do sofá e à direita de uma das paredes laterais. Papai notou minha presença e baixou o jornal, me olhando por sobre os óculos. Ele estava prestes a ir para mais um dia de trabalho, mas antes tinha de nos deixar no colégio como sempre o fez. Papai me cumprimentou com um bom dia e eu respondi da mesma maneira.

— Filho, chame a sua irmã. - Disse papai enquanto folheava o jornal.

Eu me dirigi até o seu quarto, que estava distante da sala, mas a porta estava fechada, então eu tive de bater e chamá-la. Karla já se havia despertado e se irritou com aquilo, pediu que eu parasse de encher o saco e notei que tinha jogado algum objeto contra a porta. Talvez era um sapato, o carregador de seu celular ou um objeto qualquer que ela tenha achado no chão de seu quarto que, por sinal, é uma verdadeira bagunça. Não costumo entrar em seu quarto, mas a imagem que tenho é de uma pilha de roupas sujas em cima da cama, mochila no chão, carregadores de celular, canetas, cadernos, sutiãs, bonés e uma infinidade de objetos todos jogados no chão, que por vezes são usados como armas de defesa quando alguém (eu) a irrita e tenta invadir o seu território, a sua órbita. Ela sempre foi assim, as coisas mínimas que eu fazia sempre a deixavam estressada. Tudo era motivo de surtar comigo, de me ignorar ou passar dias sem me dizer uma palavra, mas é seu jeito de ser e eu não me importo. Quando estava prestes a ir à cozinha, eu pude ouvir um som de rock muito estranho vindo do quarto da minha irmã logo atrás. Ouvi os gritos arrepiantes dos cantores, as batidas fortes e o som da guitarra ecoando alto. De fato, a minha irmã tem gostos bem peculiares e por vezes irritantes, mas ignorei e fui avisar aos meus pais que ela já estava acordada.

Karla e eu estudamos na mesma escola, mas nunca a vejo pelos corredores. Na verdade, eu só a vejo quando entramos e quando saímos do colégio. Eu acho que a maioria das pessoas nem sabe que somos irmãos. Se você a conhecesse bem, saberia que ela estaria em sua classe, sentada na última cadeira, cabisbaixa, com os fones de ouvido e o cabelo cobrindo todo o rosto. Sim, ela é muito estranha, mas apesar de tudo, é minha irmã e eu a amo, mesmo que ela me odeie.

 Minha irmã, por fim, saiu do quarto e se dirigiu até a cozinha. Já estávamos todos sentados à sua espera e, sem dizer um bom dia sequer, cabisbaixa e meio estressada, Karla sentou-se à mesa. Mamãe olhou para meu pai como se quisesse falar alguma coisa, mas papai apenas sorriu e tomou seu café. Minha irmã seguiu sem falar e nem sequer tomou nada, apenas se sentou ali enquanto mexia no celular, esperando a hora de ir ao colégio. 
Admito que aquela manhã foi ótima. Eu pude finalmente sentar à mesa com toda a minha família, embora Karla estivesse o tempo todo com os olhos fixados ao celular. Mas foi maravilhoso, minha irmã deveria dar mais atenção a nós, isso me deixa um pouco preocupado porque ela nunca conta nada e está sempre de mau humor. Eu admito que sou um pouco distante de meus pais, mas sempre conto tudo a eles, portanto, ela deveria fazer o mesmo.

 Enfim, naquele dia papai falou sobre mim e minha irmã, mencionando a nossa relação fraternal. Ele disse que quando éramos menores, Karla odiava ir ao colégio (acho que ainda odeia) e sempre chorava quando eu tinha de ir a minha sala e nos separávamos. Ela só queria estar pertinho de mim, inclusive, assistiu algumas aulas comigo porque tinha medo dos coleguinhas da sua turma. Papai falou que levou um bom tempo até isso se normalizar, que ela era muito apegada a mim, mas eu não consigo entender por que somos tão distantes hoje em dia. Ele também falou que como irmão mais velho, eu tinha de protegê-la e sempre estar com ela na escola, pois na sua idade há muitos caras maldosos e eu deveria estar sempre ao seu lado, caso algo acontecesse com ela. Eu acho que papai sabia que éramos super distantes e que não nos falávamos na escola. Ele estava apenas tentando nos aproximar e realmente tinha razão em se preocupar com isso. Bom, eu queria muito andar com minha irmã pelos corredores, saber o que se passa na sua vida no colégio ou ajudá-la em alguma matéria que tenha dificuldade. Queria poder falar com ela no intervalo, mas eu percebo que ela tem vergonha de mim, talvez porque eu seja um nerd sozinho.

—Vamos meninos! - Papai falou enquanto se levantava. 

Acho que papai estava apressado, pois iria para o hospital, afinal, um cirurgião não tem muito tempo a perder e sei que ele era um dos melhores do país. Papai beijou a mamãe que ainda estava sentada e pegou as chaves do carro que estava em cima do balcão da cozinha, como de hábito. Mamãe se levantou, me abraçou, beijou-me a testa, desejou-me boa sorte e sorriu para mim. Fez o mesmo com minha irmã e pude vê-la se afastando e rejeitando, pois acho que Karla não gosta de afeto. 

Mamãe ficou em casa e papai nos levou. A escola estava a uns 7km de minha casa, era uma viagem boa, mas não muito longa. Pegamos a avenida principal que corta nossa cidade, o trânsito estava rápido e havia pouco tráfego naquele horário. Através da janela eu pude ver as pessoas indo para o trabalho, pais levando os filhos para a escola, cachorros correndo pelas calçadas e os pássaros pousando nos fios de energia. Todos seguindo mais um dia normal de seu cotidiano. Vi o céu tão azul e alegre naquele dia, quase não havia nuvens e o sol já brilhava forte.  Eu penso que tudo estava ao meu favor, estava me sentindo de fato muito feliz e extremamente ansioso para as aulas e para reencontrar meus dois melhores amigos.

Bem, não falamos quase nada durante a viagem, visto que minha irmã estava escutando música, eu estava longe em pensamentos e papai estava concentrado na estrada. Quando finalmente chegamos à escola, papai nos desejou boa sorte e uma boa aula, como de hábito.

— Cuide de sua irmã, filho.

— Tudo bem, papai.

Papai se foi ao trabalho e Karla não falou absolutamente nada, simplesmente saiu e se perdeu naquela multidão de alunos logo na entrada. Tentei encontrá-la, mas não consegui. Logo fui procurar a minha sala e sentar no meu lugar de sempre, não na frente e nem no fundão, mas um lugar exatamente no meio da sala, o meu preferido. Finalmente me dirigi até a minha sala, passei pelo primeiro corredor, pelo corredor da coordenação que é do lado da minha sala. Havia alguns colegas com os quais não falo, sentados em um banco que ficava em frente a nossa classe, mas a sala estava vazia, avistei apenas algumas mochilas em algumas cadeiras. Passei sem cumprimentar os meus antigos colegas e entrei na sala. Allan e Mathew ainda não tinham chegado. Olhei para o meu lugar preferido e me dei conta de que estava ocupado.

Lá estava uma linda garota sentada, usando jeans e uma camiseta preta que certamente era de algum grupo musical, ocupando o meu velho e bom lugar. Bom, eu não me importei, procurei outro lugar, sem dizer uma palavra e sentei-me a sua direita. Ela olhou para mim e sorriu, era uma garota nova na escola. Seu terno sorriso, seus lindos e lisos cabelos negros e seus olhos verdes claros me encantaram; era sem dúvida a garota mais linda que já tinha visto em minha vida e eu juro a vocês que fiquei meio sem graça, mas ao mesmo tempo, com esperanças de finalmente ter uma amiga. Eu não disse nada, apenas fiquei encarando o quadro de acrílico.

— Qual o seu nome? - Ela me perguntou enquanto sorria suavemente.

— Me chame de Rick... (risos) e o seu? - Eu estava muito nervoso, mas creio que estava reagindo bem. Não costumo falar com garotas, mas estava gostando de falar com ela.
— ... Lindo nome! Eu sou Angel. Sou novata aqui e é meu primeiro dia de aula nesta escola.
— Que legal. Muito prazer, Angel. - Não sabia o que falar, mas ela continuou a sorrir para mim e fez com que eu me encorajasse e prosseguisse. - Se precisar de ajuda, aqui estarei... estudo aqui há um bom tempo e conheço cada cantinho dessa escola. 

— Obrigada, Rick! Você é muito gentil.

Fiquei sem reação, apenas sorri para ela e comecei a me odiar, pois já não sabia o que fazer e tampouco sabia como prosseguir aquele diálogo. Então, ela colocou os fones de ouvido e se concentrou unicamente em seu celular e certamente na música que estava escutando. Pensei seriamente em pedir para escutar com ela, embora eu não gostasse do que estivesse ouvindo, mas seria muita ousadia da minha parte, então não o fiz.  Obviamente que não falamos mais nada, mas eu me senti muito feliz por apenas ter falado com ela e não via a hora de contar tudo para Allan.

Todos os alunos chegavam e procuravam seus assentos, muitos eram novos, mas a maioria eu já conhecia. As horas se passavam, já estava quase no horário da primeira aula e os meus amigos ainda não tinham chegado. Todo mundo estava socializando, conversando com seus velhos amigos e se entrosando com os novatos; por outro lado, eu estada ali sozinho, com ódio, pois nada de meus amigos chegarem. Nem Angel me dava atenção, visto que estava conectada com seu telefone conversando com alguém, como a maioria dos jovens. Eu olhava insistentemente para a porta e sempre que alguém chegava, o meu coração acelerava, achando que era algum dos meus amigos. Eu já estava prestes a mandar mensagem para Allan e Mathew, pois o professor já se dirigia até a nossa sala. No entanto, Allan estava com ele e conversavam algo que me pareceu interessante. Ambos sorriam e, além disso, passaram alguns minutos em frente à porta. Allan tem facilidade em conquistar os professores, sempre consegue encontrar assuntos interessantes para discutirem e trocarem ideias. Eu não tenho essa facilidade que meu amigo possui.  

Por fim, o professor entrou e de repente a sala ficou silenciosa. Todos estavam atentos ao novo professor que entrou em silêncio e apenas escreveu "bom dia, turma!" no quadro e olhou fixamente para frente. Ele carregava uma mala preta como a mala que o senhor Barriga do seriado Chaves possui. Tem traços árabes, um bigodão preto, é gordo e meio calvo.  Ele era o nosso novo professor de filosofia e, ao parecer já conhecia Allan.  Eu esperei o professor desviar o olhar e, quando percebi que ele estava desatento, olhei em volta da sala e vi Allan sentado na última cadeira, distante de mim, pois tinha chegado atrasado e eu não costumo guardar lugar para ninguém porque acho isso injusto. Virei-me porque o professor tinha começado a falar e a se apresentar, mas não prestei muita atenção. Comecei a me preocupar com Mathew e lhe mandei mensagens, mas não tive retorno. Isso me estava deixando angustiado e não conseguia me concentrar nas aulas. O senhor de traços árabes e bigodudo fez todos se apresentarem, mas eu não me importei com o que falavam, só tinha percebido que todos falavam o nome e mencionavam de que colégio vinham ou se já estudavam lá. Eu apenas esperei a minha vez. 
— Me chamo Rick, já estudo aqui há um bom tempo. - Falei antes mesmo de o professor me apontar. Eu estava nervoso e percebi que ninguém me ouviu. Tive de repetir mais uma vez.
— Meu nome é Rick! Já estudava aqui... - Falei de forma mais clara e direta.
— É MENTIRA! O NOME DELE É RICARDO! - Heitor berrou alto, assustando a todos. Percebi que Allan começou a rir muito, todos os que já me conheciam começaram a concordar com Heitor. E Angel olhou para mim com uma cara de quem não estava entendendo, pois estou tão acostumado com Rick que acabei por me esquecer do meu verdadeiro nome no momento. 

Bom, eu esclareci para o professor o meu verdadeiro nome e ele foi muito compreensível comigo. Mas ainda assim eu estava odiando Heitor, mesmo que ele estivesse certo. Ele sempre foi assim comigo, sempre tentava me contrariar... sempre foi o cara a quem mais odiei no nosso colégio. [ falar da aula e do intervalo]

. Eu não me importei por nada que aconteceu naquele dia na escola, eu apenas pensava em Mathew, não conseguia me concentrar em mais nada. Não obstante, apesar de tudo, foi um dia bom na escola, afinal, falei com Angel e com Allan. Tive aulas de inglês e espanhol, história e filosofia, matérias que realmente eu tenho muito interesse e as considero espetaculares, sobretudo, filosofia e história, ainda que a maioria ache uma chatice total. 
Passei todo o intervalo conversando com Allan que também estava muito preocupado com Mathew. Eu me perguntava o que estava se passando com ele, na esperança de que aquilo tudo fosse apenas um atraso de viagem que o fez perder aula.
— Cara, sabemos onde Matt mora, vamos até lá hoje à tarde. - Sugeriu Allan enquanto caminhávamos pelos corredores. 
— Eu estive pensando nisso, mas ele nos disse que estava viajando. Se estivesse em casa, com certeza teria mandando mensagem. 
— Mas mesmo assim. Se ele não nos mandar mensagem, teremos de ir lá hoje. Temos de saber o que se passa com nosso amigo. Somos um trio, mano.
— Certo, hoje iremos lá! - Afirmei sabendo que Allan tinha razão.

Eu me senti um pouco aliviado em saber que depois das aulas iríamos à casa de Mathew, embora isso não resolvesse muita coisa. Mas algo fez com que me sentisse mal. No final da aula Angel foi se despedir de mim e eu gostei muito da sua atitude. A observei sair da escola, estava atento a cada passo que ela dava, mas logo vi um cara muito alto e forte encostado em um mercedes vermelho e, certamente, estava esperando Angel. Ele usava uma camiseta preta sem manga, o que fazia mostrar ainda mais os seus músculos bem definidos, estava com um boné cuja aba estava virada para trás, além de óculos escuros e um colar de ouro. Ele estava fumando e mais parecia um cantor de rap, sua aparência forte intimidaria qualquer um. Angel finalmente se aproximou, o sujeito jogou o seu cigarro e a abraçou. O fato de ele ser enorme fez parecer que Angel estivesse flutuando e, de certa forma, estava. Ele a beijou e eu comecei a me sentir muito mal, mesmo que não fôssemos nada, pois nem amigos éramos. Eu percebi que não era nada dela, mas mesmo assim eu me senti muito mal; Angel não era minha, mas sim do cara da mercedes.
Depois disso eu esperei meu pai que não demorou muito. Minha irmã estava conversando com seu grupinho estranho de "góticos" e se despediu de cada um quando papai chegou. Eu como sempre estava sozinho, pois meu amigo Allan tinha ido para casa.

— Como foram as aulas, filhos? - Papai perguntou bastante empolgado. 
— Foi ótimo, papai. - Respondi com um sorriso, embora estivesse me odiando.
— E você, filha? - Minha irmã não respondeu, aliás, ela nem tinha ouvido, pois estava escutando música. No entanto, papai nem se importou, apenas ignorou, pois ele é um cara super legal e compreensível.
— Viu seus amigos, filho? 
— Vi Allan... Mathew não foi. Estou preocupado com ele, papai. Ele não sabe que tia Marta morreu, não nos manda mensagens e há dias não vai à nossa casa.
— Filho, seria uma boa ideia irmos hoje à sua casa. Vamos lá hoje pela tarde. Avise seu amigo Allan para vir com a gente. 
— Sim, papai. Já avisei... estávamos planejando isso mesmo.
— Pois mais tarde iremos, filho. Só irei trabalhar pela noite.

Assenti com a cabeça e por fim chegamos em casa. Estava com tanta fome, senti o cheiro da comida da mamãe ainda quando estava dentro do carro. Minha irmã saiu sem dizer nada e papai como sempre sorria ao ver nossos rostos cansados e famintos. Ao entrar, joguei minha mochila no sofá da sala e corri até a cozinha. Ao chegar à cozinha, pude sentir o cheiro ainda mais forte do frango cozido que eu amo. Mamãe sorriu e nos cumprimentou. Estava com tanta fome que nem me importava se ainda estava com a roupa do colégio. 


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