Entre vírgulas escrita por Heloísa Bernardelli


Capítulo 3
Capítulo 2




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— Você tá pensando em sair dessa sala ainda hoje, ou?

Lucjan se sentiu à margem do desequilíbrio, com seu coração alucinado e as mãos tremendo tanto que precisou deixar pela metade o sinal de visto que começara na apostila de um dos alunos. Ergueu os olhos assim que conseguiu, ao encontro do rosto harmonioso de Damian, tão bronzeado que fazia com que os cabelos parecessem ainda mais claros. Ele sorria com os olhos verde-sujos que vinham assombrar Lucjan eventualmente.

Damian tinha aparecido pela primeira vez em junho de 2010, um ano antes de beijar Lucjan, ou ser beijado por ele. Provavelmente nenhum dos dois saberia dizer com certeza. Vinha de Łódź, o que explicava aquele aspecto de cidade agitada que o destoava dos moradores de Tarnów. Contara a Lucjan em uma confraternização – que reunira os profissionais da escola de idiomas semanas depois de sua chegada – que a mudança para o interior tinha sido sugestão do médico do pai, que sofria com crises de ansiedade e pânico já havia muitos anos. Tinham pelo menos três cidades na lista; Tarnów não era a menor e nem a preferida, mas a única onde tinham alguns conhecidos de longa data para ajudarem na adaptação.

Tinha um namorado naquela época. Roman, um ucraniano dois anos mais velho que ele, que por sua vez tinha a idade de Lucjan. Damian costumava dizer que estavam esperando até que o outro concluísse o curso de direito e então sairiam da Polônia para viverem juntos na Noruega, onde o casamento entre pessoas do mesmo sexo havia sido legalizado em janeiro do ano anterior. Em uma quinta-feira fria e desesperançosa de novembro, quando ele e Lucjan tinham decidido se sentar para um café antes de voltar para casa, Damian confessou que não achava que o relacionamento iria muito mais longe do que aquilo. Os trezentos quilômetros de distância de repente pareciam ter dobrado.

Lucjan gostava de ouvir sobre eles. Sobre os primeiros encontros, as crises que atravessaram, os momentos de cumplicidade. Tinha a impressão de que Roman não era o cara incrível que Damian idealizava, mas nunca havia dito nada disso para ele. Na verdade, nunca acrescentava muita coisa. Damian era tão falante quanto Marlena, e Lucjan tinha boa experiência em ser ouvinte. Preferia só escutar, e escutava. Por minutos ou horas, sem nunca se incomodar ou entediar.

Em algum lugar de si, Lucjan sabia que havia algo de atípico na relação entre eles. Se tornaram bons amigos muito rapidamente, e ele não tinha bons amigos desde a época da escola. Mesmo lá atrás, não existia aquela curiosidade ou familiaridade, e nunca havia experimentado o entusiasmo singular que se manifestava diante de qualquer convite que Damian fizesse, fosse o de se estenderem em algum bar ou restaurante depois do trabalho ou uma volta pela cidade para ambientar o recém-chegado. Convenceu-se, sem pensar muito a respeito, de que tudo isso se devia ao fato de que havia muito tempo não tinha com quem contar. Mas teve uma dessas noites, antes do recesso de fim de ano, em que os professores se reuniram em um bar do centro para comemorar os dias de folga que estavam por vir. Todos já tinham bebido demais, e em algum momento Ewelina, a secretária com quem Lucjan tinha mais contato, sussurrara em tom de graça que ele deveria ter cuidado, ou Damian acabaria se apaixonando por ele. "Se já não estiver apaixonado" ela acrescentou.

Lucjan ficara furioso. "Você se apaixona por todos os caras que conhece só porque é hétero?" perguntara a ela. "Somos amigos" concluíra, antes de deixar que Ewelina sequer respondesse, depois a ignorara pelo resto da festa. Acontece que algo naquele comentário tinha tirado sua paz. O suficiente para que tivesse um sonho com o amigo na mesma noite, muito mais romântico e erótico do que gostaria. Perturbado, passara o sábado inteiro tentando afugentar as imagens de sua cabeça, mas elas continuavam a visitá-lo de tempos em tempos pelos próximos dias. E semanas. E meses.

Às vezes, quando estavam só os dois, as conversas seguiam por caminhos estranhos. Lucjan se lembrava de diversas situações em que tinha a impressão de que estavam flertando, mas era só brincadeira. Não era?

Não era. Damian deixou claro naquela noite. A última antes de suas férias. Estava se preparando para aproveitar o verão italiano pelos próximos trinta dias, contou enquanto observava Lucjan guardar o material depois da aula. Tinham combinado de ir comer alguma coisa, mas, como se não pudesse esperar até o fim da noite, Damian confessou de uma vez que iria sentir sua falta. Assim, sem nenhum tipo de preparação. "Vou sentir sua falta enquanto estiver fora."

Lucjan não se surpreendeu imediatamente. Na verdade, a primeira coisa que lhe ocorreu foi que também sentiria falta dele.

Deve ter deixado escapulir, em meio à sua euforia, a memória que antecedia o beijo, porque não conseguia se lembrar de ter tomado a iniciativa, ou de ter visto Damian fazê-lo. Não havia dito nada, e disso estava certo, mas imaginava que algo em si teria oferecido ao outro a permissão que pedia. O que sabia, e sem nenhuma dúvida, é que tinham se beijado. Um beijo repentino e breve primeiro. Depois outro, urgente e passional. O mesmo impulso que os levara para perto os levou para longe. Lucjan, mais apavorado e determinado a se afastar, correu para fora, direto para casa, aliviado por saber que não veria Damian pelo próximo mês.
Mas agora aquele prazo tinha se esgotado.
Damian estava ali, escorado na porta da mesma sala onde tinham, juntos, colocado sua vida do avesso.

— Ei — disparou e, muito depressa, voltou-se para a apostila para finalizar o que estava fazendo. — Como foi a viagem?
— Vamos tomar um café e eu te conto.

Lucjan recebeu aquele convite como a descida inesperada de uma montanha-russa. A mesma onda fria que percorreu sua coluna embrulhou seu estômago.

Tinha chegado mais cedo e trazido a própria garrafa térmica com café. Almoçara uma barra de chocolate para não ter que sair de sua sala. E agora todo seu sacrifício parecia ter sido em vão. Sabia que não podia evitá-lo para sempre, mas esperava alguma sorte em conseguir se esquivar por alguns dias.

— Estava pensando em ir pra casa.

— Lout, vamos lá! — Damian insistiu. — Por minha conta.

Lucjan não tentou outras desculpas. Queria ir, admitiu. Queria desesperadamente poder conversar com alguém sobre o período que estava vivendo. Damian provavelmente o entenderia e teria alguns conselhos a dar. Mas, quando se acomodaram frente a frente em um conjunto de poltronas do café Kawiarnia Sofa, tudo o que aconteceu foi o que geralmente já acontecia. Damian desembalou a falar sobre sua viagem. Contou todos os lugares por onde tinha passado e as comidas que provara. Uma hora depois, Lucjan sabia tantos detalhes que sentia como se tivesse estado lá, junto dele, tomando café da manhã na sacada do hotel em Sestri Levante, se espremendo em um canto de areia na Baía do Silêncio, comendo a melhor pizza do mundo.

Mas então se lembrou de que estivera ali o tempo todo. Vivendo todos aqueles dias ruins que sabia que viriam, e que vieram. Daquele jeito impiedoso que dias ruins têm de se impor. Sem dar a ele tempo para se defender. Começando tão logo que abria os olhos, como se a aflição se sentasse ao lado de sua cama todas as noites e velasse seu sono até a manhã seguinte, quando poderia abraçá-lo outra vez. Lucjan estivera ali, em Tarnów. Fazendo todas as coisas que sempre fazia, sem deixar que ninguém desconfiasse de que estava tentando não gritar. O tempo todo.

— Damian — ele começou quando conseguiu encontrar uma brecha. — Eu queria... O que aconteceu, você sabe, antes de... Antes das suas férias...
— Lout, eu sei — o outro interrompeu. Os olhos dele muito mais estáveis que os apavorados de Lucjan. — Você não precisa... Nós não precisamos conversar sobre isso, ou nos justificar. Eu não vou contar para ninguém. Você tem Marlena, eu tenho Roman. Não vai voltar a acontecer.

Em absoluto silêncio, Lucjan podia sentir seu coração cambalear zonzo no peito. Sua língua estava grudada no céu da boca, e ele não encontrou as palavras que queria dizer.

— Você me disse que tinham terminado — sussurrou, porque era tudo o que tinha de voz naquele momento. — Você e Roman.

— Nós tínhamos — Damian concordou e, como se aquela não fosse uma conversa perturbadora, alcançou sua taça de hidromel e entornou um gole antes de continuar. — Mas já estávamos planejando a viagem há tanto tempo que nenhum dos dois quis abrir mão, então você sabe... Acabamos fazendo as pazes.

— Ele estava com você na Itália?

Embora jamais fosse convencer alguém disso, Lucjan não estava enciumado. Não era esse o motivo daquela angústia gritante. Era, na verdade, o sentimento de ter sido passado para trás. Como se Damian o tivesse convencido de que era uma boa ideia ficarem íntimos a ponto de se envolverem, enfiado todas aquelas incertezas em sua cabeça e coração, feito com que acreditasse que faria falta. Um dia antes de ir viajar com outro cara. A humanidade de Lucjan não deixava que entendesse como Damian não tivera o cuidado de perguntar se tudo havia ficado bem para Lucjan depois do que acontecera. Como se aquele beijo não tivesse sido o suficiente para fazê-lo questionar todos os anos vividos até ali.

— Lucjan, me desculpa — ele murmurou depois de um tempo, e soava honesto em seu arrependimento. — Eu não achei que... Desculpa, eu não queria ter te magoado, eu não achei... Você entendeu errado.

Lucjan viveu sua humilhação em silêncio. Pensou em todas as coisas que queria dizer. Poderia descrever o inferno pessoal que vinha atravessando nos últimos dias. Sobre o término com Marlena. Sobre o medo constante de ser descoberto, e que sua mãe nunca mais voltasse a olhar para ele com o amor incondicional de sempre. Considerou acusá-lo de ter sido irresponsável e desleal em suas escolhas. Mas não tinha certeza sobre nada disso. Tudo parecia muito com um borrão sem sentido, e ele se sentia esgotado antes de qualquer tentativa de organizar seu desassossego em palavras. Quando sua cabeça finalmente se aquietou, e todo seu discurso ofendido foi se acomodando no escuro outra vez, concordou brevemente e se levantou. Sem dizer nada, retirou da carteira sua parte do valor da conta e deixou sobre a mesa.

Damian não pediu que ele esperasse, ou tentou alcançá-lo.

Mas Lucjan já não esperava que ele o fizesse.

—--

Lucjan nem acreditava que aquela semana tinha terminado. Houve um momento entre quarta e quinta que duvidou que isso aconteceria. Não queria admitir, mas agora estava claro que estivera esperando em segredo que as coisas entre ele e Damian tivessem terminado diferentes. Não estava apaixonado, e não era bem disso que se tratava. Sentia, dia e noite desde a conversa embaraçosa da segunda-feira, que tinha desperdiçado sua paz por algo que não parecia ter lado positivo nenhum. Não um que ele conseguisse encontrar imediatamente, pelo menos.

A semana se arrastara. Damian e ele só voltaram a se falar quando a educação exigiu isso dos dois. Normalmente quando se cruzavam na chegada para o trabalho, ou no intervalo entre as aulas ao decidirem encher suas canecas de café. Cumprimentavam-se e às vezes entravam na mesma conversa em grupo, mas pouco se dirigiam um ao outro. Lucjan sentia o olhar de Damian sobre si. Percebia quando queria fazer comentários ou compartilhar piadas internas, principalmente porque ele próprio precisava conter esse impulso. Mas a naturalidade com a qual interagiam antes tinha se perdido, e nenhum deles parecia ter disposição para começar a investir energia em uma amizade que estava fadada à frustração.

— Lucjan, meu bem...

Lucjan foi atraído para fora do Vaticano, descrito cuidadosamente por Dan Brown no livro que estava lendo, direto para dentro dos olhos alegres da mãe, que o espiava através de uma pequena fresta da porta de seu quarto. Ele forçou um sorriso, atendendo ao chamado carinhoso de Liliana.

— Marlena está lá embaixo.

Ele notou, através da reação risonha da mãe, que sua própria reação não havia sido nada comedida.

— Vou dizer a ela que você já está descendo, tudo bem?

Lucjan saltou da cama ao mesmo tempo em que se livrava da camiseta surrada que vestia, para trocar por uma limpa e menos amassada. Calçou depressa o par de tênis e penteou o cabelo com os dedos enquanto fazia o caminho até o piso inferior. As teorias sobre por que Marlena estava ali corriam e se confundiam no alvoroço de sua mente, e ele não teve tempo de chegar a uma conclusão antes de irromper na sala de estar.

A mãe e a ex-noiva ocupavam, lado a lado, o sofá para dois. Nenhuma das duas parecia desconfortável, pelo contrário; estavam entregues ao riso de sempre, cada uma com sua xícara de chá. Por um instante, Lucjan teve a sensação de que aquelas últimas semanas não existiram. Mas então os olhos de Marlena vieram para buscá-lo, e neles reconheceu toda a mágoa que esperava ter desaparecido.

— Bom, vou deixar vocês conversarem! — Liliana se adiantou, empurrando o corpo para fora do sofá e em direção à saída.

— Muito obrigada pelo chá! — Marlena disse, no mesmo tom afetuoso com que sempre se dirigira à sogra.

Lucjan sentiu o carinho da mãe em seu braço quando passou por ele. Imaginou que aquela fosse sua manifestação discreta de apoio, provavelmente porque pensava que os dois acabariam encontrando uma maneira de fazer o relacionamento funcionar de novo, como todas as outras vezes que passaram tão perto de desistir.

Como se não tivesse mais tanta certeza sobre como usar as pernas, Lucjan se aproximou hesitante. O olhar limpo e paciente de Marlena não ajudava. Não que ela parecesse ter a intenção de desconcentrá-lo também. Ela nunca soube de seus pequenos poderes.

— Não se preocupe — Marlena começou enquanto Lucjan ainda decidia onde se sentar. — Eu não contei nada pra ela.
Ele soltou o corpo na poltrona mais próxima, porque de repente se sustentar em pé não pareceu uma opção. Os dois se observaram em silêncio. Lucjan procurando, sem sucesso, o sarcasmo na voz dela. Tudo o que encontrou foi uma sinceridade fria.

— Não achei que fosse contar.

E apesar daquele amontoado de ideias que ele inventara para explicar o motivo que a levara até ali, nem por um segundo aquela hipótese o atravessara.

— Você tem algum compromisso? — E muito antes que ele tivesse a chance de responder, ela continuou: — Vamos dar uma volta.

Pedalaram em silêncio absoluto, como incontáveis vezes antes daquela. A bicicleta de Lucjan sempre alguns centímetros atrás da que Marlena conduzia, porque queria garantir que conseguisse virar a tempo em todas as curvas de última hora que ela decidia fazer ao longo do caminho. Naquele dia em particular, ele poderia até disparar à frente, porque sabia exatamente para onde estavam indo.

O parque Sośnina ficava tão perto de onde moravam que, quando menores, para atender àquela urgência de se sentirem independentes e empolgados, faziam caminhos aleatórios, às vezes se distanciando por quilômetros desconhecidos só para depois retornarem e tomarem uma trilha alternativa para dentro do bosque.

Lá afundavam floresta adentro, ignorando as vielas de cascalho pelas quais o resto do público atravessava. Pedalavam ou, em dias menos preguiçosos, caminhavam por dentro da mata, costurando pelo aglomerado sem fim de árvores de todos os tamanhos. Estavam escorados em uma delas, e uma pena que não recordassem qual, quando Marlena beijara Lucjan pela primeira vez.

Também havia sido por ali os primeiros momentos confusos e curiosos de intimidade, mal acomodados na toalha do piquenique, que de repente era só uma desculpa para desaparecerem juntos até aquele espaço que era só deles – e que não tinha exatamente a ver com o parque, mas com o silêncio que ele proporcionava para que pudessem fingir escapar, por uma fenda, para outro lugar onde só existissem os dois.

Naquela tarde, enquanto ele seguia a bicicleta de Marlena, Lucjan saltava de uma lembrança a outra, vivendo com angústia sua nostalgia.

Parou logo depois dela e observou quieto enquanto Marlena deixava a bicicleta de lado e estendia a toalha colorida que trouxera em sua mochila. Lucjan esperou até que ela se acomodasse e decidisse se queria ou não oferecer espaço para ele, só então se sentou em uma ponta generosa do tecido macio.

Nenhum dos dois disse nada. Lucjan porque achou melhor deixar que ela se manifestasse quando e como quisesse. Ele provavelmente só estava ali para ouvir, de qualquer maneira.

Dividiram a garrafa de água que ela havia tido o cuidado de levar, e só quando já estavam na metade do primeiro pączek — uma espécie de bolo frito que Marlena gostava de rechear com geleia de broto de rosas – foi que Lucjan a ouviu falar pela primeira vez. E, para sua surpresa, não foi nenhuma das coisas pelas quais ele poderia ter esperado.

— Você está apaixonado por ele?
Ele teria dito que não de imediato, caso conseguisse dizer alguma coisa.
Diante do silêncio de Marlena, Lucjan forçou o bolo goela abaixo e lambeu o açúcar dos lábios rapidamente.

— Não.

— Não?

— Não — Lucjan confirmou, seus olhos nos dela.

Pela pergunta e pela maneira como Marlena o encarava, ele esperou a chegada da discussão, mesmo conhecendo a ex-noiva por tempo o suficiente para saber que não era de brigas, mas de monólogos frios e decisivos. Ela diria o que precisava, viraria as costas e eles nunca mais voltariam a se falar.

— Mena, não existe nada entre ele e eu — Lucjan comentou, no tom baixo de quem não tem certeza de até onde ir. — Foi só... Uma vez. Um beijo.

— Bem, você sabe que isso não muda nada, certo? — E ele sabia. — Não muda nada que tenha sido um beijo, não muda nada que seja uma pessoa do mesmo sexo, não muda nada você me dizer que não está apaixonado por ele — ela foi logo dizendo e, embora não parecesse furiosa, também não parecia muito tolerante. — Na verdade, eu meio que esperava que você estivesse, porque isso sim faria alguma diferença.

Lucjan arfou, porque não foi capaz de respirar propriamente enquanto ela falava, quase como se fosse quem estava emendando uma palavra na outra, sem tomar fôlego entre uma e outra.

— Nós fazemos coisas estúpidas quando estamos apaixonados — ela acrescentou, com os olhos voltados na direção do céu, meio espremidos para lidar com a claridade do sol.

— Quando não estamos também.

Mas Marlena não respondeu. Lucjan estava lidando bem com o silêncio de antes, quando ainda não tinham começado a conversar. Agora estava ansioso e apreensivo, mal conseguia controlar os batimentos desengonçados do próprio coração.

— Eu queimaria viva qualquer pessoa que me dissesse que você seria capaz de me trair — Marlena falou, direto do nada e para dentro do peito dele. Tão fria e afiada quanto uma adaga. — Não porque eu ache que sou melhor, mas porque você é. Você sempre foi. — E novamente sem dar a ele tempo para sequer pensar em uma resposta, continuou: — Lucjan, eu nunca duvidei de que você pudesse conhecer pessoas mais interessantes, ou mais atraentes, ou só alguém que de repente, por qualquer motivo, te fizesse mudar de ideia sobre nós dois, mas eu poderia jurar que, se esse dia chegasse, eu seria a primeira a saber. E não depois do beijo.

Lucjan foi passando, uma atrás da outra, todas as justificativas que poderia dar. Nenhuma delas parecia honesta o suficiente. Não podia sentar ali e falar sobre como Damian não chegava aos pés dela, porque, embora ele de fato não chegasse, bem, Lucjan ainda tinha se envolvido com ele pelas costas de Marlena.

Também não sabia se estava pronto para conversar sobre todas aquelas incertezas que o assombravam. Sobre a sexualidade que não conseguia definir. Sobre as decisões confusas que tomara por causa disso. Além do mais, que direito tinha de usar seus conflitos para explicar a traição? Não tinha nada a ver com não ter mais certeza de que era hétero, tinha a ver com a falta de consideração repentina e infeliz. E para isso, para isso Lucjan não tinha qualquer argumento a seu favor. Não queria ter também.

— Eu sinto muito, Mena — ele murmurou, porque essa era a única coisa que poderia dizer. Torceu para que ela soubesse que estava sendo franco. — Eu sei que isso também não muda nada, mas eu sinto muito mesmo. — Com um suspiro nervoso, se forçou a sustentar o olhar concentrado dela. — Eu queria ter dito. Eu queria ter me dado conta do que estava acontecendo, ou do que estava por vir. Meu Deus, Mena, eu daria qualquer coisa para ter tido tempo de evitar.

E Marlena, que nunca era a primeira a desviar, levou os olhos encharcados para longe. Lucjan tampouco soube o que fazer com as próprias lágrimas.

— Não porque eu ache que — e ele precisou parar para escolher as palavras, também para aclarar a garganta. — Não porque eu ache que não aconteceria em algum momento, com ele ou com outra pessoa. Se eu... Se eu realmente for... Se sou... — mas ele não conseguia dizer. Não ainda. — Eu só queria não ter desapontado você.

— Eu também só queria que você não tivesse me desapontado.

— Você acha que algum dia vai me perdoar por isso? — Envergonhado como nunca, Lucjan se arrependeu da pergunta antes mesmo de tê-la concluído.

— Claro que sim — Marlena respondeu, como se aquela fosse a pergunta mais idiota que já tinha ouvido, e não da maneira como Lucjan tinha pensado que era. — Você é meu melhor amigo, Lucjan. Você já era meu melhor amigo antes de ser meu namorado. Eu seria incapaz de desconsiderar isso. Eu só não posso agora — ela alertou, antes que ele se enchesse de otimismo. — Você sabe, nós dois, ainda é estranho e difícil. Mas não é como se eu fosse te odiar pelo resto da vida.

E apesar do inverno rigoroso que vinha atravessando dentro de si, Lucjan sentiu uma onda suave e esperançosa de calor.

Talvez ainda fossem bons amigos algum dia.  


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Notas finais do capítulo

Boa tarde, bebês.
Espero que tenham gostado do capítulo, e de tudo que ainda tem por vir.
Obrigada a todos os que deram uma passadinha por aqui, e aos que pretendem ficar e nos fazer companhia.
Sejam muito bem-vindos, e me contem o que estão achando.
Todo retorno é muito válido!

Xx



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