O Lobo-homem e o Feiticeiro Mestiço escrita por Melvin


Capítulo 13
13: A oração para um lobo.


Notas iniciais do capítulo

"Apesar das perdas nós temos que continuar"...
Sabe, acho que purpurina verde é a mais bonita, mas se pegar uma roxa escura... fico um pouco na dúvida e escolho verde.

Meus caros potinhos de ouro, mais um capítulo!
Espero que gostem.



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Minha pele parecia queimar então abri os olhos e imediatamente fiquei confuso e assustado. Não sabia onde estava e apenas enxergava o intenso brilho do sol em um céu limpo. Foram apenas alguns segundos de consciência até uma pontada de dor na cabeça me levar embora da realidade.

Na segunda vez que acordei foi por culpa de uma sensação fria no meu rosto. Havia uma figura contra a luz, encapuzada com uma túnica verde escura, arcada sobre mim e silenciosamente passando um tecido úmido em minha bochecha. Levei um susto na situação estranha e tentei me levantar, instantaneamente ficando cheio de perguntas. Onde eu estava? Quem era aquela pessoa? O que havia acontecido? E, principalmente, onde estava Fiel?!

Para que fui me desesperar? Fui rendido por cãibras e dores por todo meu corpo e me deitei novamente, grunhindo. Meus músculos pareciam exaustos, fazendo-me sentir pesado e sem força. Era como se minha carne tivesse sido moída e posta de volta dentro do meu couro. Ofeguei, resistindo aos ecos de agonia e a uma tontura desanimadora.

— Não se mova tão rápido — a voz feminina e rouca veio das sombras do capuz. Encarei-a sem reconhecer. — Precisa de cuidados com seus ferimentos e é certo que teve uma pancada feia na testa — depois apoiou o tecido frio no lugar, fiz uma careta com a pontada de dor que gerou.

— Quem... — e tossi, percebendo como minha garganta estava seca como farinha. — Quem é você?

— Uma samaritana. Encontrei o senhor hoje cedo, estava imundo de sangue e, já que estava vivo, precisei limpá-lo — ela levantou-se e andou pela praia de areia suja até um rio nada longe.

Eu não me lembrava de rio algum! O que tinha acontecido? E onde estava Fiel?

Não pude me mexer, então tentei me concentrar no que recordava da noite anterior... Ou será que havia sido há mais tempo, talvez dias? Suspirei frustrado, porque tudo o que tinha na cabeça era a dor pungente na testa. De repente, tive uma crise de tosse pela secura na garganta e quase expeli os pulmões, mas graças a isso notei uma movimentação sobre minhas partes íntimas enquanto o resto de meu corpo estava livre ao sol e ao vento. Sentei-me surpreso por estar nu no meio do nada e sem lembranças, e me cobri direto com o tecido de algodão. Novamente: Pra que fiz isso? Uma dor explodiu próxima do meu ombro, o que me fez deixar de usá-lo imediatamente, e fiquei tonto, com direito a sensação de ânsia, e pior era que meu estomago parecia cheio. Ativei meu autocontrole e inspirei várias vezes para superar essas reações, depois olhei em volta e não obtive pista do que estava fazendo ali ou de minhas roupas.

A mulher voltou, já tinha os olhos em mim a um tempo:

— Não é dos piores homens que já fui obrigada a ver. Mesmo assim, foi melhor lhe cobrir — seu tom era sempre quase indiferente. Depois puxou de debaixo das roupas uma cumbuca com rolha e ofereceu: — Beba, é água pura.

Aceitei, encarando a sombra que ocultava seu rosto e me criava mistério suficiente para esquecer dos problemas principais. O liquido desceu gerando alivio até o estomago e melhorando meu enjôo.

— Vai precisar de costuras em alguns cortes em seu corpo e remédios. Também mais atenção nessa perfuração — apontou para meu tronco, próximo do ombro, então olhei. Havia um corte de três dedos de largura que começava a escorrer sangue fresco. — Ela te atravessa — e a mulher cutucou atrás, estremeci com a dor e o mundo real deu uma oscilada, me fazendo deitar na areia, fechando os olhos enquanto esperava o mundo parar de girar. — Desculpe, você perdeu sangue, não está com muita força... Ei, não durma! — ouvia sua voz se distanciando. — Tem que vir comigo.... lugar seguro... Não vou aguentar você sozinh...

A mulher misteriosa sumiu, assim como boa parte de meu mal estar.

Será que Fiel e eu fomos assaltados enquanto fugíamos? Seja quem for que fez isso, espero que não tenha se aproveitado do meu corpo enquanto estava desacordado... Que horrível.

— Coma! — recobrei a consciência subitamente com essa fala e uma mão enfiando na minha boca pequenas frutas vermelhas que eram extremamente doces. Mastiguei com custo e surpresa. — Vai te dar um pouco de energia e animo.

Após engolir, fiquei encarando a mulher pois o capuz havia deslizado e ela era bem diferente de qualquer outra. Ela era jovem, com olhos escuros, cabelos pretos presos numa trança e pele castanha como madeira, porém uma mancha branca como leite estava na maçã de seu rosto, estendendo-se para o canto do olho direito, e na linha do maxilar, do lado esquerdo, outro disforme espaço claro estava presente. Ela ficou sem jeito por ser encarada por mim, desviou o olhar, ficando séria e corada. Deixei-a em paz.

— Precisamos ir — ela falou de repente, vindo me apoiar.

Nem fui contra, aceitei a ajuda para por meu corpo de palha velha de pé, amarrando bem a coberta na cintura para manter a visão exclusiva. A mulher era um pouco menor que eu, mas era forte e determinada ao me amparar. Também era incrível como eu andava frouxo, e eu não tinha idéia da razão.

Caminhamos pela praia poluída da curva do rio ruidoso, onde um grande pedaço de tronco velho e com musgo ocupava um bom espaço e a areia estava cheia de raízes, galhos, pedras e folhas lavados pela água na maré alta.

Avançamos uns dez passos e, com uma súbita palpitação do meu coração e me jogando para longe do apoio da mulher, achei um lobo sujo e estendido nas raízes de um tufo grosso de capim na praia. Dei dois passos sem ajuda, fiquei tonto e caí de quatro, tropeçando em algum galhinho enterrado que não notei. Mas minha maior pergunta, enquanto o encarava de longe, era: porque ele não estava se mexendo?! E me recusei a pensar na resposta mais obvia, ficando ali no chão, atordoado e imóvel. A garota chegou e tentou me colocar de pé, confusa daquela minha ação, mas apontei na direção dele:

— O lobo! — Ela olhou para ele, depois me deixou onde estava, se aproximando devagar, pois dava para ver que hesitava em chegar perto de um animal selvagem e desconhecido. Parou bem perto, o olhando de cima por uns segundos e o chutou no queixo. — Não faz isso! — me revoltei e ela me encarou sem expressão.

— Parece que está morto — concluiu indiferente.

— Não... — murmurei em choque. Não queria que ele tivesse morrido. Não mesmo! Esforcei-me para ficar de pé, o corte do ombro foi o que mais gerou angustia com isso, e arrastei os passos até ele, ignorando o formigar dos músculos, o ardor dos cortes e até mesmo minha dor na cabeça. Ajoelhei perto e observei todo seu corpo peludo inerte. Não parecia o Fiel de antes, mas era ele, algo em mim dizia claramente.

— Esses ferimentos são piores que os seus — a voz da mulher pareceu intrusa no momento, mas chamou minha atenção ao que apontou. Ela abaixou-se ao meu lado, analisando-o sem nenhuma comoção.

Realmente havia cortes ensanguentados e com pouco pêlo e áreas que eu sabia que eram quase brancas estavam escuras por sangue seco e barro, assim como suas partes cinzentas tinham tons mais escuros e pegajosos.

— A pele deste se soltou da carne — ela disse e teve coragem para mover com a ponta do dedo uma estreita camada de couro para sobre o ferimento aberto, fechei os olhos por pura angustia e horror e lágrimas acumuladas escorreram. A dor apertava em meu interior mais aguda que a de meus cortes físicos. Eu não sabia o que havia acontecido, mas eu devia ter feito algo para protegê-lo. Encarei a face cinzenta do lobo deitado de lado na areia, seus olhos fechados faziam-no parecer que estava descansando, então alisei sua testa, sentindo a tristeza instalando-se, porém notei uma sutil expressão de dor com meu toque e me atentei as costelas por tempo suficiente para notar uma respiração entre intervalos longos.

— Ele está vivo! —avisei sorrindo e olhei a mulher ao meu lado. Ela me achou maluco, mas observou mais atentamente.

—Talvez — concordou. — Mas do jeito que está não vai durar mais que duas horas.

Aquela moça era muito insensível! Nada em seu rosto mostrou um sentimento por Fiel ou por mim, pois meu coração doeu com aquelas palavras afiadas e até tive uma falta de ar antes de exigir:

— Tem que ajudá-lo!

— Seria desperdício de trabalho — negou, balançando a cabeça. — Você não está bem e não percebe, mas isso não vai sobreviver. — Com sangue frio, ela puxou a coluna dele, movendo seu corpo, e deu para ver que a areia sob ele possuía sangue acumulado de muito tempo. Depois ela pegou minha mão e colocou no corpo, estava frio. — Viu como é quase gelado? Aqui, onde ele estava deitado, pelo menos devia estar morno. Esse animal já desistiu de curar suas feridas, sabe que não tem o que ser feito. — Ela me encarou, esperando que eu simplesmente aceitasse aqueles argumentos. Não consegui definir a realidade, era sinais verdadeiros do estado critico, mas um grande lado meu não ia aceitar de jeito nenhum, nem que ele estivesse congelado ali há dias, eu precisava dar um jeito de reverter tudo aquilo. — Podemos esperar e ficar com a pele. Aposto que seria quentinha.

Empurrei-a, chocado e meio chorando sem me conter:

—Você não vai fazer isso!

— É só um lobo morto, não tem nada de útil!— e voltamos a nos encarar fixamente. Eu estava infeliz e enfurecido com a ideia e a forma que ela o tratava, mas ao mesmo tempo estava confuso, enjoado e sem força. De repente, a expressão dela ficou confusa: — Porque você sente tanto por ele?

Eu não consegui dizer claramente e logo, então enxuguei o rosto com a mão e voltei acariciar aquela cabeça dura, e até alisei uma das orelhas firminhas e pontudas, tendo saudade de sua temperatura mais quente.

—... Ele estava comigo o tempo todo. É a criatura mais fiel que já me suportou, eu devia ter retribuído e o ajudado... Só precisamos ficar juntos por mais tempo que isso.

A mulher não disse nada, pareceu pensar sozinha e contrariada por longos instantes.

— Não tem outro jeito. Espere-me aqui — levantou-se e saiu andando rapidamente, pondo o capuz sobre a cabeça.

Não sei qual era seu plano e não me importei, voltei a acariciar a pelagem fria de Fiel, pois isso sempre me acalmava. Felizmente o sol ardia, fornecendo algum calor para ele.

Ao pegar uma de suas patas pesadas e largas, o explorado um pouco, ele grunhiu bem fraco e percebi que se dobrava em um ponto muito errado. Angustiei-me e procurei por mais partes quebradas, felizmente era apenas aquela pata e umas quatro costelas, mas devia ser uma dor insuportável. Eu precisava ajudá-lo e lembrei-me de um encanto para concertar ossos baseada apenas em energia, entonação e palavras corretas, mas eu não tinha força suficiente nem para mim, e se o fizesse teria o risco de acessar e usar a energia vital, coisa que o mestre sempre disse que seria praticamente impossível recuperar depois. Entretanto, nunca fui de pensar em consequências, valeu mais saber que traria alivio a Fiel e uma chance melhor dele sobreviver.

Contudo, logo notei que estava sem meu cajado e não tinha o meio de conduzir a magia para o mundo. Foi mais um desespero até que me lembrei do que havia acontecido antes de sairmos de Prata leal em fuga: quando por pura vontade e necessidade a magia chegou ao mundo e atingiu aqueles homens sem precisar de meios. Refleti se conseguiria me concentrar o bastante para fazer aquilo sem precisar do cajado... Era minha única esperança.

Posicionei-me ajoelhado e ereto - a melhor forma de deixar o fluxo de magia livre no corpo. Abri as palmas das mãos para cima, apoiadas nas coxas, e foquei em levar o fluxo de energia para elas, como se elas fossem meu veículo, a porta de saída da força e de minha vontade materializando e moldando a magia.

Na primeira tentativa não consegui nada, apenas me senti um pouco mais fraco. Tive que acreditar que era capaz e prosseguir. Na segunda vez surgiu uma áurea esbranquiçada confusa, formigando em minhas mãos, e com um pouco mais de vontade ela inflamou e flamejou no ar em um tom lilás. Sorri e o fluxo oscilou numa intenção de fugir, obriguei-me a me concentrar. Segurei a pata longa de fiel e comecei a dizer as palavras como sabia, assim como a entonação de cada uma que criaria efeito no fluxo e no foco do encanto. E aconteceu uma coisa diferente dessa vez: minha voz pareceu ecoar no ambiente, em sussurro, em tom alto e em voz normal, mas contido ao nosso redor, rebatendo em todas as direções. Era estranho e interessante, mas tive que dar mais atenção ao que fazia se quisesse que desse certo, ainda mais que sentia o consumo gradativo de energia.

Quase ao fim da oração, ouvi um rosnado baixo e uma mordida sem força em meu pulso. Terminei e vi um olho claro aberto, ainda distante e sem foco, soltou-me depois, voltando a tombar a cabeça na areia. Sorri, perdendo a canalização de magia, mas pelo bom motivo de que aquela reação momentânea no momento que a pata estava inteira era um sinal de vida.

Podia sentir a falta de parte de minha força, mas ainda não tinha terminado. Repeti todo o processo para cuidar das costelas, ele chiou mais, porém estava fraco e só fez barulhos. No fim de tudo, percebi que estava suando frio e meu trauma na testa pulsava mais enquanto meu corpo parecia deixar-se levar na fraqueza, caído meio em cima do lobo. Uma sonolência forte fez meus olhos pesarem. Ao menos estávamos juntos e meu calor o aqueceria mesmo que eu dormisse só um pouquinho, então fechei os olhos.


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Notas finais do capítulo

Novo narrador? Sim!
Vai ter próximo assim? Tô em dúvida!

Teve drama. Teve magia. Teve gente nova. Teve um final incerto? Sim.

Espero companhia e impressões!
Inté qualquer hora.



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