Sentenciados escrita por André Tornado, AnnieWalflarck


Capítulo 6
Desconfianças e mistérios


Notas iniciais do capítulo

Olá, leitoras e leitores.
Eu e a AnnieWalflarck apresentamos mais um capítulo desta história de mistério e ficção científica.
Hoje iremos acompanhar o inspetor-chefe do FBI, John Aldo Poleris, e perceber as suas razões.
Então... boas leituras!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/776069/chapter/6

Atirou com a pasta dos documentos e a bolsa de plástico com uma das provas do crime para cima da sua secretária, pousou o copo descartável junto à papelada desorganizada que cobria o tampo, desabou sobre a cadeira e soltou um longo e profundo suspiro. Recostou-se fazendo ranger o assento, que estalou tanto que parecia que o espaldar se iria partir. Esfregou a cara com as mãos e rugiu uma imprecação.

— Maldição!!

Eric Crowe entrou no gabinete, pouco depois, e fechou a porta.

— Acho que precisas de beber o teu café, chefe.

Poleris arqueou uma sobrancelha, admirado com o atrevimento do seu assistente. No fundo, o rapaz tinha razão. Agarrou no copo e sorveu uma grande porção do líquido negro e forte. Já não estava a ferver e fez uma careta. Café morno era uma beberagem odiosa. Atirou o copo meio cheio para o balde dos papéis.

— Queres que vá buscar outro? – indagou Crowe bebendo o seu café, que, pelos vistos, estaria satisfatório.

Poleris fez um gesto impaciente.

— Não, não. Deixa estar!

— Chefe, precisas de te acalmar e de recuperar o teu raciocínio.

Ele olhou para o rapaz que se encostava à parede, ao lado da porta fechada. Estava descontraído, demasiado calmo para o seu gosto ou para a gravidade da situação. Poleris sentiu a cólera ferver-lhe no sangue. Começou a morder a unha do polegar, a focar as suas munições emocionais em Eric Crowe, mas depois fechou os olhos e decidiu que não valia a pena, que só iria perder tempo.

Crowe estava a ajudá-lo e era-lhe absolutamente leal. Não merecia ser ferido pelas suas frustrações.

O seu principal problema, naquele caso em particular, era a sua relação mais do que pessoal com o grupo que estava por detrás do homicídio ocorrido naquela noite.

Os “Sentenciados.”

Só o nome lhe dava calafrios de ira e de desprezo. Apenas a menção daquela designação lhe causava asco e a vontade imensa de desatar a partir tudo à sua volta, ao murro e ao pontapé.

Havia outro nome também que lhe provocava aquele tipo de reação violenta. Gartix Vog, o milionário. E ele sabia, os seus instintos gritavam-lhe a verdade que ele não conseguia colocar de uma forma mais nítida do que apenas uma impressão, que esses dois elementos estariam ligados. Os “Sentenciados” e Gartix Vog. Apenas precisava de concluir as suas investigações paralelas para estabelecer a inevitável relação entre o grupo terrorista e o milionário. Dessa forma o seu trabalho de uma vida, a sua busca pessoal, ficaria concluída.

Naquela noite percebera que podia terminar o que tinha jurado fazer no dia do funeral do pai, nem que lhe custasse a vida: apanhar os “Sentenciados”. Naquela noite o destino atravessara no seu caminho o crime de um cientista famoso e uma pista sólida que se ligava ao grupo de terríveis bandidos, pois junto ao cadáver estava uma nota com o nome fatídico.

Ele percebera, ansioso, que nunca estaria mais perto da conclusão da sua cruzada do que naquele então e resolvera empenhar-se bravamente, com todo o seu querer, na conclusão daquele crime. Soubera posteriormente que tinha havido uma testemunha, uma mulher, inteirara-se do depoimento inicial dela, de como ela parecia estar incriminada.

Poleris ficara tão convencido de que estava ali a solução para todas as suas interrogações, que levou tudo à frente, como um touro furioso assim que avista a cor vermelha.

Agora, no seu gabinete, procurava acalmar-se e raciocinar.

Não podia colocar tudo a perder, quando, depois de tanto tempo naufragado em pleno mar revolto, avistava a praia da sua salvação. Não iria afogar-se quando bastava dar apenas mais um par de braçadas e alcançaria a costa tão sonhada e o descanso para si – e para o seu pai.

Os “Sentenciados” entraram para o seu mundo quando era apenas uma criança. O seu pai, como ele, trabalhava para as forças da ordem, também tinha pertencido ao FBI e era um agente operacional que desmantelava redes de narcotráfico. A sua mãe sempre o mantivera longe dos problemas profissionais do progenitor, que eram bastantes e tinham certo grau de risco inconcebível para um pequeno rapazinho de sete, oito anos.

Na realidade, o trabalho ocupava tanto o tempo do pai que ele mal o via – e como sucede com todos os rapazinhos em que a figura paterna se encontra ausente, ele começou a endeusá-lo. Era o seu herói jurado e admirava-o com um fervor infantil e inocente.

Sabia que o pai capturava os homens maus e que contribuía para um mundo melhor. Sempre que era necessário falar sobre a família, em trabalhos na escola, ele escolhia falar sobre o pai, relatando histórias inventadas de aventuras policiais em que o Bem triunfava constantemente sobre o Mal, em como depois do perigo passado se desenhava um belo arco-íris no céu. Os finais eram felizes, invariavelmente.

Um dia, a mãe foi buscá-lo mais cedo à escola. O pequeno John Aldo não achou estranho, porque os horários da casa eram muitas vezes incertos. Se o pai tinha um emprego fixo, já a mãe saltitava entre trabalhos menores, como lojista, como camareira ou até como faxineira. Por isso, até podia ser um daqueles dias em que o contrato da mãe tinha terminado e teria resolvido ir tomar um sorvete com o filho. Já tinha acontecido!

Mas não naquele dia – não havia nada a comemorar. Assim que a mãe entrou no carro desatou a chorar convulsivamente e ele ficou paralisado de medo. Quando chegaram a casa havia colegas do pai à porta e ele, o pequeno John Aldo, o inocente John Aldo, descobriu que nem sempre o Bem ganhava ao Mal, tal qual ele relatava nas suas histórias inventadas.

O seu pai tinha morrido. Um acidente, uma bala disparada num confronto com criminosos. Outros agentes tinham ficado feridos, um deles até veio a morrer dois meses depois. Duas vítimas mortais entre os agentes do FBI. Uma delas era o seu pai.

Ele ficou em choque e não conseguia chorar. Ficava estático, apático, vazio. Via o mundo passar-lhe à frente dos olhos como uma sucessão de imagens. O velório, as cerimónias fúnebres, o cemitério. Tinham-lhe arrancado a alma e tinham feito dele alguém oco, sem consistência por dentro.

No entanto, o seu estado catatónico nesses dias terríveis permitiu-lhe ouvir atentamente o que se passava à sua volta – e foi assim que descobriu que fora um grupo chamado “Sentenciados” que tinha assassinado o seu pai.

Resolvido a vingar o pai caído em ação, o herói mártir, a morte da sua infância, John Aldo começou a colecionar todas as informações que conseguia sobre o grupo. Primeiro eram recortes de jornais, depois pesquisas na Internet que ele arquivava no seu notebook. Estudou, fez-se homem, fez-se mais obstinado. Também se tornou polícia e também se tornou agente do FBI. Com as suas capacidades e com a sua ambição, não lhe foi difícil escalar a escada da carreira e em pouco tempo tinha conseguido o posto de inspetor-chefe.

Os “Sentenciados” foram a sombra que o acompanhou. O grupo estivera ativo durante a sua adolescência e depois, misteriosamente, sossegou, deixando de operar no mundo obscuro à margem da lei. Ele não desistiu – desconfiava que o grupo queria acalmar a fama que conquistava, especialmente entre os traficantes, queria deixar de ser notado, para depois reaparecer com outra agenda.

E as desconfianças dele estavam corretas. Passada uma dezena de anos, eis que os “Sentenciados” tinham regressado aos noticiários, efetivamente com outros objetivos, mais refinados, relacionados com terrorismo.

Gartix Vog era a outra incógnita da equação. O milionário era um filantropo bem conhecido do país. Apoiava diversas causas sociais e frequentava inúmeras festas de beneficência. Nada levava a crer que se relacionaria com um grupo criminoso violento como os “Sentenciados”. Porém, Poleris descobrira várias coincidências que poderiam eventualmente ligar Vog às ações radicais do grupo. Eram dados aparentemente dispersos e sem correlação, mas por isso mesmo é que fizeram nascer a suspeita em Poleris.

Não sabia ainda como fazer a ligação inequívoca, Vog sabia proteger bastante bem a sua reputação e os seus negócios estavam acima de qualquer suspeita – mas onde havia fumo, existia fogo e Poleris ascendera dentro do FBI graças a nunca ignorar o seu instinto. Portanto, ele iria perseguir sem descanso a pista de Vog.

Naquela noite, recordou-se, o homicídio do cientista legou-lhe novas pistas. O bilhete encontrado junto a Terris O’Brian mencionava os “Sentenciados” e descobriu que Terris O’Brian trabalhava em segredo… para Gartix Vog. Quando lhe disseram que tinha existido uma testemunha, alguém que poderia também estar ligado ao crime por existirem provas incriminatórias, tal como apresentar manchas de sangue da vítima nas roupas, Poleris ficou cego pela sua própria ansiedade de chegar ao fim da sua demanda pessoal. Amanda Scott iria dar-lhe a chave que resolveria, de uma vez por todas, o enigma.

Só que Amanda Scott estava demasiado baralhada para ajudá-lo – ou fingia demasiado bem. Poleris não iria largá-la, até obter o que queria.

— Chefe, a moça está inocente.

A declaração do seu assistente, Eric Crowe, despertou-o das suas divagações. Apertou os lábios. Todo ele relutava em aceitar isso. Não queria deixar Amanda sair do FBI sem conseguir, pelo menos, mais uma evidência que o ajudaria a dar um passo em frente em relação ao caso. Agarrou num lápis e pôs-se a martelar a secretária.

— Ela está a enganar-nos… Ela quer safar-se e está a usar todas as suas armas para isso. Ela pertence aos “Sentenciados”!

Crowe emitiu um pequeno ruído com a garganta.

— Vá lá, chefe. A moça está assustada. Se ela estivesse mesmo a fingir com essa sofisticação, deveria ir amanhã para Hollywood e tornar-se atriz. O cinema está a perder um enorme talento!

— Ela é nova nisto, acredito – insistiu Poleris. – É o seu primeiro trabalho, nunca pensou que a coisa fosse ficar tão suja… Disseram-lhe para ir dar um apertão no cientista, o tipo não colaborou com ela, ela assustou-se e acabou por disparar a arma com que o ameaçava. Bum! Miolos por todo o lado. Ficou ainda mais assustada por efetivamente ter despachado o cientista, talvez lhe tivessem assegurado que o O’Brian era um cobarde e que haveria de colaborar, que o trabalho seria simples, era só receber a contrapartida pela chantagem e que depois ela podia seguir com a sua vida. No entanto, não foi isso que aconteceu. Ela mata o cientista, esconde-se e enquanto se decide a chamar a polícia, resolve inventar uma história qualquer. A história que nos contou.

— É essa a tua teoria, chefe?

Parou de bater com o lápis.

— Sim, essa é a minha teoria. Até agora… – lembrou-se da balística e completou. – Ainda que o exame dela tenha dado negativo alguma coisa ela pode ter feito, você sabe como essas coisas podem se suceder. Burlar certos exames pode ser possível, quem sabe. Estou a trabalhar com possibilidades.

— Muito bem. Até agora… – Antes de Poleris contestar, Crowe prosseguiu: – E por que razão não vamos pela explicação mais simples e acreditamos no que ela nos está a contar? Assim como não teria capacidade de burlar algo tão complexo mesmo para nós? Ela assistiu ao crime, fugiu desse tal funcionário chamado Charles Big, durante a fuga chamou pela polícia e escondeu-se para se proteger, até a polícia chegar aos escritórios. Parece-me uma versão excelente e bastante coerente do que terá acontecido.

Poleris atirou com o lápis ao ar.

— Quero cobrir todas as hipóteses!

— Mande lá a moça para casa – sugeriu Crowe familiarizado com os rompantes do superior. – Eu sei que queres muito apanhar uma ponta sólida de todo este novelo, desenrolá-lo e chegar ao fim que tens aí dentro da tua cabeça. Eu conheço a tua história, chefe… Os teus motivos… Calma, calma! Não te estou a censurar! Eu disse-te, uma vez, que iria ajudar-te a apanhar esses criminosos. Os “Sentenciados” também passaram a ser problema meu. Mas, esta noite, estamos a fazer pagar uma inocente pelas nossas teimosias… Existem provas, é certo, mas também existem outros aspetos que devemos considerar antes de eliminarmos as possibilidades que nos podem conduzir à verdade do caso. Se formos demasiado restritos, perderemos o cenário mais amplo. Estás a compreender-me, chefe?

Ele estava a compreender. Contrariado, Poleris cruzou os braços, a bufar como um animal ferido. Quebrou o contacto visual com o seu assistente que prosseguiu:

— Vamos investigar a existência desse tal de Charles Big. Acho que seria um bom começo.

— Os primeiros registos que verificámos não indicam que exista um Charles Big a trabalhar na empresa mencionada pela Amanda.

— Ela disse que era um apelido… Chefe, o crime tem poucas horas. É de noite. Estamos, de momento, de mãos atadas. Temos as primeiras provas recolhidas da cena do homicídio, são muito importantes, mas temos também um relato ocular do que sucedeu. Eu sugiro irmos falar novamente com a Amanda, com um dos nossos artistas, solicitamos nova descrição do tal suspeito e fazemos um retrato robot. De manhã, quando as pessoas normalmente despertam, chamaremos para depoimento os funcionários da empresa. Mostramos o retrato robot, conversamos, cruzamos dados… O que achas da minha sugestão? Até isso devíamos ir dormir umas horas para desanuviar a cabeça.

Os olhos de Poleris se dirigiram para o saco de plástico que fechava o bilhete ensanguentado, onde estava escrita a palavra “Sentenciados”.

— Não foi ela que o escreveu – adiantou Crowe. – Comparámos com a caligrafia da Amanda, com aquela que ela escreveu no nosso livro de registos e a letra não é a mesma. Foi ela que entregou o papel, é verdade, mas pode tê-lo levianamente recuperado da cena do crime. E se compararmos essa letra minuciosa com a do cientista? Provavelmente iremos encontrar semelhanças…

— Foi o cientista que escreveu isto? – indagou Poleris, cético.

— Penso que o nosso amigo Terris O’Brian é que estaria envolvido com os “Sentenciados”.

— Sim, ele trabalha para o Vog…

Duas pancadas na porta do gabinete cortaram o raciocínio dos dois detetives. Uma cabeça assomou-se à fresta que se entreabriu. Era um dos agentes júnior que estava a fazer o turno da noite.

— Senhor Poleris? – perguntou.

— Sim. O que foi?

— A senhorita Scott…

Crowe olhou muito sério para o seu chefe, para avaliar as suas reações. Poleris levantou-se e pareceu mais alto do que realmente era.

— O que tem a senhorita Scott?

O agente júnior respondeu:

— Parece que lhe aconteceu alguma coisa na sala de interrogatório…

O inspetor-chefe do FBI saiu do seu gabinete como um vendaval furioso, tal foi a sua pressa. O agente júnior completou:

— A senhorita Scott começou a ter convulsões!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O que será que aconteceu com a Amanda? Por que motivo está ela em convulsões? Lembram-se que ela tinha acionado o relógio e que fez uma viagem no tempo...
Ficámos a conhecer mais sobre John Aldo Poleris, do FBI, as suas motivações pessoais que o ligam ao grupo "Sentenciados" e como ele está determinado em apanhar esse grupo clandestino. Daí que tenha sido tão duro com a Amanda na sala de interrogatório.
Mas Eric Crowe acredita na inocência dela.

Na semana que vem regressaremos ao Terris e à Amanda, porque temos uma conversa que ficou pendente... no passado.
E será que o que está a acontecer no FBI terá alguma influência com esse passado?

Eu e a AnnieWalflarck agradecemos a vossa leitura e os vossos comentários.
Muito obrigado por estarem a acompanhar esta história com tanto carinho.

Próximo capítulo:
A verdade.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sentenciados" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.