Sentenciados escrita por André Tornado, AnnieWalflarck


Capítulo 7
A verdade


Notas iniciais do capítulo

Queridas leitoras, caros leitores!
Temos mais um capítulo desta história cheia de mistérios, escrita em parceria com a minha querida amiga AnnieWalflarck.
Hoje regressamos ao "passado" e veremos como corre a conversa entre a Amanda e o Terris.
Preparados para a emoção? Vamos lá, então...
Boa leitura!



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O pouso da xícara sobre o pires de porcelana era o único som que ela fazia, enquanto o cientista mantinha-se à sua frente à espera das explicações que tanto deixavam-no ansioso. Repetia gestos como trepidar os joelhos e a bater o calcanhar no chão, numa tentativa de buscar um controle que poucas vezes conseguia exercer sobre si mesmo. Ele era alguém naturalmente nervoso – ter abraçado a ciência como profissão ajudava-o a dominar a sua impaciência natural. Apagou o cigarro num cinzeiro posto em cima da mesa. Nem a nicotina estava a acalmá-lo. Um fio de fumo acre evolou-se no ar antes de desaparecer.

— Então? – O ruivo finalmente rompeu o silencio após ver a moça de cabelos desgrenhados terminar o seu décimo gole de café enquanto mordia algumas torradas.

Amanda engoliu a última porção mastigada, revirou os olhos de modo sutil, passou as mãos na boca para retirar o farelo que ficou no canto dos lábios e disse:

— Desculpe... Eu estava faminta.

Falou sem que aquilo soasse como uma queixa e sim uma informação adicional de seu próprio estado. Precisava de se convencer a si mesma, também, de que não estava a abusar da hospitalidade do cientista. Queria ir para a sua casa, mas não iria perder a oportunidade de contar o que lhe queria contar, desde que o tinha reencontrado… vivo, no passado.

— Passei por algumas situações… complicadas nas últimas horas. Não quero que pense que estou aqui para me aproveitar do que quer que seja. Precisamos de conversar, nós os dois.

— Sim, sim… Estou a aguardar por essa conversa – disse o homem, enfastiado.

Então, ela devia começar. Ajeitou-se na cadeira de assento estofado, mais reta depois de fazer um balanço suave que a fez mover o traseiro.

— Bom...

Tomou coragem. Não sabia qual seria a melhor abordagem e decidiu-se, assim de repente, por apresentar-lhe provas físicas. Ele era um cientista, seria uma pessoa pragmática e direta. Olhou para Terris, colocou a mão por dentro da blusa pegando o relógio que era igual ao dele e o pousou na mesa do café.

— Acho que isso é seu... Ou era... Não sei... É difícil dizê-lo sem que pareça louca – afirmou, como se ela mesma achasse aquilo. De que estava afetada do juízo.

Terris olhou para o objeto de relance primeiro assim que este foi colocado à sua frente, depois para Amanda e tornou novamente ao objeto, prestando maior atenção. Deu um solavanco de onde estava sentado para tocar no relógio assim que o reconheceu. Parecia perplexo com a visão. Dedilhou-o e piscou um par de vezes até que finalmente abriu um sorriso que Amanda pouco entendeu.

Amanda nada disse. Na verdade, nem sabia se poderia dizer alguma coisa válida após observar a ação do cientista que em questão de segundos havia corrido para próximo de uma mesa baixo de centro, à frente do sofá cinzento de couro da sala, para um caderno aí pousado que abrira e onde fazia anotações silenciosamente. Corria os olhos pelo que ela julgava serem cálculos, movia alguns botões no objeto. Parecia ter se esquecido do principal da “visita em questão”.

Ela lembrou-se que ele não sabia! Teria julgado que a visita fora apenas para lhe devolver o relógio… Mas havia o detalhe de como conseguira o objeto. Terris, como todos os cientistas, era distraído, focado apenas naquilo que era mesmo bom.

Olhou para ele, apreensiva com aquela atitude.

— Desculpe... Você realmente não quer saber como consegui isso? E por que estou aqui?

Ele, porém, nada respondeu. Terminava os frenéticos cálculos no papel ignorando que ela estava ali. Correu depois na direção oposta da sala puxando um quadro branco tomado de mais cálculos que estava atrás de uma cortina.

— Terris! – chamou Amanda um pouco alto, tentando se aproximar, mas como não sabia se seria seguro, preferiu não diminuir tanto assim o espaçamento entre eles.

O cientista ofegava com os olhos fixos no quadro. Instantes depois deu um grito e mordeu as costas da mão direita, como se finalmente tivesse resolvido o grave problema que há tanto o atormentava.

— Era isso! Era essa a resposta! O espaço movimenta-se, que coisa mais lógica. A constante correta dos cálculos que procurei era tão óbvia, como não pude notá-la? Logo essa, uma variação básica…–  O ruivo então deixou a caneta piloto que tingia o material branco cair no chão. Voltou-se finalmente para Amanda indagando: – Muito bem. Conte-me como conseguiu o relógio.

Amanda pestanejou, recompondo-se. Então ele estava interessado em saber sobre a história toda… Não havia entendido nada do que saiu da boca do gênio excêntrico, mas não iria deixar aquela pergunta sem resposta. Era, no fundo, a sua razão de estar ali. Em todos os sentidos. Ali, na casa do cientista. Ali, naquele tempo. Ela o olhou, agora realmente perplexa.

— Bom... – Deu um pigarro e resolveu responder sem rodeios: – Eu te vi morrer...

Consultou seu relógio que tinha também um calendário digital e completou:

— E isso vai ocorrer daqui a vinte e nove dias, precisamente. Terá um encontro com um Charles Big na empresa “Investimentos & Segurança”. Eu estava lá e vi-vos… Não devia estar lá, mas tinha ficado a trabalhar até tarde… Não importa. Bem, então ele, o Charles Big disparou… E você, bem… Morreu… Morreu? – Ela falou tudo de modo pausado porque nem ela acreditava naquela cena.

Terris absorveu o que ela lhe contou e ficou pensativo. Conhecia o tal Big, de facto, estava ligado a um grupo liderado pelo milionário que lhe financiava o projeto. Depois havia o relógio, um segundo relógio e os cálculos que batiam todos certos com o que a memória do dispositivo armazenara. Além disso, o estado nervoso de Amanda indicava que estava falando a verdade. Tudo tinha um sabor agridoce. Ele via o trabalho de toda sua vida ter finalmente um sentido, mesmo diante daquele problema. Para melhor lidar com a parte ruim da informação, ele confrontou-a:

— E por que resolveu brincar com isso? – Pegou o relógio o sacudindo no ar. A sua atitude era de um pai que acabava de apanhar um filho transgressor.

Amanda admirou-se com o tracejo do rosto dele e os movimentos inquisidores.

— Eu estava apenas... Ora, eu não sei. Porque testemunhei o crime, o teu homicídio, fui levada sob custódia pela FBI e fui interrogada de uma forma muito dura. Os federais julgam que estou a mentir e há um inspetor-chefe que quer provar a minha culpa de qualquer maneira, até com uma confissão sob tortura! Quando fiquei sozinha na sala, lembrei-me que tinha o relógio guardado… Eu não sabia o que era isso, não sabia o que isso fazia! Apenas lhe toquei e… vim parar aqui, ao passado, vinte e nove dias antes do que aconteceu… Ou vai acontecer! Mas que droga! Isso importa?! Se eu deveria ou não ter mexido no teu brinquedo. – Aumentou a sua irritação e disparou: – Eu estou aqui avisando a você, será que não deveria pelo menos me dizer obrigada?

Terris crispou o rosto. Disse, irônico:

— Ah... Obrigado?!

Amanda suspirou longamente juntando a pouca paciência que ainda tinha dentro de si, embora estivesse sendo um martírio. Ele nunca fora muito paciente, não compreendia por que razão se coibia com aquele homem. Piedade por lhe conhecer o destino fatal?

Não, não! O que ela queria era uma solução para ela, para o seu próprio destino fatal.

— Agora, me diga, como faço para que tudo volte ao normal? Como posso me livrar disso? Fui acusada de tê-lo matado. Sei que isso parece loucura, mas precisa ir comigo resolver isso.

— Resolver isso? – Terris arregalou os olhos.

Aquela proposta não era apenas insana, ele sentia que não lhe dizia respeito, não quando ele estava morto no futuro. Ir com ela para vinte e nove dias depois iria criar uma distorção grave no contínuo espaço-tempo. Olhou de relance para o quadro branco repleto de cálculos. Ela tinha vindo do futuro e já teria criado essa pressão… Ele teria de lhe explicar que o que ela fizera fora perigoso, que ele não se podia envolver demasiado e tentar ser completamente claro na sua explicação sobre linhas temporais, consequências e dependências.

— Entenda uma coisa Amanda... – quis começar, porém não pôde prosseguir.

A porta recebeu uma batida que sobressaltou os dois.

Terris colocou o indicador nos lábios pedindo silêncio. Amanda estava gelada ao mirá-lo. Ele indicou o espaço entre a parede e a estante da sala para que ela se escondesse aí antes de atender.

Assim que Amanda se esgueirou como solicitado, ele foi até à porta. A abriu de modo neutro quando não reconheceu quem ali estava depois da verificação no olho mágico.

— Pois não? – disse num tom cordial

O sujeito do outro lado, inteiramente vestido de preto como uma treva densa, passou por ele, invadindo o apartamento sem a sua permissão.

— Onde ela está? – perguntou Black.

— Ela? – repetiu o ruivo, achando aquilo estranho. – Eu não sei do que está falando e se der licença, devo pedir que vá embora, porque esta cometendo uma invasão domiciliar.

— Para a urgência da situação talvez isso se faça necessário. Amanda! – chamou Hugo firme.

Se antes estava gelada, depois de escutar a voz do homem com quem entrara no clube na noite anterior, Amanda ficou estarrecida. Saiu de onde se escondia e olhou o sujeito com desconfiança. Não cogitava ser um perigo, estava ali com boas intenções – salvar o cientista da morte e, no processo, libertar-se de uma acusação injusta. Mas já que Terris estava agindo daquela forma talvez aquele Hugo Black fosse a reposta definitiva para que aquilo tivesse um ponto final.

— Quem é esse cara? – Terris indagou.

— Eu sou o namorado dela – afirmou Black, com um ar sobranceiro.

E Amanda ficou pasmada com aquela afirmação do homem que praticamente a raptara para o clube, alguém que ela tinha conhecido naquele minuto, um homem intrigante, mas um completo estranho, o qual não lhe fora digna e formalmente apresentado.

A coisa não fazia sentido algum, era um esquema de Black e Amanda sentiu-se ludibriada. 

— O quê?! Eu… – quis dizer algo, porém Black atracou a mão em sua cintura, puxando-a para si e ela engasgou-se.

— Eu peço desculpas, na verdade, eu sou um grande fã de seu trabalho... Comentei com minha namorada...

Terris deu um passo atrás, fechando as mãos em dois punhos.

Hugo Black olhou para o quadro atrás do ruivo e percebeu que nada fazia mais sentido. Amanda, sem sua vigilância, fizera exatamente o que não poderia fazer. Ela tinha entregado ao homem o bendito objeto que possibilitou que tivesse vindo àquele passado. A política das regras do tempo estava mesmo uma bagunça e se não agisse aquilo iria piorar em definitivo.

Hugo empurrou a secretária para o lado e movimentou-se rápido, dando um salto em frente, como um gato. Em seguida se direcionou a Terris e atacou-o com golpes fortes e certeiros. O cientista colapsou, estendendo-se no soalho da sala numa posição desmanchada. Estava inconsciente.

— Você sabe o que acabou de fazer?! – gritou Amanda desesperada e trémula.

— O que estou fazendo? – Black jogou os cabelos para trás.

— Sim! – Ela estava confusa. – Eu achei que queria que eu o encontrasse... Foi você mesmo quem me levou àquele lugar. Pensei que...

— Esse é o problema com as mulheres – censurou o regulador. – Elas pensam demais antes de escutar.

De seguida, Black roubou o relógio que tinha vindo com Amanda, assim como o que estava no pulso de Terris. Foi até ao quadro. Observou-o com enlevo, mas mudou a sua boa disposição para uma carranca. Resmungou como se mastigasse as palavras que não podia verbalizar e apagou todos os cálculos. Agarrou no caderno sobre a mesa de centro e rasgou as anotações. Foi até ao computador do cientista, ligou-o e aplicou-lhe um pendrive que fez com que a máquina avariasse.

Amanda olhou todas estas ações sem conseguir reagir. Protestou debilmente, quando viu que Black estava a destruir o trabalho do cientista:

— Não podias ter feito isso…

Black fitou-a com um olhar intenso:

— Não podia?! Estou arrumando as merdas que estiveste a fazer! Você não podia dizer a ele de onde veio, não sabe o quanto isso é perigoso. Não entende! – Ele se alterou um pouco, acercando-se muito zangado. – Existem regras que não se podem quebrar e uma delas é exatamente essa. Dizer a alguém que veio do futuro causa grandes e graves alterações na linha temporal e toda a realidade quântica se coloca em lapso. Sabe o quanto isso é sério?

Amanda abanou a cabeça.

— Eu não faço ideia do que está dizendo – confessou.

— Estou dizendo que ao ter contado ao genial cientista que ele vai ser assassinado no futuro, alterou todos os eventos desse mesmo futuro. Nesta linha temporal ele está avisado e poderá evitar a morte, ao recusar encontrar-se com aquele que será o seu assassino. Providenciou-lhe nomes e tudo, não foi, senhorita Scott?

— Nomes? Eh… Sim, acho que sim.

— O maior problema é que não alterou somente o universo associado a Terris O’Brian, mas também a sua existência, senhorita Scott.

Ela abriu os braços, impaciente e desolada.

— Não entendo… Se inventar um dispositivo para fazer viagens no tempo é assim tão perigoso… Para quê inventá-lo, em primeiro lugar?

Black não lhe respondeu.

— Deveria ter me escutado e ficado onde disse para ficar ontem. À minha espera, na mesa, a beber os seus shots de vodca. Estava a acalmá-la, não estava?

— Para quê me querias calma, senhor Black?

— Para evitar tudo isto.

— Destruíste o trabalho do Terris…

— Apenas uma parte e ele deveria ser grato por não o ter ceifado.

— Espere, como assim? Black, isso significa que ele não vai poder concluir o relógio e fazer novas viagens no tempo e assim pode ficar vivo?

— Significa que limpei a merda que foi feita, só isso. Vamos, senhorita.

— Eu não vou contigo a lado nenhum!

O sorriso sardónico de Hugo Black arrepiou Amanda até aos ossos. Abraçou-se a si própria e tentou afastar-se, mas aquele apartamento era minúsculo e não havia por onde fugir.

— Não percebe, pois não, senhorita Scott? Agora mesmo, você…

Um aparelho quadrado apitou no seu bolso e Hugo o puxou para verificar a mensagem, temendo o que conteria, pois desconfiava que a sua contenção dos estragos provavelmente não tinha sido suficiente.

— Como previsto… Amanda Scott você acaba de morrer no futuro – comunicou mostrando a ela a imagem de si mesma que estava no ecrã do aparelho quadrado.

Amanda ficou atordoada com a imagem. Era a sala de interrogatório do FBI e ela sentada na cadeira, a cabeça sobre a mesa, a tremer sem parar, numa agitação pouco normal.

— O quê? Morri?

A coisa toda era muito surreal. Pousou as mãos no peito. O seu coração continuava a bater e sentia o ar oxigenar-lhe os pulmões.

E agora, o que ela faria? E por que raios não podia dizer a Terris que era do futuro? Se fora o cientista que começara com a aventura das viagens no tempo?!


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Notas finais do capítulo

A viagem temporal da Amanda começa a fazer estragos. Ela morreu no "futuro", o Black está a ficar violento porque está a perder o controlo e destrói a pesquisa do cientista, Terris só consegue entender o segredo das viagens no tempo porque a Amanda fez a viagem no tempo. Temos os primeiros paradoxos!
Ela só quer resolver a situação, mas parece que está cada vez mais longe desse objetivo...

Na próxima semana estaremos na companhia do multimilionário Gartix Vog e vamos conhecer um pouco mais essa personagem misteriosa que é o líder secreto dos Sentenciados.

Próximo capítulo:
As razões do poder.



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