Sentenciados escrita por André Tornado, AnnieWalflarck


Capítulo 5
No clube


Notas iniciais do capítulo

Olá a todos os leitores desta história!
Apresentamos, em mais um domingo, novo capítulo.
Eu e a AnnieWalflarck agradecemos, desde já, a leitura e os comentários.
Está a ser uma experiência incrível.
Boas leituras!



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O que havia de sedutor em Hugo Black, também havia de estranho. O sujeito sabia o seu nome, sabia sobre o cientista, Terris. E Hugo parecia-se muito com muitos galantes homens que conheceu em poucas festas, que frequentou durante a transição da adolescência para a vida adulta.

Amanda sempre foi uma admiradora de homens inteligentes, aqueles tipos que gostavam de seduzir com palavras rebuscadas, mistério e uma boa dose de "aura bíblica". Em outras palavras, aqueles sujeitos que pareciam recitar parábolas a serem interpretadas e não frases comuns em uma conversa informal.

O misterioso Black não era nada diferente. Olhava para ela sempre em cumplicidade, já devidamente alocado em uma mesa do bar a observar o cientista Terris, ou melhor, aquele que julgava querer ser o deus do tempo, de longe, com um grupo a circulá-lo.

— Nem sei como explicar quantas vezes tentei avisá-lo que aquilo que tenta fazer é o que desgraçaria sua vida. – Comentou o homem a bebericar uma dose de álcool com as sobrancelhas arqueadas para Amanda que mantinha sua postura de passividade sobre as palavras de Black.

— O que quer dizer? – Ela estava sentindo-se atônita.

Black sorriu-lhe, o que a desarmou completamente. Fez um gesto de impotência com a mão, os ombros descaíram.

— Estamos aqui por causa de dois acontecimentos. Um relaciona-se com o cientista. O outro, relaciona-se consigo, senhorita.

— Só quero ir para casa.

— Perfeito! Não nos vamos demorar aqui, então…

— Nem devia cá ter entrado.

Black apagou o sorriso tão depressa como o tinha acendido.

— Oh… Então por que motivo fez a viagem?

Amanda não quis responder. Apertou os lábios gretados, abraçou-se a si própria e olhou para o grupo onde se inseria o cientista. Não compreendia como o podia estar a ver… vivo. A falar, a beber, a interagir com outras pessoas. Tinha perdido o juízo, só podia… Num minuto estava na sala de interrogatório do FBI, no minuto seguinte estava num clube exclusivo, com um porteiro a condicionar as entradas, com um perfeito desconhecido a observar os gestos de um morto!

Amanda conteve-se para não se levantar e ir embora. Assim que ali entrara, indicou a Black que desejava apenas um pouco de água. Porém o acompanhante parecia não dar-lhe tanta atenção como esperado e ao invés de dar algo a ela que terminasse a infernal sede a consumir sua garganta, este solicitou para a jovem uma dose de vodca.

Estava tão afoita para pôr algo na sua garganta, que quando a vodca lhe foi ofertada bebeu tudo de uma única vez, algo que a fez tossir ao constatar o quanto estava forte a bebida que nem em sonho teria pedido ou cogitado tomar antes dos lábios racharem pela secura de horas a fio.

Forte? Olhou ao redor do bar, as tonturas gradativamente a piorar, Seria a bebida ou o seu corpo muito débil a protestar?

Voltou a olhar em frente. Pestanejava para se manter acordada. Olhou para o pequeno copo vazio, depois para os lábios de Hugo que moviam-se, mas que não produziam som algum como se seus ouvidos estivessem bloqueados. Olhou para uma televisão ao fundo do balcão de bebidas, que estava a duas mesas de sua localização com o desconhecido.

O telejornal exibia cenas de uma forte tempestade que tomava a costa leste americana. Depois era anunciada as vendas do final da liga de Hóquei no gelo e por último as notícias sobre o casamento real que havia terminado.

— Espere... – Ela disse colocando a mãos na testa confusa. – O casamento, a liga, a tempestade. Tudo foi há cerca de um mês... Isto não faz sentido! Por que motivo estão a transmitir notícias antigas?

— Finalmente, reagiu – Hugo comentou como se aquilo fosse óbvio para não ser notado antes.

Ele estava a ser cínico, sabia-o, mas não lhe revelou. Ela devia encaixar a anormalidade e fazê-la coisa normal dentro das suas noções. Só assim ela podia colaborar e minimizar os estragos. Inclinou a cabeça ligeiramente para a esquerda e analisou-a. Conseguia entendê-la, de certa maneira, porque a sua primeira experiência foi pior do que a dela. Ele vagou por quase dois meses buscando entender, achando que havia ficado enlouquecido e que viagens no tempo eram coisas que se podiam realizar apenas em filmes de ficção científica. Depois, tornou-se num regulador e a sua vida mudou para sempre… Na verdade, deixou de ter uma vida, preso entre realidades que o comum dos mortais desconhecia. A sua condenação nem sequer derivava diretamente de uma qualquer ação imprudente. Fora aquele cientista.

Fora por causa de Terris O’Brian!

Black debruçou-se sobre a mesa, pousando o seu copo.

— Exatamente, senhorita Amanda Scott. O que presenciou em sua empresa acontecerá daqui a exatamente um mês depois desta data. Bem-vinda ao seu passado – ele colocou.

Amanda sentiu a energia do seu corpo ser aspirada de seu ser, toda ela a amolecer, com a impressão de que, de repente, tivesse ficado desprovida de esqueleto. Caiu da cadeira onde estava sentada, como se tivesse acabado de ser empurrada para baixo.

Só poderia ser um sonho, um pesadelo horrível desde o princípio. Queria acordar, estar em casa, voltar para a vida miserável de secretaria no escritório. Ouvir o chefe reclamando com ela a chamando de Abigail. Aquilo fazia parte do seu mundo... Do seu mundo monótono e cinzento, mas pelo menos era algo concreto. Ela podia contar com as suas frustrações, com as suas desilusões.

Hugo Black, aquele bar, o cientista... O assassinato, a violência, o interrogatório, o encriminamento… Isso não fazia parte do seu mundo aborrecido! E embora sempre tivesse desejado uma aventura, não era bem aquilo que estava nos seus planos mais loucos.

Por comparação, preferia o seu mundo ordenado. Sentia-se mais segura.

— Você está bem? – Black a acudiu por um instante e perdeu Terris de vista que se levantou da mesa. – Mas que merda sempre a mesma novela! Fique aqui. Eu já volto – ordenou.

Amanda permaneceu sentada ao chão, incapaz de se mover.

Era um pesadelo, somente poderia ser. Acordaria em sua cama com o despertador do celular enlouquecido... Nem sequer se lembraria daquela loucura, só talvez quando estivesse a escovar os dentes e depois haveria de se rir por se ter atrevido a ter um sonho tão demente!

Levantou-se com dificuldade. O clube estava cada vez mais cheio de pessoas que vinham para se divertir. Não conseguia avistar Black em nenhum lado. Alisou as roupas amarrotadas. Se Black a tinha deixado, então iria aproveitar essa oportunidade. Não queria saber da ordem dele para ficar ali, ele não mandava na sua vontade.  Procurou pela saída do bar. Esbarrou em pessoas no caminho, a mente apitando em sinal que estava realmente perdendo o fio de sua sanidade. Estava bastante conturbada precisava de colocar um ponto final naquilo – no que aquilo pudesse ser.

Atingiu com pressa a rua. Desceu os degraus e aconchegou o casaco ao corpo para se proteger do frio. Preparou-se para correr quando reparou na cabeça ruiva à meia luz dos candeeiros que alumiavam a noite. Engoliu em seco, literalmente sem saliva na boca.

O cientista tinha vindo ao exterior para fumar. Saíra do clube, tal como ela tinha saído… Outra oportunidade para esclarecer a situação. Iria convencer-se a si mesma, de uma vez por todas, que estava dormindo. Iria passar através do cientista. Sim, esse era o seu plano infalível para acordar de uma vez por todas daquele maldito pesadelo. Acreditava piamente que no momento em que o tocasse, o homem iria esfumar-se.

Apressou-se em direção a ele, determinada. Quando encarou Terris, então houve realmente um choque. Estacou, um pouco aterrorizada. Os olhos se cruzaram e ele nervosamente observou-a, deixando o cigarro que pretendia acender a meia linha da boca ao notar a presença feminina frágil e deplorável.

— O que quer? Dinheiro? É uma dessas prostitutas do clube, por acaso? O descaramento, virem atrás de mim… Já disse que não tenho interesse essa noite nos vossos serviços especiais.

Mirou-a de alto a baixo com algum desdém. Enfiou o cigarro entre os lábios e procurou no bolso o isqueiro para acendê-lo. Nem de longe a mulher se parecia com uma acompanhante de luxo. Era mais digna de compaixão do que de desejo… A tremelicar daquela maneira, despenteada, com um rosto exaurido, as roupas manchadas e uma postura acossada, mais parecia uma mendiga saída de um beco de Brooklyn. Fez uma careta.

Amanda reagiu com as palavras dele. Primeiro, porque ele falava e ela escutou-o, não era nenhuma assombração criada por um pesadelo. Segundo, porque detestou os modos como foi tratada.

— Eu não sou uma prostituta! – irritou-se.

Ele puxou uma passa ao cigarro que tinha acabado de acender. Estalou a língua e deu um passo para o lado, para se afastar.

— Independentemente do que seja, não tenho tempo para lhe dar. Sou uma pessoa muito ocupada e tenho muito que fazer. E como disse antes, quero estar sozinho esta noite… Dispenso a conversa.

— Conversa?

— O que fazes aqui? Também vieste respirar ar puro, encontraste alguém que também precisou de vir arejar e achaste que tens algo em comum e pretendes travar conhecimento com um desconhecido? Uma frase aqui, outra ali, sedução aplicada… Daqui a nada vais dar-me o teu número para que eu te contacte amanhã de manhã e…

— Não! – cortou ela, agitando a cabeça. – Não, não é nada disso… Eu queria ir para casa e tu… Tu estás aqui.

Então, engoliu um seco, lembrou-se da cena dos miolos do homem que estava a ser grosseiro com ela a serem estourados.

Num impulso, segurou no braço do cientista com força com um aperto que o forçou a encará-la. Estava a ser ousada e estúpida, só que não podia recuar. O encontro deles ali fora não tinha sido fortuito. E ainda havia Black que precisava de despistar…

— Ei! – protestou ele.

— Ouça, pode achar isto muito esquisito, mas estarmos aqui não foi um acaso!

Olhou para o pulso do homem e reconheceu o misterioso relógio que ela manuseara antes de aparecer naquela rua, ao pé daquele clube. Era idêntico ao seu, era o mesmo que ela sentia a picar-lhe a pele da barriga debaixo da roupa.

— Por favor, precisa me ajudar se quiser que o ajude – implorou.

— Você está louca?!

Do bar saíram dois sujeitos morenos, de cabelos crespos e peitos largos que lembravam dois gangsters de quadrilha mexicana.

Terris calou-se e puxou Amanda levemente, para trás. Esconderam-se no beco que ficava numa travessa ao lado da entrada do clube. Eles se olharam entre a penumbra, sentiram a respiração quente um do outro contra o vento frio da noite. Estavam encolhidos e desconfiados.

— Quem é você? – sussurrou ele, que a observava com total atenção.

A sensação de perigo foi diminuindo à medida que os dois homens ganharam certa distância. Desceram a rua e pelo jeito cauteloso de andar, procuravam por alguém.  

— Que coisa estranha... Sinto tê-la visto em algum lugar… – completou ele, intrigado. – Minha memória está completamente vaga, talvez seja a bebida, não sou muito bom com álcool. Não queria beber, mas acabei por aceitar o convite dos meus amigos…

— Amanda Scott – ela se apresentou, num murmúrio. Deitou a cabeça para fora do beco. O par de sujeitos caminhava para longe. – Aqueles também faziam parte dos seus… amigos? São jeitosos, mas não fazem o meu tipo… Estavas a fugir deles, já entendi. Quem eram? – Ou talvez ela soubesse a resposta.

O cientista irritou-se com a insinuação. Empalideceu e resmungou:

— Vai por mim, senhorita Amanda. Não irias gostar de saber quem são eles... Aliás, acabámos de nos conhecer. Não vejo necessidade…

— Não, eu apresentei-me. Faltas tu – interrompeu ela.

— O’Brian.

— Muito bem… O’Brian. – Ela respirou fundo. A sua cabeça latejou. – Talvez você também não vai gostar do que eu tenho para dizer.

— Duvido que seja alguma coisa de interessante… Ouve, já nos empatámos durante demasiado tempo.

— Escuta-me!

Ela tentava escolher as palavras certas para começar aquela frase que iria transtornar tudo, quando seu corpo simplesmente cedeu na presença do ruivo.

 

(...)

Acordou. Estava tentando acostumar os olhos com a luminosidade que invadia a janela do quarto desconhecido. Tudo parecia em uma desorganização tremenda típica de um homem solteiro. O que significava que o seu maior desejo não acontecera: não era um pesadelo e não estava a despertar na sua casa, na sua própria cama.

A confusão continuava. Colocou os braços sobre o rosto e gemeu, desalentada. Todos os eventos regressaram à sua memória e se transformaram em um bolo desengonçado. "Bem-vinda ao seu passado" foi o que Black lhe disse.

— Bom dia – disse uma voz ao seu lado.

Afastou os braços da cara. Ao ver o homem ruivo lembrou-se então de ter desmaiado, junto ao clube.

— Pareces-me melhor do que ontem à noite. Continuas despenteada, mas já não tens o aspeto de uma morta-viva.

A piada caiu-lhe mal e ela torceu a cara em desgosto. Saiu da cama e tentou aguentar-se em pé. Estava com fome e por isso se sentia fraca, mas fora isso, estava menos assustada.

— Lembra do que aconteceu? – perguntou ele a fitá-la.

— Acho que em partes, sim… Desmaiei e… Trouxeste-me para a tua casa por quê?

— Fiquei sem opções – respondeu, indiferente. – Não te podia deixar caída na rua, os outros dois tipos iriam voltar e tu tinhas estado comigo, preferi não arriscar. Por isso, trouxe-te para a minha casa.

— Sim, sim – gaguejou Amanda. Passou as mãos pelos cabelos, numa tentativa de colocar ordem nas madeixas rebeldes.

— Tinhas uma coisa para me contar… O que era?

A hospitalidade do cientista era grosseira. Sua face queimou de raiva. Ele só a tinha resgatado de uma noite passada ao relento por interesse próprio. Porque os outros dois brutamontes o poderiam denunciar, se colocassem as mãos em cima dela, porque ela tinha qualquer coisa para lhe contar e ele queria esclarecer esse ponto e seguir com a sua vida ocupada.

Ela passou por Terris, dando-lhe um encosto, dirigiu-se para a porta do apartamento.

— Espera… Onde vais? – perguntou o cientista admirado.

— Vou para casa. Muito obrigada por não me teres deixado a dormir no passeio.

— Ei, ei, ei!

Ele deu um salto e intercetou-lhe os passos.

— Não achas que tenho direito a uma explicação, senhorita?

Ela fez um sorriso irónico.

— E que tal uma xícara de café? Assim talvez possa considerar… dar alguma explicação, O’Brian, depois de tanta falta de tato.

— Podes chamar-me de Terris.

— Terris, então que seja “Terris”… – concordou.

— É o meu primeiro nome.

— Eu sei disso.

O rosto do cientista torceu-se com a dúvida e o espanto. Toda a desconfiança anterior voltava e a sua postura tornou-se menos amigável. Num tom brusco, exigiu:

— Senhorita, estou a ficar farto de todas essas insinuações e do seu assédio.

— Assédio?

— Foste tu que me importunaste, ontem à noite, no clube.

Ela esticou o pescoço. Cerrou os punhos e respirou fundo. Tomava coragem para começar a falar. Porque o que tinha para dizer não seria agradável de ouvir. Mas havia outras necessidades prementes e ela insistiu, pedante:

— Um café, primeiro. E sim, talvez te tivesse assediado… Mas não sou uma louca, apesar de estar metida na maior loucura desta vida. Eu acho que não perdi o juízo… – Contorceu-se e desatou a berrar: – A minha vida era uma porcaria! Sim, uma porcaria!! Mas pelo menos não precisava me preocupar com nada disso até você estragar tudo!!

— Do que está falando? – Ele a olhou confuso. – Nunca a vi antes.

— Preciso de um café! Quero um café!!

— Está bem, está bem – acedeu ele, a recuar, de braços levantados achando que o escândalo repentino parecia com o de uma criança faminta.

Amanda desatou a chorar, as lágrimas a rolarem nas maçãs do rosto.

— Você é um estúpido! – acusou.

— De onde me conhece, afinal? Eu prometo que lhe faço o café… mas diga-me de uma vez por todas! – amaciou-a com suas palavras, agora estava realmente curioso.

— Você esteve na minha empresa… ou melhor, vai estar. E eu vi o que lhe aconteceu. Ou melhor o que lhe vai acontecer.

Ela buscou estabilizar a respiração, enquanto olhava o sujeito. Seria uma conversa difícil. Por onde começaria a relatar os fatos?

O café iria definitivamente ajudar.


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Notas finais do capítulo

E tivemos a primeira interação entre a Amanda e o Terris!
Há ali muito desconfiança, mas é normal já que o cientista nunca antes tinha visto a mulher.
Como reagirá Terris ao que a Amanda lhe vai contar?
E o que acharam de Hugo Black?
Na próxima semana regressaremos ao FBI, ao inspetor-chefe Poleris e ao seu assistente Crowe, pois iremos ter um acontecimento surpreendente que vai ter consequências em toda a história. Algo muito inesperado!

Próximo capítulo:
Desconfianças e mistérios.



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