Sentenciados escrita por André Tornado, AnnieWalflarck


Capítulo 13
Viagem


Notas iniciais do capítulo

Para os nossos queridos leitores, mais um novo capítulo desta história.
Eu e a AnnieWalflarck agradecemos toda a atenção que têm dispensado a esta história.
Estamos de coração cheio!

Boa leitura!



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O caminho percorrido pelo carro prata do casal fugitivo já tinha percorrido mais de quatrocentos quilómetros desde a cidade de origem, naquela altura. O sol já se despedia, descendo pelo horizonte dando lugar a uma noite de lua cheia.

Terris, que envergava uma roupa descontraída como se fosse um turista, batucava levemente seus dedos no volante do automóvel ao escutar uma rádio aleatória que tocava muitas músicas dos anos de 70, 80 e 90 do século XX em especial as que ele mais gostava eram as de Phil Collins. Ele parecia se divertir no caminho devido à acústica no carro, embalado agora por “Another Day In Paradise”, muito ao contrário de sua passageira, Amanda Scott, que se mantinha a mesma desde o começo do trajeto.

Olhando às vezes para a face desconsolada de Amanda, o cientista não sabia o que produzir para tirá-la daquele mundo das ideias que tanto a machucava. Imaginava como seria para Amanda estar abandonando tudo, mas também sabia que não era o fim do mundo para fechar-se daquela forma. Então em meio aquele ínterim de pensamentos lembrou-se que se queria fazer uma boa farsa com a secretária precisava criar um laço com a mesma. Para isso precisava entender quem ela era de fato, não somente ter as lembranças da pessoa que poderia ser, pois havia a possibilidade de ser completamente diferente da que estava ao seu lado.

Já se tinham visto algumas vezes, nas várias linhas temporais, mas foram sempre acontecimentos rápidos e desenhavam-se confusos na sua memória, pelo que Terris não podia considerar que conhecia aquela mulher.

Sentia-se atraído pela sua personalidade contraditória, mas descontando o impulso inconsciente em que a beijara – e talvez a tivesse beijado mais vezes nessas linhas temporais – considerava que eram, naquele estágio, perfeitos desconhecidos. Apesar de se ter apaixonado… e de sentir que lhe pertencia.

— Então... – pigarreou. – Me fala um pouco de você... – pediu ele ainda balançando a cabeça como quem acompanhava a música a tocar.

— Hã?! – Amanda olhou para ele como se não tivesse entendido bem o que queria sugerir.

— Eu quero saber mais sobre você... Tem família? Há quanto tempo trabalhava na empresa “Investimentos & Segurança”? Amigos? Quais são os teus passatempos? Um namorado? – O cientista tentou não parecer muito ávido, mas sem querer já tinha disparado algumas perguntas de rajada.

— Você se juntou com o Poleris para me investigar também? – indagou Amanda, arrancando uma risada forçada.

Ele mostrou-se incomodado.

— É sério! Vamos Amanda... Preciso conhecer mais de você. Afinal nós somos supostamente um casal. O casal Cooper – observou ele.

Ela balançou a cabeça, fingindo que se distraía com a música. Apoiou o cotovelo na porta do automóvel, descansou o queixo na mão e voltou a fingir, desta feita, que se interessava pela paisagem monótona que enquadrava a autoestrada.

Na realidade, pensava e após considerar o que ele lhe dizia, comentou:

— Bom, Amanda Scott morreu, então não faz diferença o que ela foi, em tempos, senhor Dimitri. É uma pessoa que já não existe. Agora temos a Zoe Cooper, que poderá conceder em responder a algumas perguntas sobre essa tal de Amanda Scott.

O cientista percebeu a sua mágoa – as ideias que continuavam a atormentá-la sobre o que estava a acontecer-lhe. Ele insistiu, num tom baixo:

— Sim, eu gostaria de conhecer um pouco sobre a Amanda Scott…

Mas como ela não dizia nada, e cismando com a vista que conseguia desde a janela do carro, ele completou:

— Mas se ela não quiser falar do passado, então que tal se o cientista do tempo começar contando um pouco sobre sua própria vida? Para quebrar o gelo e como princípio desta bonita história.

E Amanda voltou-se para ele. Contorceu a face sem acreditar muito que o ruivo fosse de fato dizer algo sincero sob si mesmo e principalmente verdadeiro. Era sempre muito cética em relação às pessoas, especialmente aquelas que acabava de conhecer ou que não conhecia tão bem.

Abanou a cabeça afastando sua própria crítica, então colocou:

— Muito bem, me conte então sobre o tal cientista que morreu.

— Sim, outro que teve de deixar este mundo e converter-se num dos Cooper – concordou ele, com um meio sorriso. Ficou sério e começou: – Em resumo, o cientista se chamava Terris O’Brian. Era formado em Física Teórica pela universidade de Cambridge na Inglaterra. Chegou a trabalhar com protótipos de nanotecnologia que ajudariam na ciência médica. No entanto, foi a ambição dele que o levou ao caminho errado, eu diria. Um sonho impossível por causa de um filme antigo, “Terminator”. Apaixonou-se pela ciência, pela Física… Pelo universo que poucos conseguem compreender.

— Então... Você queria ser um homem como Black, suponho. Um regulador que orienta o destino do tempo e, em consequência, das pessoas. Queria tanto assim corrigir o passado? Acho que era sobre isso que falava o filme, não? Havia um ciborgue assassino que perseguia uma mulher que haveria de ser a mãe do líder da Resistência que combateria as máquinas no futuro…

Ele concordou.

— Sim, o filme tratava desse tema. Corrigir o passado.

— O que existia no passado do cientista que precisava de ser corrigido?

Ele encolheu-se.

— No meu passado? Algumas coisas… Todas as pessoas têm aspetos que gostariam de ter alterado, para que o seu percurso fosse diferente. Chamam-se arrependimentos… No mundo…. Existem tantas coisas no mundo que podiam ser corrigidas!

— E criar uma História alternativa, totalmente diferente daquela que conhecemos. Criar um novo mundo. Acho que nem eu, nem tu, acabaríamos por reconhecer esse mundo… reconstruído, com um passado diferente – murmurou de si para si: – Começo a compreender o papel do Black no meio disto tudo.

Terris não ouviu aquela última frase. Olhou para ela e perguntou:

— E que tipo de filmes você vê?

— Não costumo ver muitos filmes, eu gosto mais de coisas como novelas ao estilo “um litro de lágrimas” – confessou ela, sabendo que ele não faria ideia do que aquilo queria dizer.

— Nossa, só pelo nome já dá para saber que gosta de drama – abriu os olhos, achando divertido que a mulher estivesse contado algo em particular.

— Não é drama, apenas são histórias reais como “sempre ao seu lado”. Eu não busco fantasias, porque sei que a vida é cruel. Não idealizo as coisas... Eu as aceito como são. De uma perspectiva pessimista seria bem como uma cientista sempre buscando a lógica. – Amanda empinou o nariz na última constatação, usando-a como uma arma.

Ele discordou, não se deixando atingir pela estocada verbal:

— Aí é que você se engana. Um cientista precisa ser sonhador, não realista... Eles sonham com aquilo que acham ser possível e buscam métodos para concretizar esses sonhos... Como as viagens no tempo, muitos acham loucura e devaneios... Fantasias... E será assim até ao dia em que isso se mostre real... Era isso que eu desejava, mas acho que a humanidade não está preparada para isso. Assim como Gartix Vog, outros tentariam manipular a descoberta de modo negativo e com fins egoístas – avaliou com tristeza. – Já viu “De Volta para o Futuro”, a segunda parte?

— Acho que não... – negou.

— Céus, você deveria assistir essas coisas para entender o que estou falando. São filmes muito famosos.

— Ou você poderia apenas explicar, afinal seria mais fácil do que eu assistir mais de uma hora de um monte de filme antigo – Amanda criticou, aborrecida e cruzou os braços.

Terris pensou que ela estava a perder grandes experiências da cultura popular, porque o seu relato perdia em comparação e maravilha com os filmes de que ele estava a falar, mas não quis provocá-la mais.

— É a tua vez.

— O quê? – Amanda reagiu com algum susto.

— Já falei sobre mim, agora é a tua vez.

— Eu… Eu não tenho nada para contar sobre… – gaguejou, inquieta.

— É sobre alguém que morreu, querida— suspirou ele. – Vamos imaginar que estamos nos respetivos funerais. Eu fiz uma elegia ao cientista, agora tu fazes a elegia à secretária.

Ela fechou os punhos e pousou-os sobre as coxas. Engoliu a saliva que tinha na boca, preparando-se para fazer o que nunca fizera: falar sobre si própria. Disse de seguida, para não hesitar por falta de coragem:

— Amanda Scott tinha uma vida monótona. Trabalhava demais para um chefe odioso que lhe sugava todas as horas decentes do dia por não ter família ou amigos. Então, quando ela chegava a casa, não fazia muito mais a não ser comer e dormir, assistir a séries na televisão que falavam sobretudo de dramas da vida real e deitar-se numa cama onde não havia sonhos. Contente?

— Foi uma elegia interessante.

O sol, entretanto, já tinha desaparecido, o céu noturno piscava, tomado de estrelas. O automóvel estacionou num posto de combustível que possuía uma loja de conveniência que se encontrava aberta vinte e quatro horas por dia, de acordo com o letreiro que exibia o anúncio em números garrafais.

— Por que estamos aqui? – indagou ela, olhando apreensiva a loja iluminada.

— Não sou uma máquina, eu preciso de um tempo para mim – respondeu ele, abrindo a porta. – Quero comer, beber... Dar uma mijada. É cansativo estar dirigindo por tanto tempo.

— Por que simplesmente não fala que quer ir ao banheiro e pronto? Isso é tão indelicado... – censurou ela, com uma expressão implicativa.

— Achei que gostasse da realidade. Então fui direto ao ponto. Quero mijar. É um processo físico natural do corpo humano – observou Terris, sem entender aquela repentina crise. Mudou de assunto e perguntou, cansado: – Quer algo para comer?

Amanda fechou a cara, ignorando a pergunta.

A palavra que ele tinha usado era desconcertante. Na sua conceção de mulher, aquela palavra em específico pressupunha um grau de intimidade demasiado elevado. Ela sabia que teriam de se portar como um casal, na viagem, para não levantar suspeitas e distrair os possíveis perseguidores, mas o cientista podia ser um pouco menos brusco e perceber que as coisas, com ela, levavam o seu tempo até se tornarem… naturais.

— Muito bem, eu vou entender isso como um “não tenho fome, obrigada” – ele disse, saindo do carro, sem humor.

Amanda quedou-se à espera, no banco do carona, revendo aquela esquisita empreitada. Começava a duvidar se teria feito bem em concordar com aquela loucura. Entre uma passada de olhar e outra pela localidade, avistou alguns policiais conversando entre si. Comiam qualquer coisa, um lanche noturno talvez, encostados ao carro patrulha. Sentiu sua garganta seca e as mãos, em contraste, ficaram húmidas do suor. Não estava fazendo nada de errado, estava apenas dentro de um carro, sossegada, ainda assim ficou com medo dos dois homens – talvez fosse o instinto gritando que era uma fora da lei.

A mão foi à maçaneta da porta abrindo rápido e Amanda seguiu para adentrar na loja, atrás de Terris. Não sabia se os homens fardados estavam a seguir alguma pista, ou de alguma indicação veiculada pelo FBI, nomeadamente pelo inspetor-chefe Poleris, mas pensou não querer descobrir. A teoria da conspiração dizia "desconfie de tudo e de todos", era o que ela estava fazendo.

Resolveu se juntar ao cientista que estava com as mãos cheias de rosquinhas em um saquinho de plástico, num dos corredores ladeados por prateleiras repletas de bolos embalados e outras guloseimas.

— Achei que não quisesse comer – ele falou para ela.

Escutaram a porta anunciando a chegada dos dois policiais. Eram sujeitos de tamanhos distintos, um mais alto e magro, o outro mais roliço e baixo.

Terris percebeu a movimentação também, porém agiu de maneira mais desconfiada e cautelosa do que a sua parceira de fuga. A paranóia era partilhada por ambos.

Mantiveram-se por entre uma das gôndolas, fingindo procurar por um produto em específico, qual o melhor pacote de biscoitos, tentando disfarçar o clima estranho, quando um dos homens chegou mais perto deles.

O cientista notou, de soslaio, que o sujeito atrás parecia prestes a iniciar uma pergunta. Então, rapidamente, sem consulta, puxou a secretária e deu um beijo em seus lábios, interrompendo qualquer tentativa de comunicação.

Vendo aquele afeto entre os desconhecidos, o guarda gorducho saiu dali. Parecia não querer atrapalhar o casal naquele momento íntimo – e ligeiramente exagerado, já que estavam na secção dos biscoitos de uma loja de conveniência.

Amanda deixou-se levar pela carícia, aceitando a proximidade, o toque, a união. Até que o beijo terminou e ela percebeu que tinha um rubro imenso no rosto. Como ele podia desconcertá-la tão rapidamente com um único beijo?

— O que... Você disse que não...  – Amanda gaguejou, atropelando as palavras lentamente, pestanejando.

— Desculpe, foi uma medida necessária – justificou Terris, tirando um olhar estranho dela que jamais havia visto.

Ela emudeceu por um momento, molhando os lábios inchados com um apertar discreto como se não quisesse demonstrar que aproveitou tanto quanto ele da inconveniência. Então esperou escutar a saída dos policiais para poder se virar de costas para o companheiro, que mais uma vez teve que respirar fundo mediante aquela ação da mulher.

O cientista sabia que todas as mulheres eram difíceis de serem entendidas, no entanto aquela superava tudo o que já conhecera em seus anos drásticos de tentativa de relacionamentos sem sucesso. Ela era deveras enigmática…

Ainda a olhar para ela, Terris escolheu outro pacote de biscoitos sem atentar à marca dos mesmos, se eram ao seu gosto ou não, perguntando-se se a convivência entre eles se iria manter tão complicada como fora até ali.


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Notas finais do capítulo

A Amanda e o Terris ainda não são bem um casal... As suas diferenças vieram à tona e ela está a ser bastante difícil, porque como podemos verificar está completamente contrariada com tudo o que lhe está a acontecer. Parece que se amansa, mas de seguida as suas garras saltam para fora... Mulheres, como ele comprova...
Homens!, diria ela irritada.
Os dois lados da mesma moeda.
Neste capítulo conhecemos um pouco mais dos dois - e temos de louvar as suas tentativas de encontrar pontos de entendimento.

No próximo capítulo iremos continuar a acompanhar a fuga da Amanda e do Terris e preparem-se... teremos surpresas!

Próximo capítulo:
Etapa finalizada.



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