O Diabo do Sertão escrita por Júlio Oliveira


Capítulo 15
Mais um motivo para estar vivo


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Aquele fora um dia cansativo. Ir de um lado ao outro no calor do sertão era algo para poucos, mas percorrer quilômetros sobre uma carroça na companhia de Marcondes Maia e Augusto Nunes era ainda mais irritante. Além disso, rever seus ex-companheiros do cangaço nunca era uma experiência tranquila. Aquelas pessoas podiam ser imprevisíveis e Valter sentia que corria mais riscos a cada novo trabalho executado. No entanto, não tinha opção: precisava de dinheiro para se alimentar e, principalmente, para cuidar da pessoa que tanto amava. Por isso, aceitava todo tipo de trabalho ou empregador. Assim sendo, fazer serviços para o prefeito – ou para Breno Farias, seu maior rival – era uma realidade aparentemente imutável. O que mais fazer? Era trabalhar ou morrer.

Com isso em mente, não costumava reclamar. Apenas aceitava e seguia em frente. Também não se preocupava com política, ideologias ou ideais. Nada disso importava para o homem, já que ideias eram incapazes de encher a barriga. Fazia tudo que fazia pelo dinheiro, e a plena consciência disso lhe dava certo alívio: não devia fidelidade a ninguém, com exceção de uma pessoa. E, com o céu já transparecendo a escuridão, Valter podia finalmente prestar satisfação a esse ser.

Sua casa ficava afastada do centro. Distante da prefeitura, da delegacia ou do hospital, o homem queria receber o mínimo de atenção possível. Longe de calçadas e postes, a energia elétrica ainda não havia chegado em sua residência e, de certa forma, Valter era grato pela escuridão. Ao menos assim podia sentir menos olhos voltados na sua direção. Sem fofocas, sem invenções e sem realidades duras sendo espalhadas pelos quatro ventos. “Paz”, era o que ele pensava sempre que chegava ali.

Retirou a chave do bolso e destrancou a pesada porta de madeira. Ela rangeu quando se mexeu, denunciando a chegada do homem. Do lado de dentro, o espaço era ocupado por um pequeno sofá, um rádio e uma bifurcação que poderia levar à cozinha ou ao quarto. Nada muito luxuoso, mas suficientemente confortável aos moradores do local. Assim que pisou na sala, Valter se deparou com o olhar da mulher que ali estava.

— Dona Maria — o homem falou com educação.

Maria tinha uns quarenta e tantos anos, mas aparentava ser bem mais velha. Tinha volumosos cabelos brancos e era quase tão alta quanto Valter. Com os olhos meio caídos, encarou o homem e fez um gesto positivo com a cabeça. Estava confortavelmente sentada sobre o sofá, quase como se apenas esperasse a chegada dele naquele momento. Sem pestanejar, Valter puxou um pacote de dinheiro de seu bolso e começou a contar as notas em voz alta. Os olhos da mulher brilharam e, após alguns segundos, ele entregou uma parcela do dinheiro para ela.

— Muito obrigada, seu Valter — ela agradeceu e se levantou. — Ele no quarto.

E, vendo a mulher sair, o homem trancou a porta. Olhou para o corredor que se dividia em dois e conseguiu distinguir a luz dançante do lampião advinda do quarto. Respirou fundo e seguiu a luz. Bastaram poucos passos para Valter adentrar o ambiente e ver quem o aguardava lá. Sentado numa cadeira de balanço, um menino lia com dificuldade um livro infantil que tinha em mãos. A iluminação era péssima, mas ele se esforçava.

Valter sorriu. Aproximou-se do garoto e logo viu que ele havia percebido a sua presença. Fechando o livro e colocando-o sobre a cama, o menino abriu os braços como se suplicasse por um abraço. Não se levantou. Aliás, nem se quisesse poderia: tinha as pernas tortas e atrofiadas, de maneira que não conseguia andar de forma alguma. No entanto, não precisou. O pai logo se aproximou e deu o abraço que o filho tanto precisava.

Erguendo-o da cadeira, Valter sentia o calor daquela criaturinha magnífica. Não disseram uma palavra: o abraço já transmitia tudo. Pondo o garoto novamente sobre a cadeira, Valter sorriu e começou a tirar as botas sujas de areia. Foi então que viu o livro sobre a cama.

— “Chapeuzinho Vermelho”? — Leu de maneira infantil. — Acho que já me contaram essa história antes.

— Fala de uma minina que é enganada por um bicho muito mau — o menino explicou.

— E é? Bom que assim nunca vai ser enganado, Juninho.

O garoto soltou uma gargalhada e Valter correspondeu. No entanto, o momento foi rapidamente interrompido por um bater de porta.

— Quem é? — Júnior perguntou com curiosidade.

Levantando-se da cama, o pai estranhou. Não costumava receber visitas, ainda mais naquele horário.

— Eu volto já — disse ao filho antes de fechar a porta do quarto.

Valter caminhou com curiosidade e medo até a sala. Seguiu até a porta e abriu uma pequena fresta, apenas o suficiente para ver quem estava do outro lado. Ficou surpreso ao ver as figuras do padre e de Breno Farias.

— Aí está o nosso homem — Breno falou com confiança. — Vamos, abra logo essa porta. Eu já contei pro padre de seu filho quebrado.

Sentindo uma enorme raiva e desgosto, Valter se viu obrigado a suprimir seus sentimentos e abrir a porta. “Lembre-se por quem você faz tudo isso, Valter”, disse para si mesmo. Breno adentrou o local sem muita cerimônia, ao mesmo tempo em que Padre Miguel apresentou uma porção bem maior de respeito, chegando até mesmo a fazer uma pequena reverência ao dono do local.

— Ai, ai — ele não se mostrava muito disposto e queria que a dupla de visitantes fosse direto ao ponto. — O que é dessa vez?

— Trabalho, claro — o político respondeu rapidamente e, logo em seguida, sentou-se no sofá. — Você já fez ótimas coisas para nós, Valter. Jesus, até me deu um tiro. Mas agora a coisa vai ficar realmente séria.

— Minha nossa — Miguel deixou escapar. Ficava cada vez mais incomodado com a postura de Breno, mas tinha certeza que ele era melhor que Marcondes.

— Pagando bem, que mal tem? — Valter vestiu sua máscara de sempre. — Vamos, desembucha logo.

— Então, por onde começar? — Breno praticava o costumeiro teatro. — Você já deve ter visto o Gustavo Água-Santa, né? Amiguinho do seu chefe. Então, eu quero que você cause uma certa confusão nessa relação.

— Como é que é? — O ex-cangaceiro não conseguia ver aonde aquilo ia chegar.

— É simples: vista suas roupas de cangaceiro e dê uma boa surra no homem. Aproveite e diga que Marcondes brabo ou algo parecido. Pode ser? Ah, é óbvio que você não vai mostrar seu rosto.

Valter fez uma expressão de pura estranheza, mas tinha entendido bem. Ainda tinha suas roupas dos tempos de bandidagem, então seria fácil se passar por cangaceiro e atacar o imperador da água. Isso certamente causaria um grande estranhamento entre o ricaço e Marcondes Maia.

certo — o homem assentiu com a cabeça. — Mas e o padre? Quer que eu faça o quê?

— Bem, isso seria pra depois — Miguel se utilizava de uma voz suave e respeitosa, algo que contrastava totalmente com a postura do político. — Precisarei de você para que soltemos Diabo da cadeia. Eu já tenho um plano em mente, mas preciso de alguém que saiba executá-lo. Você me parece o homem certo pra isso, Valter.

O homem sentiu vontade de rir. Havia ajudado Marcondes a capturar Diabo recentemente e, agora, recebia uma proposta para ajudar no resgate do homem. Era irônico estar tão envolvido naquele jogo político, ao mesmo tempo em que pouco se importava verdadeiramente com as peças presentes nele.

Mim conte mais, padre — Valter pareceu um pouco mais a vontade. — Quero entender direitinho o seu plano.

Quem também buscava entender o mundo ao seu redor era José de Lima. O homem havia deixado o seu lugar de descanso há horas e agora buscava conhecer os diferentes bares e locais de entretenimento da cidade. Foi dos lugares mais caros até as piores espeluncas. No fim, ele mantinha em mente a esperança de achar um serviço digno que pudesse lhe dar o sustento de forma honesta, ou quase isso.

Entretanto, a coisa não estava nada fácil. Primeiramente, deparou-se com locais que não contavam com vagas de emprego.

— Nem mesmo limpar os banheiro? — Questionou em um desses lugares.

“Não” era resposta que sempre recebia. Para não dizer que não encontrou trabalho algum, teve um bordel em que lhe ofereceram o serviço de cuidador de animais. No entanto, José julgou que o dono do lugar pagava mal e, para piorar, Beatriz não iria gostar de vê-lo trabalhando ali. Dessa forma, o rapaz viu-se cada vez mais preocupado com o fim daquele dia. Conseguia se enxergar logrando um total de zero êxito e tendo que pedir desculpas a Socorro e Bia.

“O que vão pensar de mim? Que sou um vagabundo?”, imaginava enquanto também pensava em como poderia pagar pela estalagem. Por um momento, nem mesmo lhe veio a mente que Socorro e Beatriz poderiam muito bem ter conquistado seus próprios trabalhos. Tudo que queria era um jeito de voltar para casa com algum ganho. E foi então que aquele estranho bar apareceu.

Com as paredes de pedra e janelas estreitas, o lugar destoava das construções próximas. Ficava numa área pouco movimentada, distante da praça e de outros locais mais famosos de Água Funda. No entanto, o que tinha dentro podia surpreender: contradizendo a sua estética simplista e aparente abandono, o Bar de Pedra estava lotado. Tinha até um cachorro e uns dez gatos brigando por espaço entre as mesas, tudo isso enquanto bêbados insaciáveis pediam por mais uma cerveja. Com as mesas muito próximas umas das outras, era comum ver pessoas se chocando e iniciando brigas.

Próximo ao balcão, uma banda de sanfoneiros tocava alguma música que se misturava com o ruído local. Era um caos, mas um caos com gostinho de lar. Os olhos de Zé brilharam ao ver aquela algazarra e confusão, quase como se aquilo se mostrasse como uma grande oportunidade para sua vida. E talvez fosse. Caminhando lentamente e desviando de bêbados, cachorros e gatos, José foi até o balcão e tentou falar com o rapaz que ali trabalhava.

— Amigo — teve gritar para ser notado. — Será que tem trabáio pra mim?

Não adiantou. Tudo que recebeu como resposta foi uma careta do bigodudo que servia as bebidas. Logo em seguida foi empurrado e teve que sair do local para que mais sedentos por álcool recebessem sua santa bebida. Desanimado, Zé de Lima se afastou.

Parecia que nada iria dar certo. Tudo que ele queria era um trabalho, uma oportunidade de ser pago de maneira justa por um trabalho honesto. Sim, honesto! José se via como um homem bom e queria provar isso para Maria Beatriz, mas a situação estava complicada. No entanto, as esperanças não morreram. Enquanto encarava a multidão daquele bar infernal, algo chamou a atenção de seus olhos: uma porta.

Era estreita e estava guardada por dois homens. Vez ou outra alguém passava por ela e, antes de adentrá-la, deixava a arma (caso carregasse uma) com os guardas. Seduzido pela curiosidade, José seguiu até a porta e, após ser revistado pelos homens – que não encontraram nada que oferecesse risco – adentrou o misterioso local.

Lá dentro, Zé se deparou com um verdadeiro contraste. Opondo-se a algazarra que acontecia no resto do bar, aquele ambiente era marcado pelo silêncio e pela seriedade. Cerca de quatro mesas se espalhavam pelo espaço e homens bastante concentrados mantinham seus olhos nas cartas que tinham em mãos. Jogavam alguma espécie de jogo e, pela seriedade dos jogadores, José sabia que apostavam dinheiro de verdade. De pé, apenas dois seguranças armados observavam com atenção qualquer movimento suspeito.

— Bati! — Alguém gritou mais ao canto.

Zé virou a cabeça para ver quem era o vencedor. Com uma postura alegre e olhos fundos, o rapaz recolhia o dinheiro conquistado com as apostas. O dinheiro estava sujo e amassado, mas aquilo não fazia diferença: tinha o mesmo valor que uma nota em perfeito estado. Além disso, o simples sabor da vitória já era suficientemente delicioso. Dinheiro era apenas detalhe, ainda mais levando em consideração o seu grau de riqueza.

— Esse sobrenome tem sorte, viu? — Algum outro jogador comentou de forma jocosa.

“Sobrenome?”, José pensou enquanto observava. Então voltou seus olhos para o ganhador. Era jovem, bem nutrido e tinha algo em seu rosto que lembrava alguém. “Meu Deus do céu! Maia?!”, descobriu quem era. O filho do prefeito ainda comemorava quando o jogador falastrão decidiu abandonar a mesa, deixando assim uma vaga no jogo. Olhando para os lados, José viu que não havia ninguém para repreendê-lo. Caminhando lentamente, pegou a cadeira para si e recebeu o cumprimento de todos os homens da mesa.

— Qual o seu nome? — Um jogador sem cabelos perguntou de maneira educada.

— Pode mim chamar de Zé — o novato respondeu.

Não demorou para José de Lima identificar o jogo em questão: era Pife. O rapaz já estava acostumado a jogar com cartas, então aquela poderia ser uma boa oportunidade para se dar bem. No entanto, logo se lembrou: estava com pouquíssimo dinheiro no bolso. Valeria a pena arriscá-lo numa aposta? “Eu vou ganhar isso”, tal pensamento ficou pulsando em sua mente. Após colocar todo dinheiro na mesa, o jogo teve início.

Guilherme Maia era um excelente jogador. Já estava acostumado a gastar horas nos jogos e no álcool, costume esse que já havia gerado grandes reclamações do seu pai. No entanto, não adiantava: o garoto estava sempre com uma boa parcela de dinheiro e o seu sobrenome era capaz de abrir todas as portas que ele precisasse. Dessa forma, jogar era um hábito e ele já estava ficando famoso por ser duro na queda. Era raro ele perder algum jogo. Porém, isso estava para mudar.

Observando o jogo com atenção, José de Lima via padrões. O careca coçava a cabeça quando estava com um bom jogo, enquanto o que tinha uma barbicha mexia nos pelos faciais. Quanto a Guilherme Maia? O rapaz costumava franzir a testa de forma engraçada e inconsciente. Não tardou para que o novato usasse todas essas informações contra seus adversários.

Rodada a rodada, Zé ia fazendo mais e mais pontos. Aos poucos, as notas amassadas foram enchendo seu bolso e ele ia apostando cada vez mais dinheiro. Sentiu um grande prazer durante todo o jogo, pois sabia que não estava roubando ninguém, mas apenas usando um pouco da inteligência que Deus havia lhe dado. Podia não ser o melhor leitor de livros, mas sabia ler pessoas. E isso estava irritando fortemente Guilherme.

Lá pelo fim do jogo, quando o barbicha e o careca já haviam saído, José de Lima e o filho do prefeito se viam num confronto intenso. Cheio de raiva, Guilherme não conseguia aceitar que estava perdendo todas naquela noite. Com as mãos tremendo, disparou:

— Ele roubando!

Cumé que é? — Zé ficou surpreso.

Colocando as cartas sobre a mesa, Maia apontava diretamente para o novato. José sentiu um terrível frio atravessar sua espinha. “Confusão de novo não, pelo amor de Deus”, rezava. No entanto, a salvação chegou na forma de uma voz grave, quase incompreensível:

olhando aqui e ele num fez nada de errado — um dos guardas do local falou.

Guilherme manteve sua expressão de revolta, mas sabia que não tinha o que fazer. Encarando Zé com gravidade, o garoto declarou:

— Vamos uma última! — Procurou nos bolsos por mais dinheiro e não achou nada. “Não, não pode ser”, pensou enfurecido. Vendo-se sem opção, retirou o anel de ouro que trazia no dedo. Era um anel de família, mas pouco importava: podia sentir que ganharia aquela última rodada. — Aposto o anel! Ele por todo seu dinheiro!

José de Lima sentiu uma genuína vontade de rir. O filhinho do prefeito parecia patético. Além disso, Zé sabia que já podia deixar o lugar alegremente: estava com uma belíssima quantidade de dinheiro e aquilo bastaria por aquele dia. No entanto, ficou a encarar o anel. Era bonito e era de ouro. Céus, por que não arriscar? Daria para vendê-lo e fazer ainda mais dinheiro, ou ainda dá-lo de presente para Beatriz. “Eu não vou perder”, pensou com fé.

Tirando o aquele bolo de notas do bolso, colocou tudo sobre a mesa e apostou sem medo de perder. Motivado, Guilherme Maia colocou o anel sobre a mesa de forma semelhante. Naquele momento, os outros três jogos que aconteciam pararam: todos queriam assistir ao resultado daquele confronto épico. E, apesar das altas expectativas, não tardou para sair o resultado.

Agindo pelo impulso e pela emoção, o filho do prefeito perdeu boas oportunidades. Frio e esperto como um ladino, José fez o jogo perfeito. Escolhendo as cartas certas, tendo sorte e sem expressar reações chamativas, o novato conseguiu destronar o grande campeão local. Com a vitória, Zé viu Guilherme jogar as cartas pra cima com raiva. O riquinho teve que aceitar o fato do anel da família ser tomado pelo pobretão, ao mesmo tempo em que tinha que aturar as provocações e brincadeiras dos que assistiram à partida.

— Eu vou tomar esse anel de volta! — Guilherme apontava o dedo para José enquanto dizia essas palavras.

— Só se a gente jogar de novo — Zé brincou enquanto se retirava do local com os bolsos pesados de tanto dinheiro.

Já do lado de fora, José de Lima caminhou alegremente de volta ao seu lar. Mal podia acreditar em como o dia fora tão produtivo. Horas atrás estava reclamando da falta de oportunidades e do azar, mas o jogo havia virado em absolutamente todos os sentidos. Feliz do jeito que estava, não viu o tempo passar e logo chegou no alojamento. Passou pela recepção e caminhou rapidamente para seu quarto. Chegando lá, deparou-se com Socorro e Beatriz. As duas mulheres também esbanjavam alegria, algo que iluminou ainda mais o coração do rapaz.

— Parece que o dia foi bom pra todo mundo, né? — Empolgação não faltava na voz dele.

— Meu bem — Bia usou aquelas palavras mais uma vez antes de se aproximar e dar um singelo beijo em seu amado. — Como foi o dia? Encontrou trabalho?

— Ora, se não — José deu uma gargalhada estúpida, mas contagiou as mulheres presentes no quarto. — Já até trouxe um dinheirinho do bar, meu amor.

Tirando o dinheiro do bolso, o homem da casa viu Beatriz arregalar os olhos com grande surpresa. Socorro levou a mão à boca, quase como se não acreditasse que estava vendo aquilo mesmo.

— Zé, cumé que ganhou isso? — Maria Beatriz não conseguia entender.

— Honestamente, minha linda — Zé assegurou. — Sem roubo, sem inganação. Só trabalho!

— Que maravilha! — Socorro de Deus deixou escapar.

O trio então começou a rir. Mal podiam acreditar que as coisas estavam se encaixando tão bem. Contra todas as expectativas, elas estavam mesmo. “A fé move montanhas”, Socorro pensou com alegria.

— Mas então — Zé caminhou até a cama e se sentou —, como foi pra ocês? Encontraram algo de bom?

Bia e Socorro se entreolharam, quase como se quisessem ceder o lugar de fala de uma para a outra. No fim, a mais nova foi a primeira a contar sobre suas empreitadas.

— Caminhei pela cidade, visitei várias casas e ouvi um monte de “não” — dizia com vivacidade, quase como se estivesse passando por aquilo novamente. — Mas aí fui parar na casa do delegado Augusto Nunes. A esposa dele tava lá. Ela tem dois filhinhos e tava precisando de ajuda. Mim ofereci e ela disse que vai conversar com o marido. Se tudo der certo, vou começar a trabalhar lá.

José de Lima sentiu vontade de aplaudir a esposa pelo feito. Podia parecer algo simples, mas andar sozinha na cidade era uma novidade, e ela parecia ter se saído muitíssimo bem. Socorro sorria de orelha a orelha, chegando quase a esquecer que Zé também queria saber de suas novidades.

— Ah, tem eu também — a mulher finalmente se tocou quando encarou o silêncio e os olhares do casal. — Minha história é mais simples: fui pro hospital e disse que era parteira. Eles tava precisando de gente do meu tipo, intão me contrataram. Já começo os trabáio amanhã.

Sorrindo como um bobo, José deu um abraço na senhora. Havia estranhado a presença dela na viagem, mas agora era grato por contar com ela. Socorro era uma grande mulher e sempre fora muito boa para com Bia e Zé. Era quase uma mãe e merecia todo amor do mundo. Respondendo o abraço com ternura, Socorro explicou que estava bastante cansada e iria dormir na redinha dela. O rapaz respondeu com um sorriso e olhou para Bia. A garota gesticulou indicando que queria conversar de maneira mais privada. O casal rapidamente foi para o lado de fora da estalagem.

Testemunhados pelo céu coberto de estrelas, Maria Beatriz e José de Lima se entreolhavam sem dizer uma palavra sequer. Aquela ligação que tinham parecia ser mais forte que tudo e, após as infernais provações da Lagoa da Esperança, eles agora se amavam mais do que nunca. Aproximando-se de sua mulher, Zé deu-lhe um tenro beijo. O calor que compartilhavam escancarava as palavras. “Vou estar sempre ao seu lado”, Bia podia sentir. E, tendo plena confiança nisso, ela resolveu romper o silêncio.

— Zé — começou com a voz fraca, quase falhando. — Eu tenho uma coisa pra te contar.

— O que é, meu amor? — José levantou as sobrancelhas. Não entendia muito de segredos, mas podia sentir que viria algo diferente por ali. Não podia imaginar o que a mulher da sua vida escondia. — tudo bem?

— Sim, sim. tudo ótimo. É que tem uma coisa que envolve você, mas que eu não sei como dizer. Eu... — as palavras fugiam de seus lábios e de sua mente. Era tão simples, bastava dizer “eu estou grávida e você é o pai”. Ela sabia disso. Contraditoriamente, a simplicidade de tais palavras parecia se emaranhar com a complexidade que era simplesmente tocar no assunto. — Sinta aqui.

Ela pegou a mão do homem de sua vida e colocou sobre sua barriga. Não havia crescido ainda, mas o gesto fez José se arrepiar.

— Ele ainda pequeno, mas é seu — Beatriz tentou dizer sem ser totalmente clara. Ao ver a expressão de estranheza de Zé, decidiu ser explícita. Dessa vez, as palavras não lhe fugiram. — Você vai ser pai, Zé!

Imóvel, José sentiu sua alma sair do corpo. Um arrepio atravessou seu espírito e seus olhos se arregalaram enquanto sua mão se encostou com mais firmeza na barriga de Bia. Fisicamente, o rapaz não sentia a criança, mas o fato dele saber que ela estava ali mudava tudo. Atordoado, causou um certo medo em Beatriz. No entanto, apenas alguns instantes foram necessários para o homem se abaixar lentamente e, encarando a morada de seu bebê, sorrir de uma orelha a outra.

Com os olhos úmidos, logo tratou de encher aquela morada de beijos, tudo isso enquanto dizia palavras de puro amor. Era mágico, nem ele mesmo conseguiria explicar. Mas não havia como terminar o dia de melhor forma. A paternidade mal tinha chegado, mas já estava se mostrando um verdadeiro presente para José de Lima. E para Bia? A garota sentia alívio e amor. Tudo que pensava era sobre como havia sido idiota por demorar tanto a contar sobre a gravidez para o pai. No entanto, o erro agora estava reparado. Só esperava dar um bom futuro para a sua criança. O resto era mero detalhe.


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Notas finais do capítulo

Muito obrigado pela leitura! Se possível, diga o que achou do capítulo.

Até breve :D



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