Os Treze Guardiões escrita por Miss Lidenbrock


Capítulo 3
O Canto Indígena




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— Segundo o meu primo, a sala é no final desse corredor – disse Leo, saindo na frente enquanto nós o seguíamos.

Suspirei, impaciente. A sensação era de que estávamos andando havia horas. E, a cada mínimo ruído que eu escutava, temia que fossem os guardas ou a professora prontos pra nos pegar no fragla. Estávamos tentando ser silenciosos – tão silenciosos quanto doze adolescentes em um museu silencioso podiam ser – mas qualquer movimento em falso podia nos ferrar.

Além disso, eu estava com uma sensação estranha. Como se estivéssemos sendo seguidos. No entanto, toda vez que eu olhava pra trás, o corredor continuava vazio.

Virei o rosto e percebi, com surpresa, que Ricardo estava ao meu lado, me encarando. Ele deu um sorriso hesitante, e com os lábios, formou a palavra “calma”. Observei enquanto sua mão se movia para alcançar a minha, dando-me um aperto tranqüilizante.

Sorri, sentindo um calor agradável se espalhar através de sua mão na minha. De repente, todas as minhas preocupações pareciam bobas.

— Chegamos – anunciou Leo.

Ergui os olhos. A porta era bastante simples, alta e de madeira pintada de branco, com uma placa de vidro com a frase “somente pessoal autorizado” impressa. Não era exatamente um lugar que parecesse guardar um artefato antigo e valioso.

— Ok, cadê a chave? – Leo perguntou, estendendo a mão para Renata.

Ela retirou o molho de chaves, cujo tilintar produziu um eco no corredor vazio.

— Resta saber qual é – murmurou.

— Deixa com a gente – Paulo disse de repente, tomando as chaves da mão de Leo. Ele e Daniel examinaram o molho de chaves durante uns dez segundos, para então escolherem uma.

— Essa aqui, com certeza. – disse Paulo.

— É – concordou Daniel – Tem o formato ideal pra encaixar na fechadura.

Todos nós tiramos um momento pra encará-los.

Paulo deu de ombros.

— Já arrombamos muitas portas.

— Certo – Leo pigarreou – Aqui vamos nós.

A porta se abriu num clique, e todos praticamente nos acotovelamos pra entrar. A sala era surpreendentemente pequena, o que fez com que ficássemos um tanto apertados ali.

Na outra extremidade da sala havia uma mesa comprida com tampo de vidro, iluminada por duas pequenas lâmpadas internas.

— Bom, só pode ser isso – comentou Pâmela.

Todos nós nos aproximamos devagar da mesa, como se estivéssemos pisando em um campo minado. Eu fui uma das primeiras a se inclinar, a curiosidade ardendo.

No centro da mesa, havia uma espécie de rocha, grande e marrom. Era redonda em baixo, mas se afunilava para cima, formando uma espécie de triângulo. Em volta dela haviam uma série de entalhes, uma espécie de desenhos rupestres. Apertei os olhos, tentando decifrar o significado.

Do meu lado, Leo fez um muxoxo.

— É isso? — resmungou – Todo esse barulho por causa de uma pedra?

— Tenho que dizer, to meio decepcionada – falou Gisele.

— Eu também, considerando que arriscamos nossa pele por causa disso – murmurou Samir.

Eu, por outro lado, me senti meio hipnotizada pela pedra. Senti um impulso estranho de tocá-la, embora houvesse uma tampa de vidro entre nós.

Com o canto do olho, percebi que Eric parecia tão interessado quanto eu, passando a mão no vidro como se tocasse a pedra.

— Olha só esses desenhos... – murmurou – O que será que significam?

— Talvez soubéssemos se tivéssemos prestado atenção na palestra – murmurou Bernardo.

— Ei, tem mais alguma coisa aqui – falou Gisele.

Todos fomos para o lado dela. Na outra ponta da mesa, haviam três papéis, um ao lado do outro. Gravados neles havia o que parecia uma linguagem muito, muito antiga. Por algum motivo, senti um arrepio ao olhar pra eles.

— Parece uma espécie de pergaminho – falou Ricardo.

— Será que é uma língua indígena? – perguntou Renata, erguendo as sobrancelhas.

— Não sabia que os índios daqui tinham uma linguagem escrita... – Samir franziu a testa.

— Não é indígena – uma voz falou de repente, nos fazendo pular.

Virei, espantada, Sofia estava atrás de nós, os olhos fixos nos papéis. Ela tinha estado tão quieta que eu quase esquecera que ela estava com a gente.

— Como assim? – perguntei – Você conhece isso?

Sofia não respondeu. Parecendo em transe, ela se aproximou da mesa, e, diante de nossos olhares chocados, ergueu o tampo de vidro, pegando os papéis em suas mãos.

— Hã... Não acho que nós devíamos tocar nisso – comentou Samir, parecendo nervoso.

— Sofia, isso é muito frágil – disse Gisele, alarmada – Se rasgarmos, podemos entrar num problema sério.

— Que lindo. A esquisita vai ferrar todos nós – resmungou Pâmela.

Mas Sofia mal pareceu ouvir. Olhava fixamente o papel, passando levemente o dedo pelas palavras.

— Eu acho... Que consigo entender – sussurrou ela.

— Você tá brincando, não tá? – Paulo perguntou, as sobrancelhas erguidas.

Sofia balançou a cabeça. E após um tenso momento de silêncio, ela começou a ler.

As palavras definitivamente não eram em nosso idioma, em vez disso, pareciam uma língua muito, muito antiga, e do modo como Sofia lia, parecia quase cantado. De alguma forma, o som das palavras me remetia a florestas, quedas d’água e a uma época muito, muito antiga.

De repente, a sala inteira pareceu começar a girar. Um vento forte começou a açoitar meu rosto e meus cabelos, embora ali não houvesse nenhuma janela pela qual ele pudesse entrar.

Um calor começou a se espalhar no meu peito, mas não do tipo agradável. Era mais como se alguém estivesse enfiando um cabo de aço fervente dentro de mim.

Então, tão subitamente quanto começara, Sofia parou de ler.

O vento cessou. O calor no meu peito sumiu, como se nunca tivesse estado ali. Olhei em volta, e todos ali espelhavam a expressão perplexa que provavelmente estava no meu rosto.

— Então... – Paulo começou – Mas que porra foi essa?

— Sofia? – Gisele murmurou, colocando gentilmente a mão no ombro da menina. – Você tá bem?

No mesmo instante, Sofia desabou. Samir rapidamente a agarrou pelos ombros, antes que caísse no chão.

— Sofia! – Renata exclamou, sacudindo-a pelos ombros – Pelo amor de deus, garota, reage!

Lentamente, como se estivesse despertando de um longo sono, os olhos de Sofia se abriram.

— O que... – ela balbuciou, confusa, com todos nós a encarando ansiosamente. – O que aconteceu?

— Bem... – Renata falou lentamente – Nós meio que estávamos esperando que você dissesse.

— É – concordou Leo – Que diabos foi aquilo?

Sofia apenas corria os olhos de um rosto pro outro, parecendo confusa.

— Do que vocês estão falando.

Eu me abaixei, recolhendo os pergaminhos que haviam caído no chão com o desmaio de Sofia.

— Disso aqui – falei – Você acabou de ler essas pergaminhos de sei lá quantas centenas de anos.

Os olhos dela se arregalaram, como se eu tivesse acabado de falar que assassinava gatinhos no tempo livre.

— Não li, não!

— Leu, sim – disse Daniel – E foi assustador pra caralho, por sinal.

— M-mas... – ela gaguejou – Mas isso é...

De repente, um barulho forte de batida interrompeu o que quer que Sofia fosse dizer. Todos viramos para trás com um susto.

Leo estava empurrando alguém contra a parede, cuja silhueta estava oculta pela falta de luz.

— Olha só – exclamou ele – Parece que temos um passageiro clandestino.

Ele deu um passo pro lado, revelando o rosto da pessoa que ele empurrava.

Eduardo? — exclamou Gisele.

E eu achando que a coisa não podia ficar pior.

— Ah, merda.

*                                                 *                                                   *

— Você seguiu a gente até aqui, seu merdinha? – Leo rosnou, pressionando Eduardo ainda mais contra a parede. O menino estava tão roxo que eu temi que fosse sufocar.

Entretanto, minha cabeça ressoava num coro de droga, droga, droga.  Se o Eduardo nos delatasse, estávamos ferrados.

— Quando eu vi vocês saindo do auditório, sabia que tinha alguma coisa errada – grasniu ele, tentando falar apesar da mão de Leo apertando seu pescoço. – Vocês nem notaram quando segui vocês até aqui.

Aquela sensação de que estávamos sendo seguidos. Sabia que não devia ter ignorado.

— Vocês estão muito ferrados – continuou ele, a expressão triunfante, o que era impressionante considerando que ele estava quase sem ar. – Invadiram uma área restrita do museu. Isso pode dar até cadeia. Quando eu contar pra professora...

— Ah, mas você não vai mesmo – Renata interrompeu, surgindo de algum lugar atrás de mim. – Você veio aqui com a gente. É tão culpado quanto nós.

Aquilo acendeu uma faísca de esperança no meu peito.

— É – continuei, animada – Você podia apenas ter avisado a professora quando nos viu sair, mas em vez disso preferiu seguir a gente. Você não tem justificativa.

— Que vergonha... – Pâmela debochou – O que a titia querida vai pensar?

O rosto de Eduardo ficou tão pálido que eu temi que ele fosse desmaiar. Ele encarou a cada um de nós com ódio. Seu rosto era todo ângulos, bochechas encovadas e nariz pontudo, e parecia ficar ainda mais acentuado naquela expressão.

— E tem mais – continuou Leo, ainda pressionando-o contra a parede – Se você abrir o bico, vou te cobrir de porrada.

— Eu ajudo – disse Eric, os braços cruzados, ressaltando os músculos.

— E a gente filma e bota no Youtube – comentou Paulo.

Eduardo não falou nada, apenas encarou os gêmeos com nojo.

— Muito bem – disse Leo, finalmente soltando-o – Acho que estamos entendidos, então.

Eduardo ajeitou a camisa, olhando pra nós com o rosto vermelho de raiva.

— Vão se foder, seus delinqüentes – cuspiu – Ainda vou fazer com que vocês todos sejam expulsos.

Sabe – Ricardo comentou, calmamente – Você podia arranjar alguns amigos se não fosse tão babaca.

Eduardo empalideceu. Claramente aquele era um assunto delicado pra ele.

— Chega. Vamos embora – disse Gisele, parecendo exausta – Já passamos tempo demais aqui.

Ninguém discutiu com isso. Leo se adiantou e abriu a porta da sala, e todos nós ficamos aliviados ao ver a luz do corredor. Mas o alívio só durou um minuto.

— Caramba. Ainda bem que conseguimos nos livrar... – Samir começou, sorrindo, mas sua voz morreu subitamente ao olhar pra frente.

— Se livrar de quê, Samir? – A voz da professora Kátia se ergueu diante de nós.

Meu sangue gelou. A professora estava na nossa frente, ladeada por dois guardas imensos com expressões severas no rosto.

Suspirei.

O fim perfeito pra uma excursão perfeita.

  *                                    *                              *

Meia hora depois, o escritório da diretora estava lotado.

Eu estava pressionada contra a parede, pensando em quão estúpida tinha sido em invadir uma ala proibida do museu. Eu teria sorte se não fosse estúpida.

A diretora inspirou fundo, parecendo muito cansada. A professora Kátia estava de pé ao seu lado, os braços cruzados, a expressão muito séria.

— Vocês tem idéia da gravidade do que fizeram? – perguntou a diretora, nos encarando com o olhar grave por trás dos óculos. – Se fossem maiores de idade, receberiam punições severas. Poderiam até parar na cadeia.

Engoli em seco. Todos pareciam incrivelmente desconfortáveis, todos com um ar de culpa. Até os gêmeos estavam incomumente calados.

A professora Kátia balançou a cabeça, parecendo indignada.

— Quando percebi que todos vocês tinham saído, imaginei que houvesse algo errado. – disse – Mas imaginei que estivessem matando a palestra do lado de fora do museu. Mas então um guarda apareceu dizendo que todas as chaves haviam sumido da portaria. Então eu soube. – ela suspirou – É inacreditável. Até você, Eduardo, pelo amor de deus.

A expressão de Eduardo era de quem estava vivendo um pesadelo. Ele parecia incapaz de olhar a tia nos olhos. Eu podia apostar que era a primeira vez que ele vivia uma situação dessas.

— Francamente, estou decepcionada – disse a diretora – A maioria de vocês são bons alunos, e, sinceramente, não esperava ter de lidar com uma situação dessas de nenhum de vocês. Vocês tem idéia do que isso significa para a reputação da escola? E para a sua professora? Ela era responsável por vocês nessa excursão, e vocês desobedeceram a autoridade dela.

Uma onda de culpa varreu a sala inteira. Em nenhum momento eu havia pensado que poderia prejudicar a professora.

— De quem foi a idéia de invadir a sala? – perguntou a professora, levantando a voz. – Quem começou tudo isso?

Todos olharam para baixo, evitando encontrar o olhar um dos outros. Por mais que eu não quisesse me encrencar, não seria eu a delatar ninguém. Nem Eduardo abriu a boca.

— Não importa – disse a diretora, por fim – Todos participaram, todos são responsáveis. Portanto, todos devem ser punidos.

Todos suspenderam a respiração, aguardando a sentença.

— Estão todos suspensos por três dias – sentenciou a diretora – E, claro, terei de contatar seus pais.

Engoli em seco, prevendo a conversa com minha mãe na volta pra casa.

Uma série de murmúrios preencheu a sala. Alguns protestaram, mas a maioria parecia conformada com a situação. Eu senti como se uma pedra caísse no meu estômago.

— Sem contestações – bradou a diretora, voltando em seguida o olhar para Leo – Leonardo, eu deveria suspender você do time, mas, para sua sorte, vou deixar passar desta vez. As finais estão chegando, e não podemos perder a chance de ganhar esse maldito campeonato pela primeira vez em dez anos.

Um largo sorriso se abriu no rosto de Leo.

— Muito obrigado, diretora – disse. A diretora o encarou com um olhar gélido, e seu sorriso imediatamente morreu.

Eu, porém, mal prestei atenção. Meu coração retumbava nos ouvidos. Minha mãe mal tinha condições de pagar o colégio, então eu havia conseguido uma bolsa parcial, que dependia de boas notas e de bom comportamento. Agora, com essa suspensão...

— Quanto ao resto de vocês – continuou a diretora – Espero que usem esses três dias pra refletir sobre o que fizeram.

— Espera, diretora – interveio Samir – Nós temos prova de geografia amanhã. Como vamos...

— Creio que todos vocês terão de pagar a segunda chamada – a diretora deu de ombros.

Suspirei. As provas de segunda chamada eram caras. Não era um dinheiro que eu podia me dar ao luxo de gastar. Mordi o lábio, já visualizando a cara de decepção da minha mãe.

— Dispensados – disse a diretora, indicando a porta com a mão.

Todos saíram em grupo, conversando baixo entre si. Eu estava prestes a segui-los, quando a voz da diretora se elevou:

— Lorena, espere um minuto.

Fechei os olhos por um segundo antes de me virar. Era agora.

— Sim?

A diretora suspirou, tirando os olhos e esfregando os olhos, o cansaço visível no rosto.

— Você é uma boa aluna – disse ela – Suas notas são boas, e, até hoje, você não tinha nenhuma infração na sua ficha. Portanto, não vou suspender sua bolsa.

Soltei a respiração, que eu nem havia percebido que estava prendendo, suspirando de alívio.

— Muito obrigada, diretora.

— Mas devo avisar – ressaltou ela – Se algo desse tipo se repetir, não serei tão condescendente.

— Certo – balancei a cabeça repetidamente, como um boneco de mola. – Não vai acontecer de novo. Prometo.

— Muito bem – disse ela – Pode ir.

Saí da sala, me sentindo um pouco mais leve do que antes.

A viagem de ônibus pra casa foi silenciosa. O bonde estava quase vazio, então pude encostar a cabeça na janela e respirar um pouco. Tinha sido um dia no mínimo estranho, e eu não via a hora de chegar em casa e descansar.

Ao descer do ônibus, olhei de soslaio pra casa do Eric, ao lado da minha. Me perguntei se ele já estaria em casa, se já estava tendo que enfrentar os pais.

— Mãe? Giulia? – chamei, ao abrir a porta – Vocês estão aí?

— Lorena, você chegou! – minha irmãzinha de 11 anos atravessou a sala correndo, pulando pra me dar um abraço, que eu retribuí feliz. Eu bem que estava precisando disso. – A mamãe está te esperando na cozinha. Ela parecia meio brava.

Suspirei. Não é como se eu estivesse surpresa.

— Tá certo, baixinha. Vou lá falar com ela.

Antes que eu desse um passo, porém, Nora, a gatinha da minha irmã, saltou na minha frente, soltando um miado preguiçoso.

— Ei, você – murmurei, me agachando pra acariciá-la – Como vai?

Antes que eu encostasse a mão, porém, Nora sibilou, arrepiando o pelo, mostrando as garras e arranhando minha mão.

— Ei! – protestei – O que é que deu nessa gata?

Nora era mais ligada a minha irmã, mas era uma gata mansa e nunca tinha recusado um carinho até hoje.

— Vai ver você está com o cheiro de outro gato – especulou minha irmã.

— Eu não cheguei perto de nenhum gato hoje – dei de ombros – Ela deve estar no cio ou coisa assim.

Ignorando a gata, que me observava com os olhos desconfiados, fui em direção à cozinha, onde minha mãe me esperava sentada na mesa.

Senti o coração apertar ao perceber o quanto ela estava cansada. Minha mãe se matava em dois, às vezes até três turnos no hospital, onde trabalhava como enfermeira.

Eu não tinha pai. O homem que assim se intitulava abandonou minha mãe quando eu era só um bebê e sumiu no mundo. Sinceramente, eu não tinha o interesse nem a curiosidade de saber quem ele era.

O homem que eu realmente considerara como pai fora meu padrasto, pai da Giulia. Ele fora, sem dúvida, o melhor homem que eu já conheci. Infelizmente, morrera três anos atrás, vítima de uma AVC. Desde então, minha mãe se desdobrava pra sustentar as duas filhas. Em geral, éramos só nós três contra o mundo.

Sentei ao lado da minha mãe, num silêncio envergonhado.

— Oi, mãe. – murmurei baixinho.

Minha mãe ergueu os olhos pra mim, e eu pude ver as profundas olheiras sob seus olhos.

— Então – suspirou ela – Sua escola me ligou.

Abaixei a cabeça. Nenhuma surpresa até aí.

— O que estava pensando, Lorena? – disparou ela – Tem idéia da confusão em que podia ter se metido?

— Eu sei – murmurei – Era pra ser uma brincadeira, eu acho. Foi idiotice da nossa parte. A gente não pensou direito.

Minha mãe inspirou fundo. Não parecia muito aborrecida, só cansada, o que já era uma melhora.

— A diretora me disse que você não vai perder sua bolsa – falou – Mas você vai precisar andar na linha de agora em diante, filha.

— Eu vou – assegurei – Prometo. Você me conhece, mãe. Sabe que eu não sou de fazer essas coisas.

— Eu sei. Por isso fiquei tão surpresa quando sua diretora ligou – ela inspirou, colocando a mão sobre a minha – Você é jovem. Tem direito a algumas loucuras, a testar seus limites. Eu mesma não era nenhuma santa quando tinha a sua idade. Por isso não culpo você. Mas você precisa começar a pensar nas conseqüências das suas próprias ações, minha filha.

Assenti com a cabeça, sem coragem de dizer mais nada.

Minha mãe levantou, curvando-se para beijar o alto da minha cabeça.

— Sabe que eu te amo – sussurrou – Eu morreria se algo de mal acontecesse a você. Só quero que tome cuidado.

— Eu sei – sussurrei – Desculpa.

Minha mãe deu um sorrisinho, iluminando seus olhos.

— Está desculpada – disse – Mas a senhorita não pense que vai passar esses três dias na folga, assistindo séries no seu quarto. Vou garantir que fique bastante ocupada.

Suspirei. Até que era um castigo leve, considerando tudo.

— Começando agora – disse minha mãe, me estendendo dois sacos pretos – Pode levar o lixo pra fora.

Resignada, peguei os sacos e fui até o quintal. Mal eu pisara no gramado, escutei o som de gritos vindo da casa ao lado.

— Esse moleque é uma desgraça! — bradou uma irada voz masculina.

— Querido, seus nervos...

— Cala a boca, vagabunda! Não to falando com você.

Houve o alarmante som de algo se chocando contra a parede e se quebrando.

— Um dia, moleque, você ainda vai me matar. E aí você vai ficar feliz, não é? Seu mimadinho de merda!

 Eu não pude ouvir mais. Larguei o lixo na calçada e entrei em casa, me encostando contra a porta.

Era assim quase toda noite. Toda manhã, na escola, eu pensava em falar com Eric e perguntar como ele estava, mas nunca fiz. Ele parecia fechado a qualquer aproximação.

Respirei fundo, querendo esquecer tudo daquele dia maluco.

A imagem da Sofia lendo aqueles pergaminhos naquela língua estranha invadiu minha mente. Que diabos fora aquilo, afinal?

De qualquer forma, pensei, era passado. Eu podia continuar a minha vida normal.

Erro meu. Eu ainda não sabia na hora, mas minha vida já tinha mudado pra sempre.


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