O Diabo do Sertão escrita por Júlio Oliveira


Capítulo 24
Uma nova aliança


Notas iniciais do capítulo

Galera, sei que demorei muito.
Agradeço demais pela paciência e compreensão. Tenham uma excelente leitura!



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Em vida, morre-se muitas vezes. Para Diabo, morrer era simples questão de hábito. Entretanto, daquela vez foi diferente. Eram outros tempos, não tão distantes, mas ainda assim um tanto quanto diversos. A Lagoa da Esperança ainda era inteira, enquanto os cangaceiros viviam dias de fartura. Breno Farias ainda era um nome discreto em Água Funda, sem ser tratado como uma ameaça por Marcondes Maia. Diabo, por outro lado, via a vida de forma muito mais simples. De um lado, os aliados. O que se faz com os aliados? Você os protege, os acoberta e garante que ninguém chegue perto deles. Do outro lado, os inimigos. O que se faz com eles? O revólver no coldre do cangaceiro respondia muito bem a pergunta.

Era um dia quente como outro qualquer: os abutres voavam no céu, os tatus cavavam debaixo da terra e os cavalos quebravam a areia seca sob seus cascos. Sobre os cavalos, homens uniformizados seguiam rumo a sua missão. Eram dois e a fama os seguia: Diabo e Levy. Quanto aos uniformes, não pareciam com o que o imaginário popular dizia. Nada de policiais ou militares, mas bandidos. Ou melhor, cangaceiros. O couro cobria parte do corpo, marcando presença principalmente no chapéu. Por baixo dele, no tronco, camisas de botões mal lavadas pediam insistentemente para serem limpas. De resto, os homens contavam com o de sempre: armas, munição e ódio.

Eram amigos há tempos. Na verdade, desde o dia em que o grupo encontrou um pequeno Diabo após este perder os pais de forma violenta. Levy era apenas alguns anos mais velho e serviu como um irmão para o garotinho. Entretanto, os anos foram passando e as relações se esfriando. Ainda assim, Diabo tinha certeza de que era capaz de dar a vida pelo seu irmão de bando. Levy também acreditava pensar o mesmo, ainda que sempre visse o companheiro mais como bicho do que como homem.

— Esse lugar nunca chega? — Diabo suava excessivamente. A dupla já havia coletado vários pagamentos a pedido de Lúcio. — Pra quê tudo isso mesmo?

— O chefe pediu — Levy respondeu. — E sabe quem foi que pediu pra ele, né? Só vamo logo resolver isso que a gente fica livre. Só falta um pagamento.

O homem com o rosto cheio de cicatrizes respirou fundo e seguiu com a viagem. Simplesmente não gostava dos trabalhos que envolviam agiotagem. O que admirava mesmo era a adrenalina, a ação, o sangue e os tiros. Qual a emoção em cobrar dívidas de uns pobres coitados? Não foi assim mesmo que seus pais foram mortos? De toda forma, sempre se lembrava que aquela era a forma de “pagarem as contas”, isto é, comprar armas, cavalos e suprimentos para as mulheres e crianças do acampamento. Era uma justificativa razoável, ele acreditava.

O homem de rosto queimado, por outro lado, achava graça da facilidade. Montado na égua chamada Lela, Levy era um homem prático: se um caminho é mais fácil, certamente é o mais adequado. Não é como se ele não gostasse de dar uns tiros; o homem não só gostava disso, como também era muito bom. Ainda assim, deliciava-se ainda mais ao sentir o peso do dinheiro no bolso. Esse peso, inclusive, compensava qualquer peso que pudesse sentir na consciência.

— Chegamos — Queimado anunciou. A uns vinte metros da dupla, uma pequena casa de paredes grossas contrastava com o vazio apático do resto do sertão.

Havia algo, no entanto, que não era nada apático: o chão. Após descer de seu cavalo chamado Dragão, Diabo caminhou olhando para onde seus pés pisavam. Além da infindável areia, viu restos mortais de bois e vacas, além de plantas secas suplicando por um pouco de água. O lugar transpirava morte, mas Levy acreditava que ainda havia um pouco de suco de vida para espremer.

Foi até a porta de madeira e bateu três vezes. Silêncio. Retirando a arma do coldre, o homem de pele queimada bateu novamente, mas dessa vez utilizando a coronha da arma como instrumento. O silêncio se mostrou presente mais uma vez.

— Eles acham que nós vai cair nessa — Levy destravou a arma. — Vamo fazer o de sempre: eu falo com eles enquanto ocê procura pelo dinheiro.

Diabo apenas acenou com a cabeça enquanto o seu companheiro apontava o revólver para a tranca da porta. Após o disparo, a porta foi chutada violentamente, revelando o paupérrimo interior da residência. Não havia nada de especial, apenas uma sala quase vazia e cheia de poeira. Uma mesa podia ser vista ao centro com espaço para três cadeiras, sendo que duas delas estavam sendo usadas como cômodas para camisas e calças. Mais ao lado, os olhos de Levy saltaram a visualizarem um baú.

— Isso foi mais fácil do que pensei — avançou em direção do objeto e deu um tiro na tranca. — Ah, não!

Frustração: o baú só tinha algumas fotos de família e um punhado de tecido. Era um grupo pequeno: pai, mãe e filho. O garoto deveria ter entre sete e nove anos nas fotos, não mais que isso. Ainda com a arma em punho, Diabo mantinha-se atento: não acreditava que a casa estivesse vazia. O homem queimado, por outro lado, já andava de mãos vazias de um lado ao outro. Foi à cozinha, pegou um punhado de bolachas secas, esvaziou as gavetas e saiu de lá com a boca cheia e as mãos vazias.

— Talvez tenham capado o gato — Diabo levantou a possibilidade. — Não tem cavalos lá fora. Podem ter fugido mesmo.

— Não, não, não pode ser — Levy voltou para a cozinha e procurou por fundos falsos em cada uma das gavetas. — Eu procurei por rastros antes de entrarmos aqui. Não saíram nem a pau.

— Só falta olhar um lugar, né.

O cara-de-cicatriz encarava a porta do único quarto da residência. Estava fechada e ele aguardava o amigo concluir seus afazeres antes de adentrar o local.

— Que foi? Tá com medinho? — Queimado provocou. — Anda, eles não podem fazer nada.

Entrando no lugar de forma imprudente, Levy não se sentiu surpreendido por nada. Tudo que achou foi um quarto pobre como todos os outros que já visitara. No centro, a cama de casal jazia com os lençóis amassados, enquanto uma pequena rede podia ser vista encostada próxima da parede. Do outro lado, um único armário escondia a janela.

— Eu disse, Diabo — Levy olhava para o lugar com certo desprezo. — É só um quarto de pobre, exatamente como os lá do acampamento.

Sem rir de qualquer brincadeirinha de seu companheiro, Diabo tinha certeza de que havia algo de errado ali. Ainda com o revólver na mão direita, usou a esquerda para abrir a porta do armário. Não teve como reagir: um homem saltou de dentro e o atacou com um facão.

— Mande Marcondes ir pro inferno! — O homem, antes oculto, gritou. Vestia maltrapilhos e tinha os cabelos acinzentados extremamente desalinhados. Sua voz não transmitia ódio, mas desespero.

A dor foi aguda. Diabo sentiu a ponta do instrumento penetrar superficialmente seu peito, fazendo com que um filete de sangue saísse sujando sua roupa. Carregando-se de ódio, levantou o revólver e disparou três vezes contra seu inimigo. O pobre homem cambaleou para trás e olhou para os próprios ferimentos: três buracos na altura da barriga que jorravam sangue. Olhando para seu assassino, rapidamente caiu sem vida.

Sucedendo o momento de aguda violência, o grito de uma mulher foi ouvido. Finalmente cheio de adrenalina, Levy olhou debaixo da cama e se surpreendeu: a mãe e a criança estavam ali.

— Sua quenga! — O homem queimado puxou violentamente a mulher pelos cabelos antes de arremessá-la contra a parede. Ela chorava intensamente enquanto dividia a atenção entre seu marido assassinado e seu filho que não sabia o que fazer. — Diabo, tá bem? Pega o moleque!

O homem cheio de cicatrizes pressionava o ferimento. “Uma nova cicatriz”, pensou consigo mesmo. Entretanto, sentia-se bem o suficiente para seguir com a missão. Abaixou-se e, debaixo da cama, encontrou um grande par de olhos negros que o encarava com um medo incomensurável. O garotinho deveria ter tirado aquelas fotos recentemente, pois sua aparência transparecia a ingenuidade e inocência que os cangaceiros viram antes. Agora, a pobre alma estava condenada a viver com a memória do pai assassinado. Sem parar para pensar nisso, Diabo o agarrou e o manteve preso, de forma que o infante não pudesse fazer nenhuma bobagem.

— É tudo muito simples, minha senhora — Levy encarava a mulher com grande desprezo. Ela permanecia no chão, ainda em prantos, enquanto ele segurava o revólver com certo desleixo. — Nós só estamos aqui cobrando uma dívida. Se alembre: a culpa é sua, não minha. Mas então, cadê o dinheiro? Aceitamos ouro também.

— Eu... eu... meu marido... — A mulher não conseguia formar qualquer frase que fosse inteligível. Sempre havia um soluço ou choro que interrompia qualquer ideia que pudesse estar se formando.

— Anda! — O homem de pele queimada acertou um golpe com a coronha da arma no rosto da mulher. Um pequeno ferimento se abriu e o sangue começou a descer. — Acha que vale a pena morrer por isso?!

— Eu não sei! O João era miserável, pelo amor de Deus! — O medo abriu a porta das palavras. — Nós não temos como pagar, eu juro pela minha mãe que mora no céu! A gente pensou que a chuva fosse cair, mas no final só teve secura. A gente não tem como pagar, meu Deus!

— E daí?! — Acertou mais um golpe na mulher. — Eu também sou trabalhador, senhora. Tenho uma ruma de gente pra cuidar. Por que você num paga logo tudo que seu marido devia? Ou a gente vai ter que te levar pro chefe? Ele é ruim, viu?!

— Me leve, me leve! — As lágrimas se misturavam com o sangue. — Faça tudo comigo, mas deixe meu fi em paz! É só isso que peço!

Levy sorriu. Olhou para Diabo, que seguia segurando o garotinho.

— O tempo sempre revela onde dói mais — Queimado apontou o revólver para a criança. Até mesmo Diabo estranhou a atitude, mas manteve-se calado. — O que acha, dona? Assim se lembra onde seu marido guardava o dinheiro?

— Não, meu filho não! — Ela ameaçou se levantar, mas logo recebeu um chute de seu algoz. — Por favor, não faça nada com meu filho!

Mantendo um sorriso diabólico no rosto, o cangaceiro começou a se aproximar da criança com a arma apontada. O homem cheio de cicatrizes incomodava-se cada vez mais com a situação, mas não tinha o que fazer: era parte de seu ofício.

— É um belo mininin, hein? — Levy acariciou o rosto do garoto, que tentava suprimir as lágrimas. — Seria muito triste ver a cabeça dele em pedacinhos nessa casinha no meio do nada.

A mãe gritava e a criança tremia. O menino encarava o cano do revólver, enquanto Diabo olhava para seus grandes olhos negros. E foi ali que o cangaceiro se viu: em algum olhar, em alguma casa, em algum sertão. Longe do mundo, longe de todos, uma simples criança via seus pais serem mortos e, logo em seguida, essa mesma criança enveredava pela vida da violência. É, Diabo já havia visto esse filme e não tinha a menor vontade de revê-lo.

— Não — soltou uma única palavra para logo em seguida se colocar entre a criança e a arma.

— Mas que disgraça é essa, Diabo? — O interrogador mantinha a arma firme.

— Não vamo fazer isso com criança.

— Muito engraçado. Saia da frente agora.

Não saberia dizer se foi coragem ou estupidez. O fato é que Diabo apontou o revólver para Levy. O homem de pele queimada riu, como se desejasse que tudo aquilo não passasse de uma brincadeira. Não era.

— Eu vou contar até três e vou atirar — o Queimado alertou. — Um, dois...

Foi surpreendido antes que pudesse terminar a contagem. Aproveitando o momento de distração, a mulher agarrou um dos lençóis da cama e o enrolou em volta da cabeça do cangaceiro, puxando-o com força logo em seguida. Diabo sabia: já havia passado de todos os limites e tinha chegado a hora de fugir.

— Corre, moleque! — Gritou enquanto seguia a criança. Sabia que o seu agora ex-companheiro estava armado. Não podia deixar que o garoto fosse atingido por uma bala.

Não olhou mais para trás. Ouviu tiros serem disparados e gritos ecoarem pela casa. Chegou rapidamente na saída e fechou a porta com todas as forças.

— Garoto... — ofegava enquanto pensava em uma solução. — Corra o máximo que puder! Eu vou um jeito nisso!

— Mas minha mãe.... — o menininho se preocupava.

— Tem uma vila seguindo nessa direção. Ande pra lá e não olhe pra trás!

Mais um tiro foi disparado. Dessa vez, ele atravessou a porta e quase acertou Diabo, que estava encostado nela. Ele encarou os grandes olhos negros da criança uma última vez. O garotinho havia entendido: estava na hora de partir.

— Seu Diabo fi duma rapariga! — Levy seguia gritando e disparando. — Eu vou matá você!

Virando-se para a porta, o homem cheio de cicatrizes disparou algumas vezes. Tinha consciência de que era tarde demais para a pobre mulher, mas ainda podia ganhar tempo para garantir que o garoto fugisse. Do outro lado, o homem de rosto queimado sabia que estava em um impasse: não importava quanto silêncio fizesse lá fora, poderia se deparar com Diabo a qualquer momento. A única esperança que tinha era acertar um bom disparo e torcer para o homem ficar sem balas. “Vou atirar e esperar. É o melhor que posso fazer”, decidiu.

Dito e feito. Quando Diabo estava pronto para disparar sua penúltima bala, teve o azar de ser atingido pelo seu mais novo inimigo. O projétil saíra com velocidade do revólver de Levy, atravessando a castigada posta e indo de encontro com a barriga do ex-cangaceiro. Fez um esforço hercúleo para não cair, disparando mais uma vez contra a porta antes de correr em direção de Dragão. “Que ele pense que eu estou perto, que ele pense que estou perto”, repetiu incessantes vezes antes de subir no cavalo e partir rumo ao desconhecido. Dentro da casa, Levy aguardou tempo o suficiente para que a sua nova fonte de ódio escapasse.

— Ele deve se maldizer até hoje por ter esperado todo esse tempo — Diabo concluiu a história.

Lúcio Arcanjo, quase que integrado com os outros membros da nova Lagoa da Esperança, prestava atenção a cada detalhe do relato do ex-cangaceiro. Zé e Bia seguravam as mãos enquanto imaginavam toda aquela situação de tensão e violência, ao mesmo tempo em que Padre Miguel olhava no fundo dos olhos do Diabo. “Ele está falando a verdade”, o religioso concluiu. Mais afastado, João Cego segurava seu violão com insegurança, enquanto Breno Farias já fazia as contas de como poderia usar tudo aquilo a favor de sua campanha.

— Então tá me dizendo que o Levy mentiu por todo esse tempo? — Arcanjo não queria acreditar naquela história, mas sabia que seu ex-companheiro não era o tipo de pessoa que contava mentiras. — Ele vivia dizendo que você tinha traído ele, que tinha roubado o dinheiro e fugido.

— Pois saiba que ele é um mentiroso mesmo — Diabo explicitou. — O disgraçado tava disposto a matar uma criança pra enriquecer. Quantos anos tem seus filho, Lúcio?

O líder cangaceiro ficou em silêncio. Àquela altura, apenas o crepitar da fogueira e o cantar dos grilos podiam ser ouvidos. Lúcio pensava em cada uma de suas decisões recentes e consequências. Lembrou-se da morte de Carmen, ao mesmo tempo em que sabia que Levy, apesar de seu extremismo, era um homem dedicado a causa. “Ele faz o que tem que ser feito não importa o preço”, refletiu Arcanjo.

— E aí? — Padre Miguel falou pela primeira vez. — O que é que vai ser?

O padre estendeu a mão e Lúcio a observou por longos segundos. Apertá-la seria o mesmo que firmar um contrato, fazer uma promessa, forjar uma aliança. Era um passo e tanto, ainda mais para grupos que haviam trocado farpas (e sangue, muito sangue) tão recentemente. Ainda assim, que outra coisa poderiam fazer? Não estavam em posição de negociar e Marcondes agia com cada vez mais brutalidade.

— Sem traições — o cangaceiro disse com firmeza antes de apertar a mão do religioso. — Eu irei falar com Levy. Penso em arranjar um trabalho pra ele.

— O quê?! — Diabo ergueu sua revoltosa voz. — O cão tentou matar uma criança, Lúcio! E ainda mentiu! É assim que vai ficar?!

— Eu sei que ele errou! Mas nós somos poucos, Diabo. O homi tava só tentando fazer o trabalho dele, arrumar o dinheiro que a gente precisava. Eu não gosto de toda essa sanguinolência, mas as coisas são do jeito que são. Eu vou falar com ele e vou agarantir que nada disso se repita. Entendeu?

O ex-cangaceiro rosnou, mas segurou toda sua raiva e evitou uma reação mais forte. Apesar de odiar Levy, conseguia entender os argumentos de seu ex-líder. O homem não podia ser dar ao luxo de descartar membros por qualquer pecado, ainda mais na posição em que se encontrava. Não havia santo algum ali.

— Ótimo — Lúcio entendeu o silêncio que se sucedeu como concordância. — Vou falar com o homi e devo voltar em breve.

Dito e feito. Em pouco tempo, lá estava Lúcio Arcanjo na base temporária dos cangaceiros. O grupo ainda estava arrasado com os eventos recentes, mas cada um dos membros seguia trabalhando por um dia melhor. Joana Arcanjo, silenciosa como sempre, observava as andanças do filho com bastante atenção, mas sem dizer uma palavra sequer. Amanda e Eduardo haviam saído para caçar, deixando para trás um vazio no ambiente. Sem Regina e as crianças, tudo que restava era o vácuo deixado pela inocência que partira.

sumiu — Levy, o resquício da maldade, alimentava a égua Lela quando viu o seu líder. — Tava caçando também?

— Levy — Lúcio olhou para todos os lados e viu que havia privacidade o suficiente para se abrir com o homem. — Eu me encontrei com Diabo. Não só com ele, mas com o grupo inteiro daquela Lagoa. Lagoa da Esperança, sabe?

Com o rosto coberto de queimaduras, o cangaceiro ensaiou uma expressão de desconfiança, mas manteve-se calado.

— Ele me contou tudo. Contou sobre a criança e sobre como tava disposto a matar ela. Não tem porque esconder isso — Arcanjo prosseguiu. — Eu nunca pensei que Diabo fosse nos trair. Mas ocê? Eu também não esperava isso.

— Eu não traí! — Revoltado, Levy tirou os olhos de Lela e avançou em direção de Lúcio. — O fi duma égua tava com medinho de machucar um pirralho. Preferia perder o dinheiro que o Marcondes pediu, acredita nisso? Ele que me traiu!

— Eu entendo você — o líder tentava ao máximo parecer ponderado, ainda que um extenso conflito parecesse tomar conta de sua própria consciência. — Entendo ele também, tá certo? É só que nós não podemos nos dar ao luxo de perder mais nenhum cangaceiro.

— E o que quer dizer com isso?

— Eu me aliei ao povo da Lagoa da Esperança. E Diabo está com eles, o que quer dizer que ele está com nós também. E eu sei que você e ele não se batem bem, mas eu peço incarecidamente que você releve.

— Inferno! — Levy gritou tão alto que Joana apareceu a alguns metros de distância para conferir o que acontecia. Lúcio gesticulou indicando que estava tudo bem.

— Presta atenção: vai ficar aqui e vai cuidar da base. Eu vou manter contato e a gente vai se ajudar, tudo bem? Eu preciso de você, Levy.

— Mas precisa do Diabo mais ainda — o homem de pele queimada falou de maneira jocosa.

— Eu sei que ocê odeia essa ideia toda, mas é como as coisa tem que ser. Ou você se ajeita, ou então...

— Ou então o quê?

— Ou então a gente se separa. E eu não quero isso. Você é um irmão pra mim, Levy! Meu pai cuidou da gente novin, homi. Não quero ser seu inimigo. Só siga com essa minha ideia e vai dar tudo certo. Em pouco tempo a gente vai ter a cabeça de Marcondes Maia nos nossos pés. Posso contar com você?

Levy ficou em silêncio por longos segundos. Em sua face, Lúcio podia ler todo o desgosto que aquela ideia gerava do homem. Ainda assim, o que mais ele poderia responder? Estava no sertão e tudo que importava era a sobrevivência. Escapar de toda tragédia seria mais fácil em grupo.

— Vamos fazer Marcondes penar — falou com segurança, fazendo Lúcio Arcanjo esboçar um leve sorriso.


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Notas finais do capítulo

Muito obrigado pela leitura!



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