Loco escrita por Artemis Stark


Capítulo 1
Capítulo Único




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Estávamos todos fodidos.

A merda da guerra acabou e acabou com todos nós também, levando-nos para um abismo em que era impossível ver o fim. Apenas caindo esperando pelo choque.

Não voltei para Hogwarts, não aguentaria ficar um ano preso naquele castelo. Revendo e revivendo cada memória das perdas.

Estávamos todos fodidos.

Entreguei-me à bebida. Não fui o único. Quem estava na linha de frente da batalha éramos nós, jovens. Alguns mais novos que eu.

Carregava o peso da marca, o peso de trair Hogwarts e o peso de trair minha família.

— Voldemort vai sequestrar a Granger, Potter.

Todo lugar havia uma mancha apagada de sangue. Da destruição. Agora, muitos de nós éramos órfãos. Famílias destroçadas.

Passei em frente à loja dos gêmeos que estava apagada. Um deles morreu. Quem sobreviveu daquela família: poucos.

Aparatei em Hogsmead, indo direto para o Cabeça de Javali.

— Saia daqui! – ouvi o grito dela, já embriagada. Vi que Potter não saiu dali, apenas a envolveu pela cintura e saíram de lá, cambaleantes. Passaram por mim sem me notar.

Quando decidi trabalhar no ministério francês foi uma solução fácil. Estava longe da Inglaterra, estava longe de todos que lembravam quem eu era.

Minha companhia era o uísque que eu bebia até minha cabeça rodar. Ocasionalmente tinha a companhia de Blaise. Andava cambaleante na sala, derrubando o líquido quando tentava completar meu copo. O gelo caía no chão e não me preocupava em pegar.

Muitas vezes ia trabalhar com a cabeça latejando de dor.

Merda de ressaca.

Melhor sentir aquele incômodo que a dor da realidade, o peso das mortes.

O peso da vida.

Coloquei o indicador e polegar sobre meus olhos fechados, tentando me concentrar na reunião que estava prestes a começar.

Sabia que ela havia chegado. Havia um ritmo diferente no barulho do salto que usava. O perfume era cítrico.

Abri os olhos e a vi do outro lado da mesa, usando vestes bruxas tradicionais e o cabelo preso, totalmente preso em um coque, como era seu costume nessas reuniões.

Nunca trocávamos qualquer palavra e nem nossos olhos se encontravam, mesmo que meus olhos não desgrudassem dela.

Trabalhávamos no mesmo departamento, mas em países diferentes.

Ela usava sempre vestes tradicionais e... Já pensei isso.

A austeridade de Granger era como a de Hogwarts e não o recorte que vi anos atrás: bêbada e brigando com Potter.

Não havia mais Ronald Weasley. Nem a caçula, Gina.

Senti a dor pesando em meus ombros e fingi anotar qualquer coisa no pergaminho, mas apenas rascunhei o rosto dela.

Da Granger.

Ela era a presença viva da memória da minha covardia.

E da minha coragem, pois eu estava na missão de sequestro dela. Mas a salvei.

Você é um sangue puro de uma família tradicional, Draco. Precisa de um hobby que esteja a sua altura.

Recebi uma maldição quando comecei a desenhar, pois aquela não era uma arte digna de uma Malfoy.

Foda-se.

Olhei-a novamente, para lembrar o que não precisava ser lembrado: o traço da sobrancelha franzida.

Granger...

A reunião acabou e a vi indo embora, sumindo pela porta. O perfume dela ainda ficou, assim como eu.

Cinco anos se passaram. Ela não apareceu nas últimas reuniões, senti falta daquela presença incômoda.

Num gesto ousado, aparatei na Inglaterra.

Sabia que não a encontraria lá, mas fui ao último lugar que a vi. Cabeça de Javali.

Sentei no balcão, sem me importar com olhares e indagações baixas.

Sim, sou Draco Malfoy, porra.

Reconheci muitas bruxas e bruxos da minha época bebendo. Aquelas marcas do passado que feria o presente.

Anulava o presente. Pedi outra dose.

Então Granger chegou. Você chegou nos braços de Potter e aquilo me incomodou.

Era o bosta do Potter.

Estava visivelmente bêbada.

Havia um ruivo com vocês... Quem era? Não me importava.

Meus olhos estavam fixos em você.

Na imagem sua que contrastava com a bruxa séria de roupas sóbrias e coque.

 

Te vi llegar del brazo de un amigo

cuando entraste al bar y te caíste al piso,

me tiraste el pingüino, me tiraste el sifón,

estallaron los vidrios de mi corazón

Potter não foi rápido o suficiente e você foi ao chão. Algumas pessoas riram, mas você nunca foi de levar desaforo para casa, não é, Granger?

Atirou o copo sobre o balcão e quase me acertou. Será que tinha me visto lá? Será que achou que eu riria da dor que carregamos?

Meu coração despedaçou como os copos e garrafas quebradas.

Granger.

Te vi bailar, brillando con tu ausencia
Sin sentir piedad chocando entre las mesas
Te burlaste de todos, te reíste de mí
Tus amigos escaparon de vos

Começou a dançar, soltando-se de Potter.

Não havia música, havia apenas você trombando nas mesas.

Havia apenas você, que debochava de quem falava algo. Olhou-me e riu.

Você, perdendo seus amigos que foram embora, dançando sem música.

Eu, sério. Meus olhos fixos em você. Meu coração quebrado.

Y a mí me volvió loco tu forma de ser
A mí me vuelve loco tu forma de ser
Tu egoísmo y tu soledad
Son estrellas en la noche de la mediocridade

 

Porque você é Hermione Granger, mas estava lá. Sendo você. Sendo egoísta como nunca se permitiu ser.

Você precisa ser egoísta, Granger.

Viniste a mí, tomaste de mi copa
Me sonreíste así, nadando en tu demencia
No sabía que hacer, te traté de besar
Me pegaste un sopapo y te pusiste a llorar

Vi que nossos olhos se encontraram e veio até mim.

Cambaleava e me levantei, sem saber o que fazer.

Mesmo naquele estado, mesmo bêbada, mesmo sendo a estrela mais brilhante naquela constelação de perdidos, chegou até mim.

Pegou meu copo e bebeu o meu uísque. Olhei a marca de batom que deixou. Pensei no gosto do meu uísque na sua boca.

Beijei-te.

Era esse seu gosto? Granger, álcool e tristeza.

Senti você me empurrando e o tapa que chegou antes que eu pudesse abrir os olhos.

Me volvió loco tu forma de ser
A mí me volvió loco tu forma de ser
Tu egoísmo y tu soledad
Son estrellas en la noche de la mediocridad
Me volvió loco tu forma de ser
A mi me volvió loco tu forma de ser
Tu egoísmo y tu soledad
Son joyas en el barro de la mediocridade

Quando os abri vi que chorava. Joguei alguns galeões sobre o balcão e te puxei pelo punho, pois há muito esse seu jeito me deixava louco.

Eu resistiria por quanto tempo?

No ar frio de Londres, as suas lágrimas cessaram.

Dessa vez não me empurrou quando me aproximei novamente.

Meu polegar limpou suas lágrimas. Depois meus lábios.

Os traços que desenhava de você não passavam de um borrão ao te ver assim, tão próxima.

— Malfoy...

— Por que não, Granger?

Seus olhos castanhos brilhavam pelas lágrimas não caídas. Seus lábios estavam entreabertos, com a pergunta que não soube formular.

Não havia coque, apenas os cachos que contornavam seu rosto marcado como o meu.

Estávamos todos fodidos.

Você tomou a iniciativa do beijo dessa vez e não pude recusar, pois meu coração ainda tremia e estalava por ti.


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Notas finais do capítulo

N.A.: Faz tempo que a música Loco (los autenticos decadentes) cantada por Salvapantallas está na minha cabeça para uma fic dramione. Hoje a inspiração veio... Espero que gostem, mesmo que curtinha. Bjs bjs, Ártemis S.