Sentenciados escrita por André Tornado, AnnieWalflarck


Capítulo 17
As despedidas inevitáveis


Notas iniciais do capítulo

Olá queridas leitoras, caros leitores!
E vamos a mais um capítulo desta história que não deixou ninguém indiferente.
Como já perceberam estamos praticamente no adeus, então vamos ver como tudo ficou depois dos acontecimentos caóticos e acelerados dos capítulos anteriores.
Eu e a AnnieWalflarck agradecemos a vossa leitura!



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As luzes dos postes que iluminavam a rua à noite ofuscavam ligeiramente a nitidez das estrelas que tomavam o céu escuro de um modo tímido. A noite estava um pouco mais fria do que o normal para um final de inverno, mas Amanda Scott permanecia a andar devagar, com a mente tão tomada por seus pensamentos, por suas preocupações cotidianas, antes de atingir a terceira quadra que levava à casa de John Aldo Poleris, seu noivo, que acabou dando um grito quando uma figura se colocou à sua frente de modo repentino.

A sua voz e a sua expressão fez a pessoa em questão recuar.

— Por Deus! – disse e se assustou também. – Mais um pouco e as pessoas podem pensar que eu vim aqui para sequestrá-la, Amanda. – Poleris acrescentou, a princípio receoso.

Não tinha a intenção de amedrontar a noiva. No entanto, a reação espontânea dela foi tão engraçada aos seus olhos, que, em segundos após o pasmo, o agente do FBI viu-se rindo ao terminar a frase.

— Isso não tem graça nenhuma, John – ela repreendeu-o dando-lhe um pequeno safanão no ombro enquanto lhe mostrava uma expressão irritada.

— Acalme-se – pediu ele tentando desviar das investidas furiosas de uma mulher que parecia mais forte do que sua figura aparentava. – Eu estava preocupado porque estava demorando um pouco mais do que o normal em seu curso. Resolvi fazer o caminho que percorre na esperança de encontrá-la. Então? – indagou. – Estou perdoado por estar apenas muito preocupado com você?

— Muito bem. – Amanda Scott deu um pequeno pigarro mostrando certo orgulho. Murmurou: – Está perdoado…

Sabia que estava sendo um tanto exagerada por pouca coisa, embora não o admitisse, afinal a culpa não fora de Poleris por ter se assustado. Era ela quem estava muito distraída pensando em seus fantasmas. Evocava-os com o pensamento inflamado ao ponto de acreditar que isso os faria retornar, seja lá para onde houvessem ido.

— Afinal de contas no que estava pensando? – O inspetor começou a acompanhar as passadas curtas da ex-secretária, segurando sua mão durante o caminhar. – Você às vezes costuma parecer estar em outro mundo – brincou, mesmo que não gostasse de pensar sobre a ambigüidade de determinadas frases. Alguma coisa na sua mente dizia que o mundo que Amanda escrevia era mais real do que ele próprio, andando com ela debaixo daquela luz amarelada.

Amanda Scott era agora escritora de romances e novelas. Também compunha crónicas sobre a atualidade que assinava sob pseudónimo num jornal local. Recolhia-se nessa tarefa durante dias, isolava-se e produzia histórias de uma qualidade requintada, pejadas de mundos imaginados.

— Não pensava em nada, especificamente. – Ela manobrou as palavras cuidadosamente. – Quero avisar-te que amanhã pretendo sair mais cedo. Não quero que fiques… preocupado.

John sorriu de leve com as palavras. A noiva não lhe dissera exatamente para onde iria, porém, como um bom investigador que era, ele sabia-o e já o sabia há algum tempo. Afinal, ela repetia aquela ação havia mais de um ano, mais especificamente em todo dia trinta de cada mês.

Amanda costumava levar flores brancas ao túmulo do cientista assassinado. No primeiro mês que isso ocorreu, quando Poleris lhe perguntou o motivo de lá ir, ela dissera-lhe que era um modo de expressar sua gratidão ao defunto. Fora por causa dele que havia sobrevivido à pior tragédia de sua vida pois o ruivo tivera a suprema coragem de receber uma bala em seu lugar.

O investigador suspeitava que com o tempo a mulher iria parar com aquela homenagem mensal, principalmente depois de os dois terem ficado comprometidos e com o casamento marcado para o fim do verão. No entanto, Amanda Scott contrariava sempre as suas expectativas sobre qualquer assunto. Em relação ao cientista havia uma certa teimosia, que sobrepujava a simples obrigação motivada pelo agradecimento periódico. Poleris, perspicaz e pragmático, entendia que se relacionar com aquela mulher de personalidade vincada seria sempre complicado e aceitou os espinhos da magnífica rosa. Pois já se sentia afortunado por estabelecer com ela mais do que uma estreita amizade.

— Muito bem – concordou ameno. – Só não se atrase para o jantar – recomendou de modo protecionista, se conformando com as atitudes de Amanda.

 

(...)

 

Seguindo as indicações de um boletim meteorológico firme e sem surpresas como anunciado pelo telejornal matinal, Amanda saiu bem cedo para comprar lírios brancos.

Ao chegar ao local de aspecto cinzento repleto de lápides, caminhou pelas sepulturas, suspirando e sentindo certo remorso, porque em sua mente sofrida estava cometendo um tipo de traição para com o homem com quem se comprometera. Sabia que John Aldo suspeitava que ela estava indo até ali, mas nada lhe contou pois não queria desapontá-lo depois de mais de um ano fazendo-o sofrer constantemente com sua evasão. Agora achava que soava rude.

Aquela decididamente seria sua última visita ao seu querido amigo salvador. Aquilo precisava ter um fim.

Amanda chegou à lápide com os dados gravados sobre o cientista ruivo que um dia conhecera. Tocou debilmente o porta-retrato que armazenava uma foto retirada do banco de dados da universidade onde um dia Terris O’Brian lecionara. Fora Amanda que a havia colocado ali; temia tanto esquecer o rosto de seu salvador que usou um fútil recurso fotográfico para se lembrar mais claramente das feições do homem durante aquelas visitas mensais. Embora, ao contrário do que ela pensara, jamais se esquecia da imagem do vaidoso gênio. Talvez em sua recordação ela pudesse até mesmo definir detalhes com mais perfeição que aquela foto baça.

Sorriu.

De modo silencioso agachou-se. Depositou as flores que trazia em pequeno jarro, acariciou os dizeres gravados na pedra tumular de um jeito saudoso. “Aqui jaz Terris O’Brian, renomado cientista que agora descansa entre as estrelas”.

Apertou seus olhos de modo desconsolado e disse devagar como se estivesse a falar com ele:

— Eu pensei que depois de tudo o que se passou em algum momento você fosse aparecer para mim mais uma vez… Eu estava tão errada, O’Brian. – A voz dela saiu triste com a confissão, cortada em um embargo.

Abaixou levemente a cabeça em um lamento prolongado olhando o túmulo quieto.

— Eu estava tão errada… – repetiu como se se quisesse convencer a si mesma daquelas palavras. – Ainda assim… Vim aqui, mês após mês, no mesmo dia, porque não importava o tempo.  Eu somente achei que esse era o meio de te fazer me encontrar mais rápido. Fui uma idiota por acreditar nisso, não fui? Logo eu, que sei perfeitamente que a realidade e fantasia são dois mundos opostos. – Os olhos ficaram enevoados. – Bom, meu querido amigo, agora é dado o momento que preciso dizer que estou prestes a seguir minha vida… – Quase perdeu-se em meio a emoção que brotava. – Essa será a última vez que venho até aqui vê-lo. Então, peço que me desculpe e que me abençoe de onde quer que esteja.

Scott levantou-se como se nem ela conseguisse aguentar suas próprias palavras de despedida. Era doloroso, era como regressar ao momento em que vira a cabeça do cientista sendo atingida pelo disparo fatal. Ainda assim, conformada, Amanda sabia que um ponto final era necessário para seguir a sua vida, uma vez que estava certa que Terris O’Brian jamais retornaria à vida. Ele realmente havia ido embora daquela vez e para sempre. As viagens no tempo já não o salvariam… Nunca mais.

Pelas ruas quietas entre as tumbas, Amanda secou as poucas lágrimas que lhe escaparam das pestanas. Determinada, e como já sabia que a realidade era cruel, portanto, muito diferente de um dos seus contos que tinham sempre finais felizes de reconciliação e reencontro, queria atinar com os seus próprios pensamentos de modo racional.

Estava tão distraída andando, focando-se em apagar da mente o que, segundo ela, estava decididamente a mais na sua vida, que não notou que o sinal ficou vermelho, aquele que dava passagem aos peões à saída do cemitério. Somente se deu conta do perigo quando surgiu um carro buzinando de modo estrondoso em cima de sua figura.

Sentiu-se ser jogada para o lado por alguém. Porém, foi tudo tão rápido que perdeu os sentidos, deixando-se envolver por um imenso escuro e, em seguida, o eco dos sons do trânsito desvaneceu-se, ao fundo.

 

(...)

 

Ao acordar, no ambiente que a envolvia havia um forte cheiro de medicamento hospitalar. Olhou para o seu braço esquerdo, percebendo o ardor nas veias que latejavam em protesto contra a agulha que lhe dispensava soro e antibiótico em gotas. O que havia acontecido? A cabeça doía-lhe.

Havia rostos que se debruçavam sobre si e estes eram outro enigma.

— Senhorita Scott? – um deles disse com uma voz calma, aproximando-se da cama onde ela estava deitada. – Como se sente? Esteve inconsciente por dois dias consecutivos.

Por vestir uma bata branca, por causa do estetoscópio em redor do pescoço, deduziu que se tratava de um médico que seria responsável pelo seu caso.

— O que aconteceu? – perguntou ela com nítida dificuldade, pois sua garganta estava arranhada, num sutil incômodo pela falta de água.

— Houve um acidente. Não se lembra do ocorrido? – A pergunta fora quase retórica, por isso o médico prosseguiu: – Testemunhas disseram durante seu encaminhamento que foi atropelada enquanto atravessava a rua. – Aguardou alguma reação da paciente, mesmo que esta pudesse vir a ser mínima.

— Eu não me lembro – afirmou Amanda calmamente confusa.

— Não estou surpreso que esteja sentindo-se um pouco atordoada. O embate foi muito violento. É normal que sinta certa desorientação por alguns dias, mas não se preocupe. A equipe médica está de prontidão para fazer as avaliações e exames necessários até que se sinta confortável e preparada para retomar à sua rotina. E depois receberá a devida alta do hospital. – O médico foi pontuando devagar, para que a enferma pudesse absorver todas as informações de modo gradativo. Avaliou, por fim: – Curioso, sua sorte. Nunca vi ninguém ser atingido por um carro àquela distância e sair somente com alguns arranhões.

E Amanda notou, naquele momento, que de fato não estava mesmo com nenhum osso imobilizado, apenas com uma dor infernal em sua cabeça. As lembranças ainda eram bastante confusas sobre a situação, de qualquer forma, e ela não podia esclarecer a óbvia curiosidade profissional do clínico. Contraiu a testa e comentou, incerta:

— Mas... Havia alguém lá... Eu acho que alguém me arrastou para fora da estrada no momento certo.

— Senhorita Scott, vou deixá-la descansar um pouco mais. Quando estiver mais repousada logo dará o seu depoimento, para efeitos da investigação policial do acidente. Procedimento normal, não se preocupe. Deverá contar a sua versão do ocorrido… Disse que estava mais alguém no local? No entanto, nenhuma testemunha ocular presenciou essa segunda pessoa que a tivesse ajudado. Só lá estava a senhora, a atravessar a estrada distraída, a não obedecer ao sinal fechado… Mas, como disse, parece-me que a senhorita continua confusa. Descanse, não pense nisso por agora. – Observou-a de modo brando. – Tenho aqui comigo alguém que gostaria de falar consigo. Sente-se capaz para conversar? Eu poderia chamá-lo? Não será por muito tempo…

E Amanda assentiu um pouco apática.

— Por favor… Sim, pode chamar essa pessoa.

Não demorou então para que John Aldo Poleris, o inspetor-chefe do FBI, surgisse junto à cama com uma expressão sorridente e com nítido alívio por ver sua noiva de olhos abertos e aparentemente recuperada do coma ligeiro que a fizera dormir por mais de quarenta e oito horas.

— Amanda – quase soletrou o nome, consolado. – Eu fiquei tão preocupado…

Inclinou-se para um beijo, mas hesitou ao reparar que ela o encarava arredia, estranhando-o, sem nenhum pingo de reconhecimento na face.

— Quem é você? – questionou ela.

— John Aldo Poleris... Seu noivo. – Ele olhou para o médico, em busca de respostas

— Noivo? – repetiu a palavra em descrédito. – Eu não tenho um noivo, tenho apenas um gato. “Prejuízo”. Esse é o nome do meu gato. Dou-lhe comida e mimos assim que chego a casa, depois do meu trabalho.

Os dois homens se entreolharam por um breve instante. O caso do atropelamento não fora tão simples quanto imaginavam, à vista das primeiras análises que indicavam que tudo estaria fisicamente bem com a paciente.

— A que trabalho se refere, Amanda? – inquiriu Poleris, desconfiado.

— O meu trabalho como secretária na empresa “Investimentos & Segurança”, claro… Não tenho outro.

John Aldo Poleris sentiu como se o chão se tivesse aberto sob os seus pés. Era um retrocesso, um mau sinal, uma indicação de que tinha existido outra interferência… externa. Quando tudo fazia crer que a linha temporal estava resolvida, todas as pendências encerradas, olhava para Amanda, para a sua confusão, e estremecia apavorado. Era como se ela tivesse retornado ao ponto antes de todos os eventos que se tinham cruzado nas suas vidas.

Afastou as impressões desesperadas, devia raciocinar friamente. Afinal era um investigador condecorado, com uma reputação invejável e uma folha de serviços brilhante.

— Amanda, eu sei que isso vai parecer absurdo. – Molhou os lábios secos com um pouco de saliva. – Mas faz mais de um ano que não trabalha nessa empresa... Nós nos conhecemos durante uma investigação do FBI que envolvia um homem chamado Terris O'Brian.Você não se lembra disso?

— Terris O'Brian... – ela repetiu. Depois crispou os olhos, fazendo um som leve de desconforto como se sentisse a pancada novamente. – Não... Não me lembro.

O médico interrompeu-os.

— Senhor Poleris, o tempo da visita terminou. Peço desculpa, mas terá de sair, a paciente precisa de descansar. Acabou de despertar e já teve emoções a mais nestes curtos minutos. Não quero que ela piore. Pelo contrário, nós precisamos que ela se recupere totalmente. Iremos realizar mais testes para determinar a extensão dessa provável amnésia…

A enfermeira mexeu no dispensador que gotejava diretamente para a sua veia e a visão de Amanda começou a ficar turva. Compreendeu que lhe tinham aumentado a dose de medicamentos e, em breve, contrariada, adormecia novamente.

Queria saber mais, precisava de saber mais, principalmente sobre a pessoa invisível que a tinha salvado do carro.

A mesma pessoa que a tinha visitado no hospital, antes daquele dia, antes de ver o médico e o seu noivo.

Ela já tinha estado desperta e conversara e sabia o motivo de não se lembrar de nada daquilo. Era, então, crucial lembrar-se, mas embriagada no calmante deixou de se importar. Dormir era bem mais reconfortante e necessário.

E Amanda deixou-se embalar no sono.


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Notas finais do capítulo

A vida de Amanda Scott é realmente extraordinária - e a sua memória é como uma pedra preciosa, cobiçada por muitos.
Num momento ela recorda-se de tudo. No outro, não se lembra de nada e voltamos ao ponto inicial.
Parece que o Poleris está ao seu lado para a proteger...
Mas não conseguiu evitar o acidente. E nem evitou um estranho reencontro que aconteceu um pouco mais cedo naquele mesmo quarto de hospital e que deixou sequelas.

Na semana que vem teremos as despedidas finais. E saberemos o que foi que aconteceu com a Amanda para ela não se lembrar de nada.

Próximo e ÚLTIMO capítulo:
Os reencontros impossíveis.



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