O Lobo-homem e o Feiticeiro Mestiço escrita por Melvin


Capítulo 14
14: Terra dos mal falados.


Notas iniciais do capítulo

Oie! Finalmente consegui um capítulo (mentira, não foi esforço nenhum. Rs.) O último capítulo foi dia 20, quase 15 dias atrás... meio mês.

Não devem nem ter sentido falta, neh? ~ eu sei que volta e meia pertubo.
Fico feliz de ter companhia nessa história! Pode deixar comentário, não sou do tipo que consegue ignorar algum sem reposta, e acredite eu sou mais bobo e tímido que vocês que acham que não sou. Kkk ( por isso as vezes sumo).

Narração de Luahn novamente!

Boa leitura!



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Faz alguns dias... Carlyne não nos queria em sua casa, não queria companhia, nem saber de nada além de suas terras no meio do verde da floresta pacifica, mas havia nela impulsão de nos ajudar. Tudo o que sei do que aconteceu depois dela nos deixar na beira do rio é o que ela me contou.

Disse-me que levou seu velho cavalo amarelo para nos carregar, o pobre animal é cego de um olho e anda devagar, o que apenas demonstrou que no fundo daquele ar insensível, ela tem compaixão. Acho que não cheguei a lhe dizer alguma palavra de gratidão pelo feito de ter-nos arrumado no animal e trazido sozinha ao seu sítio, mas, sinceramente, ela não me parece alguém que aprecie ou está acostumada em ser agradecida por coisas que faz.

Contudo, as coisas não foram tão simples enquanto eu dormia. Numa manhã seguinte, lembro-me de despertar com o cantar de um galo e havia amarras frouxas no meu corpo e quatro símbolos rabiscados em tinta no meu peito, estava ainda me sentindo cansado, mas ela me contou o que seria um pesadelo para qualquer um: pouco após o pôr do sol e a lua se erguer no céu eu me transformei em algo que ela chamou de ‘meio-lobo’ e ‘besta’.

Carlyne estava próxima das chamas da lareira, no cômodo mais amplo do casebre, costurando os ferimentos de Fiel diante da luz depois que havia feito o mesmo comigo e apenas me deixava descansar em um canto, no chão, sobre uma pilha baixa de lã e couros. De repente, ela ouviu grunhidos e encontrou-me em meio à mudança. Sabendo que eu não estava consciente, a mulher me imobilizou com cordas, mas graças a um movimento involuntário de meu braço e garras ela viu que não seria o suficiente e transcreveu o feitiço de paralisia copiando de um papel velho.

Eu não ia acreditar só por ouvi-la, mas ao lado da improvisada cama encontrei os sucos arranhados na parede. Apesar dessa noite assombrosa, ela me ofereceu o melhor alimento que poderia arrumar e remédios para dores, ajudou-me e disse seu nome quanto perguntei. E, depois da madrugada seguinte, descobri que aconteceu a mesma coisa, novamente estava com os símbolos no corpo, meio amarrado, e por isso arrumei animo para perguntar sobre aquilo.

— Como aprendeu a usar runas? — questionei, sentando-me e analisando suas reações, meu corpo sempre parecia fraco mesmo permanecendo imóvel por horas.
Ela, apesar de distraída em empilhar as lenhas ao lado da lareira, levantou-se incerta e me olhou, depois seguiu até uma prateleira com vidros e potes e quatro livros gastos.

— Há alguns anos tenho tentado aprender mais. No entanto, é tudo difícil quando se é sozinha e não... — ela se interrompeu, após tirar algumas folhas amarelas de um dos livros, que na verdade era só uma capa de couro, e se aproximou.

— Não o quê?

A mancha clara em seu rosto ficou rosa na parte da maça, havia ficado com vergonha.

— Não sei ler. — Não me espantei, era algo comum no mundo. — Sei algumas coisas e esqueci muitas outras. A velha que me ensinava quando criança deixou-me de lado quando essas manchas apareceram em meu rosto. — Observei-a curioso para saber mais de sua historia, mas ela logo voltou ao assunto e me distraiu: — Mas essas folhas — ajoelhou-se ao meu lado, entregando as páginas — alguém me disse para que elas servem e não me esqueci, pois são todas úteis.

— Eu posso te ajudar enquanto isso... — disse, mas já estava distraído com o que ela tinha.

Eram folhas tipo anotações, uma cópia aleatória de runas úteis e uma breve instrução, incluindo seu sacrifício. Crescimento de plantas, proteção contra praga, runa para acalmar tempestades, para achar água, para achar algo perdido, para atiçar fogo, para adormecer, paralisar, afastar. Meu estudo de runas havia sido quando ainda era um menino, mas me lembrava bem. São marcas com poder influenciando aonde são postas e duram de acordo com a maestria do escritor. Majen já me contara de runas raras, das esquecidas e das muito importantes e poderosas, além de varias outras úteis que eu ainda possuía na memória, todas classificadas pela sua utilização, objetivo e sacrifício, quanto mais difícil o sacrifício maior o seu poder, mas o mais alto preço a se pagar nunca valia a pena para aqueles de bom coração. E as runas de Carlyne eram comuns, simples e sem maldade, para um não feiticeiro usá-las o poder da fé era o bastante, mas era lógico que o tempo seria menor. No caso, durando a noite que eu me transformava.

— Você não confia que funciona — constatei e olhei para a mulher, com um sorriso torto. — Mas funciona. E isso é bem incrível! Não precisa usar as amarras, Carlyne — informei. — Foi uma ótima idéia, ia odiar causar alguma coisa depois de estar nos ajudando tanto.

Ela sorriu, corando fácil e pareceu acreditar em mim. Contudo, naquela noite não houve mudanças, dormi e acordei do mesmo jeito, e a mulher confirmou com estranheza durante a manhã que esperou o momento depois do por do sol, mas não aconteceu nada, e eu não tive resposta quando ela quis saber por que.

Quanto a Fiel, ele não teve progressos visíveis nesses dias. Apenas ouvi um leve rosnado quando a garota chamou-me do repouso para ajudar a carregá-lo para um banho na água quente, fora da casa durante o dia.

— Ele está emagrecendo — comentei, enquanto ela passava a lavá-lo como se fosse um simples cão imundo.

— Também acho, mas já o faço comer toda manhã. E é uma coisa perigosa, se quer saber. Ainda é um lobo, e lobos vulneráveis não são confiáveis.

Observei-a na tarefa, pensando que não cheguei a vê-la alimentando-o, mas ela estava nos ajudando sem nada em troca que não dava para ser contra, apenas confirmei no dia seguinte que dizia a verdade ao vê-la logo depois do nascer do sol, diante dele, enfiando-lhe colheradas de pasta de vísceras cozidas e amornadas.

À medida que me sentia mais forte e quase bem, conversava com Carlyne – quando ela não sumia para cuidar das coisas da propriedade compacta. A princípio, ela era bem quieta, às vezes me lançando olhares de repreensão por falar tanto durante nossas refeições ou à noite, quando ela não tinha como fugir da casa. Acabei contando que eu era feiticeiro e sobre a minha breve aventura pelas terras na companhia de meu lobo-homem.

— Isso não é possível — respondeu ela descrente, porem inexpressiva, apreciando seu ensopado de legumes e carne de veado defumada numa noite calma. — Um homem amaldiçoado? Quem teria poder para tanto? — e olhou para Fiel deitado diante da lareira, onde sempre esteve. — Talvez a maldição dele tenha passado para você, tu é o lobo-homem que já vi.

Por um momento refleti tal possibilidade. Era verdade que Fiel não deu sinal de mudar para forma humana e se era humano porque estava como lobo estando fraco?

De repente, ela soltou um riso não contido e me surpreendi porque ela era sempre sem humor.

— Desculpe. É que desde criança todos me chamam de amaldiçoada pelas manchas brancas que surgiram, odeio todo mundo por tal julgamento e nunca fui fácil, por isso vivo aqui. Estava contando os dias para me livrar de vocês dois. Mas parece que somos um bando de escorias despejadas nas terras de Judgar — e riu de novo, mas não entendi o ponto da graça.

— Judgar?

— Sim. O dono deste sítio, o gigante de Cince, descendente do herói de Prata Leal que foi irmão de um rei do passado. Uma longa historia... — ela entristeceu depois do que disse.

— E o que aconteceu?

—... Judgar me acolheu. Eu costumava andar pela floresta e perto do rio procurando coisas perdidas, depois voltava para cidade à noite para tentar vende-las, sempre longe dos olhares das pessoas e coberta. Mas ele me deu um lar e tudo ficou diferente. — um fino sorriso veio depois por alguma lembrança feliz. — Era um homem desengonçado e bem alto, gostava de cuidar de tudo que vinha até aqui e, mesmo longe de qualquer pessoa, ele não tinha nenhuma raiva daqueles que o chacoteavam na cidade. Era tão ao contrário de mim... Por alguma razão o achei especial e fiquei. Judgar me ensinou tudo para cuidar daqui e como tempo gostou de mim. Queria casar, mas eu ri — ela sorriu, mexendo e encarando o ensopado. — Então eu disse que nós não precisávamos de aprovação de ninguém, que tínhamos o nosso mundo aqui e que bastava saber que ele me queria em sua vida, assim como eu o desejava.

— Ah, que lindo isso.

Carlyne assentiu, sorria, mas seus olhos estavam úmidos e eu soube, ficando triste também, que a historia não tinha terminado aí.

— Estávamos bem, finalmente me sentia parte de um lugar e segura, porque ninguém da cidade vem aqui, as terras de Jugdar foram dadas pelo próprio rei para mantê-lo em paz e considerando as façanhas de seu antepassado. Mas um dia ele teve um mal súbito e restou apenas a mim... No silencio da floresta, na terra dos mal falados...

Nós ficamos quietos por um tempo. Eu entendia como aquela vida era difícil depois dessa historia e compreendi porque ela era uma mulher meio difícil de alcançar, tendo uma vida sendo julgada e afastada, ela aprendeu a cuidar de si e virar a cara para o mundo, protegendo-se das agressões e de apegos, porém a vida deu-lhe outra rasteira ao tirar-lhe Judgar e sua alma ainda carregava revolta.

— Jugdar dizia que não gostava do silencio, por isso conversava com os animais e acolhia quem viesse. — Ela voltou a falar, incomodada com nossa mudez e talvez com o fato de eu ficar olhando-a enquanto pensava. — E por alguma razão não fiquei sozinha por muito tempo, vocês surgiram e me distraem. E você fala tanto e coisas sem importância Luahn, que até não sei mais como é o som da floresta com o silêncio.

— Perdão por isso — ri. — Ás vezes prático a arte de deixar meus pensamentos vir ao mundo no ritmo que surgem aqui — cutuquei a bandagem em volta de minha testa, cobrindo minha pancada que já não doía tanto, e com isso a fiz sorrir.

Subitamente, o lobo levantou a cabeça, permanecendo deitado e encarando o fogo piscando, e nós o encaramos.

— Pode ir dar água. Ele é seu — ouvi e tive uma leve impressão de que ela tinha medo ao fundo. Era primeira vez que Fiel levantava uma parte do corpo sem ajuda.

Busquei uma vasilha com o liquido e, enquanto eu me aproximava, as orelhas erguidas se moveram na minha direção, depois ele me olhou nos olhos. Meu coração bateu e acabei sorrindo de leve. Após muitos dias, finalmente via aqueles olhos cinzentos vivos, porém logo ouvi um rosnado e os caninos apareceram. Parei confuso.

— Ele não parece confiar em você — Carlyne comentou, assistindo a cena de longe. — Tem certeza que esse é o seu lobo?

Depois de dias observando-o, ajudando nos curativos e remédios e trocando os tecidos de leito, claro que eu tinha! Mas sentir-me ameaçado por aquela encarada, me fez ter incerteza e receio.

— Hey, amigão? Sou eu... — dei uns passos lentos depois que ele parou de rosnar, mas continuou me encarando desconfiado. Não sabia exatamente o que interpretar de um lobo, até que ele lançou um olhar para Carlyne, depois voltou a mim, farejando o ar entre nós, e ficou menos tenso. Depositei a água e afastei um passo, vendo-o saciar-se devagar.

...

Os ferimentos sob as folhas medicinais e bandagens estavam cicatrizando sem problemas, tanto em mim quanto em meu companheiro – eu já não sentia mais a vontade enlouquecedora de coçar os arranhados e cortes, e até ajudava Carlyne com algumas tarefas na propriedade. A mulher conseguia dar comida e água à Fiel sem ser recebida com um rosnado e desconfiança, o que me deixou inquieto sobre porque ele estava fazendo isso comigo.

Na medida em que Fiel ficava saudável, as noites ganharam alguns sons preocupantes. Eu e ele ficávamos no mesmo cômodo comum do casebre, porém distantes porque ele se incomodava, afastando-se de mim ao ponto de querer se arrastar mesmo fraco para longe, então fiz sua vontade e o deixei em seu canto. Enquanto Carlyne ficava seu quarto. E quando a luz da lareira começava a desaparecer com o avanço da madrugada, os sonhos agitados dele começavam. O lobo movia-se deitado, às vezes choramingava, grunhia baixo, soltava breves ganidos e, numa noite, uivou tão de repente que imediatamente sentei-me acordando e levando uns segundos para perceber que foi ele.

—... As noites mal dormidas não o ajudam a ficar melhor. Como suportava dormir perto dele assim? — Carlyne murmurou, estava na porta de seu quarto, observando-o da escuridão.

— Ele não tinha pesadelos antes — comentei um pouco sonolento. — e gostava de mim... — Para nossa surpresa Fiel levantou-se de onde estava, caminhou lento para outro canto do cômodo e enrolou-se lá. — Alguma coisa aconteceu e só ele pode dizer...

Havia uma preocupação enraizando-se devagar em mim. Eu queria o antes de volta, quando podia me enroscar nele, tomando-o para mim e sabendo que no fundo ele gostava, e me sentia seguro e pronto para desvendar o mundo cheio de coragem porque sabia que ele não me deixaria perdido. Agora parecia que o caminho que eu seguia estava desaparecendo e não me sentia completo.

No dia seguinte, no almoço, sentei-me no chão e próximo do lobo deitado carregando as duas vasilhas com a comida. Esperei, observando-o, e ele fez o mesmo, apenas me olhando de volta inexpressivo.

— Pode assumir sua forma humana? Vamos almoçar juntos! — sorri, tentando animá-lo, mas ele não reagiu. Suspirei frustrado. — É sério Fiel, quero conversar como você como homem, saber do que você se lembra — Ele desviou o olhar, lambendo os bigodes, demonstrando a fome, mas não me obedeceu.

Comecei a ficar irritado. Como poderia ajudá-lo se não queria colaborar? Como poderia entender porque ele me tratava assim? Enfiei uma colher de comida na boca e ele olhou-me.

— Dou-lhe se fazer o que estou pedindo — respondi e identifiquei uma expressão de contrariedade, dobrando de leve as orelhas para trás. — Ou você pode ir atrás de algo, como um lobo de verdade.
Dessa vez ele me encarou sério e me surpreendeu, se levantando e mancando para longe em direção a porta de saída, me arrependi imediatamente:

— Desculpa! Espera! Não se esforce. Perdão, Fiel! — Consegui segurar sua pata e ele parou.

Não sou um lobo de mentira, Luahn... — ouvi a voz dele abafada e lenta, mas não tinha movimento em sua face canina. Estranhei. Ele sentou-se onde o segurei enquanto eu ainda estava confuso de poder ouvir sua fala. — Preciso da energia... Para ficar forte logo... Terá respostas quando eu mesmo aceitá-las e entendê-las.

Soltei-o e entreguei o almoço, recebendo um olhar dele.

— Eu leio seus pensamentos! — comentei empolgado e sorri. — Vou tentar esperar então.

— Não são meus pensamentos — a face do lobo estava virada para mim e o ouvia nitidamente, mas não havia movimento de sua boca. Ao mesmo tempo em que isso me intrigava, achava engraçado. — Sabe apenas o que quero que ouça... Talvez entenda outros lobos quando encontrá-los... — então ele dedicou-se a alimentar-se.

A mulher entrou na casa pouco depois, carregava algo longo que refletia fácil a luz das janelas.

— O que é isso? — perguntei curioso.

— Uma espada — começou a se aproximar de mim. — Achei no rio, perto da curva, estava cheia de crosta e ferrugem, mas reformei. E pela largura da lamina, é a mesma que lhe feriu no ombro. Acho que alguém queria te matar, mas errou feio, Luahn.

— Mesmo? — me levantei e peguei dela, verificado o objeto. — Mas...? Isto é do Fiel.

Depois de limpa, o metal da empunhadura se mostrava rajado, numa mistura de prata e dourado brilhante, e a longa lamina parecia feita de um metal pálido e brilhoso, resistente e bem afiado. Apesar disso, era o mesmo formato e detalhes da espada de Atrôes.


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Notas finais do capítulo

E aí? Tiveram a sensação de que o capítulo ia acabar mas aí ele continuou?

Pergunto porque esse capítulo podia (e eu até queria) ser dividido em partes menores. Mas para que faze isso? Então foi assim.

Espero que tenham gostado de descobrir essas coisas! 

Ajude no dilema do autor (se gostas da história, ajuda eu, ou vou travar): 

Quem narrará a partir daqui?

a) só Luahn.

b) só Fiel.

c) alterna narrador dos capítulos: capítulo  Luahn e depois Fiel (provavelmente farei sem ordem, ou seja o próximo não seria obrigatoriamente o outro).

d) Muda para 3° pessoa.

 

 

Obrigado por ler e companhia!

(Ps.: Essa historia de vir o novo site mexe com a minha ansiosidade, porque não sei de nada... parece que  será breve mas tá demorando... aí da uma leve vontade de fugir...)



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