Normandia escrita por Valdir Júnior


Capítulo 2
A Guerreira




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Povoado de Vieux,  França ocupada,  24 de maio de maio de 1944. 07:00 hora local.

— Vocês não têm como escapar – gritou o Capitão (hauptmann) da  Wehrmacht (1), falando em um francês cheio de sotaque – se nos entregarem os líderes do seu grupo, nós os deixaremos ir. Se recusarem, mataremos todos. Tem um minuto para decidir.

O oficial alemão e uma guarnição de dez soldados estavam posicionados em frente a uma pequena igreja, com todas as suas armas apontadas para ela. Eles também tinham levado um lançador de foguetes tipo Panzerschreck (2), que era usado para explodir tanque ou construções inimigas.

Eles estavam há vários dias no encalço de um reduzido grupo da resistência que havia atacado patrulhas alemãs da região e finalmente haviam conseguido rastreá-los até ali.

Naturalmente os alemães, apesar das promessas que o oficial estava fazendo, não tinham a menor intenção de deixar qualquer um deles sair vivo dali. Ele até já antecipava o prazer que iria sentir ao usar aqueles infelizes para praticar um pouco de tiro ao alvo. E se houvessem mulheres no grupo, elas poderiam servir de diversão antes de mandar fuzilá-las.

  - Seu tempo acabou – gritou mais uma vez o oficial nazista – saiam agora com as mãos para cima ou...

Neste momento ele ouviu um burburinho entre os seus soldados e notou que uma mulher acabara de sair do bosque situado a direita da igreja e caminhava tranquilamente até onde eles estavam.

Ela vestia uma túnica larga, com um capuz que cobria parte do seu rosto. Andou até parar em frente aos pequenos degraus da entrada da capela, acompanhada pelo olhar confuso dos onze soldados alemães da guarnição.

— Oficial – disse ela calmamente, encarando o hauptmann alemão -  ordene a seus soldados que baixem as armas imediatamente e ninguém se machuca.

Os soldados se entreolharam e depois de alguns segundos, começaram a gargalhar.

— Isso é algum tipo de piada? – perguntou o comandante.

— Não – respondeu ela  - é um aviso.

O oficial nazista sorriu cheio de ironia.

— Ah, Uma dama corajosa – disse ele – devo admitir que tenho uma queda por elas. Costumam ser deliciosas.

Ele levantou a mão e tocou a borda do capuz que cobria a cabeça dela.

— Vamos – continuou ele – deixe-me ver que surpresas você está escondendo debaixo dessa roupa.

Repentinamente a mulher segurou a mão que estava se aproximando do seu rosto e a apertou, esmagando com facilidade quatro dedos do nazista como se fossem gravetos. O homem arregalou os olhos, gemendo de dor. E antes que pudesse dizer mais alguma coisa, recebeu um soco brutal no rosto, que fez com que vários dentes saltassem da sua boca e jogando-o aos pés dos seus soldados.

— Eu avisei. – disse ela ante o olhar atônito dos alemães, deixando cair a túnica que estava vestindo – E podem apostar que sou cheia de surpresas.

Eles estavam olhando para uma das mulheres mais formidáveis que jamais viram. Seus olhos eram profundamente azuis. Tinha pele era morena clara e seus cabelos eram negros e cacheados. Usava uma tiara dourada que cobria a parte de cima da sua testa e era adornada com um rubi em forma de estrela. Era alta e tinha braços torneados, com musculatura bem definida. Vestia uma espécie de armadura curta e sem mangas, de cor vermelho escuro, reforçada sobre o busto com um emblema de metal dourado, cujo formato lembrava um pássaro com as asas abertas. Uma saia curta feita de tiras de couro de cor azul marinho cobria suas coxas até a metade e seus antebraços estavam protegidos por braceletes também de metal dourado. Calçava botas altas sem salto vermelhas, com detalhes feitos com o mesmo metal dos braceletes. Preso em um cinto, também metálico, ela trazia um laço áureo e brilhante, que parecia pulsar. Podia-se notar também, acima do ombro esquerdo dela, o punho trabalhado de uma longa espada que estava atravessada às suas costas, com a ponta da bainha de couro escuro aparecendo logo abaixo do quadril direito. E segurava um escudo redondo metálico avermelhado com detalhes em azul.

— Larguem suas armas agora – ordenou ela – para o seu próprio bem.

Impressionados, os soldados ficaram olhando-a paralisados, se saber o que fazer, até que o comandante deles ordenou furioso:

— Ela é só uma mulher, seus idiotas! – vociferou ele – Abram fogo!

Imediatamente os dez soldados começaram a disparar suas metralhadoras, tentando alvejá-la. Ela, porém, movia os braços numa velocidade que mal podia ser acompanhada pelos olhos, usando ora o escudo, ora os braceletes para desviar os projéteis. Depois de quase um minuto de tiroteio intenso, as armas deles ficaram sem munição.

— Terminaram? – perguntou ela sorrindo e sacando sua espada – agora é a minha vez.

O soldado que estava com o lança-foguetes o apontou na sua direção, mas ela saltou e o alcançou rapidamente, girando sua espada e partindo a arma em duas como se fosse feita de papelão.

Os homens, ao vê-la se virar e caminhar determinada para eles exibindo um olhar feroz, simplesmente deram-lhe as costas e correram. E quando o oficial alemão que ainda se encontrava caído a viu se aproximar, levantou os braços e implorou, agora na sua língua materna:

Bitte mächtige Walküre, erbarme dich. Töte mich nicht! (Por favor, valente Valquíria, tenha misericórdia. Não me mate!)

Du bist meines Schwertes nicht würdig, du Feigling. Geh aus meiner Gegenwart heraus. (Você não é digno da minha espada, seu covarde. Saia da minha presença.) – respondeu ela, com desdém, também em alemão.

Ante esta resposta, o nazista engasgou, levantando-se e seguiu cambaleante na mesma direção em que seus soldados haviam corrido.

A mulher guardou a espada, prendeu o escudo sobre ela às suas costas e recolheu sua túnica do chão. Depois subiu os três degraus até a porta da igrejinha e bateu suavemente.

— Vocês já podem sair – disse ela – não há mais perigo.

Momentos depois uma pequena abertura surgiu entre as portas duplas e um rosto conhecido dela apareceu.

— Olá Adrien – disse a princesa Diana sorrindo.

As portas se escancararam e Adrien Durand, que liderava aquele pequeno grupo da resistência saiu e a abraçou emocionado.

— Novamente você vem em nosso socorro, Femme Merveille (Mulher-Maravilha) – disse ele – não sabemos mais como agradecer.

A amazona simplesmente sorriu. Ela chegara à França há cerca de três meses para acompanhar e apoiar extra-oficialmente Steve Trevor em sua missão e em várias ocasiões havia pedido que a chamassem apenas de Diana. Porém, à medida que sua fama foi crescendo  devido às suas habilidades e às humilhações que estava infringindo aos alemães, rapidamente o título de “Mulher- Maravilha” foi ganhando força no meio do movimento de resistência maqui (3). Por fim, sem ter mais o que fazer a respeito, ela decidiu que era mais fácil aceitar o pseudônimo.

Quando todos os membros do grupo já haviam saído da igreja, ela olhou em volta,  como se procurasse alguém.

— Adrien, onde está o major Trevor? – perguntou Diana – ele me disse ontem de manhã que vocês o acompanhariam em um encontro com a célula de Julien Bertrand para repassar a todos as últimas informações que havia recebido da SOE.

  Durand olhou para ela, parecendo embaraçado.

— Nós fomos emboscados perto de Bayeux  - disse ele – tentamos resistir e sofremos algumas baixas. O major Trevor foi... capturado.

Diana sentiu o coração acelerar.

— Você sabe para onde ele foi levado? – perguntou ela, mostrando preocupação.

— Os alemães o levaram para o quartel da SS em Caen e sabemos que passou a noite lá.  - respondeu Adrien Durand – Mas temos informações de que hoje cedo ele seria entregue à Gestapo e levado de carro para Paris.

Diana suspirou, tentando manter a calma. Caen ficava a pouco mais de onze quilômetros de onde eles estavam. Precisava pôr-se a caminho imediatamente se quisesse ainda ter chance de resgatar Steve.   

— Vocês precisam sair daqui – disse ela por fim, olhando para Adrien - os alemães com certeza vão voltar e quando isso acontecer é melhor já estarem longe. Vou tentar salvar o major.

Durant assentiu. Ele sinalizou para seus companheiros, chamando-os.

— Boa sorte Diana – disse ele chamando-a pelo nome a primeira vez.

Momentos depois, todos já haviam partido, sumindo nas trilhas que se dividiam em várias direções e que os levariam de volta a seus lares.

Quando se viu sozinha, a princesa amazona olhou para o céu.

— Deusas amorosas – suplicou emocionada, num sussurro – dêem-me forças para ter sucesso e conseguir trazê-lo de volta a salvo.

E vestindo novamente a túnica para ocultar sua chamativa armadura e suas armas, Diana partiu correndo (4) em direção a Caen.

 

 

 Referências do Capítulo:

(1) Wehrmacht foi o nome dado ao conjunto das forças armadas alemãs durante o Terceiro Reich, entre 1935 e 1945 e englobava o Exército (Heer), a Marinha de Guerra (Kriegsmarine), a Força Aérea (Luftwaffe) e as tropas das Waffen-SS, que apesar de não serem da Wehrmacht, eram freqüentemente dispostas junto às suas tropas.

(2) Panzerschreck (tradução livre "terror dos tanques" ou "terror dos blindados") era o nome popular para o lançador de foguetes anti-tanque reutilizável calibre 88 milímetros desenvolvido e usado pela Alemanha Nazista na Segunda Guerra Mundial. Era simular às bazucas usadas pelo exército americano.

(3) Maquis é um termo que designa os grupos da resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial, que se escondiam em zonas montanhosas com vegetação tipo bosques ou maquis para sabotar e atacar de surpresa o exército nazista, além de dar apoio a missões de espionagem dos aliados.

(4) Observação:  nesta época Diana não usufruía da plenitude dos seus poderes e, por isso, ainda não era capaz de voar.   

 


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