— Eu conheci uma pessoa. – a confissão veio em tom baixo e firme, conseguindo atrair o olhar do homem à sua frente, curioso e atônito.

A briga de semanas atrás havia sido resolvida, mas o estrago feito foi quase permanente e não estava sendo fácil reparar. Se perdoaram, se encontravam e saíam algumas vezes, mas somente porque ambas as partes concordaram com um termo imposto: seria apenas amizade, por hora.

Katsuya aceitou o acordo sem contestar. O erro maior fora seu, magoou Mikaru, abalou sua confiança e levou o namoro ao término. Era melhor recomeçar do zero, como amigos, do que perder qualquer contato com o namorado. Contudo, com o passar do tempo, por mais que Mikaru tivesse dito que não ia afastá-lo, ele também não era obrigado a aceitar todas as suas investidas e isso fez Katsuya começar a se incomodar com a situação. Mesmo que se vissem e conversassem mais, sentia que não estavam avançando a partir daquele ponto e tinha receio da relação estagnar ou regredir.

Contudo, o novo emprego lhe trouxe algumas novidades, o fez conhecer novas pessoas e ele era um jovem bonito e educado. Não seria difícil encontrar alguém interessado.

* * *

Mikaru não tinha a menor ideia do que fez no restante do dia após ter aquela conversa. Não se lembrava nem de responder ao rapaz. Podia tê-lo mandado embora ou desejado felicidades pois, àquela altura, não faria diferença. Voltou a si quando sua secretária bateu à porta do escritório, perguntando a respeito de alguns documentos que deixou mais cedo para assinar. O empresário vasculhou a mesa atrás do que a moça procurava, mas não sabia onde havia colocado, ou pior, não sabia o que devia encontrar e muito menos se havia assinado.

Em todos aqueles anos que cuidava da empresa que anteriormente pertencia ao pai, era a primeira vez que se sentia tão desleixado, deixando um problema pessoal afetá-lo ao ponto de esquecer de cumprir suas atividades.

— Kojima, precisa desses papéis hoje? – a situação já estava ruim e sentia seu orgulho pisoteado. O que custava se humilhar mais e deixar sua incompetência à mostra?

— Posso imprimir outra via. Não é nada tão urgente que não possa esperar. – a moça caminhou para a saída, parando ao chegar à porta, virando novamente na direção do chefe, hesitando um instante antes de falar o que lhe veio a mente – Se me permite a intromissão, vá para casa descansar. Não sei o que Kurosaki-kun veio conversar, mas está visível que ficou abalado. Tire a tarde de folga.

— Eu te contratei para ser minha secretária, não uma babá. – a resposta veio em tom ácido, mas Noriko sequer ficou abalada – Me traga os papéis agora.

— Amanhã cedo eles estarão na sua mesa, Kazunari-san. Não quero ouvir reclamações do jurídico depois por tópicos que você não leu direito. Quanto ao extra de babá, posso abusar dele um pouco mais e ligar para Shiroyama-san? Acredito que será bom conversar com um amigo de confiança. Ou prefere que eu chame apenas o motorista para levá-lo para casa?

Mikaru pensou em retrucar novamente, mas sabia que não ia adiantar. A moça trabalhava consigo há tempo o suficiente para saber como agir e até onde podia ir. Negou com um aceno, dispensando-a com um gesto.

— Eu mesmo ligo pra ele. Remarque os compromissos da tarde.

— Sim, senhor.

* * *

Mikaru não queria pisar na cafeteria tão cedo, mas Takeo disse estar saindo de uma aula e que passaria lá para um lanche e o convidou para comer também. A ideia de ir num local onde Katsuya frequentava o desanimou, mas não ia começar a se esconder. O ex-namorado que fosse para outros lugares se não quisesse ser visto.

Como era de se esperar, a recepção no café não foi das melhores, mas àquela altura, já não se incomodava em tentar aproximar dos funcionários. Não foi direto até uma das mesas, mas sim ao balcão, pedindo um café e perguntando se Shiroyama havia chegado. Duvidava que alguém ali fosse atendê-lo como faziam com os outros clientes, afinal ele era o chefe-carrasco.

Pegou a bebida e se sentou no meio do salão, onde poderia observar o movimento ao redor e também a entrada e saída de pessoas, evitando assim pedir para ser avisado da chegada do amigo.

Não queria assumir que sua secretária estava certa, mas conversar com alguém de confiança seria bom e Takeo era a pessoa ideal. Ele podia ser brincalhão, irresponsável e galanteador, mas era um bom amigo. Infelizmente, pontualidade não era o seu forte e o fez esperar por quase uma hora.

— Foi mal, acabei pegando trânsito e queria passar numa loja antes que fechasse. Quando percebi, estava distraído na seção de guitarras. – foi a desculpa que recebeu quando Takeo chegou, sorrindo despreocupado.

— Você já tem uma coleção delas, para que mais uma?

— Na verdade eu só precisava de cordas e quatro não é uma coleção. – reclamou fazendo bico, logo voltando a ter uma postura mais séria. Takeo não costumava dar voltas quando falava com Mikaru pois conhecia o amigo e sabia que ele gostava de ir direto ao ponto – Você disse que precisava conversar. O que houve?

— Ele terminou comigo.

— Katsuya? Mas vocês tinham voltado? Pensei que ainda estavam testando a nova amizade e os avanços.

— Bom… sim, acho que esse foi o problema. Ele não gostou da fase de teste e resolveu que não queria mais.

— Não era você que sempre resmungava que ele era bom demais e que uma hora ia enjoar e procurar alguém melhor? Parece que você acertou, exceto que eu acho que você é melhor que ele. Não pode obrigá-lo a ficar com você. Segue em frente! Tem outras pessoas boas por aí pra conhecer.

Mikaru olhou para Shiroyama abismado e em dúvida se entendeu direito a sugestão. Seguir em frente? Ele não devia incentivar procurar o ex para conversar e ver se o relacionamento tinha salvação? Não era Takeo quem brigava com o namorado diversas vezes, mas acreditava existir um meio de tentar consertar os erros e melhorar?

— Talvez você tenha razão. – concordou por fim, cansado demais para discutir – Só não sei se tenho ânimo para isso. As poucas pessoas que me conhecem não gostam muito de mim.

— Por isso a oportunidade é boa! Você pode conhecer gente nova e mostrar como é de verdade desde o começo, sem máscaras ou receios. Se a pessoa corresponder, vai ter certeza que gosta de você do jeito que é!

— Não sei, Shiro… – Mikaru suspirou frustrado e teria argumentado mais se não tivesse visto Hayato parado na entrada do salão da cafeteria. O sócio olhava fixo na direção dos dois e era possível que criasse mil situações em sua cabeça, onde Takeo o traía em todas elas e a culpa sempre seria sua. Era melhor evitar mais confusão amorosa – Eu preciso ir. Obrigado por me ouvir.

— Já vai? Nós mal conversamos!

— Sim, eu saí da empresa sem avisar e você me fez esperar muito. Preciso voltar antes que minha secretária comece a me ligar. – e daí que estava mentindo? Na verdade nem precisava dar satisfações, mesmo que fosse para o melhor amigo. O que realmente precisava agora era um tempo sozinho para pensar na situação.

Por mais que Mikaru repetisse diversas vezes que Katsuya perceberia algum dia que era um engano os dois estarem juntos, lá no fundo ele sabia que dizia aquilo só da boca para fora. Ter alguém como aquele rapaz em sua vida era um milagre. Katsuya havia errado sim, o magoou muito, mas ainda era uma boa pessoa, que gostava e se importava com ele. Devia ter dado valor, mas agora era tarde demais.

O que não entendia era o motivo dele ter desistido de uma hora pra outra. Na sua concepção, estavam indo bem, até melhor do que antes do término, mesmo que não estivessem mantendo nenhum tipo de contato muito íntimo. Conversavam sobre assuntos que antes incomodava os dois, entendiam o ponto de vista um do outro, alguns de seus receios… Talvez esse avanço tenha sido apenas coisa da sua cabeça.

Se Katsuya havia conhecido outra pessoa, foi por ter dado brecha, por estar procurando conhecer gente nova e, pelo visto, havia encontrado alguém bom o suficiente para substituí-lo.