Olhos Felinos escrita por Tessa Herondale


Capítulo 1
Capítulo Único — Dama dos Mortos


Notas iniciais do capítulo

Hey gente. Faz muito tempo que não posto aqui no nyah. Nem mesmo tenho ideia se os meus leitores de antigamente passarão por essa one. Porém, se passarem, espero que saiba que depois de muito tempo tentando, estou me recuperando de uma pausa longa no quesito "escrita e inspiração" e estou voltando. Olhos Felinos será minha carta de "ESTOU DE VOLTA!" a todos aqueles leitores que permaneceram comigo e me esperando.
Espero profundamente que gostem.
Boa leitura!



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Há muito tempo atrás, durante o raiar do sol e o som da ventania do primeiro dia da estação de outono, uma mulher de lindos cabelos escuros, olhos pretos como a noite e pele corada como se tivesse sido tocada pelo sol, levantou-se de sua cama para mais um dia ao qual viveria no automático, um dia ao qual iria caminhar pelas ruas inquietas de uma vila antiga.

Sentada em sua velha cama de madeira, olhou para a janela ao qual era banhada pela claridade do sol, sorrindo um pouco quando sons suaves dos arranhões que esperou por mais de dois meses encheu a casa pequena de madeira. Levantando-se em seus pés descalços, foi até a pequena janela, abrindo a tranca com dificuldade por essa estar enferrujada.

A rajada de vento que foi de encontro ao seu rosto fez seus cabelos serem soprados para trás, e no momento seguinte, um carinho macio era feito por debaixo de seu queixo, juntamente a um som familiar e que há muito não ouvia. Aquele ronronar tão doce aumentou assim que levou a mão para cima da pelagem escura com saudade.

— Bem-vindo! — Tomou o felino em seus braços, olhando para seus olhos verdes ofídicos, os dedos o acariciando com ternura — Como vai? Há muito tempo não nos vemos.

Seu longo miado foi como um presente depois de passar tantos dias sozinha e afastada das pessoas.

— Como tem sido seus dias? Os meus não foram tão impressionantes, como sempre —  falou, e a suave cabeçada que o bichano deu em seu queixo a fez sorrir, sabendo que ele apenas queria lhe consolar — Eu sei que não gosta de me ver triste, ainda mais em dia como hoje — O abraçou um pouco mais apertado — Mas é quase impossível não se sentir sozinha estando tão fundo nesta floresta… Sempre me pego desejando que venha me ver.

— Oh, sim, eu sei que você também gostaria de estar aqui, mas ambos sabemos que é um pouco impossível. — O gato preto piscou, como se estivesse totalmente ressentido por esse fato, e não duvidando disso, Sophie sorriu — Não fique bravo e venha. Temos muito que fazer até o final do dia. — Soltando-o no chão, puxou as janelas fechadas novamente e caminhou até a sua cozinha pouco atraente. Tudo que possuía era um lugar para assar carnes e cozinhar sua comida, uma pia e uma mesa velha de madeira, assim como tudo tinha na casa. Não era uma forma agradável de viver, mas Sophie escolheu isso quando decidiu viver dentro da floresta, longe da movimentação da aldeia e das casa boas.

— Ora — Ela fez careta assim que abriu o único armário que tinha. Estava completamente vazio — Acho que me esqueci de fazer as compras para hoje.

— Não brigue comigo. Eu não gosto de ir a aldeia, ou apenas quando realmente necessário — falou emburrada ao gato, que caminhava por cima da pia velha com elegância enquanto mirava sua insatisfação. — Ok. Parece que teremos de ir agora. Volto já. Irei mudar de vestido.

Correndo em seus pés descalços, voltou ao quarto e abriu seu único baú e tirou dois dos seus melhores vestidos. Mordendo o lábio, sorriu, escondendo o que tinha comprado para aquele momento e escolheu o lilás, contente que não estivesse com uma cara tão ruim como os outros.

— Ei! — Olhou feio para o gato quando esse pulou em cima da cama desorganizada. Ele sentou ali e ficou olhando, observando-a  segurar o vestido em frente ao corpo ainda vestido — O que pensa estar fazendo? Vire-se!

Um miado longo e inconformado. Sophie segurou os quadris e riu.  

— Não seja levado. Um cavaleiro fecharia os olhos — Ele nem sequer piscou — Vamos. Vá esperar lá fora.

Com ruídos cheios de marra, o gato pulou na janela quando ela abriu, miando profundamente ao sair. Ao fechar a janela, Sophie sorria mais alegre do que em outros dias, dias em que se viu pensando na falta em que essa sua companhia lhe fazia.  Assistiu-o pular no galho da árvore perante a sua janela e então escalar ao topo, usando as patinhas ligeiras com agilidade.

— Não suma! — Ordenou. Ele olhou para trás, como se essas palavras fosse um poucos patéticas para se dizer a um gato, e logo em seguida se entrou entre as folhas da árvore.

Tentando não pensar que ele pudesse ter partido, fechou a janela e correu para se arrumar. Retirou a camisola branca e enorme ao qual usava e entrou no vestido lilás, puxando os cabelos por cima dos ombros. Depois de penteá-los, calçou sua sapatilha e tomou seu cesto de compras na mão.

Pronta, pegou a pequena bolsinha de pano que escondia dentro do colchão, sacudindo para ouvir o som as moedas. Tinha custado muito as conseguir.

— Certo. Tudo pronto — Ansiosa por viver aquele dia esperado, foi até a porta e saiu de casa finalmente.

Era cedo, por esse motivo ainda ventava muito quando se viu fora. Respirando fundo, olhou a vista a sua frente, de repente lembrando o motivo de nunca gostar de ir até a vila.

Era uma mulher de apenas vinte anos, que morava dentro de uma floresta… ou melhor... de frente para um cemitério. Sentindo-se fria, passou os olhos pelo quintal ao qual escolhera morar por toda sua vida, descendo a escada de sua varanda até estar com pé na terra sem grama.

Indo através da apertada estrada entre os túmulos, olhou para em volta, notando que havia flores nova na cova da dona Mary, uma senhora que havia sido enterrada há mais ou menos duas semanas. Percebeu que mais afastado dali, a terra do túmulo do senhor Louis estava novamente revirada, obra dos pequenos vândalos da aldeia que gostavam de importuná-la, ferindo o lugar de descanso de pessoas que não conheciam.

Sophi se sentiu triste.

— Desculpe, senhor — falou ao se aproximar. Apertando os lábios, deixou o cesto no chão e tentou consertar o estrago no túmulo. Não adiantou — Terei que arrumar isso mais tarde, eu sinto muito. Não pegue rancor dessas crianças, elas não sabem de nada. Prometo colher um ramo bonito de flores para o senhor na volta. Assim poderei me redimir.

Tocando a cruz que havia sido derrubada e quebrada, suspirou.

A resposta para sua pergunta logo passou por sua pernas, alisando o pelo em seu calcanhar. Sorriu.

— Veja sr. Louis. Akira sente muito também — falou, e o gato parou um minuto, olhando para a cama de senhor Louis. Em seguinda ele miou, parecendo ultrajado pelo estado da cova — Foi o que eu disse. Mas vamos consertar, certo?

Era um pouco óbvio que havia virado praticamente uma coveira, pois não existia alguém com coragem o suficiente para deixar a aldeia e morar de frente para um cemitério. Sophie entendia, e também não se importava.

Há muito os mortos havia se tornado sua única companhia.

— Venha Akira, não temos muito tempo — falou, e se levantando, permitiu que o bichano saltasse para ficar sobre seu ombro. Tomando a cesta novamente, caminhou para mais fundo na floresta, cantarolando para si e para o gato, que mantinha-se quieto apenas escutando sua doce voz circular as árvores.

Uma vez alguém havia lhe dito que sua voz era encantadora, assim como seus olhos que carregavam uma bondade surreal. Alguém um dia lhe disse que ouvi-la cantar era como ouvir anjos falarem, sussurrando palavras abençoadas demais para saber o significado. E esse alguém um dia lhe disse que seu canto era a paz que preenchia seu silêncio.

E era exatamente por esse alguém, que continuava a cantarolar enquanto caminhava, sentindo o ronronar de Akira sob seu ouvido. Sorriu para si mesma quando o sol batia-lhe nos olhos.

Pulando sobre os galhos soltos de árvores antigas, finalmente chegou a aldeia. Seu canto se encerrando ao ouvir a falação das ruelas agitadas. Sophie sentiu o peito pesar, mas Akira se enrolou em seu pescoço, acariciando-a com seu gelado focinho.

— Obrigada — Coçou sua cabeça — Eu vou precisar disso.

Tomando fôlego, deu um passo após do outro para dentro da vila. De imediato, pessoas começaram a virar para ver a dama do cemitério passando, enquanto tinha o gato preto equilibrado em seu ombros. Mulheres começaram a cochichar, afastando seus filhos da estranha que morava com os mortos. Mesmo homens afastaram-se um pouco para o lado quando passava, mas Sophie tentou não se importar, pois não queria nenhuma confusão naquele momento.

Exatamente por isso foi até a única banca que conseguia comprar algo, pois a vendedora era flexível e jamais temeu estar ao lado “Da dama dos mortos”.  A mulher era baixa e tinha um corpo rechonchudo, sempre andava com os cabelos escuros cobertos por uma manta branca e um avental enrolado na cintura. A voz afoita para vender seu legumes.

Quando a viu, Seren ergueu uma sobrancelha.

— Está viva pelo que vejo — disse rancorosa. Sophie sorriu, no entanto Akira, sentindo-se ofendido por ela, sibilou para a velha, mostrando os dentes afiados e assustando os fregueses que estavam assistindo.

Seren olhou feio para o gato.

— Esse felino continua mal educado. Faça-o fechar o bico, antes que o transforme em botas fofas — Sophie tocou na cabeça de Akira antes que esse assobiasse para mulher novamente, se aproximando mais.

— Ele só não gosta que sejam rudes.

— Oh, para o inferno com isso — resmungou ela, e se virou para pegar uma sacola cheia de legumes, frutas e carnes — Esperava que viesse semana passada. Quando não apareceu, pensei ter se deitado com seus amigos.

— Ora Seren, não me subestime. Talvez eu realmente deite com eles — sorriu, e se inclinou para pegar a sacola. — Agradeço por conseguir isso para mim.

— Sabe que não tenho escolha — fez careta — Sou contra a deixar uma moça jovem como você morrer de fome. Seja bruxa, mãe de mortos, ou um zumbi.

— Quanta generosidade Seren — riu e colocou a compra em seu cesto — Aqui está. Consegui um pouco mais do que antes dessa vez.

Entregou a bolsinha a mulheres, que começou a contar as moedas com atenção. Ela encarou-a.

— Não vai mesmo me dizer onde consegue isso? — questionou.

Sophie sentiu Akira a alisar, e sorriu, o tranquilizando.

— Já falamos sobre isso, não?

— Nunca é tarde para resposta — Deu de ombros — Uma garota que só vem a aldeia para ter mantimentos os suficiente para o mês, mas que sempre valoriza o outono. Me deixa inquieta, sabe? O que faz sempre no primeiro dia de outono? Por que preza tanto sua comida nesse dia? E por que diabos deixou seus pais para viver sozinha em um cemitério frio e escuro? Não pode me dar uma resposta?

— Bem… Não — Olhou-a — Pronto. Acabo de responder uma das perguntas.

— Como assim, você…

— Perguntou se podia respondê-la, e eu respondi — Sorriu largo — Não.

— Ora, sua traiçoeirazinha…

— Desejo um outono belo sra. Seren. Até a próxima — Acenando, virou-se, dando-lhe as costas para voltar a floresta. Pôde ouvir os sussurros e as ofensas que deixou para trás enquanto adentrava novamente na floresta.

Segurando firme sua cesta, estava muito mais próxima quando algo saltou em sua frente, impedindo-a de passar. Dando passos para trás, sentiu o coração parar por minutos, quando a garota que saltara tão de repente em sua frente, jogou longos cabelos para trás, revelando um rosto redondo e infantil de mais ou menos quatorze anos. Ela tinha grandes olhos azuis, e estava nervosa. Muito nervosa.    

— Você realmente ia embora assim novamente? — questionou carrancuda.

Sophie desviou os olhos para floresta, sentindo Akira se agitar um pouco.

— Vá para casa Alyssa.

— Sophie! — Ela soou tão ultrajada e arrasada, que sentiu as cordas de seu coração partirem — Por que está fazendo isso? Por que?! Somos irmãs! Por que escolheu se afastar para viver assim? E a mamãe? Não se importa com ela?

— Eu sei que está fazendo um bom trabalho cuidando dela — disse automaticamente. — Ela não precisa de mim, e nem você.

— Não precisamos… SOPHIE! — Ela gritou assim que a irmã mais velha a contornou para entrar na floresta. Agarrando seu braço, a menina a puxou, fazendo com que o gato miasse alto e saltasse para o chão.

Sophie tropeçou para frente, levando os olhos exatamente para o lugar que sempre queria evitar. Para o rosto abatido de sua irmãzinha.

— Não vá — Ela pediu, piscando algumas lágrimas.— Eu preciso de você. Preciso muito, então não vá mais. Sei que faz isso por causa de algo, mas isso é mais importante que sua família? Mais importante que eu?

— Lyssa… — Seu sussurro foi quase não audível, mas para sua irmã, foi como uma oração. Ela se aproximou, agarrando-a pela cintura, a abraçando.

— Por favor. Eu sei que nos ama… Eu sei que se importa. Então…

— Alyssa, solte — tomou seu ombros, e a custo, a afastou — Se você sabe, pode viver com isso.

— Mas…

— Querida, eu sinto muito. — Sorriu, tocando seu rosto quando se abaixou para olhá-la — Mas não posso desistir disso.

— Disso o que? — perguntou abalada — O que a faz nos deixar para viver lá? — Questionou chorosa. — Não pode me dizer?

— Infelizmente, não — Acariciou sua bochecha — Então continue vivendo como vive e esqueça de mim. Não se preocupe. Eu estou bem… Seja feliz com a mãe. E se cuide.

— Sophie.

— Eu amo você — sorriu, e beijou sua testa — Amo demais. E sinto muito.

— Por favor… — Sophie, como sempre, não a ouviu. Ela apenas se afastou, pegou sua cesta, e entrou na floresta, sendo seguida pelo gato ao qual antes carregava.

Sophie sentiu as pequenas gotas salgadas deslizando quanto mais ouvia o chamado de sua irmã se afastar. Quando finalmente tinha a certeza de estar sozinha, se abaixou ao lado de um árvore grande e velha e respirou fundo, tentando acalmar o coração quando se viu pensando em sua mãe, em Lyssa, no que deixara para trás.

Eram tantas saudades.

— Por que continua a doer tanto? — perguntou a Akira, quando esse sentou em sua frente. Ele miou com lamento, incomodado com sua tristeza absoluta — Eu pensei que suportaria, mas é tão difícil. Como acabamos vivendo assim?

Dessa vez, ele apenas caminhou até ela e deitou no berço de seus braços, fechando os olhos quando deitou sobre sua pelagem. Ficaram daquela forma por um tempo, até que Sophie notou o céu mudar.

Estava quase na hora.

Com um gatinho dormindo em um braço e o cesto em outro, caminhou de volta para casa, parando somente quando viu um arbusto cheios de flores a qual não sabia distinguir o nome. Sorrindo, se abaixou e guardou algumas no cesto, lembrando de recolher alguns bons galhos para refazer a cruz de sr. Louis. Satisfeita, continuou seu caminho. Era um pouco tarde quando chegou, e Akira bocejava preguiçosamente em seu braço.

— Acorde preguiçoso. Precisamos arrumar essas coisas antes do pôr do sol — Ele não pareceu precisar de mais incentivo, apenas saltou para o chão, e correu até a cova de sr. Louis.  

Deixando o cesto na varando, ergueu as mangas do vestido e capturou sua pá. Durante os próximos minutos, tentou consertar o estrago que fizeram no túmulo do homem. Seus braços começaram a doer toda vez que erguia a  pá pesada. Com toda a terra de volta no lugar, consertou a cruz, usando galhos e os amarrando juntos.

— Prontinho — Afundou-o na terra e sorriu — Ah! Quase me esqueci. — Rapidamente, foi até o cesto e tirou as flores. Colocou-as sobre o túmulo e sorriu — Agora sim. Está devidamente arrumado, e com uma bela cama. Não acha Akira?   

— Com certeza — sorriu ao gato. E tocou sua cabeça com um carinho. Ele a encarou com tanta brandura, que não se impediu de sorrir. — Venha, vamos arrumar a comida.

Ela preparou o piquenique na varanda com ansiedade, oferecendo-lhe sardinha, e depois um pote de leite. Olhando se alimentar, não conseguiu ficar mais satisfeita.

— Volto em um minuto — falou. Ele mirou-a curioso, mas não se moveu quando entrou na casa e correu até o baú.

Tirando seu vestido novo, soube que estava finalmente chegando o momento que tanto esperava, portanto não poderia estar suja e desmazelada como estava naquele instante. Por isso, mordendo os lábios com ansiedade, deixou-se sair de dentro do vestido e caminhou até a banheira a qual tinha enchido com água ontem.  Estava gelada, mas não podia se importar menos.

Esfregou seu corpo em todos os lugares, livrando-se de qualquer sujeira ou suor. Lavou os cabelos e os enxugou por duas vezes seguidas. Apenas saiu do banho frio, quando tinha a certeza de que estava perfumada e completamente limpa. Pegando o óleo que reservava para tal dia, abriu a tampa, suspirando ao sentir o frescor e o cheiro tão bem-vindo de flores silvestres. Alisou sua pele com ele, massageando os lugares mais doloridos e maltratados pelos dias em que passava trabalhando nas covas.

Ao terminar colocou o vestido de tecido suave. A cor era preta com um corset apertado pelos cordões cruzados. A saia era solta, mas bufando, que com certeza moveria-se caso o vento batesse. O vestido se encaixou perfeitamente e era perfeito para aquela noite.

Segurando a barra, caminhou para fora com seu novo vestido, sentindo quando o vento levou seu cabelos molhados, começando o duro trabalho de secá-los. Sophie sentou-se na escadaria da varanda, ao lado do gato preto que, ao perceber a presença, a olhou fixamente, nunca deixando sua atenção ir para outro lugar, mesmo ouvindo o menor ruído.

Ela sorriu.

— Falta apenas uns segundos — falou baixo. — Quanto mais vou ter que esperar por isso Akira? Pode me dizer?

O gato estava tão quieto, que Sophie poderia pensar estar falando sozinha, mas sabia que ele continuava ali, sentado e a encarando com grandes e redondos olhos verdes.

— Depois de hoje, voltarei a esperar. — Sussurrou — Será que isso terá um fim? Ou terei que viver assim para sempre?

Seus olhos não mais estavam secos, e quase que em sincronia as lágrimas que caiam, Sophie assistiu o sol se esvair, escondendo-se atrás das árvores lentamente, jorrando raios laranja pelo céu azul. Sentindo as lágrimas se derramarem, Akira desceu os degraus da varanda, caminhando para o cemitério, elegante, o corpo pequeno e o rosto observando as árvores.

Sophie fechou olhos, e esperou.

O toque em seu rosto agora não foi de uma cabeça com macios pelos, também não ouviu o ronronar que sempre amara em silêncio. O toque que seguiu trilhando por sua bochecha vinha de dedos longos e calejados, palmas grandes e rudes, e o selar de um beijo em sua testa não era mais de seu doce gatinho, mas de seu querido e tão esperado homem.

Abrindo lentamente os olhos, Sophie se viu novamente a mercê da imagem que invadia seus pensamentos todos os dias. Essa imagem era de um homem em seus plenos trinta anos, com um rosto austero e quadrado, lábios fartos e olhos verdes como uma esmeralda. Os cabelos tocavam os ombros largos, que no instante estavam expondo uma pele bronzeada e brilhante.

Sophie teve os olhos ardendo, e sorrindo, levou os dedos para o rosto de seu amado. Ávida demais por tempo demais.

— Akira — sussurrou. Ah, e seu sorriso. Como sentia falta de seu sorriso.

— Minha bela Sophie — Sua voz aveludada parecia acariciar sua pele, alegrando seus ouvidos e seu coração. — Minha amada Sophie.

Rindo sob sua emoção, inclinou-se contra ele, encostando suas testa, sentido-o olhar fixamente para seus olhos como fez durante todo dia. Ele acariciou seu rosto, descendo ao seu pescoço e braços, querendo tocar tudo em sua mulher.

— Eu senti saudades — murmurou. Ele alisou seus cabelos, aproximando-se mais, afundando em seu pescoço — Akira…

— Minha bela. Todos os dias, eu olhei para o céu, e senti a falta que fazia ao meu lado — Seus dedos tocaram na orelha, a arrepiando — Quis ver seu rosto, e ouvir sua linda voz — Ela respirou profundamente, puxando seu perfume para dentro dos pulmões — Ouvir meu anjo cantar para mim. Minha preciosa. Sinto que se passou décadas desde que a vi.  

— Décadas? — riu suavemente — Sinto que foram milênios.

Ele sorriu, mas via tristeza em seu olhar, quando, respirando profundamente, a abraçou.

— Eu sinto muito, minha querida. — Ele soava arrasado — Sua irmã, ela…

— Não falaremos disso — disse deitada sobre seu ombro.  — Não posso fazer isso. O tempo que temos é tão curto. Não podemos desperdiçá-lo falando dos outros. Preciso estar com você, Akira — Se afastou e olhou no fundo de seus olhos — Só você, entende?

Os incríveis olhos de Akira adquiriram um brilho mais intenso, e quando esse assentiu, Sophi sorriu, e se afastando um pouco, falou.

— Vá se vestir. Esperarei aqui — Akira ficou hesitante, como se não quisesse deixar seu lado por um só instante, mas Sophie não queria que ele pegasse um resfriado — Vai logo, não fugirei. Prometo.

— Se fugisse, eu iria atrás de você — disse sério, e ela sorriu quando ele a beijou novamente na testa. Fechou os olhos quando ele levantou, querendo lhe dar privacidade quando caminhou para dentro da casa para colocar sua muda de roupa, aquela que guardava no fundo baú, a única de homem.

Abriu os olhos ao ouvir a porta bater, e se levantando, caminhou para dentro do cemitério, sendo envolvida pelo vento que começara a ficar forte e revolto. Sorriu, sentindo a brisa e o balançar de seu vestido, ficando absolutamente consciente do tempo passando.   

Engolindo a tristeza, começou a cantar sua música favorita. Uma valsa cantada de geração a geração pelas mulheres de sua família, envolvendo-se na letra sem melodia.

Sua canção foi interrompida quando braços passaram por sua cintura, puxando-a para aconchegar-se contra um peito quente, no qual podia ouvir a melhor melodia já encontrada. Virando-se, pousou as mãos ali, deitando seu ouvido ao meio para ouvir as batidas incessantes de seu coração.

— Às vezes eu penso se estou a obrigando fazer isso — Sussurrou ele. Sophie o olhou. — Odeio saber que quando o sol retornar, eu vou precisar deixá-la aqui sozinha. Odeio que tenha de viver nesse lugar, e odeio que não possa estar todas as manhã ao seu lado.

— Não escolheu isso, Akira — Tocou seu rosto — Mas eu sim. Escolhi isso para poder ter você. E mesmo assim não me arrependo. Pois se só posso tê-lo durante uma noite, do primeiro dia outono… Eu continuarei aqui. Esperando.

— Isso é tão injusto — gemeu inconformado — Se pelo menos pudesse ficar por perto enquanto estou mudado, mas…

— Não pode — sorriu — Eu sei. Precisa partir em busca de uma forma de reverter isso, para que possamos viver juntos.  

— Então viva com sua família — suplicou ele — Não fique aqui sozinha. Vá para sua irmã.

— Sabe que não funciona assim — suspirou — Se fosse voltar para aldeia, as pessoas perceberiam o que faço aqui. Iriam me seguir apenas para descobrir sobre você. Não posso arriscar sua vida.

Como se seu sacrifício o fizesse sofrer ao mesmo tempo que o tornava o homem mais feliz, ele segurou forte nos braços e a puxou, selando seus lábios um no outro, ambos respirando o mesmo ar ao compartilhar de um beijo avassalador, um beijo esperado por dias, um beijo clamado por horas e horas, um beijo cheio de paixão.

Ao se afastarem, Sophie sorriu, e olhando em seus olhos, segurou sua mão direita, erguendo-a enquanto deixava seu outro braço em sua cintura. Akira sorriu de volta, ficando hipnotizado quando, no final daquela tarde, Sophie começou a cantar, movendo-se junto a ele com graciosidade. Começando uma valsa em meio um cemitério que passara ser escuro e um tanto sombrio, fazendo Sophie rir ao pensar no que a pessoas pensariam caso os vissem nesse instante.  

Um casal de fantasmas dançando logo acima de seus túmulos, depois de um longo tempo morto. Formando a imagem perfeita de um casal assombrado, mas Sophie não se importava. Tudo que desejava, enquanto dançava com Akira, era que um dia pudesse dançar com ele em um dia comum, talvez no inverno, ou quem sabe primavera… No natal cantaria para ele, e em datas comemorativas, poderia rir ao seu lado ao compartilhar um almoço especial.

Poderiam casar. Isso era tudo o que Sophie queria e desejava, enquanto dançava sob a luz do luar e em meio ao cemitério ao qual todos temiam. Desejava nada mais, e nada menos, que estar com seu amor, para o resto de sua vida.

 

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Notas finais do capítulo

E foi isso. Apenas um gostinho do que planejo para mais a frente.
Em breve estarei de volta com novidades e noticias das minhas próximas postagens. Um beijo enorme e estou ansiosa para ver os cometários dos meus leitores. Até!!!



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