Quando Tudo Mudou escrita por Ronaldo Araujo


Capítulo 2
Capítulo 2




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Enquanto eu lia no meu quarto o telefone tocou e parou de repente, acho que minha mãe tinha atendido, ou talvez apenas tinha caído a ligação. Eu parei de ler o livro e ergui minha cabeça, olhando para os dois lados e parando com o ouvido virado para a porta, tentando entender o que se passava. Eu não ouvi a sua voz e voltei a ler. Acho que mamãe tinha atendido o telefone, mas eu não conseguia ouvir, talvez devido ao fato de a porta estar fechada. Como todos sabemos, os sons são ondas sonoras, isto é, vibrações que ao penetrarem no nosso ouvido, são capazes de produzir sensações auditivas, se não houver uma barreira, é claro. Neste caso, a parede e a porta fechada do meu quarto impediram que essas vibrações chegassem até mim. No entanto, há uma outra possibilidade a ser citada: o fato de eu estar muito concentrado no meu livro.

Para falar a verdade, eu não tinha ouvido um ruído sequer, a não ser aquele barulho repentino do telefone, que soou tão alto que as barreiras não foram capazes de impedir que o som chegasse até mim. De repente eu ouvi um “click” bárbaro vindo da sala de estar e em questão de segundos a mamãe abriu a porta do meu quarto com muita força. Vi que ela estava muito assustada. Seus braços e pernas pareciam estar tremendo muito e seu rosto demonstrava uma expressão de angústia. Seu nariz afilado estava vermelho e as lágrimas começavam a descer lentamente do rosto da mamãe e ganhando velocidade ao chegar na curva da bochecha, brotando timidamente de seus lindos olhos verdes. Mamãe colocava a mão sobre o rosto, enxugava-o e tentava secar as lágrimas, ela continuava assustada, impaciente, mas não falava nada. Espontânea e involuntariamente soltei o livro, deixando-o cair na minha cama, pois ela estava muito assustada e desesperada, o que me deixou bastante preocupado. Mil coisas passaram rapidamente em minha cabeça. Será que aconteceu algo com papai ou com minha irmã? Perdemos alguém especial? O que será que aconteceu?  Mamãe chorava muito. Eu nunca a tinha visto daquela forma, isso me deixou bastante angustiado, senti uma dor profunda no peito, como se tivesse uma pedra cravada dentro de mim. Eu estava começando a ficar sem ar... eu não sabia o que fazer. Pensei em perguntar o que se passava, mas não tive coragem e não tinha voz para isso, pois tinha certeza de que era uma má notícia e que, de certa forma, estava ligada a mim. Infelizmente eu nunca sei lidar com situações desse tipo, pois normalmente eu acabo piorando as coisas, mas ver mamãe daquela forma olhando para mim, me partia o coração. Eu tinha de fazer algo, eu tinha de falar algo. Eu tinha de entrar em ação naquele momento. Não sei como, mas deveria fazer alguma coisa útil.

Eu me levantei da minha cama e tentei acalmá-la do meu jeito. Fiquei de pé em sua frente, segurei o seu ombro um pouco maior que eu, peguei a sua mão direita e tentei sentá-la na cama, puxando-a em sua direção. Não sei por que tinha feito aquilo, mas acho que tinha conseguido fazer algo útil. Ela ia se acalmando aos poucos, então eu a abracei sem dizer uma palavra, fiquei um bom tempo em seus braços enquanto passava as mãos levemente em suas costas, acariciando-a até sentir que estaria mais calma. Em seguida, mamãe ia me soltando levemente, fixou os seus lindos olhos verdes cheios de lágrimas aos meus, esfregou o braço direito em seu nariz vermelho, colocou as duas mãos em meus ombros, ficando frente a frente, suspirou e disse com a voz um pouco trêmula e pausada enquanto olhava fixamente em meus olhos:

— Filho... seu amigo Allan..

— NÃO! – Eu interrompi com um grito que estremeceu todo o meu quarto, mas não fazendo caso para a minha atitude, mamãe continuou.

 _ Allan ligou e... disse... que não virá amanhã porque a sua mãe... faleceu.- Minha mãe voltou a chorar ainda mais e eu não pude aguentar. Ainda nervoso e assustado, a abracei novamente e pude ver minhas lágrimas escorrendo e caindo no seu ombro. Seus cabelos castanhos e lisos natural ficaram meio que colados ao meu rosto por conta das lágrimas que molharam alguns fios enquanto permanecia abraçado a ela. Mamãe não disse mais nada, permanecemos ali abraçados e chorando pela morte da mãe de um dos meus melhores amigos.

Não pude acreditar que tia Marta, a mãe do meu melhor amigo, tinha morrido naquela noite. Fiquei muito abalado e sem reação, senti meu pulso acelerando acompanhado de uma dor irritante na barriga que parece que iria me cortar de dentro para fora, quando enfim minha mãe me soltou, olhou no fundo de meus olhos negros que não puxaram aos dela, levantou-se, beijou-me a testa e disse que tudo estaria bem e que pela manhã iríamos ao velório da tia Marta. No entanto, eu não queria ir, eu não sei lidar bem com essas situações, eu não sei como reagir e tinha medo de magoar ainda mais o meu amigo.

Eu não gosto de velório desde quando meu avô paterno Sérgio morreu. Eu tinha mais ou menos uns quatro anos, mas lembro de muita coisa que aconteceu nessa época. Meu avô era caminhoneiro e trabalhava transportando mercadorias por toda a região. Para ser mais preciso, ele trabalhava transportando arroz para vários supermercados do país. Em uma de suas viagens, por algum motivo desconhecido, seu caminhão perdeu o controle e invadiu um precipício de uns 80 metros e tombou. Foi fatal tanto para ele, quanto para seus dois companheiros. Lembro-me que vovô passou uns três dias dado como desaparecido até a triste notícia chegar à nossa família. Receber tal notícia foi arrasador para todos. Minha avó entrou em profunda tristeza e morreu anos depois. Meu avô era um homem de muita saúde e morreu de repente de forma trágica. É triste saber que a vida é muito dura e que ela leva as pessoas importantes sem compaixão, sem ao menos ter uma despedida descente. Foi difícil ver meu pai daquela forma, quase entrando em depressão, familiares chorando inconsolavelmente em volta de seu corpo e me dói relembrar tudo isso, me incomoda a palavra velório. É por tudo isso que eu não queria ir para o velório da tia Marta,  (COMPLETAR)Mas algo dentro de mim dizia que eu deveria ir consolar o meu melhor amigo, afinal de contas, ele é como um irmão para mim.

Minha mãe fica mais calma e está de pé em meu quarto. Ela pega um de meus livros, começa a folheá-lo sem propósito algum e coloca-o de volta em seu lugar, juntamente com alguns outros livros que estão na minha mesinha de estudos do lado da minha cama. Ela está impaciente e anda de um lado ao outro. Eu apenas a observo enquanto abraço meus joelhos ao meu corpo. Mamãe olha em volta do meu quarto, checa algumas coisas em minha cômoda e me pergunta enquanto mexe no meu abajur em formato de Júpiter:

— Filho, Mathew já sabe?

— acho que sim. – Digo enquanto olho fixamente para meus pés.

— Não seria bom ligar e avisar a ele? – Ela solta o abajur, colocando-o em seu lugar e lança seu olhar para mim.

— Com certeza não. – Falo baixinho quase sem expressão.

— Filho, você tem de ir.  – Mamãe caminha até mim, se senta do meu lado e então continua. – Seu amigo precisa tanto de você neste momento. 

— Eu sei, mamãe. - Comecei a chorar e minha mãe me abraçou forte, pondo seu ombro esquerdo do lado do meu ombro direito e não disse mais nada. Eu encostei minha cabeça embaixo de seu queixo e o fiz como abrigo. Me senti protegido em seus braços e desejaria estar para sempre ali. Apesar de tudo, minha mãe sempre conseguia me tranquilizar com seu carinho inigualável, não queria soltá-la nunca mais.

Depois disso a minha mãe saiu e eu já não conseguia ler o livro, já não conseguia me concentrar e tampouco dormir. Passei a noite toda pensando em meu amigo e na repentina morte da tia Marta. Ela não demonstrava possuir uma doença rara, parecia ter a saúde perfeita. Tia Marta parecia ser bem mais jovem para uma mulher de 43 anos, era sempre sorridente e gostava de correr pelas ruas da cidade enquanto cumprimentava todo mundo que ela via pela frente. Uma morte repentina assim como a do meu avô é sempre algo traumatizante. Eu pensava em como Allan estava se sentindo agora, como seria a sua vida daqui para frente. Afinal, tia Marta era divorciada e Allan é filho único. E se Allan viesse morar conosco? Enfim, pensei nisso toda a noite e só pude dormir às 4h. Tive um sonho estranho, com tia Marta, Allan e Mathew. Nós estávamos andando pela cidade, estávamos vindo de um fast food pertinho da minha casa. Todos estávamos rindo e cada um carregava um daqueles saquinhos de hambúrguer e uma latinha de refrigerante da coca-cola.  Quando de repente Allan e Mathew foram raptados por dois caras de preto que surgiram do nada e levados a uma van cinza que em seguida saiu em disparada. Tia Marta criou asas e saiu a procura deles, brilhando em meio ao crepúsculo como um grande ser angelical. Eu fiquei ali plantado, sozinho e desesperado. Olhava para todos os lados com as mãos na cabeça e não via nada a não ser uma rua deserta e escura. Tentava gritar por ajuda, mas estava sem voz e não conseguia sair do lugar, estava totalmente paralisado, inabilitado, sem voz, sem forças e sem ar... foi terrível. Acordei aterrorizado, o travesseiro me sufocava e meu braço esquerdo estava dormente, pois havia dormido por cima dele. Meu coração pulsava forte e ainda me lembrava de todos os detalhes do sonho, o que me deixou com muito medo. Olhei para o relógio e marcava 6h23min da manhã. Dormi apenas três horas e ainda por cima tive um sonho muito estranho, o que me deixou, de certa forma, preocupado. Eu não acredito em sonhos, mas dizem que eles podem ser um aviso, e isso me intriga muito. Se for um aviso, o que isso quer dizer?

Calcei meus chinelos, me levantei e saí do meu quarto, minha mãe já estava acordada e preparava o café da manhã.  Meu pai tinha pedido licença para não trabalhar naquele dia e logo de manhã estava lavando o carro no jardim enquanto Einstein tentava puxar a mangueira como se estivesse brincando de cabo de guerra com papai. Os observei pela janela da sala e me diverti com aquilo. Pude ver o sr. Patrick sentado na frente de sua casa observando a cena que eu tinha acabado de contemplar. Sr. Patrick estava se divertindo e tomava um gole de café sem tirar os olhos da direção da minha casa. Minha irmã ainda estava dormindo. Atravessei todo o corredor sem dar bom dia para ninguém e fui ao banheiro. Tomei um bom banho quente, era um dia muito frio. Quando saí do banho, pude sentir o cheiro das deliciosas panquecas que minha mãe faz. O bom odor dos bolinhos tomou conta do corredor. Tomei um copo de leite e provei as panquecas que realmente estavam muito boas.

— Vamos filho, vamos querida! - Papai nos chamou.

— Pai, eu tenho de ir mesmo?

— Claro, meu filho, seu amigo precisa de você. Se eu morresse, com certeza ele estaria aqui para apoiar você.

Depois dessas palavras eu chorei muito, pois não queria perder o meu pai e sei que isso seria muito difícil para mim. Tinha certeza de que Allan me apoiaria, então enxuguei minhas lágrimas e decidi ir ao velório. Allan não mora tão distante de mim, acho que a 15 minutos de diferença indo de carro. Enquanto íamos na estrada, meu pai falou acerca do quão difícil é perder alguém que amamos, sobretudo quando é de uma forma inesperada, e que nessas horas devemos ser essenciais para confortar alguém que perdeu uma pessoa querida. 
— Filho, quando eu perdi meu pai, eu achei que não iria superar aquela dor terrível que estava tomando conta de mim e dos meus dias. Eu não tinha ânimo para comer nem para fazer as coisas que estou acostumado a fazer. Filho, eu não conseguia dormir e nem conversar direito. Eu achei que a tristeza iria tomar conta de mim e que iria me consumir por inteiro.  No entanto, a sua mãe esteve sempre ao meu lado me dando forças, me apoiando e me consolando sempre com suas palavras de alento. Sua mãe sempre foi uma força enorme para mim, sem ela eu não conseguiria superar ou me conformar com essa grande perda. Portanto, acho que não seria diferente se você fizesse o mesmo com seu amigo, ele precisa muito de você agora. – Papai me incentivava enquanto segurava firmemente o volante e mantinha o olhar fixo para frente, exercendo uma responsabilidade correta de condutor, parando de falar sempre que necessário.

Eu sei que meu pai tinha razão sobre tudo o que havia dito, ele sempre tinha razão, mas na verdade eu odeio velório, odeio ver pessoas chorando e não poder fazer nada para consolá-las, odeio me despedir de alguém que não vai poder ver minhas lágrimas, mas eu estava fazendo aquilo pelo meu amigo, porque sei que ele está precisando de apoio no momento, porque ele é meu amigo

Papai seguiu me aconselhando e me mostrando detalhadamente o que fazer. A cada conselho ou frase dita por ele eu faço um gesto positivo com a cabeça como se ele estivesse me olhando, mas ele está atento ao que se passa no trânsito em sua frente. Não digo nada, apenas confirmo com a cabeça e acho que papai sabe e continua falando, o que me deu forças e ânimo para ajudar meu amigo Allan. Sei que ele não hesitaria se estivesse em meu lugar e papai havia me convencido a fazer o mesmo. A viagem não dura muito, apenas ouvimos o que papai tinha de me falar até chegarmos na casa do Allan.

Quando finalmente chegamos, papai desliga o carro, aciona o freio de estacionamento e desativa o cinto de segurança. Desativo o meu e logo mamãe também faz o mesmo. Papai olha para o banco de trás e desvio o olhar, pois sei que ele quer falar algo, talvez fazer um gesto encorajador me indicando para que fosse lá falar com Allan ou mesmo para me dar uma força amiga que papai sempre tem. Ele percebe que não vou olhar e vira seu olhar para mamãe como se quisesse dizer que estava na hora de sair do carro. Parece que mamãe o entende perfeitamente e abre a porta simultaneamente com papai e ambos saem. Batem as portas do nosso corolla cinza e caminham em direção à casa. Mamãe dá sua mão para papai e ambos seguem pela calçada até o portão de mãos dadas. Espero os dois entrarem para em seguida eu sair. Demoro um pouco perdido em meus pensamentos e percebo que papai olhou em minha direção para conferir se eu iria sair ou não de dentro do carro.

Quando, por fim, eu decido sair do carro, começo a me sentir triste e desorientado. Penso em que palavras dizer ao meu amigo, em que gestos expressar a ele ou como reagir diante dessa situação inesperada e complicada. Estou nervoso, minha cabeça dói, meu peito esquerdo aperta, seguro as lágrimas e luto para não chorar. Bato a porta do carro com força e olho para os lados para ter a certeza de que meu pai não viu isso, mas sei que ele não se importa. Caminho em direção ao portão de sua casa e, logo ao chegar, pude ver Allan logo à porta, vestindo uma camisa negra que combina com a sua pele branquela, uma calça jeans preta e um tênis da nike bem clichê que todo jovem do ensino médio tem, também da cor preta. Allan estava ali, com as mãos no bolso da calça, encostado na parede e apoiando o pé esquerdo no chão e o direito na parede, com os olhos fixos para o portão, como se estivesse esperando por mim. Apesar de tudo o que tinha passado, ele sorriu para mim e caminhou em minha direção, desfazendo-se as mãos do bolso da sua calça e demonstrando estar “feliz” por eu estar ali. Pude me sentir melhor ao vê-lo. O abracei por um bom tempo e não pude conter minhas lágrimas. Ainda chorando, eu disse que sentia muito por sua perda e ele aceitou minhas condolências, me apertando, quase me sufocando com seu abraço.

 Eu queria saber o porquê da morte de sua mãe, no entanto, não me convinha perguntar naquele momento. Sei que não era apropriado e poderia deixar o meu amigo magoado, decepcionado, constrangido, ou qualquer outro adjetivo similar. Depois de um longo abraço amigo e poucas palavras advindas de minha pessoa, Allan e eu entramos em sua casa. Volto à realidade e me parte o coração ver a tia Marta dentro daquele caixão e ao seu redor aquelas pessoas chorando, eu até achei que seria um sonho, ou na verdade um pesadelo, mas infelizmente era tudo real. Eu juro que me belisquei algumas vezes, mas me dei conta de que aquilo tudo era real. Havia pouca gente, acho que eu não conhecia ninguém. Ali estávamos, apenas alguns vizinhos, meus pais, Allan e eu, todos vendo aquele corpo imóvel e sem vida, pálido e frio de uma pessoa que um dia nos encheu de felicidade e que hoje nem poderia agradecer pela nossa visita. Tia Marta sempre foi aquele tipo de pessoa carinhosa, que sempre se lembra de agradecer a algum favor ou por pequenos gestos. Tia Marta agradecia, inclusive, quem fazia a sua obrigação como cidadão, como por exemplo os carros que pararam para que pudéssemos atravessar em segurança pela faixa de pedestres quando saímos para comer no restaurante de seu bairro, ou quando alguém simplesmente a cumprimentava e perguntava como ela está. Geralmente as pessoas perguntam por educação, mas tia Marta sempre respondia com um: “Olá, estou bem, obrigada. E você”, mesmo quando a pessoa era apenas um passante na rua que seguramente não esperaria a sua resposta. Enfim, a tia Marta, mesmo a conhecendo por apenas 6 meses, era uma pessoa espetacular e cheia de amor para dar. Infelizmente papai do céu resolveu levá-la tão cedo.

 Enquanto todos seguiam se lamentando, relembrando alguns episódios com a tia Marta, citando alguma qualidade que ela possuía, eu me encontrava perdido em meus pensamentos e isso me deixava confuso. A minha cabeça estava uma confusão. Eu pensava no sonho que tinha tido noite passada, pensava na vida de Allan sem a mãe e sem o pai que nunca esteve presente em sua vida. Pensava em como a perda da tia Marta iria afetar nossas vidas daqui para frente e pensava no nosso amigo Mathew que não chegava. Fiquei muito preocupado e lembrei da pergunta que minha mãe havia feito a respeito de Mathew saber ou não do que havia acontecido. Por um momento achei que ele chegaria, mas as horas se avançavam e ele não apareceu. Não pude resistir e perguntei sussurrando no ouvido de Allan:
— Allan, por que Mathew não veio?

— Ele não sabe... - Allan parecia nervoso.

— Como que não sabe?

 _ Eu tive medo... não queria deixá-lo preocupado, sabe que ele é muito sentimental.

— Como pôde fazer isso?

— Sinto muito...

— Allan, o que houve com tia Marta? - Finalmente perguntei, mas infelizmente Allan não me respondeu, na verdade ele estava muito estranho. Allan começou a tremer de repente e pareceu ficar muito triste. Eu me arrependi de ter feito essa pergunta a ele. Eu sempre estrago tudo. Ele me abraçou e me agradeceu por tudo, me disse que podia contar comigo. Então eu comecei a chorar me sentindo culpado por sua reação, mas Allan é mais forte que eu e me consolou.

— Rick, não fique assim... eu estou bem, perder faz parte da vida. Mas sei que não perdi minha mãe, ela está viva em minha memória. – Allan sussurra baixinho para mim enquanto me abraça.

Eu deveria estar dizendo frases de apoio ao meu amigo. Deveria estar dando meu total apoio ao meu amigo ao invés de ficar questionando o porquê dos fatos, mas eu sempre dou um jeito de estragar as coisas. Eu me odeio por isso, porque eu nunca sei lidar com situações como essas. É certo que eu fiquei muito abalado com a morte da tia Marta, mas eu deveria estar dando forças ao meu melhor amigo, eu tinha de demonstrar ser um ombro amigo, uma luz na escuridão. Eu deveria ser os olhos de Allan nesse momento de trevas em sua vida. Eu deveria ser como água em seu deserto e não o contrário. Allan perdeu uma mãe, era eu quem deveria estar lhe dando forças e não ele me consolando. Mas de todas as formas eu me senti melhor com as suas palavras e já não sentia medo nem preocupação, apesar de estar decepcionado comigo mesmo. Allan é um garoto muito "fechado" para as pessoas que não o conhecem, mas além disso ele é muito forte, é uma boa pessoa e sabe lidar bem com todo tipo de situação, diferentemente de mim.

Bom, sem mais detalhes, saí do velório ao meio dia e voltei às 17h para o enterro da tia Marta. Não foi como eu imaginava, e isso me confortou, pois não havia choro nem desespero. Saímos todos de sua casa e fomos em direção ao cemitério. Todos vestiam preto naquele dia cinza e caminhavam lentamente na frente dos carros que seguiam aquela pequena multidão. O caixão estava cheio de flores brancas que representam a paz e era levado por quatro homens altos com aparência de seguranças de festa. Eram todos fortes, vestiam ternos negros e gravatas negras. Tinham pele negra e usavam luvas brancas. Eu não os conhecia e creio que tampouco Allan. No entanto, estavam ali no centro da multidão que os guiava até o cemitério. Todos caminhavam em sintonia e sem dizer uma palavra. Todos respeitando o branco das flores.

Allan estava tranquilo e demonstrava estar bem, havia preparado um texto de despedida para tia Marta e leu no final depois de os quatro homens haverem posto o caixão dentro da cova. As palavras de Allan foram estas: 

"_O céu é um lugar cheio de anjos e de graciosos seres celestiais que olham por nós e nos protegem quando pensamos que estamos sozinhos. Esse lugar ganhou um novo membro hoje e acredito que mesmo estando cheio, minha mãe foi recebida com muita alegria e hoje está olhando para nós e nos protegendo dos males. Você foi uma grande mulher, uma grande pessoa, mamãe... hoje será meu anjo da guarda... descanse em paz." - Allan emocionou a todos que ali estavam e com muita força se despediu da tia Marta. Tenho certeza de que se fosse um discurso de dia das mães, todos aplaudiriam, mas devido à situação, ninguém o fez e todos respeitaram o momento, mas demonstrando admiração à homenagem que Allan fez à sua falecida mãe.

 Mathew ainda não sabia e comecei a me preocupar e achar que algo estranho estava acontecendo, ele não me ligou, tampouco foi a minha casa, uma vez que iríamos jogar videogame hoje.

— Filho, seu amigo é muito forte. - Disse mamãe enquanto voltávamos para casa.
— Sim, mamãe...

— Filho, está bem?

— Sim, mamãe...

— E Mathew? - Papai interrompeu.

— Ele não sabe de nada, ele não me ligou, ele não foi para a nossa casa... estou preocupado._ _ Filho, vai ficar tudo bem.

O silêncio reinou dentro do carro até chegarmos em casa. Voltei para a minha órbita e me joguei na minha aconchegante cama. Eu estava muito cansado, exausto e muito abalado psicologicamente. A morte da tia marta me afetou e o fato de não saber nada sobre Mathew me incomodava demais. Uma confusão de sentimentos tomava conta da minha cabeça e eu comecei a chorar enquanto olhava para o teto fixamente. Mas algo mais forte fez com que eu entrasse em um sono profundo e, por fim, capotei.


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