Sentenciados escrita por André Tornado, AnnieWalflarck


Capítulo 4
Passagem para outra dimensão


Notas iniciais do capítulo

Olá queridas leitoras, caros leitores!
Vamos a mais um capítulo de Sentenciados. Preparem os vossos corações, pois vão haver grandes surpresas.
Hoje também iremos conhecer mais uma personagem importante para o desenrolar das aventuras e desventuras da senhorita Amanda Scott.
Eu e a AnnieWalflarck agradecemos todos os comentários e favoritos que esta história tem alcançado. Muito, muito obrigado/a!
Boas leituras!



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Perdida! Sentia-se perdida. Iria pagar por um crime que não tinha cometido. E só por causa de uma teimosia esquisita, uma consciência contrária aos seus instintos de preservação que lhe dizia para insistir naquilo.

Amanda Scott pediu a Poleris que lhe trouxessem água, apenas água, fresca para se hidratar, antes de este sair da sala de interrogatório, acompanhado do calado Eric Crowe. Ainda conseguira murmurar esse pedido, por entre o seu desnorte. Não percebeu se tinham concordado, porque falara sempre de cabeça baixa e num fio de voz.

Tinham-lhe dado alguns minutos para pensar. Ela não tinha nada para pensar! Fizera asneira e agora tinha de pagar as consequências do que tinha feito. O melhor seria contar que regressara ao Call Center para se ir refugiar na tal sala de reuniões e que recolhera o bilhete e…

Uma dor apertou-lhe as costelas, como se estivesse dentro de um colete de forças.

Havia outra coisa para além do bilhete que tinha apanhado e que estava junto do cientista assassinado. E não sabia explicar porquê, mas logo que a polícia chegara e desatara a fazer perguntas, resolvera que não iria revelar aquilo a ninguém… Curiosamente não tinha sido revistada. Tinham-na algemado e levado para aquela sala de interrogatório do FBI e continuaram sem revistá-la. Se sabiam do bilhete foi porque ela o tinha entregado.

Suspirou profundamente e levantou ligeiramente o rosto. Olhou através das pestanas e reparou que tinha uma câmara de segurança a apontar diretamente para ela. Estavam a gravar os seus instantes, as suas atitudes. Haveria certamente alguém do outro lado da janela espelhada que a estava a ver diretamente e que conferia, de quando em vez, as imagens do monitor transmitidas por aquela mesma câmara.

Então, foi discreta.

Continuava sem perceber por que motivo estava a fazer aquilo, mas a sua intuição feminina gritava-lhe que não lhes contasse ainda sobre o misterioso relógio, com a pulseira rasgada, que recuperara junto do cadáver do cientista.

Disfarçadamente retirou o objeto de dentro da blusa interior. Não o tinha guardado no bolso das calças, o volume teria chamado a atenção – outra das suas decisões que implicavam que ela, inconscientemente, sabia que iria precisar daquilo. Então enfiara o relógio dentro das roupas e sentia-o a picar junto ao cós das calças, mas não denunciara que o tinha. Por causa do seu desacerto e relativo pânico, ninguém se apercebeu que guardava algo sólido ali.

Então, disfarçadamente retirou o objeto e apertou-o entre as mãos que escondia debaixo da mesa. Cabisbaixa, com um aspeto deplorável devido aos cabelos despenteados que caíam numa cascata e lhe escondiam o rosto, quem a visse através da câmara, através da janela espelhada, não dava a entender que estaria a fazer alguma coisa. Percebia-se somente que ela estava deprimida com o que estava a acontecer, derrotada pelos acontecimentos, exausta demais para ter uma postura menos acabada. E sedenta, pois pedira água.

O relógio estava peganhento e ela imaginou que fosse por causa do sangue. Sentiu nojo, mas não parou de o explorar com os dedos. O polegar passou pelo mostrador, num gesto de limpeza. A correia estava rasgada, o defeito devia ser de origem. Ou teria Charles Big tentado arrancá-lo do pulso do cientista? Mas se o fizera, por que motivo o deixara ao lado do cadáver?

Ela pensava. Talvez porque quando o ia levar, Charles Big escutara o barulho que ela fizera e correra atrás dela que tinha sido uma testemunha do assassinato do cientista. Então, com a pressa, tinha-o deixado cair e não se tinha apercebido, pelo que não voltara à sala para recuperar o relógio.

E aquilo seria mesmo um relógio?

Como estava de cabeça baixa não lhe foi difícil continuar a ser discreta e Amanda espreitou o objeto que se fechava entre os seus dedos. Bem, parecia um relógio. Era quadrado e a superfície do mostrador preto, de forma também quadrangular, era de vidro. Existiam teclas minúsculas na lateral e com os dedos pressionou ligeiramente. A coisa ligou-se, emitindo uma ténue luz verde. A garganta dela apertou-se, com receio de a luminosidade ser percetível e fechou as mãos sobre o relógio.

Sem nunca deixar de olhar para baixo, espreitou pelas frestas dos dedos e divisou algarismos, letras, tudo muito pequeno para que coubessem no mostrador que estava aceso. Ela não sabia o que aquilo significava e resolveu guardar o relógio outra vez e pensar, pensar seriamente, no que fazer a seguir, quando Poleris e Crowe regressassem à sala. Os seus minutos já deviam estar a terminar e ela iria ser novamente interrogada.

Podia contar que recuperara o papel com o tal nome do grupo “Sentenciados” porque regressara à sala do Call Center, mas podia continuar a ocultar a existência do relógio. Sim, talvez com essa meia verdade, que iria esclarecer as dúvidas do inspetor-chefe, a deixassem sair dali para que pudesse, finalmente, regressar a casa. Então, uma vez no seu quarto, dormiria, descansava o suficiente para decidir o que fazer com o relógio, no dia seguinte…

O dia seguinte iria ser bastante complicado, julgou ela, apreensiva e assustada. Acreditava que lhe era impossível entrar ao serviço a tempo da reunião do chefe, que iria acontecer às seis da manhã. Iria faltar de certeza ao trabalho e tinha de arranjar uma desculpa que não o ofendesse demasiado… Bem, ele provavelmente já teria sabido pelas notícias de que tinha acontecido um assassinato no edifício da Rua 21.ª e muito provavelmente também estaria a tentar contactá-la pelo celular para saber o que ela sabia sobre o ocorrido. Amanda mordeu o lábio inferior. O celular tinha-lhe sido confiscado pela polícia e não havia maneira de satisfazer as perguntas do chefe.

Ela estava perdida duplamente! Acusada de um crime, seria despedida, a sua vida estava um caos.

Olhou para o relógio. Não, não iria ficar com aquilo! Não iria contar apenas uma meia-verdade! Contaria tudo e entregaria o relógio a Poleris, explicando exatamente o que tinha acontecido. Claro que ele haveria de lhe perguntar por que razão não lhe tinha contado tudo, desde o início. Ela diria que estava assustada, que se sentira pressionada por achar que não estavam a acreditar nela, não fora coerente. Bem, pelo menos havia a evidência da balística de que não tinha disparado nenhuma arma nas últimas horas… Era uma possibilidade. Uma excelente possibilidade.

A confiança inundou-a com uma sensação reconfortante de calor, como se lhe tivessem colocado um agasalho nas costas. Sorriu, respirou fundo. Já conseguia ver uma luz ao fundo do túnel depois daqueles momentos aterrorizadores em que fugira de um assassino, em que tinha a polícia a acusá-la, em que sofrera na pele a tensão de uma sala de interrogatório do FBI.

Os dedos moveram-se sobre o relógio e ela procurou o botão certo, qualquer um, que desligasse aquilo. Pressionou. Escutou-se um silvo. Os algarismos definiram uma equação qualquer no mostrador. Amanda prendeu o ar no peito. Teriam escutado aquele apito? Mas se o tivessem feito, já não importava… pois ela iria contar que tinha aquele relógio que pertencera ao cientista.

Leu, de relance, um nome no mostrador, escrito em letras digitalizadas, muito pequenas. Terris O’Brian.

Espera… Não era esse o nome do cientista?

Uma força inesperada atingiu-a e ela caiu para trás. Gritou ao sentir o impacto das costas no chão da sala. Resvalara da cadeira e tombara, como se algo ou alguém a tivesse empurrado. Ficou espantada e boquiaberta a olhar para cima, para o teto… que se tinha dissolvida num céu negro.

Engasgou-se com a saliva que lhe encheu a boca e, a tremer, tentou levantar-se.

Olhou em volta à medida que se soerguia com os braços moles como gelatina. A sala de interrogatório tinha-se dissolvido e ela estava no meio da rua. O empedrado do passeio estava húmido porque era de noite e fazia frio. Amanda pôs-se de pé e quando ia levar as mãos aos braços, para se aquecer, reparou que tinha na mão o relógio. O mostrador indicava realmente o nome do cientista, Terris O’Brian e um código alfanumérico que ela reconheceu como uma coordenada. Passados poucos segundos, o mostrador apagou-se.

— O que foi que aconteceu? Onde estou?

Estava nas traseiras de um bairro, havia caixotes do lixo com sacos pretos a deitar por fora, gatos vadios a miar no meio da sujidade em busca de restos para comer. Amanda forçou-se a andar e, a tropeçar nas próprias pernas, sentindo o estômago gelado de medo, a dúvida a baralhar-lhe os sentidos, caminhou devagar até à luz, mais adiante. Nessa rua – estava na rua e nem se imaginava como fora ali parar, teria sido o FBI que a libertara? E por que motivo não se lembrava? Teria sido drogada com algum soro da verdade para que confessasse e a amnésia era um dos efeitos secundários?— e nessa rua descobriu que havia um clube, pelo enorme letreiro brilhante que piscava por cima de uma porta vermelha que estava fechada e que era guardada por um homem corpulento.

Amanda guardou o relógio na blusa, no mesmo lugar de onde o tinha retirado, limpou os dedos sujos de sangue seco nas calças. Respirou fundo e preparou-se para voltar para casa. Era a melhor decisão que podia tomar, pensou, mesmo que não tivesse a sua bolsa onde teria as chaves que lhe permitiriam aceder ao seu apartamento, nem sequer o celular. Mas confiava que não fosse demasiado tarde. Iria pedir ajuda à porteira que guardava sempre um conjunto de chaves suplementares.

Seria tarde? Pelos seus cálculos devia ser, contudo, a rua apresentava movimento como se fosse hora do jantar, ou um pouco mais tarde. Apertou o relógio através do tecido da blusa e a seguir largou-o. Não iria consultar aquilo para saber as horas! Já tinha percebido que era um relógio estranho que não marcava as horas. O que marcaria, então?

Apertou a cabeça entre as mãos, fechou os olhos, franziu a cara numa careta de sofrimento. Estava aflita e zonza com os seus pensamentos que a empurravam para um abismo grande e negro. Ela tinha perdido a sua sanidade, estava traumatizada e precisava urgentemente de descansar. Casa… Sim, ir para casa era um excelente objetivo.

Escutou vozes, passos e recuou para se furtar à iluminação do candeeiro. Não queria ser reconhecida como a suspeita de assassinato que estaria nas notícias. Viu um grupo de quatro mulheres alegres que se dirigiram para o clube. Riam-se e comentavam qualquer coisa que uma delas lhes mostrava no seu celular. Estavam tão divertidas e ela invejou-as. Era tão bom que a sua vida fosse mais despreocupada… Se antes considerava não ter vida social, por causa do seu chefe autoritário, agora sentia-se enclausurada numa situação ingrata.

Atrás das mulheres vinha um homem, mas pela distância que guardava destas, não fazia parte do grupo festeiro e até tentava manter-se longe delas. Também ia para o clube. Tinha uma postura defensiva, de costas curvadas, cabeça em baixo, as mãos enfiadas nos bolsos das calças. Arrastava-se em vez de andar, estava perdido nos seus pensamentos.

O coração de Amanda começou a bater como um tambor desordenado. Reconhecera o homem. Foram os pormenores que lhe chamaram a atenção. Primeiro, o cabelo ruivo. Depois, no pulso direito… usava o relógio estranho, com a pulseira reparada.

— Terris… – murmurou ela.

Era o cientista assassinado! Amanda tinha a certeza absoluta que era o cientista. Novas interrogações encheram-lhe o cérebro como um desmoronamento, os pedregulhos a chocarem-se uns contra os outros, a soterrar a sua pouca sanidade.

Terris O’Brian passou por ela e deitou-lhe um olhar de relance. Não a viu, como se costuma ver uma pessoa. Foi mesmo apenas uma olhadela de raspão, quando se percebe que alguma coisa está nas laterais do nosso campo de visão. Ele não teve um reconhecimento, como estava a acontecer com ela. Apenas tomou consciência de que estava ali alguém, na penumbra. Seguiu o seu caminho e postou-se mais ou menos um metro antes do grupo das quatro mulheres que cumprimentavam o homem que guardava a entrada do clube e que lhes abria a porta. O cientista conferia o dinheiro que tinha na carteira de uma forma displicente.

Amanda estava perto do desmaio. Terris O’Brian estava… vivo! Então quem tinha morrido no Call Center? Quem teria Charles Big assassinado? Num reflexo pousou a mão no peito, com receio de que o coração fosse saltar da caixa torácica, tal era a fúria com que batia.

— Aguarda companhia para entrar, senhorita?

Novo susto e Amanda gritou. A cabeça do cientista rodou e ele olhou por cima do ombro para verificar de onde tinha partido aquele grito. As quatro mulheres esgueiravam-se para dentro do clube. Agora que a porta estava aberta, a música alta e estridente que animava o espaço era ouvida na rua. O cientista guardou a carteira no bolso de trás das calças e aproximava-se do tipo corpulento.

Amanda tinha um jovem rapaz que lhe sorria, diante de si. Cabelos negros, integralmente vestido de preto, um rosto pálido, mas incrivelmente bonito, com aquela beleza andrógina de um ser da noite, tão harmonioso quanto desconcertante, impossível de descrever por palavras terrenas. Ela acreditava que os vampiros seriam assim, velados com todo aquele mistério sombrio.

— De-desculpe? – gaguejou num sussurro.

O homem ofereceu-lhe o braço.

— Eu levo-a até ao clube, senhorita. Creio que pretende conhecer o cientista.

Ela retraiu-se. Negou, obstinada.

— Não, não… Deve haver aqui algum engano. Eu não quero ir para o clube. Devo voltar para casa. Acho que preciso… de um bom banho quente e de uma boa noite de sono. Um dia de folga… Amanhã não irei trabalhar. Boa noite.

— Senhorita Amanda Scott – insistiu o desconhecido. – O prazer será todo meu.

— Como sabe o meu nome?! – exclamou ela, alarmada, espalmando-se contra a parede.

— Hugo Black, ao seu dispor – apresentou-se ele com um sorriso que a cativou mais do que ela teria desejado. Ele era um perfeito estranho, um misterioso estranho que estava a hipnotizá-la.

Tentou afastar-se, não foi capaz. A parte sã da sua consciência estava sepultada pela avalanche de anormalidades que tinham sucedido naquelas poucas horas. Viu-se a si mesma a agarrar-se ao braço a Black.

— Acho que não estou muito apresentável para ir a um clube…

— Não se preocupe com isso, senhorita. Está encantadora!

— Vai contar-me o que se está a passar aqui?

— Sou apenas um regulador.

— Um regulador de quê?

Hugo Black entremostrou um sorriso sedutor.

— Não sabe? Anda a brincar com coisas perigosas e não sabe? Mexe com as dimensões e não sabe?

— O cientista…

— Terris O’Brian anda a brincar com os deuses. Não é algo recomendável.

— E eu? O que faço no meio disto tudo?

— A senhorita foi apenas curiosa. Mortalmente… curiosa.

Amanda olhou para cima. A porta do clube abria-se para lhes dar passagem.


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Notas finais do capítulo

A Amanda acabou de reencontrar o cientista assassinado, Terris O'Brian... muito vivo, depois de uma viagem estranha que a deixou baralhada.
E agora temos Hugo Black - quem será ele? Apresentou-se como um regulador. O que significará?
Os problemas da Amanda continuam... ela está a envolver-se demasiado nesta história.

Próximo capítulo:
No clube.



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