Sentenciados escrita por André Tornado, AnnieWalflarck


Capítulo 14
Etapa finalizada


Notas iniciais do capítulo

Olá queridas leitoras, caros leitores!
Vamos a mais um capítulo desta história.

Boas leituras!



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O descanso impunha-se, mesmo depois da paragem no posto de combustível e na loja de conveniência. A hora já era tardia pelo que a escolha para a pernoita passou por um motel. Amanda quis protestar, pois preferia viajar durante toda a noite, chegariam ao seu destino mais depressa se a viagem não tivesse uma interrupção desnecessária para dormir, qualquer que este destino fosse pois, na realidade, ainda não sabia muito bem para onde estavam a ir. Ela sentia-se desperta, com energia, alerta, ofereceu-se para conduzir. Terris não estava pelos ajustes e cortou o protesto ao meio, como faca quente a separar um cubo de manteiga. Eles não podiam esticar as suas forças e as suas capacidades cognitivas. Precisavam de se manter saudáveis para poder debelar eventuais ameaças que pendessem sobre eles, e que iriam existir, para conseguirem continuar a escapar.

Então, o descanso impunha-se e seria naquele motel, onde o automóvel prateado tinha acabado de ocupar um dos lugares do amplo parque de estacionamento. Fim da conversa. Amanda saiu do carro contrariada e encostou-se à porta fechada, à espera, enquanto o cientista fazia o registo na recepção usando os seus nomes falsos. Passado pouco tempo ele saiu com uma chave, agarrada a uma bola de golfe furada que servia de porta-chaves, e foi atrás dele. O quarto era o cento e treze. Ela não gostou muito do número do azar associado ao lugar onde iriam ficar, mas não comentou nada. Terris estava tão contrariado quanto ela.

O quarto era minúsculo. Uma cama de casal, duas pequenas mesas com candeeiros e um telefone analógico, uma secretária, debaixo da janela que se colava à porta, com um banco de madeira. Sobre um aparador, uma televisão em miniatura e o respetivo controlo remoto. No banheiro exíguo havia um duche, um lavatório e um vaso sanitário. Amanda olhava para o compartimento com inegável asco, mas estava a precisar muito de um banho e cogitava se relevava as manchas de bolor e o odor peculiar a humidade entranhada. Fechou os olhos com um suspiro de desagrado. Ao se voltar para o quarto, reparou na única cama e apontou, descontente:

— Nem pense que vamos dormir juntos. Arranja-te com o tapete…

Terris encarou-a surpreendido.

— Somos um casal, temos de agir como tal.

— Serei a senhora Cooper em público, querido. Não pretendo atuar em todos os momentos. Isso é demasiado cansativo e ademais, na realidade, não somos um casal. Não vejo a necessidade de levarmos isto ao extremo. A cama é para mim, onde pensas dormir, é contigo. Até pode ser no carro, não me importo.

— Se eu dormir no carro, pensarão o quê? – observou ele, irritado.

— Vão pensar que o senhor Cooper fez alguma asneira e que a senhora Cooper estará zangada com ele! – Agarrou numa das duas toalhas brancas que estavam dobradas, sobre a colcha. – Vou tentar tomar um banho naquele duche imundo. Só espero que não apareça nenhuma barata a sair pelo cano. Se me ouvires gritar, já sabes…

— Acho que essa atitude não vai ajudar, sabes?

Com uma perna dentro do banheiro, ela olhou por cima do ombro.

— Que atitude? Só estou a mostrar o que sinto em relação a esta paragem!

— Já percebi que querias continuar, mas como te disse, estou cansado. Posso ser um Físico Teórico, um cientista com uma inteligência acima da média, mas sou também humano e preciso de descansar… Amanhã temos mais estrada pela frente.

— Eu conduzia o raio do automóvel! Acho que devíamos ter, pelo menos, saído do estado de Pensilvânia. Continuamos demasiado perto de Nova Iorque, se queres a minha opinião, mesmo depois destes quilómetros todos. Não confias em mim… – terminou com um queixume ao qual não deu a entoação de uma pergunta. Ficou, de repente, muito desanimada.

Mas ele respondeu:

— Claro que confio em ti.

Estavam a ter uma discussão. Como um casal. Os ombros dela descaíram e ela abanou a cabeça. Também estava exausta, admitia para si mesma. Podia, sem esforço, conduzir a noite toda, mas de madrugada haveria de estar pior do que uma morta-viva. Era lamentável que se pusesse a implicar com ele quando estavam os dois na mesma situação precária e perigosa. Não lhe disse mais nada, fechou a porta do banheiro e tomou um banho muito rápido, sempre a olhar para o ralo para se esquivar de alguma barata.

Ao regressar ao quarto, viu que ele estava sentado no fim da cama, com um pacote na mão a devorar as rosquinhas que não tinha comido durante o trajeto até ao motel. Ligara a televisão e estava a ver um filme de cowboys antigo, no som baixo, mas ainda assim escutavam-se os tiros dos revólveres, o galope dos cavalos e a música dramática que acentuava a pertinência do tiroteio.

Ela vasculhou uma camisola e uns calções na mochila que ele tinha trazido para os dois e ia trocar-se, para vestir algo mais confortável para dormir – se era que conseguiria dormir com o cientista mesmo ali ao lado. Espreitou o tapete, para onde o empurrara e franziu o nariz. Estava puído e sujo, não iria ser uma noite bem passada. Mentalizou-se para não ceder à chantagem dele e de acabar por convidá-lo a subir para a cama. Olhou-o, distraído a ver o filme, comendo uma rosquinha açucarada. O seu perfil mostrava alguém jovem, intrigante e incrivelmente carente. Se ela não soubesse que era um cientista, com um projeto maluco e aparentemente bem-sucedido sobre viagens no tempo, ela classificava-o como um estudante de cinema viciado em cultura popular.

Sentou-se ao seu lado, com o polegar limpou-lhe a bochecha. O pescoço de Terris girou demasiado depressa na sua direção, espantado com o toque. Ela encolheu-se.

— Você tem açúcar na bochecha – explicou ela.

— Ah… – soprou ele. Remexeu-se e começou: – Ouve, Amanda, sobre aquele beijo na loja…

— Era necessário, eu percebi. Por causa do polícia… E continuo a não te dar acesso à cama. Ficas no tapete, como combinado.

— Eu não concordei com nada disso.

— Tu és um cavalheiro, Terris O’Brian. Por isso não vais insistir.

Ela entrou novamente no banheiro para finalmente trocar de roupa. Ao mesmo tempo, alguém batia à porta. Ela sentiu um calafrio quando Terris lhe perguntou se tinha pedido alguma coisa da recepção. Ela murmurou que não. Pelo canto do olho viu uma sombra passar pela estreita janela do banheiro, que ficava acima do lavatório.

— Terris?...

O cientista pedia-lhe silêncio, com um dedo sobre a boca. Estava a levantar-se. As batidas repetiram-se. Amanda experimentou um calafrio que lhe acariciou a espinha como um dedo gelado. Amarrotou a camisola nas mãos.

Ficaram os dois estáticos a fixar a porta fechada. Como não responderam à chamada, a pessoa que estaria do outro lado afastou-se. Ouviram os passos a sumirem-se na distância, a esmagar a gravilha que rodeava os alpendres onde se situavam as acomodações do motel. Silêncio, depois.

— Quem seria? – perguntou Amanda num fio de voz.

— Talvez a mulher da recepção…

— Então… Podíamos abrir?

— Não sei. Alguma coisa aqui não está bem…

De repente, a porta do quarto foi arrancada dos gonzos. Amanda gritou e recuou assustada para o banheiro, largando a roupa. Terris não conseguiu reagir. Num ápice, num movimento que ele próprio não conseguiria descrever se lho pedissem, viu-se deitado na cama, braços ao longo da cabeça, as mãos abertas junto às orelhas, boquiaberto e mudo, com uma arma apontada à testa. O homem que o ameaçava estava integralmente vestido de negro e escondida o rosto numa balaclava da mesma cor que lhe só deixava ver os olhos. Assentou uma bota militar no colchão que oscilou, abanando o cientista.

Amanda soltou um segundo grito, mais estridente, quando um segundo homem, armado e vestido da mesma forma lhe capturou o braço com uma manápula bruta e a atirou para a cama. Ela caiu junto a Terris, de borco e desatou a choramingar.

Um terceiro homem assomou-se ao quarto. Vinha munido de um walkie-talkie. Nada nos seus uniformes os identificava, pelo que o cientista não conseguiu discernir se pertenciam a alguma agência governamental, à polícia ou a outra força paramilitar. Podiam ser leais a qualquer mercenário, mas havia uma grande probabilidade de estarem a soldos dos “Sentenciados”. Ele suspirou, desaustinado. A sua fuga havia terminado abruptamente.

O aparelho portátil de comunicação crepitou quando o homem acionou um pequeno botão. Disse, lacónico:

— Já os apanhámos.

(...)

A sala de operações táticas do FBI estava praticamente deserta, apenas alguns operadores diante dos respetivos monitores a verificar informações em bases de dados, a acompanhar a vigilância a um suspeito, a transcrever escutas telefónicas munidos dos necessários auscultadores. Num canto resguardado, obscurecido por as lâmpadas estarem desligadas, postava-se John Aldo Poleris, de mangas arregaçadas e de braços cruzados. Aguardava, olhando fixamente o monitor que tinha várias janelas abertas. Fotografias, linhas que representavam chamadas telefónicas, imagem em tempo real obtida através de uma webcam, um mapa assinalado com pontos vermelhos e verdes.

Eric Crowe entrou na sala e dirigiu-se a esse canto. Ninguém se incomodou com a presença do assistente, pelo que todos continuaram a trabalhar concentrados. As tarefas atribuídas a cada um dos investigadores que ali estavam eram delicadas e ultrassecretas e se alguém entrava na sala era porque tinha autorização para tal.

— Eles já foram apanhados, chefe.

Poleris não descolou os olhos do monitor.

— Obrigado, Crowe.

— Estavam no motel “Lovely Heart”, nos arredores de Parker, Pensilvânia. A cidade mais pequena da América, um lugar discreto, sem dúvida. Demasiado discreto, todavia. O seu destino era desconhecido, mas acredita-se que pretendiam afastar-se de Nova Iorque e seguir para um estado do interior. Indiana, Nebrasca…

O assistente fez uma pausa em que respirou fundo. O som não passou despercebido ao inspetor-chefe. Deu meia-volta, colocando o monitor nas suas costas e pediu:

— Fala, Crowe.

— Achei uma péssima ideia, chefe.

Poleris sorriu sem alegria. Tinha um aspeto fatigado, o cabelo despenteado, a gravata lassa, a camisa amarrotada.

— É uma jogada minha… Apenas uma jogada.

— Com resultados imprevisíveis, chefe. – Crowe deu um passo em frente para ficar mais próximo de Poleris e sussurrou: – Nós podíamos dar conta deste caso misterioso… Os dois, sozinhos. Não me deste tempo para conversar contigo. Eu estive a entrevistar o cientista e a secretária, recolhi informações…

— Não são esses que estão em Parker, Crowe.

— Eu sei, eu sei! – admitiu Crowe, falando por entre os dentes. – Bem, o que seja que o Black te convenceu a fazer, não me parece que seja o mais correto… Nós somos o FBI, podemos resolver os nossos próprios problemas. Temos os recursos para chegar onde nenhuma outra força policial chega. E fazemo-lo agindo dentro dos limites da lei.

— Não foi o Black que me convenceu.

— Foi o Gartix Vog – completou Crowe agitado. – O mesmo Gartix Vog que tu julgas ser o líder secreto dos “Sentenciados”. E quem julgas que anda a manipular o Vog? O Black! Não gosto daquele sujeito.

— Hugo Black é quem nos está verdadeiramente a ajudar, Crowe – esclareceu Poleris, calmo. – Se anda aqui alguém a manipular alguém, será o Black que me convenceu a seguir por esse caminho, que influenciou o Vog a fazer-me a proposta. Não vês?! Temos o Vog na nossa mão, a partir do momento em que ele entra no jogo das linhas temporais. Aceitei o que Black me disse para fazer porque sei que irei ganhar no fim. Os “Sentenciados” trabalham agora para mim, também. É só uma questão de tempo até que Vog cometa um passo em falso e terei finalmente as provas concretas que ligam o milionário ao grupo terrorista e que serão aceites num qualquer tribunal sem hipótese de refutação ou de argumentação. Provas sólidas que farão com que Gartix Vog pague por todos os seus crimes!

Crowe passou a mão pelo cabelo.

— Pois é esse o meu receio, chefe. A tua obstinação pode ter-te cegado… Queres tanto apanhar os “Sentenciados” que não estás a medir todas as consequências das tuas escolhas.

— Estou a medi-las bastante bem, Crowe. Ao contrário de ti, eu fui apanhado entre linhas temporais, fui apanhado pelo Black. Eu sei que o cientista foi assassinado e que a secretária morreu de ataque cardíaco. O Black precisa de limpar a porcaria que o O’Brian andou a inventar e usou-me… Admito, não é agradável estar nessa situação, ser usado contra a nossa vontade e o nosso conhecimento, mas se presentemente é como estou, pois tenho de ir em frente e ganhar qualquer coisa. Fizeram-me uma oferta credível e irrecusável e eu aceitei-a. Uma investigação faz-se com todos os meios à nossa disposição.

— E acreditas que o Gartix Vog te vai entregar o cientista e a secretária, como prometeu, depois de terem sido os seus homens que os apanharam na cidadezinha de Parker? Ele está em vantagem na jogada… Quanto muito, vai devolver a secretária. O Vog precisa do cientista para completar o tal projeto das viagens no tempo. Vamos ter um cadáver em mãos. Ou provavelmente dois, se o Vog resolver livrar-se da secretária.

Poleris empalideceu. Crowe percebeu que ele não estava seguro de ter conseguido a total confiança de Gartix Vog. Tinha corrido o risco e esperava que o milionário colaborasse no essencial. O que o inspetor-chefe almejava era apenas chegar aos “Sentenciados” e terminar com as suas atividades clandestinas. Servira-se de Black, tanto quando Black se servira dele. Sim, era bastante arriscado.

— Ontem também tínhamos dois cadáveres e sem nenhuma pista – revelou Poleris. – Se amanhã tivermos dois cadáveres e a forma infalível de incriminarmos Gartix Vog, a vitória será minha. Existe sempre um preço a pagar.

— A mulher está inocente. O cientista colaborava com o Vog, esse tem as mãos sujas… Mas, a mulher?

— Danos colaterais.

Poleris virou-se outra vez para o monitor e anunciou:

— Black está a caminho de Parker. Ele será o nosso intermediário. Ele vai assegurar-se de que consigo o que quero. Quanto ao cientista e à secretária… Têm mais esta oportunidade de corrigirem as coisas. No entanto, se continuarem a tomar as decisões erradas, o seu destino repete-se. Eles estão os dois condenados, Crowe. Sentenciados à morte. Até posso tê-los ajudado esta noite, ao entrar na equação. Não sei… A partir deste momento, depende deles… se vivem ou morrem. Espero, sinceramente espero, que eles não sejam estúpidos e que percebam, de uma vez por todas, qual é a chave certa para o enigma.


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Notas finais do capítulo

E parece que a sorte terminou para o nosso casal, Amanda e Terris.
Poleris resolveu aproveitar o que o milionário Gartix Vog lhe estava a oferecer e não se importa de sacrificar o que quer que seja, quem quer que seja, para alcançar os seus objetivos.
O que vai acontecer a seguir?
Eu e a AnnieWalflarck agradecemos a vossa leitura e os vossos comentários.

Próximo capítulo:
Traições.



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