É como se eu ainda pudesse ouvir a risada dela, sentir o cheiro cítrico dos seus cabelos, a maciez da sua pele alva como a neve, o calor que me apertava quando nos abraçávamos. É como se eu ainda pudesse ouvir ela dizer de forma preguiçosa: “Só mais dez minutinhos amor.” quando o despertador toca pela manhã, as vezes ouço os passos dela subindo as escadas pulando de dois em dois como ela fazia quando estava com pressa de se perder em meus braços. É como se ainda sentisse a maciez dos seus lábios nos meus, o doce do seu gosto em minha boca, suas mãos acariciando meu corpo, seus dedos adentrando meus cabelos... Esse inferno nunca vai acabar, eu nunca poderei ser feliz de novo, maldição! Por que não fui eu em vez dela?!

— Ah Ana! – Digo olhando sua foto em minha mesa de trabalho, o porta-retratos mais especial do mundo. Ela está sorrindo, mas ao mesmo tempo tem um olhar misterioso, as folhas alaranjadas do outono caem ao seu redor, ela está com as mãos em frente ao pescoço e com aquele suéter de linho branco que eu amava tirar dela. – Eu sinto tanto a sua falta... – As palavras que eu nunca me cansarei de dizer saem mais uma vez, com cansaço e pesar. Sinto meus olhos arderem, mas as lagrimas já quase não saem mais, afinal eu acho que desidratei de tanto chorar nos últimos anos. São três anos sem você, os anos mais longos e vazios da minha vida.  Ouço batidas na porta e mando que entre.

— Com licença senhor Grey, os donos da Handerson acabaram de chegar para a reunião. – Andrea, minha secretária fala ao abrir a porta do escritório. Desde o fatídico acontecimento ela me trata diferente, com mais candura, é como se vivesse com pena de mim, sempre me olha com ressalva e fala devagar. Poderia até achar graça se o mundo não tivesse perdido o encanto.

— Certo. – Respondo e ela se vai fechando a porta. Me tornei quase monossilábico desde que perdi a Ana, eu acho que retrocedi, quase me tornei o que era antes de conhecê-la, porém de uma forma terrivelmente triste por ter visto como a vida poderia ser diferente. Antes dela eu era rude, grosso, mandão e senhor de mim. Com ela aprendi a ser gentil, amável, paciente e senhor todo dela. Depois dela sou só um corpo que anda, fala o necessário e arranja forças num único motivo para estar vivo. Sorrio pela primeira vez ao pensar nisso e me levanto, não tolero atrasos muito menos de mim mesmo. Vou para sala de reunião e a encontro cheia, os representantes da Handerson, os advogados deles, os meus, minha Vice-Presidente Ross, as secretárias e o chefe do meu setor financeiro. – Boa tarde. – Comunico a minha entrada saudando a todos de uma vez, que se levantam de seus lugares ao redor da enorme mesa, me cumprimentam de seus lugares e eu os respondo com um aceno de cabeça. Me sento e já dou partida no assunto. – Bem senhores estamos aqui hoje para fechar negócio, creio que os termos e valores já foram acordados por ambas as partes. – Explano com meu jeito de homem de negócios habitual.

— Senhor Grey, na verdade gostaríamos que o valor da oferta fosse aumentado. Nossa empresa ainda tem um bom potencial de mercado e cem milhões de dólares não me parece adequado. – O senhor de barba rala grisalha, cabelos igualmente brancos e bem cortados fala enquanto olha para mim com insegurança, posso ver daqui. Sou excelente em ler as pessoas como diria a minha Anastácia.

* Flashback ON *

— Eu duvido que você saiba o que eu estou pensando agora! – Ana fala rindo e andando para trás, linda com o mar as suas costas, com o biquíni azul que fica perfeito nela.

— Eu sei sim! Você está pensando o quanto quer que eu vá até aí e te encha de beijos! – Digo com humor, me levantando da areia e correndo em sua direção. Ela corre rindo e eu a alcanço rapidamente, a suspendo a colocando deitada em meu ombro, ela gargalha e diz.

— Achei que eu quisesse beijos senhor troglodita! – Dou um tapa em seu traseiro maravilho e ela dá um gritinho, a coloco no chão colada a mim a minha frente, abaixo meu rosto e encho seu rosto de beijos, ela ri então afasta o rosto e aponta a boca com o indicador fazendo biquinho. De imediato alcanço seus lábios com os meus, com fome de sentir seu calor mais uma vez.

* Flashback Off *

Balanço a cabeça para desanuviar as lembranças tão maravilhosas e dolorosas. – Senhor Handerson, sejamos realistas em menos de seis meses as ações da sua empresa cairão cinquenta por cento, daí é ladeira a baixo. Nenhum outro conglomerado tem interesse em comprar sua empresa no momento, de forma que a minha proposta é a mais generosa que vai encontrar. Para fazer o capital da sua empresa voltar a girar para que ela seja interessante para uma venda futura precisam de uma injeção de capital imediato, assim como mudanças drásticas na estruturação, isso tudo só a Grey Interprises irá oferecer. Há uma decisão inteligente que precisa ser tomada hoje aqui, o que o senhor me diz? – Olho para ele seriamente enquanto exponho os fatos, depois coloco as mãos sobre a mesa uma sobre a outra com firmeza ao fazer minha pergunta. Os senhores me olham com um misto de raiva e dúvida, mas o senhor Handerson engole em seco e respira fundo, depois de entortar a boca me responde sério.

— Vamos assinar os papéis. – Os advogados mostram a papelada uns para os outros e então todos assinamos. Me levanto os outros também, nos aproximamos e apertamos as mãos uns dos outros. – Não posso dizer que foi um prazer, mas foi bom fazer negócio com você, senhor Grey. – Handerson fala ao me cumprimentar, faço uma expressão que poderia ser um possível sorriso sem mostrar os dentes e respondo com tranquilidade.

— Foi um bom negócio senhor Handerson, o senhor ganhou muito com essa venda. Agora está livre de dor de cabeça, poderá se aposentar com tranquilidade. Ainda mais sabendo que sua empresa não irá ruir. – Ele me olha pensativo, no fundo ele sabe que foi a melhor oferta que ele poderia receber. Eu sou um homem de negócios implacável, porém justo sempre.

— Obrigado, adeus senhor Grey. – Ele diz com um meio sorriso e eu apenas aceno com a cabeça. Caminho rumo a saída da sala de reunião e Ross me alcança.

— Temos que viajar amanhã para França, não consigo adiar mais nenhum dia a reunião com o presidente da La Plus Belle Architecture. Eles estão interessados em investir no seu projeto do resort nas Bahamas, mas acho difícil que se mantenham assim se você continuar adiando essa viagem. E agora eles querem ver você, eu já fui para lá duas vezes sozinha e não tenho mais como sustentar a situação. – A bela mulher, negra, alta, de olhos castanhos expressivos e a melhor vice-presidente que poderia ter, fala enquanto caminhamos até adentrarmos a minha sala. A La Plus Belle Architecture é uma empresa de arquitetura inovadora, moderna e que contém alguns dos melhores arquitetos, designers e projetistas do mundo. Eles são especialistas em projetos de grande porte, em grandes áreas e construções enormes. Como shoppings centers, hotéis de alto luxo, clubes cinco estrelas e mansões para megalomaníacos bilionários. Por isso eu os contratei para fazerem o layout do resort, mas o dono da empresa ficou interessado em investir no projeto diretamente, eles quiseram se associar a mim. No começo não quis, pois não via necessidade disso. Como sempre eu foco em projetos novos que estão em alta no mercado, para depois poder vende-los e obter assim um lucro muito maior, mas acabei não vendo problema em ter sócios investidores nesse projeto, pelo menos assim a Grey Interprises não precisará dar conta de tudo sozinha e eu poderei viajar menos, o que sempre tem sido o meu foco. Ross fica em silêncio ao ver que não consigo responder, me sento em minha cadeira, ela em uma em frente a minha mesa, me olha com receio, preocupação, duvida, pena, esse ultimo sentimento é a forma como mais sou olhado nos últimos anos por todos. Respiro fundo, fecho as mãos e levo os indicadores a frente da boca pensando, o que posso fazer?! Nunca estive tão dividido, ela está certa não posso mais adiar isso, mas ao mesmo tempo não quero ter que sair de Seattle nenhum dia, que dirá quatro que é tempo necessário para essa negociação.

— Tudo bem Ross, eu sei o quanto esse negócio é importante para a Grey Interprises, eu vou ver o que posso fazer para ir nessa viagem, mas temos que voltar antes do período estipulado. – Digo a olhando nos olhos. Ela comprime um pouco os lábios como se ponderasse a situação. Depois que a Anastácia se foi, passei um ano sem conseguir pisar fora de casa, não conseguia pensar em mais nada que não fosse a dor da falta que ela me fazia, a dor da forma como tudo aconteceu, a impotência que sentia, o ódio... tudo isso me consumia dolorosamente todos os dias, todas as horas, todos os minutos, todos os segundos. Consegui sair da depressão por falta de alternativa, pois tirar a minha vida não poderia, tinha que conseguir recomeçar e resolver as coisas de algum jeito. Nesse período Ross foi vital para empresa, sem ela com certeza a Grey Interprises teria ruído. Minha vice-presidente tomou conta de tudo em minha ausência e assim nada estava diferente quando voltei, foi como voltar de férias, a única diferença era que eu tinha passado as férias no inferno, mas pelo menos no trabalho era tudo igual a antes.

— Claro, o importante é a sua ida! Vou ver o que posso fazer para diminuir o cronograma. Como ela está? – Fala com convicção e depois me pergunta com cautela, minha braço direito sabe que falo pouquíssimo sobre ela, a minha pequena, nunca toco no assunto com pessoas fora da família. Não por algum motivo específico, somente porque gosto de preservar nossa privacidade e principalmente segurança.

— Está bem, obrigado. – É o que consigo dizer, gostaria de ter desenvolvido uma resposta melhor, talvez mais educada, mas é a única coisa que consigo dizer. Ross sorri fraco para mim e depois se levanta. Ela sabe que não quis ser rude com ela.

— Eu vou te mandar o relatório da aquisição 644, você revisa, dá o ok e me manda de volta, tudo bem? – Pergunta já em pé.

— Sim, eu acho que podemos melhorar naqueles dois pontos fundamentais, ainda não estou satisfeito com o que o setor de imagem me mandou. – Respondo com convicção.

— Claro, eu já imaginava que você iria reclamar disso. Vou falar com o Peter para que ele já me mande com os ajustes, assim eu só te envio para você dar seu aval. – Sua expressão é séria e compenetrada como sempre.

— Perfeito Ross. Obrigado por tudo! – Respondo satisfeito, sempre acabo a agradecendo também, ela sabe o quanto sou grato por tê-la em minha empresa.

— Ok, até mais tarde Christian. – Diz e acena com a cabeça positivamente sorrindo, então já se vira para sair da sala. Volto a minha atenção para o meu computador e as horas voam, logo já são dezoito horas e resolvo encerrar meu trabalho por hoje. Procuro chegar em casa sempre antes das dezenove horas, é muito importante para mim, ou melhor para nós. Olho para o retrato do amor da minha vida mais uma vez, passo meus dedos pelo seu lindo rosto e me levanto.  Saio da minha sala e lá está Andrea atrás de sua mesa.

— Boa noite Andrea, já pode ir para casa. – Digo enquanto me dirijo ao elevador.

— Sim senhor Grey, boa noite! – Ela responde como sempre. Adentro a caixa de metal e logo estou na garagem mesmo sendo um prédio com mais de vinte andares e a minha sala ficando no último. Saio do elevador e Taylor já me espera ao lado do carro, abre a porta e me cumprimenta.

— Boa noite senhor! Espero que tenha sido um bom dia de trabalho. – Fala com atenção, nos tornamos próximos desde que Anastácia entrou em minha vida, eles se gostavam bastante e tinham uma relação de amizade além da profissional, o que me fez ficar mais próximo dele também. Depois da partida dela nos tornamos ainda mais amigos.

— Boa noite Taylor, sim foi um dia produtivo. – Respondo e entro no carro, ele fecha a porta e logo está no seu assento e dirigindo. Eu gostaria de ser mais falante e de conseguir ser mais comunicativo com as pessoas, mas sem a Ana eu não sei como fazer isso, não sinto que tenho forças para ser uma pessoa aberta e alegre, só consigo sobreviver, aliás somente por uma única razão. O caminho é tranquilo e em meia hora chegamos a mansão Grey, a linda casa a beira do lago que comprei para o meu amor, para construirmos a nossa família, para realizarmos nossos sonhos... tudo interrompido precocemente. Passamos pelos enormes portões e tudo se mantem igual quando ela estava aqui. Fiz questão de manter cada objeto da casa como foi escolhido pela Ana, as flores no jardim, as cores das paredes, os tapetes, as cortinas... tudo como ela escolheu para o nosso lar. O carro para em frente a entrada principal e eu me despeço do Taylor. – Boa noite amigo, bom descanso e até amanhã. – Digo após ele abrir a porta, ele sorri para mim e me responde com o mesmo que lhe falei. Enquanto ando até a enorme porta de madeira, penso como Taylor é feliz, se casou com Gail, sua filha de doze anos veio morar com eles, aliás isso por interferência da minha amada, eles moram na casinha anexa, que fica mais para cima no terreno da nossa. É bem grande e bem confortável, também facilita o trabalho de Taylor para mim, assim como o da Gail na casa, principalmente se eu preciso que ela acabe ficando até mais tarde cuidando de tudo para mim. Seguro na maçaneta da porta e meu coração já se acelera quando começo a abri-la. Ao dar meus primeiros passos dentro da sala de estar sorrio pela primeira vez no dia ao olhar para frente.