Entre vírgulas escrita por Heloísa Bernardelli


Capítulo 2
Capítulo 1




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Lucjan contou os minutos e os pisos da estação – os pretos, depois só os brancos. Atendendo à urgência infantil que crescia dentro de si, deixou que seus olhos corressem até o outro lado da sala retangular, onde ficava a TV que informava o horário de saída e chegada dos trens. De onde estava, sem os óculos de grau que nunca usava, e diante do azul enérgico que fazia plano de fundo para o itinerário, quase não enxergou o que as letras brancas e amarelas diziam. Não que realmente precisasse depois dos últimos dois anos em que, sábado sim e outro não, estava ali esperando pelo trem que vinha da Breslávia e que chegava sempre, sem nenhum atraso, às onze e dez da manhã.

Estava a sete minutos de distância de Marlena agora, de seus braços longos e tão finos que era de se surpreender que fossem tão firmes. Os mais inabaláveis que ele conhecia. Lucjan imaginou que quando aquele momento chegasse, e estivesse prestes a reencontrá-la depois das duas últimas semanas de esquiva, ele teria conseguido achar uma maneira de lidar com a bagunça. Ali, enquanto atravessava os segundos que de repente pareciam longuíssimos, pegou-se tropeçando em todas as coisas que Damian tinha deixado fora do lugar; peças soltas e espalhadas que claramente não pertenciam ao espaço original, embora Lucjan não tivesse tido disposição ou tempo o suficiente para encontrar onde que é que se encaixariam agora.

Ela saberia. Marlena perceberia no momento em que colocasse os olhos espertos sobre ele. Talvez não tivesse como adivinhar o que havia mudado, mas nenhuma diferença, por menor que fosse, teria a chance de passar desapercebida. Ela veria através dos tapetes e armários, por baixo das cortinas e camas, flagraria pouco a pouco toda a desordem que ele tinha, sem grande sucesso, tentado esconder.

Por isso seu coração desembalava desesperado todas as vezes que os corredores da estação se enchiam, temendo o momento em que Marlena fosse parte do aglomerado apressado de recém-chegados a Tarnów, e ele tivesse que colocá-la nos mesmos braços que acomodaram Damian outro dia. Deus, só a ideia fazia com que Lucjan quisesse vomitar.

Um riso manso e muito familiar o salvou por alguns segundos do inferno interno que vivia, apenas para jogá-lo lá outra vez com ainda mais força logo depois. Nunca achou que a culpa pudesse doer, não assim fisicamente, mas olhar para o rosto espirituoso de Marlena fez seu coração arder horrorosamente.

— Você estava tão longe — ela disse. — Não quis atrapalhar.

Lucjan não precisou se esforçar para sorrir, mas foi mesmo muito difícil não chorar. Com o carinho de sempre, buscou a mão dela, entrelaçando seus dedos com a familiaridade de quem faz isso há muito tempo. Se levantaram ao mesmo tempo, ele com a mochila da noiva no próprio ombro. Tinha avançado dois passos em direção à saída quando percebeu Marlena ficar para trás. Muito antes de se virar e verificar o motivo que a impediu de o acompanhar, a respiração de Lucjan já não podia encontrar o caminho certo para se completar.

Marlena não disse nada. O olhou com a atenção cuidadosa de sempre. Examinou seu rosto, seus olhos e muito, mas muito além do que podia ver. Depois veio para abraçá-lo. Quieta e afetuosa. Lucjan se perguntou, enquanto se aferrava a ela, se, durante a rápida análise que havia feito, Marlena tinha descoberto exatamente do que ele precisava. Encolhido em seus braços como se fosse muito menor do que realmente era, pensou que sim.

Lucjan conhecia Marlena havia tanto tempo que não conseguia se lembrar de como tinham se encontrado pela primeira vez. Moravam na mesma rua, com um quarteirão de distância da casa de um para a do outro. Também tinham nascido no mesmo mês, do mesmo ano, ela quatro dias antes dele. Não era muito, mas o suficiente para que Marlena se aproveitasse dos privilégios de ser mais velha. Quando criança levava muito a sério. Escolhia todas as brincadeiras, a menos quando decidia que era a vez dele de decidir. Estava sempre tomando frente em todas as situações, e isso foi a acompanhando ao longo dos anos.

Marlena havia sido uma adolescente sem muitos amigos. Os garotos se afastaram porque, na opinião deles, era muito mandona. As garotas fizeram o mesmo logo depois, porque não se identificavam com ela, ou sentiam a necessidade de fingir que não. Lucjan ficou. Às vezes porque se sentia um pouco compelido a isso, mas na maior parte do tempo porque a admirava. Talvez até a invejasse um pouco. A bravura com que enfrentava todos os desafios, pequenos ou grandes, que encontrava em uma esquina ou outra. A segurança que tinha em si mesma, no que dizia, no que acreditava. A maneira como nunca se acovardava, como assumia as culpas que tinha com uma facilidade que muita gente nunca conheceria. Lucjan poderia contar nos dedos de uma mão as vezes em que reconheceu algum receio em seus olhos sempre dispostos.

Não era nenhuma surpresa que tivesse sido ela quem tomara iniciativa entre os dois, embora Lucjan tivesse quase certeza de que tinha sido o primeiro a se apaixonar. Talvez até muito antes do que Marlena. Não achava que ela estava apaixonada quando o beijara, ou quando, atrevida, guiara a mão dele para dentro do próprio sutiã. Tinha a impressão de que Marlena só estava curiosa sobre o que outro corpo poderia causar no seu e tinha o escolhido porque era seu melhor amigo, e provavelmente em quem mais confiava.

Namoraram escondidos por dois anos, dos quinze aos dezessete, embora Lucjan nunca tivesse entendido muito bem por quê. Conversando com Marlena em algum momento depois de muito tempo, descobriu que ela tampouco conseguia entender. Não houve nenhum tipo de surpresa ou comoção quando apareceram de mãos dadas pela primeira vez. Exceto pela mãe dele, Liliana, que mal pudera conter o sorriso satisfeito, ninguém tinha se importado tanto assim.

Tinham crescido juntos. Às vezes em ritmos diferentes, outras em absoluto equilíbrio. Tiveram altos e alguns baixos. Assistiram ao relacionamento esquentar e esfriar o suficiente para descobrirem que fazia parte da rotina e da convivência através dos anos. Ergueram muitos planos, mas só realizaram os pequenos. Alguns ficaram para depois. Sair de Tarnów, a casa com uma cozinha bem grande, os quatro cachorros, esses estavam esperando até que o valor que depositavam todo mês na conta conjunta fosse o suficiente.

Enquanto atravessavam o caminho até a casa de Marlena naquela manhã de sábado, Lucjan pensou que o dinheiro não era mais o problema agora.

Talvez ele próprio não fosse o suficiente.

—--

— Você não me contou sobre o evento — Marlena lembrou em algum momento durante a tarde. Lucjan manteve a atenção no anel de noivado com o qual brincava, tirando e colocando no dedo dela, quase como se estivesse verificando como ficaria sem ele, antecipando sem perceber o término que esperava por eles logo ali, no primeiro momento em que se descuidassem.

— Não foi grande coisa — resumiu, enfezando a parte sua que não concordara em mentir. — E sua semana?

— Dessas que você tem a impressão de fechar os olhos na segunda, e quando abre já é sexta.

Lucjan tentou se recordar qual havia sido a última vez que seus dias passaram depressa. Por um momento, teve a impressão de que nunca tinha acontecido. Que todos aqueles anos antes da primeira sexta-feira de junho não lhe pertenciam mais. Como se tivesse começado do zero no momento em que colocou sua boca na de Damian pela primeira e única vez. Ainda gostava das coisas de sempre, e o mesmo servia para o que costumava detestar. Não era sobre filmes favoritos, ou dormir de bruços. Era de outra ordem. O tipo de mudança tão grande que era impressionante o fato de sua chegada ter passado desapercebida.

Agora havia esse emaranhado confuso de linhas coloridas em sua cabeça, o que era muito diferente dos tons acinzentados que costumava conhecer. Elas às vezes se embolavam em sua garganta como um novelo grande de lã. Outras delas, formavam nós imensos em seus ombros e doíam sem parar. Havia ainda essas noites em que, aproveitando o silêncio insuportável da solidão, enrolavam seu coração e iam se estreitando, o espremendo de maneira sufocante, como se não fossem sossegar até tê-lo rasgado em pequenos pedaços. Lucjan esperava pelo momento em que conseguiria desenroscá-las e separá-las, talvez, com alguma sorte, entender de onde tinham vindo e de que maneira tinham decidido ficar. Dar a elas algum significado. Senti-las, uma a uma, bem devagar. Talvez só assim parassem de incomodar tanto.

Acordava todos os dias esperando descobrir que aquelas imagens faziam parte de um sonho, desses que parecem até muito reais, mas não são. Porém percebia, logo no primeiro sinal de consciência e já com seu coração disparado, que tinham sido reais. Duvidava que algo tivesse sido tão real antes. E talvez esse fosse o motivo daquela sensação de ter emergido. Tudo parecia mais vivo agora. Dentro e fora dele. Os sons, o calor, o toque, mas também o medo, a angústia, o afeto e a falta dele.

Vez ou outra, quando a culpa e a vergonha violentíssimas baixavam guarda, Lucjan se recordava do beijo com prazer inevitável, que, da mesma forma comedida com que se aproximava, se escondia mais tarde, deixando em seu lugar um conflito ainda maior.

— Lout.

O coração dele atendeu apressado ao chamado de Marlena. Não tinha certeza se havia notado o momento em que ela se esticara no degrau onde estavam sentados para colocar a cabeça em seu colo. Os cabelos muito lisos, com aquela cor de chá oolong, espalhados para todos os lados.

— Oi?

— Você está bem?

— Sim — Lucjan respondeu, quase sem deixar que ela concluísse. Pensou em perguntar por quê, mas não saberia o que fazer com a resposta, de qualquer maneira.

— Ok — ela soprou, fechando os olhos e se acomodando um pouco melhor. — Mas você pode falar comigo quando quiser.

Ele sabia disso.

Lucjan sabia disso, porque era com ela que vinha falando desde que aprendera a falar. Marlena era a primeira a saber de tudo. Essa era uma das muitas coisas que não haviam mudado desde a infância. Esconder algo dela tinha sido sempre uma tarefa das mais penosas, e não só porque ela sempre percebia que havia um segredo a ser contado, mas porque ele gostava de confidenciar coisas a ela. Marlena sempre sabia o que dizer, e ela quase sempre sabia também o que fazer.

Ele cansou de imaginar um espaço paralelo, onde seriam só melhores amigos e ele teria a chance de colocar todas as suas incertezas sobre a mesa. Deixar que ela olhasse uma por uma, as analisasse de perto com o cuidado de sempre. Oh, Marlena certamente o ajudaria a encontrar a melhor maneira de lidar com aquele período.

Mas não pertenciam àquele lugar. Não eram só melhores amigos. Ele a tinha traído duas semanas atrás, e todos os outros dias depois daquele por ter escolhido não lhe contar.

O que faria agora?, pensou enquanto lhe assistia dormir o sono frágil da tarde. Ainda a amava. Deus, a amava exatamente como havia amado todos aqueles anos, mas de repente conseguia ver um outro aspecto no sentimento que nutria por ela. Talvez aquele não fosse o amor que ela esperava dele, no fim das contas. Não o amor de alguém que poderia esperá-la no altar, mas o amor de alguém que pudesse talvez levá-la até lá. Como um irmão, ou o melhor amigo que era.

Agora que sabia disso, o que faria então com o amor que vinha dela? Ou a paixão com que costumava beijar sua boca? Com o atrevimento displicente nos olhos quando se despia para ele? O que ainda havia para oferecer?

Marlena tinha acabado de acordar quando os pais vieram se juntar a eles na varanda dos fundos para o chá da tarde, que no verão se tornava um copo gelado de suco de cassis bem gelado. Os dois eram muito silenciosos, o que soava sempre estranho quando se considerava o fato de terem criado Marlena, uma criatura falante e espontânea desde a infância. Embora os conhecesse a vida toda, Lucjan se lembrava de poucas vezes em que tinha tido conversas longas e sólidas com Leon. Com Marta, isso nunca havia acontecido. Ela nunca se manifestava, e às vezes passava a impressão de não estar mesmo ali. Os olhos sempre muito frios e distantes, como se nada no mundo fosse interessante o suficiente para atraí-los.

Marlena achava que era porque a mãe tinha perdido a irmã gêmea quando ainda eram muito pequenas. A família não tivera condições de se preparar e se defender dos dezessete graus negativos que havia feito certa noite, e Eleonora, a menos saudável de todas as crianças, não conseguira sobreviver à hipotermia.

Lucjan gostava de assistir a Marlena usar todos os artifícios para despertá-los. Ela sabia exatamente qual caminho tomar para arrancar do pai algumas poucas palavras. Já com Marta, ela nunca tinha muito sucesso, mas em todos aqueles anos ele nunca a tinha visto parar de tentar.

Começou a se despedir logo que esvaziou seu copo de suco, prometendo que voltaria antes que o sol tivesse a chance de se pôr completamente, o que no verão polonês significava algum momento entre as sete e as nove da noite.

No "quarteirão do meio", que era como chamavam a quadra que separava a casa de Marlena e a dele, Lucjan cedeu ao pedido aflito de seu corpo trêmulo e sentou-se no meio fio. Levou a mão sobre o peito, como se quisesse tentar amansar seu coração com a palma. Estava entre os dois únicos lugares onde costumava se sentir seguro, e naquele momento desejou que não precisasse voltar para nenhum deles.

—--

Lucjan segurou os olhos fechados, contrariando a urgência de abri-los. Também precisou se concentrar para não acabar afastando mais do que aproximando Marlena. O corpo dela, o mesmo de sempre, malicioso por natureza, vinha se aninhando ao seu, buscando pelo calor que costumava encontrar, mas não aquela noite. Não mais pelas próximas que viriam.

Talvez se insistisse, pensou Lucjan. Talvez ainda tivesse restado alguma paixão. Não parecia possível que, da noite para o dia, tudo tivesse ido embora. O desejo tinha ficado meio velho e preguiçoso ao longo dos anos, e disso ele sabia, mas nunca a ponto de se tornar um problema. Não quando o desejo de Marlena continuava jovem e enérgico, exatamente como aos dezesseis anos. E embora soubesse não ser dever dela, e sentir-se absolutamente idiota por isso, Lucjan torceu para que ela conseguisse ir buscá-lo onde quer que Damian o tivesse deixado.

Mas nada aconteceu enquanto a boca da noiva investia na sua, nem mais tarde quando as mãos espertas dela vieram brincar sob as mechas de seu cabelo, daquele jeito que costumava despertá-lo por completo. O querer que já estava atrasado nunca chegou. A pressa em seu coração não tinha nada a ver com a expectativa de descobri-la embaixo do vestido de verão. Foi quando Lucjan percebeu, e agora sem nenhuma dúvida, que não poderia ir adiante. Marlena pareceu se dar conta logo depois, ou de repente logo antes. Foi também quem primeiro desistiu do beijo.

Sem coragem para abrir os olhos, Lucjan deixou que o rosto fosse se refugiar na curva escura do pescoço dela, onde escondeu os olhos encharcados e a primeira de todas as lágrimas. Marlena o segurou com força, como se nunca fosse deixá-lo ir. Gentil e silenciosa, o consolou durante o tempo que durou sua agonia. Sentia-se exausto quando a percebeu se afastar e, como ela havia pedido, esperou ali, deitado do lado direito da cama dela, que era o seu lado.

Precisava contar, decidiu com uma bravura oscilante que desapareceu pouquíssimo depois. Como diabos transformaria aquela confusão em palavras que fizessem sentido? Como falaria a ela sobre uma verdade que ele próprio desconhecia?

— O que houve, kochanie? — Marlena perguntou depois de assistir-lhe beber em goles longos e rápidos toda a água que ela tinha trazido. Sentada em seu colo, de frente para ele, se desfez do copo para poder segurar suas mãos.

Lucjan, com o pouco de determinação que encontrou, ergueu os olhos encharcados outra vez. Seu coração afundou no peito e ele sufocou no pavor incrível que o atravessou ao pensar que aquela seria sua última revelação de todas as que já fizera a Marlena. Não estava preparado para enfrentar uma vida inteira sem ela. Ora, não estava preparado para viver um dia que fosse sem saber que poderia correr de volta para seus braços familiares.

— Lucjan — ela chamou, e agora com as mãos em seu rosto. O olhar destemido de sempre, como se nada pudesse afugentá-la. — Kocham cię ­— ela soprou. — Eu amo, amo você — repetiu, sem nunca deixar qualquer espaço para dúvidas. — Nada do que disser vai mudar isso ou me fazer ir embora. Eu prometo.

— Você está enganada — Lucjan garantiu sob o fôlego. — Eu não queria que estivesse, Mena, mas você tá.

— Deixe que eu me preocupe com isso.

Lucjan a olhou, escondido no próprio silêncio. Mesmo do outro lado da camada grossa de lágrimas que cobria seus olhos, Marlena se parecia com a pessoa da sua vida. Só não da maneira como ele havia acreditado todos aqueles anos. Não como ela própria planejava. A amava como nunca tinha amado ninguém antes, e não tinha certeza sobre quem viria depois. Tudo o que sabia era que estava prestes a perdê-la, mas talvez, concluiu, ele nem a merecesse por perto no fim das contas.

— Não posso me casar com você.

Marlena não soltou suas mãos ou fez menção de se afastar. Ainda estava tão próxima dele que precisava escolher seus olhos um de cada vez, saltando entre um e outro para não perder nenhum deles de vista. A respiração, por outro lado, pareceu se confundir no caminho e acabou escapando em uma lufada só, soprando o rosto apreensivo de Lucjan.

— Certo — ela sussurrou, ou ele leu em seus lábios, não tinha bem certeza. — Quando... Percebeu isso?

Com a mesma rapidez com que conseguiu reunir as palavras, Lucjan as perdeu na completa bagunça que fez de si mesmo. Pensou em mentir. "Não sei" parecia uma boa resposta. Talvez devesse inventar qualquer coisa que soasse convincente, e que não fosse arruinar a relação de amizade e cumplicidade entre eles. Mas então se lembrou de todas as vezes, e foram muitas, que Marlena exigiu dele um pouco de coragem.

— Eu beijei outra pessoa — e, antes que pudesse organizar o que diria ou perder a determinação outra vez, despejou —, um cara.

Marlena tomou distância. Imediata, mas sutilmente. Não como se tivesse sido atingida por uma verdade repentina bem no meio do peito – o que, na realidade, era o que tinha acontecido –, mas como quem precisa se afastar para poder analisar algo que, de muito perto, não se consegue ver por inteiro. Lucjan sentiu o olhar dela o examinar, e toda facilidade natural que tinham de se comunicar em silêncio pareceu ter desaparecido. Não fazia ideia do que ela estava pensando, nem se sentia capaz de prever o que ela faria. Não havia nada, nenhum sinal do que estava sentindo. Parecia dormir de olhos abertos. Nada de rugas na testa ou qualquer movimento dos lábios. Marlena não disse nada, e não iria dizer nada, ele se deu conta. Mas não pensava ser um direito seu esperar ou pedir alguma coisa dela naquele momento, ou em qualquer outro a partir dali.

Lucjan tirou as mãos suadas de dentro das dela e, sob nenhum protesto, se levantou da cama. Seu corpo tremia violentamente, contrariado, apavorado. Não tinha nada a ver com o quarto, mas sair dele exigiu de Lucjan um esforço extraordinário. Destrancou e abriu a porta lentamente, e com ainda menos pressa passou para o lado de fora. No corredor, espiou Marlena através da fresta que restara, pouco antes de não haver mais nenhuma. Ela continuava de costas, ajoelhada no colchão e sentada sobre os calcanhares, os braços longos o suficiente para abraçar o próprio corpo.

Lucjan chegara a acreditar que seria incapaz de magoá-la.

Tinha acabado de destruí-la.


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