O Que Nos Pertence escrita por André Tornado


Capítulo 2
Manhã


Notas iniciais do capítulo

Vamos ao segundo capítulo desta história que se iniciou a celebrar o aniversário de Chester Charles Bennington no dia 20 de março.
Como indicado anteriormente, cada capítulo novo será publicado nos dias 20 de cada mês.
Depois daquela madrugada agitada, o Mike acorda...



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Mike tinha uma horrível dor de cabeça quando chegou ao átrio do hotel, local combinado para o encontro naquele dia. Pressionava as têmporas com as pontas dos dedos, olhos fechados, a tentar sentir-se melhor – o que iria acontecer dali a minutos, julgava, pois já tinha tomado dois analgésicos. Faltavam cinco minutos para as dez da manhã e esperava ser o primeiro, mas surpreendeu-se ao encontrar Brad que lhe estendia a mão para o cumprimentar.

— Bom dia!

— Bom dia – resmungou ele.

Depois ficou ainda mais surpreendido ao escutar uma gargalhada de Chester e um daqueles berros típicos dele. Também já estava no átrio, a conversar com Dave que sorria com o que ele tinha acabado de dizer e que motivara a reação exageradamente divertida. Circunvagou o olhar pelo local e descobriu Rob, Joe, o empresário principal da banda, duas assistentes que reviam a agenda nos respetivos telemóveis, um tipo que ele sabia ser um dos técnicos de som, alguém de costas a telefonar que lhe pareceu uma das secretárias da digressão… Em suma, ele era o último a chegar. Os seus ombros descaíram, num gesto de puro desalento e cansaço.

Quando despertara com o sol a bater-lhe no rosto já passava das nove e meia. Estava sozinho na cama, Chester já se tinha levantado e saído, sem ter feito o favor de o acordar. Era típico dele. Devia ter despertado cheio de energia, depois de duas horas de sono, saltara da cama e correra para o seu quarto onde se exercitara com a televisão ligada num qualquer programa que passasse vídeos musicais. Fora-se embora precisamente para não o incomodar. Como é que ele conseguia dormir tão pouco? Ele tinha dormido mais e estava arrasado, capaz de se deixar cair para a frente e adormecer naquela alcatifa. Olhou para o chão, o crânio estalava como se prensado num torno.

— Noite longa?

Brad continuava ao seu lado. Ele pestanejou, tentando encarar o companheiro com um aspeto menos miserável, mas a verdade é que se sentia um farrapo humano, daqueles bem desfeitos. As lentes de contacto picavam-lhe os olhos, apesar das gotas oftálmicas e ele só desejava esmigalhar-se até um ponto não reconhecível.

— Noite curta, diz antes assim.

— Na fotografia parecia que estavas a dormir ferrado…

— Qual fotografia?

— Aquela em que se vê o teu nariz num grande plano. Meu… aquilo são pelos?

A fotografia que o Joe lhe tinha tirado e que publicara no grupo privado deles! Nem tivera tempo de verificar o seu telemóvel, as mensagens por ler, as notificações e todos esses pequenos alarmes que lhe enchiam a tela constantemente de avisos que ele tinha de varrer para poder encontrar alguma coisa que prestasse.

Suspirou e pediu:

— Não me queres arranjar um café?

— Não foste tomar o pequeno-almoço? – estranhou Brad.

— Sem tempo. Saí do quarto e vim logo para cá. O encontro era às dez horas e são dez horas.

— Sabes que há sempre uma tolerância…

A frase foi como uma piada, carregada de sarcasmo e de ironia. Se fora intencional, Brad não se tinha apercebido, pois mantinha a mesma expressão cândida que lhe era característica. Nunca nada era de suma importância. Por outro lado, toda essa paciência e boa-disposição significavam que existia um lado mais negro do guitarrista dos Linkin Park. Quando acontecesse alguma coisa que realmente conseguia alcançar a alma pacífica de Brad Delson, a explosão seria tremenda e era melhor que saíssem da frente para não serem atropelados e trucidados pela sua indignação.

Mike estendeu o braço.

— Fui o último a chegar. É lamentável que o fundador da banda seja o último a chegar. Os horários existem para serem cumpridos. Para que raio temos um cronograma se começam a existir furos? Sabes que eu não tolero isso e não gosto de ser daqueles que rompem o esquema. A organização e o compromisso são fundamentais numa comitiva tão grande como a nossa.

— Ninguém repara nessas coisas. Só tu, Senhor Perfeição. Mesmo que tivesses demorado mais dez ou vinte minutos, ou mesmo uma hora por estares a comer, nós iríamos esperar por ti. – Deu-lhe uma pequena cotovelada. – O cronograma estabelecido prevê alguns desvios. Precisamente porque somos uma comitiva cheia de gente.

Ele impacientou-se:

— Bem, se não me arranjas o café, vou pedi-o ali à Susan.

— Ei, Shinoda, despertaste mesmo com o pé esquerdo! Isso é por causa da foto, meu?

— Não, não é por causa da foto. Ainda nem sequer a vi…

Apercebeu-se que olhava fixamente para Chester que se pendurava ao pescoço de Dave, enquanto se riam os dois. Gostaria de estar assim, descansado e com ânimo para se rir e para enfrentar aquele dia. Ficara desiludido, admitia-o, por não ter o Chester na cama quando abrira os olhos e verificara, aflito, que era manhã alta, ele que até gostava de se levantar cedo e despachar-se com tempo. Queria ter comprovado que Chester tinha efetivamente dormido qualquer coisa – desconfiava que não, pois quando se deixara dormir o amigo ainda estava desperto e se se levantara primeiro do que ele, então podia até suceder não ter mesmo pregado olho e estava com aquela energia toda porque tinha tomado um estimulante. Queria tê-lo ao seu lado por um motivo puramente egoísta, que evidenciava uma certa carência, que ele não sabia explicar ainda que lho exigissem, porque precisava, simplesmente, de cuidar de Chester Bennington. Tudo o que fazia nunca era suficiente, contudo. O outro haveria sempre de o iludir e escapar-se através daquela fresta que ele não fora capaz de antever.

E com todos estes pensamentos a redemoinharem na sua cabeça cansada, a cefaleia persistia, mostrando-lhe que ele era um idiota e que estava a ignorar Brad que continuava ao seu lado. Foi a voz deste que o fez focar-se novamente na sua cara barbuda.

— Eu vou buscar-te o café. Já vi que hoje é um daqueles teus dias em que ninguém te atura.

— Porque é que estás a dizer essas merdas, Brad? Que eu saiba, o intratável neste grupo é o Chester.

— Por vezes precisas de te ver ao espelho, sabias? Para veres como ficas quando estás contrariado. – Brad apertou-lhe os ombros, fez-lhe uma curta massagem, sacudindo-o. Mike fechou os olhos e cerrou os dentes para evitar dizer qualquer coisa disparatada, porque aquele movimento agudizou-lhe a dor de cabeça. Mas o raio dos analgésicos nunca mais faziam efeito? – Então, amigo? Tivemos mesmo uma noite super fodida. O Chester deu-te muitos pontapés?

À menção do nome, Mike arrepiou-se.

— O quê?

— O Chester dormiu contigo, não foi?

— Foi… Algum problema? Não fizemos barulho, ao ponto de te incomodar.

— A cama rangeu pouco desta vez, é verdade.

Mike sacudiu os ombros para se libertar das mãos de Brad que se riu com a reação dele.

— Ei, estou a brincar contigo. Tu sabes que gostamos de brincar convosco quando dormem os dois juntos. O Chaz entra na onda, tu és sempre tão reticente, Mike… Até parece que é verdade.

— O que é que é verdade? Olha, não me ias buscar esse café?

— Vou buscá-lo, sim. É melhor, senão esta conversa ainda resvala para terreno perigoso… E eu não te quero chateado antes da entrevista. Ficas com uma cara de japonês cruel e assustas as criancinhas.

— Japonês cruel…

— Sim, um daqueles bem ruins, dos filmes do Kurosawa. Daqueles que cortam cabeças com as katana.

— O café, Brad… por favor.

— Às ordens, senhor Shinoda!

Chester levantou um braço e cumprimentou-o com um berro assim que Brad abandonou o átrio.

— Mike!!!

Tinha-o, por fim, visto, provavelmente porque Brad saíra da sua frente. Ou fizera-se de desentendido, ignorando-o, mas sabendo que ele estava ali desde o princípio. Chester apreciava mostrar-se indiferente, quando estava mais do que atento ao que o rodeava, protegendo-se de eventuais surpresas que ele não apreciava, que ele sabia que o iriam magoar ou incomodar. O que estava ele a tentar provar, naquela manhã depois de terem dormido juntos? Provar ou disfarçar… Não era possível que se tivesse sentido esquisito ao sair da cama dele, já o tinham feito outras vezes. Havia observações ácidas e outras piadas, como aquela da cama a ranger, mas o assunto era relegado para segundo plano em face dos seus compromissos e porque eles eram profissionais. Levavam a música bastante a sério e quando era para trabalhar, trabalhavam. Quando era para brincar, brincavam. E nesse equilíbrio mantinham uma postura irrepreensível e uma personalidade que era louvada por todos os que conviviam com eles.

Chester estava a ser, mais uma vez, um idiota, ao deixar-se vencer pelas suas inseguranças, pelas suas efabulações, por aquelas ideias que ele fabricava para si e que nem sempre correspondiam à realidade. Ele não se melindrava de dormir com ele, por que motivo haveria Chester de sentir vergonha, quando o sol nascia?

Mike observava-o a desviar o olhar, a voltar-se para Dave, continuando a conversa que fazia o baixista rir-se às gargalhadas, abraçando-o pelos ombros. Literalmente pendurado no outro. Com um pequeno impulso e Dave ficaria com Chester nos braços. Bastava um pulo e tê-lo-ia ao colo… Agora juntava-se Joe, a mostrar-lhes qualquer coisa no seu telemóvel. Definitivamente, Chester estava com alguma questão pendente. Tinham de conversar…

Mais tarde. Ali não era o lugar e o Chester não iria levar a sério o que ele tivesse para dizer. Arqueou as sobrancelhas, enquanto cogitava naquilo. A abordagem devia ser a sós e com uma grande dose de casualidade, como se não fosse importante, ou o Chester continuaria a não se interessar por o que ele tivesse eventualmente para afirmar ou defender. Era sempre demasiado difícil alcançá-lo, fazê-lo compreender que estava tudo bem.

Foi ao bolso do casaco e retirou o seu telemóvel. Estava então na hora de verificar e eliminar as suas notificações, de ver a tal foto embaraçosa em que se via o interior sombrio e asqueroso do seu nariz. Num reflexo, levou a mão ao rosto, apertou as narinas. Era impossível haver assim tantos pelos! O Joe devia estar a pedir ao Dave outra opinião, enquanto se divertiam à sua custa. O Rob permanecia na conversa com um dos técnicos, longe do conflito latente. Com o Rob podíamos sempre contar, porque ele raramente mexia no seu smartphone. Era louvável e adorável como continuava a ignorar o apelo omnipresente da tecnologia.

Antes dessa célebre fotografia topou com mensagens da mulher e foi primeiro conferir o que lhe contava a Anna. Era uma resposta ao que ele lhe tinha dito na noite, a despedir-se antes de se deitar e eram mais cinco mensagens sobre o que iria acontecer naquele dia, relacionadas com as rotinas dos filhos e mais um milhão de beijos enviados pela família. Àquela hora estariam todos a dormir e ele sorriu.

A dor de cabeça finalmente fora-se embora. Abriu o sorriso ao aspirar o aroma forte do café que o Brad lhe estendia num copo de papel coberto por uma tampa de plástico, forma portátil de poder tomar a bebida.

— Obrigado, Brad.

— De nada, senhor Shinoda.

Deu um gole na bebida, com cuidado para não se queimar, pois sentia o papel do copo a escaldar entre os dedos da mão esquerda. Os da mão direita, especialmente o polegar, passavam pela tela do telemóvel, a ver as notícias. Reparou que havia dez publicações novas no grupo. Uma delas seria a infame fotografia dele a dormir, a babar-se, grande plano do famigerado nariz com um problema capilar agudo…

— Estás a ser simpático para que eu não te arranque a cabeça, senhor Delson?

— Esperava que não o fizesses… Estamos no início da digressão e ainda vão precisar do guitarrista principal para os espetáculos. Imagina só que não compareço. Vão logo saber que me aconteceu alguma coisa.

Brad escondia as mãos nos bolsos das calças de ganga e tinha uma expressão sorridente a decorar-lhe a barba hirsuta.

— Poderá ser uma dor nas costas. Não seria a primeira vez que magoavas as costas e ninguém iria achar estranho.

— Poderá ser… Mas e se apanham o meu corpo cortado às postas dentro de um saco de plástico no teu cacifo? – Estalou a língua. – Isso seria um problema.

— Um problema enorme. Tinha de pedir ao Chester para me arranjar um álibi.

— O Chester nunca iria defender-te se estivesse em causa o meu assassinato. Ele gosta mais de mim do que de ti e nunca te perdoaria se me fizesses mal, mesmo que alegasses insanidade e uma propensão estranha para encarnares um japonês cruel de um dos filmes do Kurosawa sempre que tens uma noite complicada.

Mike baixou o telemóvel. Bloqueou-o. Lembrou-se que ainda não tinha ido ver a tal fotografia. Achava que já não teria tempo. Teria de aturar os dichotes dos outros sem poder defender-se em condições por não ter inteiro conhecimento dos factos. Ou seja, ao não conhecer a fotografia em profundidade e detalhe, não a poderia rebater como exagerada, falsa ou maldosa.

— Esta conversa está a ficar um pouco estúpida, não concordas? – disse.

— Concordo. Estou a ganhar tempo. E consegui livrar-me do teu mau humor… Tens melhor aspeto. Por isso, acho que venci.

Mike bebeu um segundo gole e elevou o copo.

— A cafeína faz milagres. E já não me dói tanto a cabeça. – Ficou sério. – Tive uma noite de merda, essa é que é essa. Dormi mal, meu. Sim, o Chester resolveu aparecer no meu quarto e quis ficar, mas, entretanto, eu já tinha adormecido uns minutos, baralhei os sonos, despertei com a conversa dele e acabei por me deixar dormir lá pelas quatro da manhã. O Chester, entretanto, acordou, sei lá quando, e nem sequer me avisou quando saiu do quarto. Acabei por acordar em cima da hora, despachei-me a correr e irritei-me.

Brad colocou-lhe a mão sobre o ombro.

— Ei, meu. Estamos todos aqui e já passa das dez horas da manhã. Eu não te disse que havia uma tolerância? Não chegaste atrasado e ninguém te veio cobrar nada.

— Tens razão… Fui um idiota.

— Esquece lá isso. O início da digressão dá-nos sempre nos nervos.

— Não devíamos estar mais experientes ao fim destes anos todos? – comentou Mike levando o copo à boca. Mais outro gole de café. Sentia o estômago a aquecer, a ficar confortado, embora não desdenhasse algo mais sólido para aumentar a sensação de saciedade.

— Eu nunca deixo de estar nervoso quando o circo tem início.

— Tu és demasiado sensível, companheiro.

— E tu também. Só que sabes esconder um pouco melhor. Se te mostrares mais humano, ninguém vai criticar o ponderado e profissional Mike Shinoda por ter perdido o controlo, algures.

— Estamos cheios de adjetivos, esta manhã? Acho que vou começar a apontá-los… Vão servir para a minha biografia!

— Por vezes, sinto-me inspirado.

— E que inspiração.

A Cammy, uma das assistentes, começou a falar com eles, um a um, poucas palavras, um gesto assertivo com um dedo esticado. Viajava pelo átrio como um vendaval, mas sem causar alarido ou excitação. Ao alcançá-los naquela pressa contida, disse-lhes:

— Cinco minutos para sairmos. Mike, Brad, o transporte está à espera no exterior do hotel. Estamos dentro do horário, mas não podemos desobedecer a estes cinco minutos. Combinado? Já estão à nossa espera no estúdio de televisão e não nos iremos atrasar.

— Serão quantas entrevistas?

— Em princípio, quatro. Está tudo explicado no memorando disponível na partilha oficial que trata dos detalhes da digressão, Mike. É só conferires os documentos e as indicações que eu e a Susan deixamos. Está tudo organizado por datas para não se perderem nas indicações e não se enganarem na escolha dos arquivos certos. Não andamos a esforçarmo-nos para nada, certo? Sei que é uma leitura aborrecida, mas é necessária. E nós esforçamo-nos para deixar tudo bem esclarecido e em frases simples, de fácil memorização.

— Certo, linda – concordou Brad e piscou-lhe o olho. – Eu gosto de ler as tuas declarações de amor.

— Cinco minutos, ouviram?

— Sim, ouvimos bastante bem – respondeu Mike abrindo a partilha, à procura do memorando. Mordia a língua. Devia ter passado os olhos pelos documentos assinalados e não se distrair com a aplicação de samples que explorava antes de cair naquele curto sono.

— Não foste tomar o pequeno-almoço, Mike. Esse café é que te está a quebrar o jejum?

— Sim, querida. – Mike agitou o copo. – Isto e dois comprimidos para a dor de cabeça. Estarei com melhor aspeto, no estúdio. Prometido. Peço uma camada extra de maquilhagem.

— Tens de comer alguma coisa – protestou Cammy sem soar condescendente. Ossos do ofício. Não era a primeira vez que ela tinha de providenciar soluções de última hora que resolveriam problemas inesperados. – Vou pedir que tenham uma refeição ligeira preparada no estúdio para vocês. Podem servir-se todos, mas tu, Brad, certifica-te que o Mike come qualquer coisa de substancial. Não te quero a desmaiar por falta de açúcar… Má publicidade e polémica evitável. Os tabloides não se podem alimentar das nossas falhas, já chega termos de lidar com as suas invenções. E os tabloides estão atentos! Os Linkin Park são demasiado… perfeitos e naturais, um piquenique para a especulação.

— Obrigado. Irei comer mesmo alguma coisa. Por enquanto, sinto-me bem e capaz.

— Eu cuido dele, linda – afirmou Brad encostando-se a Mike – Ele não vai desfalecer por falta de açúcar. Primeiro, já está a tomar uma dose. Tive o cuidado de lhe adoçar o café.

— Hum… Realmente está um pouco doce a mais para o meu gosto – analisou Mike, passando a língua pelos lábios, fingindo ter-se apercebido apenas naquele momento.

— Depois, eu disfarço uma queda do Shinoda, amparando-o nos meus braços. Não deixaria cair o meu amigo para os tabloides o apanharem.

Cammy mostrou-lhes a mão, dedos abertos.

— Cinco minutos. Não têm mais tempo. Se não obedeceram, vão ser corridos daqui aos gritos. E olhem que eu consigo gritar mais alto do que o Chester.

Brad lançou-lhe um beijo:

— Amo-te, linda, por seres tão determinada.

Ela afastou-se, a resfolegar de impaciência.

Mike abriu o documento, identificado com a data daquele dia. Era reconfortante contar com a dedicação de assistentes com o nível de eficiência da Cammy e da Susan. Os compromissos estavam detalhados e existiam as devidas ligações para outros documentos e notas rápidas que os ajudavam a perceber o que lhes era exigido, de um modo geral e de um modo específico, com apontamentos, separados por cores, para cada um dos membros da banda. Ele era sempre dos mais requisitados, a par de Chester. A dupla continuava a ser a principal montra dos Linkin Park. Não podia pedir nada mais perfeito e de rápida compreensão. Em poucos segundos soube o que lhes era exigido, sem grandes pressões ou desesperos. Sentiu-se até menos culpado por ter negligenciado as suas obrigações, por… não quis classificar a sua atitude como desleixo, fora mais por preguiça ou por uma qualquer reação que o levou a baralhar as suas prioridades.

Estavam em digressão. Era trabalho. Não se podia distrair. Fazer e fazer bem. Mentalizou-se que devia aproveitar melhor as suas pausas, os seus descansos, estar atento à sua alimentação.

— Parece que vou cuidar de ti, daqui para a frente.

Olhou para Brad.

— Pois deves mesmo continuar a fazê-lo. Quando o efeito deste café se esvair – avisou Mike –, eu posso adotar a minha transformação de japonês cruel. É um processo imprevisível e que não domino na sua totalidade…

— Isso mete medo, meu.

Riram-se, ainda que estivessem a conter-se para não o fazer. Bastou tentarem o contrário, manter-se sérios, compenetrados. Adultos. Por vezes não se apercebiam que tinham crescido. Tinham, efetivamente, crescido juntos, mas a viagem estava a ser tão fantástica que era como se, quando cada um era uma sexta parte dessa maravilhosa e impossível entidade chamada Linkin Park, não existisse tempo. Permaneciam eternamente jovens, imaculados, divinos. Quando se reuniam no estúdio, quando compunham música, quando atuavam. O momento prolongava-se e eles eram mais espírito do que corpo. E só o corpo tinha a capacidade de envelhecer.

Mike acabou com o café e deixou o copo em cima de um dos muitos canteiros de flores que ornamentavam o átrio. Era um espaço mais ou menos reservado, junto ao átrio principal do hotel, onde podiam estar sem serem incomodados. Verdade fosse dita, nunca acontecera terem tido problemas onde ficavam alojados, pois eram poucos os admiradores que os procuravam nesses lugares. Como existiam sempre encontros prévios, e mesmo posteriores, aos espetáculos, os fãs sabiam que podiam encontrá-los aí e não os incomodavam fora desses eventos estabelecidos. Acabavam por respeitar bastante a sua privacidade. Os outros hóspedes não eram admiradores e só nalgumas ocasiões se depararam com alguém que os reconhecia e fazia alarido. Usualmente, e eles faziam por isso, saíam sempre do hotel pela porta principal.

Joe passou por eles e estalou os dedos, completando com um par de sinais e outras caretas de que deviam pôr-se a andar, sem emitir uma palavra que fosse. Os cinco minutos estipulados estavam esgotados. Brad conferiu o relógio do seu telemóvel.

— Ainda temos dois minutos… – murmurou.

— Não vamos aborrecer a Cammy, por favor.

— Tens medo dela, Mike?

— Claro que não.

— Eu tenho!

Sentiu um peso sobre as costas, os seus joelhos dobraram-se involuntariamente. Rodou o pescoço e descobriu Chester que se encavalitara sobre ele num pulo. Como deixou as mãos, aproveitou o impulso e abraçou-o por detrás. Mike arquejou. Julgava que ele iria ficar com o Dave naquela manhã. Uma das entrevistas era com eles os dois, enquanto ele iria apresentar-se com o Brad, no estúdio ao lado. Rob e Joe estavam dispensados e depois haveriam todos de se reunir, para uma entrevista coletiva, uma sessão de fotografias, uma conferência de imprensa e ficavam despachados.

Brad brincou com o que o vocalista exclamara de forma tão veemente:

— Tens medo dela, Chester?

— Tenho, porra – confirmou. – Quando ela me pede para fazer alguma coisa, eu faço e sem lhe perguntar duas vezes. Uma vez caí no erro de a contestar e fui enxovalhado até me transformar num tapete.

— O que foi que contestaste?

— Já não me lembro. Uma merda qualquer relacionada com um horário.

— Nunca te vi a contestar nada… Tens a certeza de que não sonhaste isso, meu?

— Não me vês a contestar nada porque aprendi a lição. Não sou estúpido, Brad. Eu e a Cammy somos os melhores amigos do mundo, agora. Ela sabe que sou obediente e que, sempre que posso, faço-lhe os maiores elogios desta vida.

— És um cínico… só és agradável para evitar irritá-la.

— Como disse, não sou estúpido. E sei sobreviver em ambientes hostis com as poucas armas de que disponho.

— Um cínico.

— Um sobrevivente, Brad.

Mike tocou-lhe nos braços que se enrolavam no seu pescoço.

— Vamos, Chaz? Se é para deixarmos a Cammy contente, já temos menos de um minuto para chegar à porta de saída do hotel.

— Claro, querido.

Inesperadamente, Mike sentiu as nádegas apertadas e deu um salto.

— Ei! – gritou.

A seguir foi um par de palmadas. Saltou indignado, voltando-se para trás. Chester sorria-lhe e pela movimentação das sobrancelhas percebeu que lhe piscava o olho por detrás dos óculos escuros. Brad deitou a cabeça para trás, numa gargalhada, mão sobre a barriga. Mike apontou-lhe um dedo, com a mão que segurava o telemóvel, dentes cerrados.

— Ei… – repetiu, com menos contundência.

Chester passou o braço pelos ombros de Brad e começou a arrastá-lo. O guitarrista deixou-se levar, rindo-se da cara ofendida, surpreendida e pálida dele. Mike estava a corar, o que sobressaía em toda a sua lividez.

— És tu que prometes beliscar-me o traseiro e agora não gostas de um carinho? Muito injusto, se queres que te diga… Viste, Brad? Viste só? Aquilo é que é ser cínico. Dizer-se uma coisa e fazer-se outra – queixou-se Chester a fazer beicinho.

Mike revirou os olhos com um suspiro e pôs-se a seguir os dois amigos. Já na rua e passado o átrio principal do hotel, onde ele notou, de relance, algumas cabeças a se voltarem na direção deles, entrou na carrinha e sentou-se num dos bancos recuados, ao lado de Joe. Este pediu-lhe mais cinco e ele bateu com a sua mão na do DJ, num cumprimento. Chester sentou-se com o Dave o Brad nos bancos imediatamente a seguir e Rob ocupou o lugar do pendura ao lado do motorista. Dave comentou que era a primeira vez que iam todos no mesmo automóvel, normalmente costumavam viajar em dois carros diferentes. O Chester lançou uma observação qualquer relacionada com superstição, voltou-se para trás e tentou chamar o Joe à discussão, insistindo numa argumentação confusa sobre sorte, azar e a conjugação astral, uma aplicação qualquer que ele tinha no seu telemóvel que lhe dava os resultados dos signos do zodíaco.

A vibração subtil anunciou uma nova notificação. Era um comentário cheio de emojis que expressavam espanto e nojo. Mike desbloqueou o seu telemóvel com o polegar. A notificação vinha do grupo, de uma publicação com o título “boss” e finalmente ele viu a célebre fotografia.

— Que merda! Como foste capaz de me fazer isto, Joe?!!


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Notas finais do capítulo

O Mike não estava nada bem-disposto e ficou aborrecido por o Chester o estar a ignorar.
E finalmente viu a célebre fotografia que o Joe lhe tirou enquanto dormia e se babava. Não deve ser nada bonita...
Neste capítulo tivemos a presença simpática de Bradford Phillip Kaplan Delson, o guitarrista (que nome impressionante!), que conhecemos simplesmente como Brad.
É um bom amigo a ter por perto, não concordam?
A seguir continuamos a explorar um dia na vida dos Linkin Park na estrada.

Próximo capítulo (20 de maio):
Tarde.