Sentenciados escrita por André Tornado, AnnieWalflarck


Capítulo 18
Os reencontros impossíveis


Notas iniciais do capítulo

Minhas amigas e meus amigos, vamos ao último capítulo desta história.
Eu e a AnnieWalflarck agradecemos muito, com o coração cheio, a maravilhosa receção que esta história teve.
Muito, muito obrigado a todos os favoritos, leitura e comentários.
Muito obrigado também aos leitores-fantasma.
Todos contribuíram para tornar esta experiência fantástica e inesquecível.

E de seguida, iremos dizer adeus a Amanda Scott e a Terris O'Brian
Boa leitura!



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As cortinas esbranquiçadas do quarto tremulavam com o vento noturno e fresco do começo do verão, trazendo um som pouco convencional, quando Amanda Scott abriu os olhos em sua primeira madrugada de internamento. Estaria tudo tranquilo se não estivesse a olhar para um rosto oculto por um chapéu que estivera a observar seu sono, minutos antes.

— Boa noite – cumprimentou o visitante. Depois endireitou-se e voltou-se para a janela com certa despreocupação.

Amanda deveria ter sentido medo por ter um estranho em seu quarto, contudo permanecia surpreendentemente calma. As últimas horas apresentavam tantos fatos incômodos, desconexos e incoerentes que ter uma figura no meio da escuridão, parada em frente à janela do seu quarto, parecia aceitável.

— Boa noite... – respondeu com naturalidade, tentando reconhecer o invasor que não a amedrontava.

— Eu me chamo Ian Red – apresentou-se, virando-se para ela.

Amanda apertou os olhos levemente, escrutinando aquelas feições. E sentiu, de repente, um choque em todo o seu corpo, uma explosão de luz. A sua mente foi bombardeada por lembranças. Lembrou-se dele! Aquele homem que lhe invadia o quarto a horas impróprias da noite. O homem que a convencia a ir para o Nebrasca. O seu encontro noturno com o mesmo homem saindo de um clube. O momento em que o viu ser morto pela primeira vez dentro da sala do Call Center… Foi uma onda de recordações e de fragmentos de acontecimentos que pareciam nunca ter acontecido. Uma realidade paralela. Várias realidades.

No dia do acidente não fora impressão que alguém a havia retirado da linha do carro. Ela tinha sido salva por ele. Outra lembrança. Outra realidade?

— Terris... – Amanda pronunciou o nome em reconhecimento. – Eu pensei que... – atordoou-se com o emaranhado que lhe enchia a cabeça de sons e imagens.

— Eu também pensei, Amanda – ele interrompeu-a. Fez uma pequena pausa para que Amanda compreendesse quem ele era. Para que se lembrasse, porque o reencontro terminaria minutos depois. Confessou com amargura: – Para falar a verdade, eu cheguei aqui imaginando que apagar sua memória seria simples, como me fizeram acreditar.

Amanda não o escutou. Ela disse:

— Eu não entendo. O que aconteceu com você? Como pode estar vivo? – Os seus olhos nublavam-se como acontecera no cemitério, mas havia também surpresa e… Felicidade.

— Eu precisava morrer – colocou ele com naturalidade, como quem contava uma banalidade. Encostou-se ao parapeito da janela e contou: – É complicado explicar como sempre foi desde o começo. Os reguladores precisam da dimensão tempo ordenada e eu interferi. Tenho de trabalhar para eles agora, reparar os estragos que fiz. Removeram minha identidade, Amanda… Acontece que as minhas memórias foram ativadas quando vi seu rosto da primeira vez que nos reencontrámos. Pelo menos, parte dessas memórias… Sempre que nos encontramos, isso acontece. E eu tenho de passar pelo processo outra vez.

Removeu o chapéu que usava, passou as mãos pelos fios ruivos desgrenhados, mais longos. Ele parecia um pouco mais velho do que ela se lembrava. Tinha olhos cansados e a barba por fazer.

— Seu rosto me fez relembrar momentos – desabafou ele. – Pedaços que não fazem sentido se avaliados isolados. Mas a minha mente sempre foi habituada a criar padrões, então era fácil juntar as peças e compor o quadro definitivo. Eu estava certo que isso poderia acontecer com você também, por isso quis confirmar.

— Queria comprovar se a tentativa de vocês em me fazer esquecer foi falha ou obteve êxito? – Ela entendeu todo plano mesmo sem grandes explicações. – Você virou um tipo de Black?

Ele ficou pensativo. Tinha aquele nome em sua mente, porém não conseguia relacionar com uma figura concreta. Seria alguém que havia se cruzado com eles naquela aventura entre dimensões… Aquela era a prova de que nem tudo estava totalmente resolvido com suas memórias.

— Então vai me matar agora, como ele deveria ter feito? – A voz de Amanda tremeu nessa pergunta.

Ele negou lentamente.

— Não, Amanda... Se meu objetivo fosse esse, desde o princípio, não teria feito o que eu fiz, não acha? Não te teria salvado do carro. Se estás viva, neste hospital, foi porque eu interferi. Mas há uma verdade que incomoda. Uma verdade que todos ignoraram.

— E que verdade seria?

— Você não pode ser controlada – evidenciou sem orgulho. Uma mera constatação, uma variável intrigante, mas ainda assim apenas uma pequena variável de uma engrenagem maior. Já havia escutado isso da boca de Eric Crowe, mas ele experimentava isso de modo mais profundo. – Para sua sorte, a maioria pensa que você é alguém sem importância, irrelevante para o tempo e para o espaço. Acho que é porque não comprovaram a sua capacidade. Não como eu o fiz.

— O que quer dizer? – Amanda olhava-o quase sem piscar, em meio ao diálogo inesperado.

No começo sentiu que poderia abraçá-lo quando o viu. Seria estranho? Ela não sabia. Mas a vontade de estar próxima a ele foi minguando gradativamente com aquela frieza que ele demonstrava na exposição dos factos. Provavelmente, aquele não era o Terris O’Brian de que ela se recordava. Era mais Ian Red do que o cientista…

Ele respondeu:

— O meu fascínio por você.

Ela sentiu suas bochechas ficando levemente rubras. Terris parecia sempre afirmar coisas que levavam-na aos pontos mais esquisitos daquela estranha relação.

— Você, Amanda, é a peça que ninguém conseguia compreender e encaixar, porque não faz parte do esquema a se combinar na equação do espaço e do tempo. Eu, por outro lado, sempre fui uma peça facilmente manobrável pelos reguladores.

— Continuas a não me dizer nada, O'Brian – protestou ela de seu modo impulsivo.

— Então esclarecerei de uma vez – proferiu com um sorriso. Ele gostava de como Amanda reagia. – Quero dizer que não existe um lugar dentro da ordem para você. No entanto, você é a principal peça do sistema. Você, Amanda Scott, virou um erro dentro da cadeia de peças regulares. – Ele notou que ela iria interrompê-lo de novo, mas não deu-lhe tempo de processar. – As pessoas costumam dizer erradamente que só é possível fazer-se parte de alguma coisa quando se trabalha a favor deste algo. Porém, a verdade é que um sistema não se mantém em equilíbrio somente por algo que faz sentido. Ele necessita coexistir com o todo, principalmente com aquilo que está fora dele... Em resumo, o que estou dizendo é que tudo precisa de uma falha... Os erros são o que constituem e integram uma cadeia completa.

— Então, o que está dizendo é que eu sou a falha dentro da sua equação do espaço e do tempo?

Ele sorriu em resposta à dedução.

— Correto, Amanda Scott. Tu és a falha da minha equação perfeita.

— Deveria ser grata por isso, então? – questionou-o como se não soubesse o que dizer. Estava um pouco estarrecida ainda com a ideia de integrar algo que desde o princípio imaginou ter esbarrado por acaso.

— Não é uma questão de gratidão – ressaltou ele, admirado com a noção que ela fazia daquilo tudo, exposto daquela forma. – Mesmo porque nunca a vi como alguém a empregar tal sentimento...

— Eu sou uma pessoa grata. Não sou como você, se é o que supõe. O que quero dizer é que isso só funciona com as pessoas que merecem. Sou grata com as pessoas certas. – Ela mordeu os lábios, nervosa.

Ele não entraria no jogo de palavras. Lembrava-se de, três meses antes, tê-la seguido ao cemitério em seus saltos no tempo. De lhe ter visto as lágrimas e de lhe ter escutado os lamentos. Ela não estava disposta a revelar-lhe mais do que achava necessário. Então, cabia-lhe ser sincero e disse, mais para si do que para ela:

— Por isso que me rendi, Amanda. Porque tudo em você é impreciso, inexplicável, imprevisível e isso é bom… É diferente. Então, obrigado…

— Agora és tu quem se está a mostrar agradecido. Por quê? – indagou ela, espantada em escutar aquelas palavras.

— “Eu posso fazer isso Amanda, mas não posso fazer sem você.”– Ele repetiu a frase que já lhe tinha dito, num passado misturado com outros passados.

— O que não consegue fazer?

— Consigo compreender tudo que desejei. Consigo compreender o quanto essa rede composta por tantos universos realmente não significa nada sem sua presença. Por isso que disse aquilo a você… Você é aquela que esta destinada a me salvar. Esse é o meu entendimento. Entreguei-me a um trabalho que levei literalmente minha vida inteira para construir e todas as minhas esperanças… se resumiram a ti.

— Isso quer dizer que não vai mais apagar a minha memória? – O seu questionamento foi inocente, mas ela ainda estava curiosa sobre qual seria o seu destino no fim daquele enlace.

— Mesmo que quisesse apagar sua memória, eu não conseguiria fazê-lo. – admitiu ele, desiludido. – Tal qual enganei a morte supostamente por mais de uma vez, você tem a capacidade de destruir os planos de qualquer regulador, se desejar. Pode erguer-se poderosa e destruir qualquer dimensão. Reescrever a história à sua vontade.

— Mas… e se eu quisesse? Você sabe... Esquecer — ela indagou, repentina, como se não acreditasse no que a estava consumindo. – E se eu desejar não lembrar de nada disso? Se não desejar lembrar desse passado e das viagens no tempo?

— Caberá a você determinar como fará para se esquecer. Eu não tenho capacidade para ir contra o teu poder. – Baixou a cabeça e despediu-se num fio de voz: – Adeus, Amanda.

— Espere... Terris?... – pediu hesitante. Sentou-se na cama e chamou-o com um aceno. Queria-o perto. Voltou a sentir a necessidade de abraçá-lo.

Por que estava com tanto medo de vê-lo ir embora? Sempre acreditou que ele era o problema dentro da sua vida. Porém, revê-lo… Ouvi-lo… Entendê-lo causava hesitação em tudo que acreditava. Ela sentia-se perdida, contudo estranhamente bem pela desordem onde navegava por aqueles dias. Saber que tudo estava prestes a terminar a inquietava.

— Para onde você irá? – perguntou. – Poderemos nos ver novamente? Um dia?

— Não, Amanda. Assim que entregar o relatório aos reguladores, o caso será encerrado e nunca mais nos veremos novamente. Eu não posso ver-te… A tua influência cria um grave desequilíbrio.

Ela sentiu uma dor no peito muito grande. Por muito que achasse que seu sentimento por ele fosse compaixão, as coisas tinham mudado dramaticamente para um tipo de sentimento mais pungente e absoluto.

— Você irá mentir em seu relatório? – A pergunta era concisa e receosa. Ela temia por ele.

— Eu farei o que for necessário – admitiu ele, resignado.

— Para me proteger… Mais uma vez…

— É isso o que alguém faz por quem se ama, não?

Ele tinha a certeza que a determinação dela não se relacionava em nada com suas perguntas anteriores. Ela também não o queria esquecer. E era tudo muito mais do que afeição ou empatia por terem partilhado uma aventura perigosa juntos.

— Posso pedir mais uma coisa a você? Não como o regulador Red, mas como Terris O'Brian? – Inclinou-se para ele sem lhe dar tempo de responder. – Beije-me.

Os seus sonhos mais loucos estavam retornando. Terris desejou esquecer quem ele era agora, desejou esquecer que nunca poderia ficar com aquela mulher. Decidiu que, para ter alguma paz de espírito, aquele seria o ponto final e seria com um beijo de despedida. Uma derradeira e sincera união das suas bocas.

Aproximou o seu rosto do dela.

Os corações se agitaram como em uma dança e, instantes depois, Terris O'Brian desapareceu. Deixou em Amanda a sensação morna de um beijo e um olhar vago.

Nada seria como antes...

(...)

O ano era 2022 e os olhares atentos dos transeuntes que circulavam pela avenida movimentada de Nova Iorque se focavam em um telão acima de suas cabeças. No enorme monitor se exibiam as cenas de um programa de entretenimento comandado por uma renomada apresentadora.

A mulher que falava em tom de cumplicidade com o seu público gesticulava e usava tons de confidência ao anunciar a participação especial daquela tarde.

— E hoje estamos recebendo no nosso programa a escritora do bestseller "Condenados pelo Tempo", Zoe Scott.

Uma salva de palmas veio dos presentes que estavam no estúdio para aclamar a entrada em estúdio da mulher de cabelos castanhos que caminhava com um sorriso e fazendo pequenos acenos ao adentrar no foco da câmeras.

— Venha, por favor, sente-se – indicou a apresentadora que havia já deixado um beijo na face da famosa escritora. – Então, Zoe, estão todos bastante curiosos por saber um pouco mais sobre esse projeto como deu para perceber. Vamos conversar um pouco?

— Vamos, sim. – A escritora sorriu, tímida.

— Acho que o que mais está em nossas cabeças é como surgiu esse projeto?

— Eu comecei a me interessar um tempo atrás por ciência e após muitas reflexões resolvi que queria escrever um romance científico, já que não é um material muito comum.

— Muito bom. E como foi que essa paixão pela ciência começou exatamente? Como foi que você a encontrou desse modo tão particular?

— Eu diria que não fui eu quem a escolheu, mas sim foi a paixão que veio ao meu encontro. Alguém, certa vez, me disse que na ciência existe lugar para a criação. É preciso haver também imaginação na física, assim como na literatura. – A apresentadora acompanhava atentamente o relato. – A diferença é que os físicos querem provar de algum modo que o que está em sua imaginação é real, que pode ser medido por um método empírico. Foram as palavras dessa pessoa que me fizeram apaixonar pela ciência como um campo inexplorado do sonho. Existe sempre um equilíbrio entre a parte emocional e a parte racional.

— E o que podemos esperar do romance “Condenados pelo Tempo”? – perguntou a apresentadora folheando um dos exemplares do livro. – É um bestseller, é certo, mas alguns dos nossos telespetadores ainda não o conhecem e acredito que estão com muita curiosidade.

A escritora sorriu, antes de responder.

E um dos homens na rua que assistia àquela entrevista pelo monitor também sorriu de modo largo.

Em seguida a figura, que usava um chapéu que lhe cobria o rosto de sombras, impossibilitando que fosse reconhecido pelos demais, caminhou lentamente e despreocupadamente entrou em um beco e desapareceu...


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Notas finais do capítulo

Aqui temos a nossa conclusão.
Eu e a AnnieWalflarck renovamos os nossos agradecimentos a todos os que acompanharam esta história.
Muito obrigado.

Amanda e Terris continuaram com as suas vidas, depois da grande aventura que envolveu viagens no tempo e um grupo perigoso chamada Sentenciados, mas graças à sua perseverança e amor conseguiram enfrentar todos os perigos e encontrar o melhor dos finais.

Este dia, 12 de maio, é também especial para encerrar esta história.
O filme Terminator, de James Cameron (1984) e que foi uma grande inspiração para o cientista Terris O'Brian começa, precisamente, no dia 12 de maio.
E no anime Dragon Ball, quando Akira Toriyama, também inspirado pelo filme Terminator, introduz a temática das viagens no tempo na sua saga, escolhe o dia 12 de maio para dar início ao cataclismo com os ciborgues assassinos que haveriam de devastar a Terra, que seria a linha temporal alternativa de mirai Trunks e mirai Bulma.

Até à próxima!



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