Sentenciados escrita por André Tornado, AnnieWalflarck


Capítulo 15
Traições


Notas iniciais do capítulo

Mais um domingo, mais um capítulo.

Vamos ver como está a passar o nosso casal, Amanda e Terris, depois do sucedido no capítulo anterior.

Eu e a AnnieWalflarck agradecemos a vossa leitura e todos os maravilhosos comentários que temos recebido. Significam muito para nós, acreditem.

Preparem-se - muitas emoções fortes a partir deste ponto. Boas leituras!



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A penumbra descia sob os rostos inconscientes, ou melhor, sob as duas figuras capturadas no motel “Lovely Heart” de Parker. Agora estavam num anexo improvisado, um galpão desconhecido no interior do edifício a pedido de Gartix Vog. Não tinham ido longe, embora assim tivesse parecido aos dois capturados, pois tinham andado às voltas na estrada, enjoados e zonzos, dentro de uma furgonete. Era uma maneira de os despistar, não saberem onde efetivamente estavam, para não pedirem ajuda ou julgassem que o podiam fazer.

Amanda foi a primeira a acordar. Lentamente recuperou a consciência e a primeira coisa que viu foi a face de Terris, desacordado. Sobressaltou-se com o ambiente de pouca luminosidade e na tentativa de se mexer sentiu nos pulsos e calcanhares os apertos entorno da pele provocados por cordas. Amaldiçoou-se por ter começado toda aquela jornada ao lado do cientista, o estúpido homem que apenas complicou a sua vida. Não estava exatamente com rancor de Terris, mas sim do fato de ter se associado a ele. A escolha tinha sido dela, em última análise. Podia ter-se afastado e chamado a polícia. Se o tivesse feito, de certeza que não estaria amarrada, naquele lugar desconhecido e escuro, a sentir receio pela própria vida.

Primeiro foi o caso com o relógio que recuperou da cena de um crime. Depois foram as mudanças temporais e as sucessivas confusões relacionadas com visitas ao passado. Agora, naquela reta final, ela estava na mão de um gangue que nem sequer conhecia, mas que a faziam temer por sua segurança apenas pelos rumores e notícias que tinha captado na mídia. Ainda agitada, ao olhar o entorno da sala, sentou-se de encontro a uma parede cinzenta por onde adentrava fios de luz através de uma janela entaipada.

Amanda rebolava-se, tentando libertar-se das cordas dos pulsos. Se tivesse as mãos livres podia soltar os pés e fugir… Olhou para o cientista e desatou a chutá-lo.

— Terris! – chamou ela, tentando trazê-lo a si depois da pancada. – Acorda! Estás a ouvir? Acorda, Terris!

O cientista, no entanto, não reagia aos chutes e Amanda sentiu seu estômago dar uma cambalhota desconfortável. Pensou o pior. Estaria morto? Não podia ser verdade, ele estava apenas inconsciente, mesmo porque precisavam dele para completar o projeto das viagens no tempo. Seria difícil que tentassem prejudicá-lo antes disso. Jogou seu corpo para o lado até conseguir se arrastar até a ele.

— Terris? – insistiu. – Terris, estás a ouvir-me ou não? Dá-me um sinal.

Escutou as vozes do lado de fora. Amanda congelou de medo, debruçada sobre o cientista.

— O que ele está fazendo aqui? – questionou uma voz grave.

— Ordens do chefe, vamos ter que deixá-lo entrar... Veio buscar a garota.

E Amanda ficou desesperada chutando o cientista com mais força. Ele precisava fazer alguma coisa antes que aquele desconhecido que a viria buscar entrasse ali. O seu terror aumentou.

— Terris, por favor, acorda! – Estava desesperada, não tinha ninguém para protegê-la, apenas aquele cientista ruivo. Sentiu-se muito sozinha.

A porta do galpão se abriu e surgiu um homem alto que tinha um aspeto assustador. Ao contrário dos outros raptores não cobria o rosto e se não o fazia era porque queria ser reconhecido. Podia ser reconhecido sem qualquer problema.

— Boa noite, senhores...

Aquilo era um péssimo sinal. Amanda, no meio do seu desespero, soube quem era o visitante. Sentiu as lágrimas lavando seu rosto. Mordeu os lábios até fazê-los sangrar. Suspirou, acuada:

— Black?!

Ele ficou a olhá-la durante algum tempo e depois começou a falar.

— Lamento que as coisas tenham se desenrolado desse modo, senhorita Scott. Eu tentei de todas as formas não necessitar chegar a isso, no entanto, não me escutou nem sequer por um momento. Não posso mais interferir no balanço por mera pena de sua figura. – Ele circulava a secretária. – Vou limpar essa bagunça agora. O idiota do Poleris vai achar que isso foi uma obra do Gartix Vog, assim que chegar. Vou entregar-lhe seus corpos e contar-lhe que aconteceu um percalço… Porque os percalços acontecem. Desculpe, você não estava nos planos antes, porém, como não me escutou como deveria, agora vai pagar por sua ousadia. Poderia ter sido mais feliz. Espero que em uma próxima vida tenha mais sorte. Adeus senhorita Scott.

Amanda abriu os olhos e a boca. Ele apertou o gatilho e disparou. A arma na sua mão estremeceu, ela nem sequer o tinha visto sacar a pistola semiautomática. Um grito, ela tinha gritado de horror, de dor, mas então viu que havia sangue, mas não em si própria. Em Terris.

— Ah! – Ela engasgou-se.

O cientista teria despertado, entretanto, por causa dos pontapés dela, por causa da voz cavada de Hugo Black com aquelas ameaças e resolvera, naquele momento crucial, um momento literalmente de vida e morte, interferir. Então, acabou baleado no lugar dela. Amanda começou a chorar e o chamou em desespero.

—  Terris! Terris!

De seguida voltou-se para Black e cuspiu as palavras:

— Seu idiota, como pôde fazer uma coisa dessas? Você é louco?! De que adianta matá-lo? Quantas vezes já o mataste? Tens sido sempre tu, não é? Mesmo o Charles Big foi obra tua. Essa história dos “Sentenciados”, do Gartix Vog…

Arquejou sem saber como continuar. A sua vida não era tão interessante assim para valer o sacrifício de Terris O’Brian, na sua cabeça. Então não percebia por que motivo o cientista teria feito aquilo… O sacrifício era completamente irracional. Ele olhava-a, pálido e perplexo.

— Amanda... – Terris pronunciou o nome dela com dificuldade, a bala estava alojada em sua barriga. – Não temos tempo, você precisa ir embora...

— Ir embora para onde? – soluçou ela.

Black puxou mais uma vez a corrediça da arma semiautomática, a bala encaixou-se no cano.

— Deveria ter pensado nela antes de colocá-la para interferir nesse jogo, O’Brian. Estás preocupado? Agora é tarde, ela não vai mais sobreviver, assim como você, depois que estourar os seus miolos. Vocês têm tido muita sorte, sempre a contrariar o fio do tempo, mesmo no caso do Charles Big. Fui eu que fiz com que tudo se passasse como passou, ela a colaborar e depois a salvar-te… Tu também te viste a morrer, não foi? Foste tu que provocaste o corte de energia no edifício, aquele que Amanda não conseguiu explicar no seu depoimento. – Suspirou. – Podia ter sido mais simples se houvesse me escutado ou morrido ali, O’Brian, mas essa sua teimosia de tentar mudar o curso das coisas foi o que acabou causando toda essa confusão… Por que não escutou? Por que não parou quando deveria? Por que usou Lincoln? Maldito Terris O’Brian!! – pronunciou Black sentindo os olhos ardendo.

O ruivo tossiu e como se tivesse uma recordação dolorosa alguma coisa encaixou-se em sua mente. “Lincoln”, repetia em pensamentos. Onde já ouvira aquele nome? Ele não era o homem que havia sido mandando como o primeiro a fazer uma viagem de tempo? Um tipo de experimento X? O que Black tinha de comum com aquele sujeito para estar falando disso justamente agora?

E isso importava? Era estranho… Com um projétil alojado no estômago, a sofrer dores horríveis, tendo consciência de que iria ter uma morte lenta e dolorosa, ele continuava curioso, interessado, defeitos de ser um homem da ciência. Sim, ele era um maldito, estava amaldiçoado pelos seus sonhos.

Quisera mudar o mundo e agora pagava pela sua ambição. Assentou a cabeça no chão frio, contraindo os músculos faciais. A voz de Black reverberava pelos cantos do quarto escuro, ecoava na sua cabeça e ele continuava a tentar lembrar-se, até para conseguir distrair-se das dores.

Amanda, perdida de medo, impava ao seu lado.

— Você é um miserável, egoísta, inconsequente… Não adianta tentar mudar o rumo usando Gartix Vog, ele nunca vai descansar enquanto não colocar as mãos em você. Os propósitos do Vog são sempre egoístas, ele só quer tirar proveito das experiências e ganhar poder. Não se importa se estás vivo ou não. Ele só quer o que tu fores capaz de fazer. Uma vez feito, deixa de precisar de ti. Não, também não mudará uma vírgula sobre essa garota, ela estará sempre condenada. Ela está implicada e é uma testemunha que não pode sobreviver. Mesmo que deseje protegê-la, desde que a encontrou pela primeira vez naquele bar, Terris, você a condenou a entrar nessa dança temporal, assim como Lincoln. Todos condenados. Todos… sentenciados.

Terris abriu os olhos.

— Espera aí... Você conhece o Lincoln? – questionou e recebeu um soco de Black, como resposta.

Enquanto ele gemia no chão pelo golpe, Amanda ficava em pânico.

— Para, Black! – pediu ela com os olhos cobertos de lágrimas. – Por que motivo estás a fazer isto? Ele já está ferido e vai… e vai… e pode… Não. Não! Para com isto! Se chamarmos ajuda agora, neste momento, ele pode salvar-se. E tu não precisas de ficar com sangue nas mãos. Para, por favor! – implorou num grito.

— Não posso parar, senhorita Scott, não posso parar. Só há um modo de me livrar do que sinto. – Apontou-lhe a arma. – Ele me roubou algo que amava, então posso roubar dele algo que ama também.

— Isto é tudo uma vingança? Uma simples vingança?

— Retribuição… Neste universo toda a ação provoca uma reação, como na física. Acho que é simples de compreender. Quando se toma uma decisão temos de conhecer as suas consequências, mesmo que sejam nefastas ou que nos incomodem. Nem sempre as escolhas acarretam boas coisas, senhorita Scott.

O cano da arma estava a centímetros da sua testa. Amanda começou a tremer e a gaguejar. Terris insistiu, a voz estava rouca por conta do sofrimento:

— Tu conhecias o Lincoln… Era um amigo… Era alguém importante para ti. Mas foi ele que se voluntariou para fazer a primeira viagem, Black. Ele disse que queria fazer a viagem. Para te encontrar… seria?

Num reflexo, Hugo Black voltou a pistola semiautomática para o cientista. Rosnou e hesitou. Terris prosseguiu, sabendo que tocara num ponto-chave:

— Tu nem sempre foste um regulador, também eras um homem comum e acabaste… apanhado nas teias do tempo. O Lincoln quis ir atrás de ti, mas tu nunca o deixaste. Era um trabalho ingrato, que implicava cortar as relações com outras pessoas, com a família. Implicava que te transformasses numa máquina insensível. O Lincoln era mais do que um amigo, era um irmão… Não havia maneira de o Lincoln ir atrás de ti, até que eu apareci com a solução.

— Cala-te!

— Não o encontraste? O que aconteceu?

Black vociferou, completamente descontrolado, a estrangular a arma na mão direita:

— As viagens no tempo são proibidas, maldito cientista! Ainda não percebeste o que fizeste com essa tua invenção demoníaca?! Ainda não percebeste que não podes, nunca, quebrar a linha do tempo? Lincoln teve de ser eliminado também!

E foi ele quem premiu o gatilho!, compreendeu Amanda alarmada.

Um segundo tiro. O estrondo deixou-a surda. Ela sentiu algo viscoso e quente escorrer-lhe pela cara. Quando olhou, a cabeça de Terris O’Brian tinha explodido e o cientista tombava, inerte, para trás. Ficou numa posição retorcida, completamente imóvel. Black acaba de matar Terris O’Brian com um tiro na cabeça. Ela gritou e foi como se não tivesse sido ela, tal a intensidade e o terror que se filtrou naquele berro horripilante.

Nisto, Black foi placado e atirado ao chão. Os raptores tinham-se apercebido do que estaria a acontecer ali dentro e entraram no quarto de rompante. Amanda gritava histérica e sem saber como, foi desamarrada.

Black praguejava alto debaixo de um homem corpulento que o tentava manietar, depois de lhe ter arrancado a arma. Um segundo homem observava o regulador a debater-se e apontava-lhe uma pistola, não fosse o caso de ele conseguir escapar-se. Se acontecesse, uma bala numa parte inócua do corpo iria travar-lhe a fuga. Não queriam matar Hugo Black, ele era ainda importante para os planos do chefe daquela organização.

Amanda arrastou-se para junto de Terris e tomou-o nos braços, a chorar. Embalava-o, como se só esse movimento lhe pudesse devolver a vida. Murmurava o nome dele num estado de puro desnorte. Sentia a massa encefálica escorrer pelo buraco aberto no crânio e sujar-lhe a roupa, as mãos e os braços, mas o choque fazia-a insensível.

Pelo menos em relação ao asco da situação. Porque toda a sua emoção estava ao rubro ao assistir à morte do cientista. Pela segunda vez.

Entretanto, tanto tinha acontecido… Tanto. Hugo Black dissera que iria retirar a Terris O’Brian alguém que ele amava, como ele lhe tinha roubado Lincoln, o seu irmão e amigo. Então, Terris amava-a. Ela não conseguia compreender o sentimento, pois para ela, o cientista era um desconhecido. Parcialmente. Sentia alguma empatia por ele, mas amor… era demasiado. Era forçado. Era exagerado!

Lembrou-se, contudo, que eles já se tinham conhecido noutras linhas temporais, que havia até momentos no tempo em que eles já não estavam vivos, os dois, em que tinham sobrevivido e enganado todos os reguladores do universo, em que eles nunca se chegaram a cruzar. Momentos também em que se amavam e em que tinham podido viver esse amor. Ela contraiu-se, sentindo-se inundar de compaixão.

Nisto, a janela foi desentaipada. Alguém abrira as gelosias. Ouviu-se, desde o exterior, o som de um helicóptero. Alguém chegava e seria esse alguém que iria resolver, de uma vez por todas, o que estava a acontecer.

Hugo Black estava dominado e fora deixado desmaiado com uma pancada. Um dos raptores saía do quarto para receber o recém-chegado. O segundo raptor vigiava o regulador e vigiava Amanda que se lamentava alto.

Ela, com Terris esvaído cingido a si, só queria despertar daquele pesadelo.


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Notas finais do capítulo

A tragédia foi o tom dominante deste capítulo - por favor, perdoem-nos pelas maldades que estamos constantemente a infligir à Amanda e sobretudo ao Terris, que está sempre a morrer.
A emoção também dominou as ações de Hugo Black, que até aqui se mostrou sempre ponderado e muito manipulador - ele afinal tinha um segredo e uma razão muito forte para se tornar regulador das viagens do tempo.
Na semana que vem teremos muitas respostas. Arriscamos até a afirmar que serão todas as respostas. Será um capítulo que vos vai surpreender.

Próximo capítulo:
Paradoxos.



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