Sentenciados escrita por André Tornado, AnnieWalflarck


Capítulo 3
Na cena do crime


Notas iniciais do capítulo

Olá leitoras e leitores!
Vamos a mais um capítulo desta história?
Hoje regressamos a Amanda Scott e veremos o que aconteceu depois que ela chamou a polícia...

Boas leituras!



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No décimo andar do edifício parcialmente às escuras, Amanda manteve-se à espera de seus salvadores com uma esperança latente a crescer em seu peito. Sim, via a polícia como os seus salvadores. Mal sabia ela que nada estaria a seu favor depois de a cena do crime ser descoberta e todo o cenário selado para investigação.

De qualquer forma, depois de pensar sobre a situação viu que o seu infortúnio seria óbvio e poderia ter sido evitado se não tivesse tomado a pior iniciativa minutos antes de a equipe de socorro e a polícia adentrar ao prédio da Rua 21.ª. Nunca devia ter passado novamente pela sala do Call Center e, mais importante, nunca deveria ter mexido em nada.

Para os policiais que atenderam a ocorrência, a cena do crime fora adulterada e Amanda acabou sendo algemada e levada pelos investigadores como a principal suspeita pelo assassinato de Terris. Tudo porque assim que coletou o papel com a inscrição e o relógio, além de entrar em contato com o sangue do cadáver, acabou por espalhar as suas digitais em vários locais do escritório.

A única coisa que ainda não era conclusiva, na visão dos policiais, era a questão da arma usada no crime que ninguém localizou no edifício. Mas aquilo de qualquer forma não seria necessariamente um problema, já que a investigação balística revelaria de qual arma os projéteis tinham sido disparados, ocasionando a morte do renomado cientista. Era só uma questão de tempo até a suspeita revelar o que fizera com a arma.

Amanda fechou os olhos. A pior parte de ser investigada por um crime que não cometeu era que o caso acabou tomando proporções estratosféricas, pois a polícia comum passou o caso para o FBI, assim que esta descobriu que o crime se relacionava com o grupo criminoso, “Sentenciados”, por culpa do papel que entregou ao agente da polícia que lhe fez as primeiras perguntas.

A secretária da “Investimentos & Segurança” sabia que o que tinha acontecido no edifício da sua empresa certamente seria noticiado em todos os jornais do país e porventura do mundo. Seria conhecida como uma “assassina” por todos os telespectadores, e embora soubesse que era inocente e que o caso poderia ser esclarecido, até que tudo fosse colocado na mídia de forma clara, o escândalo envolvendo o seu nome já estaria feito. A presunção de inocência não existia para a opinião pública. Se alguém era associado a um crime, então essa pessoa era automaticamente culpada.

Depois, por causa dos noticiários que já estariam a cobrir o acontecimento como uma notícia de “última hora”, assinalada a letras garrafais a vermelho para chamar a atenção, Charles Big, o verdadeiro assassino, iria ficar a saber da existência dela. Ele já sabia que tinha havido uma testemunha, pois a tinha perseguido, mas com as notícias ficaria a conhecer a sua identidade. Depois bastava procurar nos arquivos e descobria a sua morada…

Quantas horas já haviam se passado desde que ele fugira do escritório? Ela não sabia dizer, já havia perdido a noção do tempo, a sanidade, bem como metade das unhas que foram roídas em meio ao seu lapso nervoso, ao pensar nas possibilidades desastrosas envolvendo os enlaces de sua vida.

Ela tinha sido levada para uma das agências do FBI na cidade e fora fechada numa sala de interrogatório que não tinha qualquer ligação com o exterior. Um local abafado, de paredes acanhadas que se fechavam sobre ela, um teto falso, uma janela espelhada que dava para um compartimento de controlo onde estariam a vigiar as suas reações – como ela vira tantas vezes nos filmes e nas séries de investigação criminal. Agora ela protagonizava uma dessas cenas.

Nada de conclusivo acontecia e Amanda, retida na sala de interrogatório do FBI, alimentava as suas paranoias, mantinha-se amedrontada e a sua cabeça era um enorme emaranhado que a impedia de formar um depoimento conciso. Tinham feito as perguntas da praxe, a curta sessão tinha sido conduzida por um investigador júnior que bocejava entre as interpelações, como se fosse um aborrecimento enorme estar ali a falar com ela, porque já sabia que era culpada e que por muito ou pouco que dissesse, nada alteraria esse estado.

Isso era outra das conjeturas que Amanda fabricara, porque achara estranho o pouco empenho desse investigador. Ela respondera a tudo com o de sempre, de que apenas vira o que tinha acontecido – o cientista tinha sido morto por um funcionário que trabalhava no edifício na sala do Call Center. Cansado, o investigador desistiu de prolongar as perguntas. Na sala de interrogatório, depois de uma espera desesperante que a encheu de sede, entrou o inspetor-chefe do FBI, John Aldo Poleris.

Poleris era um coordenador de operações do FBI, com um currículo impressionante e várias condecorações relacionadas com a excelência do seu serviço na força federal, ele também era o principal agente empenhado em terminar com os ardilosos planos do grupo terrorista a qual Amanda se via ligada agora.

Esse era o principal problema e ela ainda não tinha percebido. Ela estava não apenas a ser associada ao crime, mas também aos “Sentenciados”.

Na verdade, o inspetor-chefe tinha motivos muito mais sólidos para estar trabalhando tão intensamente para levar os criminosos daquele grupo em específico para trás das grades... Motivos mais do que pessoais... E saber que tinha um dos seus membros na sua mira, era como se o seu trabalho tivesse convergido para aquele momento. Um momento que ele esperava que fosse de glória.

O inspetor-chefe colocou-se à frente da interrogada, sentando-se na cadeira que existia oposta à de onde ela se sentava. Cruzou as mãos sobre o tampo e deixou as costas bem direitas, tentando mirá-la sem querer parecer muito antipático. Tinha trazido uma pasta de arquivo com alguns papéis, documentos relacionados com o caso. A sua voz era suave quando perguntou:

— Você então nunca o havia visto antes?

Era um sujeito bonito, avaliou Amanda num lampejo. Sobrancelhas espessas, um cabelo negro rebaixado, braços largos, peitorais bem definidos porque devia fazer musculação. Porém, se lhe viu algum traço agradável, foi de pronto esquecido pois ela recordou-se com amargura de que aquele homem era mais um acusador disposto a encurralá-la.

Passou os olhos, apreensiva, pelo local. A mesa retangular, as duas cadeiras, a sua e a que o homem ocupava, uma intensa luz que batia no centro da mesa provinda da luminária principal. O cenário intimidante deixava-a pálida, as pupilas dilatadas, uma dor como um soco a perfurar-lhe o estômago vazio, cheia de sede. Estava completamente aérea ao ponto de não escutar os questionamentos lançados.

— Senhorita? Fiz uma pergunta. – O sujeito tocou a mão de Amanda levemente fazendo com que se assustasse. – Acalma-se... Está muito nervosa – preocupou-se o agente. – Estamos aqui para ajudar.

— Ajudar? – disse Amanda com lágrimas nos olhos e num tom magoado. – Eu liguei para a policia para pedir auxílio depois de quase ser morta por um sujeito que trabalha comigo, que matou outra pessoa na minha frente e depois sou levada presa como principal suspeita de cometer o crime? – Não sabia como sua língua conseguia trabalhar tão rápido, tudo havia sido lançado em um só fôlego e as frases pareciam emendar-se umas nas outras mostrando a urgência em desabafar seu desapontamento para com os reguladores da lei. – Eu já repeti isso tantas vezes que estou cansada. Quero ir para casa… Mas estou cheia de medo! O tal sujeito pode vir atrás de mim… – falou Amanda soltando o ar que retinha com lentidão.

— Sinto muito que esteja passando por isso… Mas percebeu a minha pergunta?

— Qual pergunta?

— Você nunca o havia visto antes?

— Qual deles? Existem duas pessoas, o assassino e a vítima. Se estão a falar do assassino, já vos contei que ele trabalha nos escritórios como segurança e é conhecido por Charles Big. Poderá ser um apelido, não sei… Nunca tive muito contacto com o pessoal das finanças… Quanto à vítima, esse tal de cientista, o homem ruivo… Não, nunca o tinha visto antes!

— O que fazia naquele local, senhorita… – Ele abriu a pasta e percorreu a ficha da moça, sublinhando com um dedo, e leu o nome dela com certa hesitação. – Amanda Scott.

— Eu estava trabalhando. Precisava entregar um relatório importante para o meu chefe...Vocês podem ligar para empresa e verificar sob que circunstância isso ocorreu... Ele pode esclarecer – explicou ela tentando soar calma.

— Senhorita Scott, é bom ter mesmo alguém que testemunhe a seu favor, pois as coisas estão complicadas para você. Para além das impressões digitais que apurámos na cena do crime, existe uma ligação que foi rastreada do celular da vítima que veio impressionantemente da sua sala, como explica isso?

— Da minha sala? – Amanda pareceu chocada e ainda mais descrente do que estava a acontecer. Ela estivera sozinha a redigir o relatório e certamente que não vira ninguém por perto, ou ter-se-ia apercebido, já que o silêncio era total. – Eu sinceramente não sei, mas garanto que não podia ter ligado ao cientista… Eu, sinceramente, nem o conhecia… antes de o ver… antes de ele…

Apertou os lábios, incapaz de continuar. Fechou os olhos e reviu mentalmente aquela imagem impressionante de o tiro a explodir com o crânio do homem.

— O senhor Terris O’Brian é um cientista que trabalha no departamento de investigação da empresa “Bionics” – esclareceu Poleris e Amanda abriu os olhos. – Nunca ouviu falar dessa empresa?

Amanda balançou negativamente a cabeça.

— Muito bem… Então me relate outro ponto.

A porta da sala abriu-se entrou um segundo homem. De estatura mais baixa, cabelo encaracolado, usava óculos de armação metálica e tinha um ar cansado, como se tudo lhe causasse fastio. Trazia dois copos descartáveis que fumegavam e o perfume de café quente encheu o pequeno compartimento. O homem entregou um dos copos a Poleris e foi encostar-se à parede, junto à janela espelhada, a bebericar o segundo. A secura da boca de Amanda aumentou e ela entreabriu os lábios. Aquilo era uma espécie de tortura, para fazê-la vergar… Poleris bebeu um gole da sua bebida, com cuidado pois devia estar quente e apresentou o outro.

— Eric Crowe, o meu assistente neste caso.

Amanda olhou-o irritada. Que falta de cordialidade não lhe terem oferecido nada. Era mesmo uma tortura… Poleris pigarreou para chamar-lhe a atenção.

— Me relate outro ponto. Esse… segurança a que chama de Charles Big…

— Sim. O assassino – adiantou Amanda inclinando-se para a frente.

— O assassino… – repetiu Poleris vagamente. – Sabe que as câmeras de segurança estranhamente foram desligadas pontualmente às sete horas da noite e alguém do setor de manutenção do prédio disse que houve uma falha de energia, você confirma o fato?

Amanda negou enfaticamente. O cheiro do café estava a enlouquecê-la e o tal de Crowe a assistir a tudo, em silêncio, estava a incomodá-la.

— Não, não me lembro de nenhuma falha de energia. E não sei nada sobre as câmeras de segurança. O meu trabalho naquele edifício não é esse. Sou somente uma secretária!

— O que significa que não existe nenhum registo de uma segunda pessoa no local do crime, senhorita Scott.

— Mas lá por não terem imagens que provem os acontecimentos, não quer dizer que eles não ocorreram! Existe uma testemunha. Eu! Eu vi o que se passou…

— Estamos aqui para reconstruir os acontecimentos, senhorita Scott. Precisamente. Com base nas evidências físicas e nos relatos que nos seja possível obter das eventuais testemunhas. O nosso trabalho é compilar todos os dados e extrair deles um quadro preciso sobre o que aconteceu para levarmos à justiça o julgamento do crime. Estamos compreendidos?

— Perfeitamente, Inspetor. Eu quero colaborar.

Poleris fez um sorriso ligeiro.

— Ótimo! Vamos então à sua preciosa colaboração, senhorita Scott… Conte-me sobre as horas que passou no seu local de trabalho até à saída.

Amanda engoliu em seco.

— Como disse, estive a fazer horas extraordinárias por causa de um relatório que o meu chefe me exigiu. Precisava desse relatório para uma reunião que vai acontecer amanhã, de manhã. Estive a usar o computador e não me apercebi de qualquer falha na energia. Lembro-me que quando concluí as minhas tarefas eram onze e quarenta e ponto… Vinte minutos para a meia-noite. O médico legista que vai autopsiar o corpo do cientista poderá confirmar a hora da morte e verão que irá coincidir, mais ou menos, com o que vos estou a dizer.

— O que não abona em sua defesa, senhorita Scott. O crime ocorreu, então, quando terminou esse relatório. Não é um álibi muito forte, pois não?

Amanda não desistiu e continuou a relatar o seu dia infernal, o que viu depois do relógio marcar onze e quarenta da noite. Os barulhos que ouvira vindos do Call Center, a cena de terror que presenciara às escondidas. O tal cientista ruivo, qualquer-coisa O’Brian, a ser ameaçado pelo homem que ela reconheceu ser o Charles Big, o disparo fatal depois de uma conversa que ela recordou aos pedaços. Tinha que ver com um projeto, havia um pendrive no meio, o cientista não queria colaborar… Depois, ela a fugir, o brutamontes a correr atrás dela, a tentativa de escapar pelas escadas, o pontapé monstruoso na chapa da porta corta-fogo. Ela a chamar pela polícia, ela a esconder-se na sala de reuniões…

O detetive mantinha-se atento ao relato, sentindo que a moça não estava a ocultar nada, que estava a ser sincera. Os momentos de pânico que teria vivido não a levavam a querer mascarar a experiência. Mas ele já tinha conhecido tantos mentirosos habilidosos, tantos criminosos que usavam a empatia para saírem favorecidos! Por outro lado, havia as suas motivações pessoais, o nome dos “Sentenciados” pelo meio. Reconhecia a presença de Crowe nas suas costas. Ele estava ali para que o FBI se certificasse de que a parte emocional dele não interferia na parte racional. Ele gostava de Crowe, mas por vezes era demasiado intrometido.

No entanto, por muito que estivesse tentado a crer no relato de Amanda Scott, havia peças que não se encaixavam e olhar para ela era frustrante.

— E como explica que tinha na sua posse… isto?

À frente dos olhos de Amanda que baixaram para a mesa estava um pedaço de papel ensanguentado inserido num saco de plástico. O bilhete… Ela engoliu em seco. Uma tontura enevoou-lhe a vista.

— Eu…

— Senhorita Scott?

— Eu…

— Existe alguma coisa… que nos está a ocultar, não é?

Poleris sentia a excitação da caça. Estava próximo de algo significativo, uma pista muito válida que o levaria até ao grupo terrorista que ele tinha jurado capturar e desmantelar, levar os seus membros à justiça. Acertar velhas contas com aquele que ele julgava ser o chefe máximo da organização…

— Pode não ter apertado o gatilho, os testes de balística já nos foram devolvidos e indicam que realmente, nas últimas horas, não disparou nenhuma arma, mas está a encobrir o seu cúmplice, não é? “Sentenciados”.

Deixou a palavra pairar na sala. Amanda estremeceu. Colocou suas mãos para debaixo da mesa e as apertou.

— E-Eu não estou... Ocultando nada – gaguejou.

— Quer saber a minha opinião? A minha opinião mais sincera? Eu acredito naquilo que declarou. A senhorita está a contar a verdade… Apenas não consigo ver em seus olhos a certeza naquilo que está a contar. Existem… lacunas. Espaços em branco. E esses espaços não podem ficar em branco, está a compreender-me? A minha intuição diz-me que são factos importantes! E depois temos uma prova incriminatória na sua posse! Um bilhete com um nome…

— Eu… Nome?

— “Sentenciados” – insistiu Poleris.

— Não sei quem possam ser…

— Como obteve esse bilhete, senhorita Scott? Se só esteve na sala do Call Center quando presenciou o assassinato, sem interferir como nos contou, então como conseguiu recuperar um pedaço de papel com o sangue da vítima?

Após uma pausa dramática, Poleris levantou-se. A cadeira arrastou pelo chão, fazendo um barulho irritante. Amanda voltou a estremecer.

— Vou deixá-la pensar. Regresso daqui a uns minutos.

As mãos de Amanda estavam suadas e ela apertou-as ainda mais, criando uma bolha de calor. O inspetor-chefe olhou-a com descrença e dirigiu-se para a porta da sala, fazendo um sinal ao seu assistente. Levava a pasta com os documentos, a bolsa de plástico com o bilhete ensanguentado, o copo de café.

Quando ficou sozinha, Amanda sentiu-se à beira do desmaio. Estava começando a ser embaraçosa, a sua mentira. E havia mais que ela não tinha contado…


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Notas finais do capítulo

E parece que a Amanda se encontra com problemas - ela é tida como a principal suspeita do homicídio do cientista Terris O'Brian! Ter regressado à sala onde ocorreu o crime foi um enorme erro. As provas foram contaminadas e por algum motivo o FBI não está a acreditar na sua história, de que ela testemunhou o assassinato e não fez parte deste.
Neste capítulo foram apresentados mais dois personagens desta história, o inspetor-chefe John Aldo Poleris e o seu assistente, Eric Crowe. Fiquem atentos, eles serão fundamentais nesta história.
O interrogatório foi pesado, mas a Amanda aguentou-se bem. E o que será que ela está a esconder?
Saberão na próxima semana.

Eu e a AnnieWalflarck agradecemos o vosso interesse por esta história, a leitura e todos os comentários.

Próximo capítulo:
Passagem para outra dimensão.



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