Os Treze Guardiões escrita por Miss Lidenbrock


Capítulo 24
Veneno e Trevas


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo vai ser bem tenso... Se segurem!



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Gisele chegou cedo à casa de Santiago.

Mal dormira aquela noite. Todos os acontecimentos do dia anterior rodavam em sua cabeça sem parar.

Inclusive a declaração de Samir.

Eu te amo, Gisele.

Ela sempre soube que esse dia chegaria. Mas esperava que, quando chegasse, ela poderia explicar melhor seus sentimentos, sem toda a confusão que estava acontecendo de pano de fundo.

Ela chegou à porta da pequena casa. Estava aberta. Lentamente, ela a abriu, entrando na casa com receio, esperando, no mínimo, ver mais alguma tragédia.

Mas tudo estava calmo. Ela olhou em volta da sala. Bernardo e Sofia dormiam abraçados em um dos sofás, uma cena que quase amenizava o clima do lugar. Pâmela estava escorada na parede, mexendo no celular, a expressão de indiferença no rosto. Paulo... Bem, ele não parecia ter movido um músculo desde que Gisele saíra. Continuava na cabeceira do irmão, que parecia ainda mais pálido à meia luz da sala, a respiração fraca e os olhos firmemente cerrados.

Gisele não queria perturbá-lo, muito menos acordar Bernardo e Sofia, então foi para o lado de Pâmela, que mal se mexeu à sua aproximação.

— Então – Gisele foi dizendo, tentando manter sua voz baixa – Alguma novidade?

Pâmela a encarou com olhos inquisitivos. Parecia ela mesma outra vez, não a garota insegura que Gisele havia visto na floresta.

— O gêmeo continua desacordado – falou ela, recusando-se, aparentemente, a falar o nome de Daniel – E parece que não está melhorando. Eduardo foi embora e parece que somos só nós aqui.

— E Santiago? – Gisele perguntou – Cadê ele?

Pâmela deu de ombros.

— No quarto – disse – Falou que tinha que checar algumas coisas.

Gisele suspirou. Santiago daria um jeito. Ela confiava nisso.

— Escuta, sobre ontem... – ela começou.

— Não, escuta – Pâmela interrompeu – Não precisamos falar sobre isso. Eu tive um momento de fraqueza. Você foi legal, eu agradeço. Fim da história.

— Eu só queria dizer obrigada – completou Gisele.

O rosto de Pâmela então mostrou-se confuso. Gisele deu de ombros.

— As coisas que você disse... Me fizeram perceber coisas sobre mim mesma – falou – Coisas que eu me recusava a admitir. Então, obrigada.

Para a sua surpresa, Pâmela, após mostrar perplexidade, deu um sorrisinho.

— Bem – disse – Amigas estão aí pra isso, não é? – sorriu.

Gisele sorriu de volta. Antes, porém, que pudesse dizer mais alguma coisa, Santiago irrompeu na sala, parecendo estranhamente animado, seu peito subindo e descendo num ritmo acelerado.

— Pessoal – disse ele – Acho que encontrei alguma coisa.

Paulo ergueu a cabeça imediatamente. Até mesmo Bernardo e Sofia despertaram devagar, olhando Santiago com a expressão confusa. Gisele e Pâmela se entreolharam e se aproximaram dos outros.

— O que é? – Paulo perguntou, ansioso – Alguma coisa pra ajudar meu irmão?

Santiago assentiu. Tinha nas mãos um pedaço de pergaminho, muito semelhante ao que eles tinham visto no museu.

— É um feitiço de cura – disse ele – Ou, pelo menos, foi o que consegui traduzir com meu alfabeto rúnico. Parece bastante poderoso. Talvez poderoso o bastante para expulsar magia negra.

Os olhos de Paulo brilharam de esperança por um segundo. Mas então se apagaram.

— Mas... – lamentou ele – Nenhum de nós sabe fazer magia ainda. Muito menos ler esse feitiço.

A expressão de Santiago murchou. Seus ombros caíram.

— É verdade – admitiu – Creio que fiquei tão empolgado que não pensei nisso.

Gisele, então, lembrou de uma coisa. Havia alguém que poderia conseguir ler o pergaminho.

Olhou para Sofia, que parecia estar enfrentando um dilema. Bernardo parecia estar pensando o mesmo que Gisele, pois encarava a namorada – ao menos, Gisele supunha que era namorada - com a mesma expressão esperançosa.

Após um instante tenso de silêncio, Sofia deu um passo a frente.

— Eu posso tentar – disse ela, a voz tremendo.

Santiago disparou os olhos para ela, a expressão um misto de interesse e curiosidade.

— É mesmo? – perguntou ele, coçando o queixo – Como?

Gisele suspirou. Eles tinham combinado de manter isso em segredo, mas agora era uma situação de emergência.

— Nós não nos transformamos por acaso, no museu – disse – Sofia, de alguma forma, conseguiu ler o texto dos pergaminhos, ativando o feitiço.

Santiago arregalou os olhos. Observava Sofia com uma expressão que Gisele não conseguiu interpretar.

— Fascinante – murmurou ele – Imagino o porquê... Bem. Se quiser tentar, fique à vontade.

Sofia hesitou, esfregando o próprio braço. Parecia muito insegura, e Gisele sentiu-se mal por ela.

— Eu não posso prometer que vou conseguir... – murmurou ela – Não sei como fiz aquilo no museu...

— Só tenta – Paulo suplicou, de repente, olhando pra Sofia como se ela fosse um bote salva-vidas. – Por favor.

Bernardo pôs a mão no ombro de Sofia, um olhar de carinho imenso em seu rosto.

— Você consegue – falou – Eu sei que consegue.

Sofia pareceu relaxar minimamente às palavras de Bernardo. Devagar, deu outro passo à frente, estendendo a mão para Santiago.

— Aqui está – ele falou, entregando a ela os pergaminhos. – Lembre-se: Tudo bem se não conseguir. Não estamos aqui para julgar você.

Só estamos todos contando com você, pensou Gisele, mas não disse nada.

Observou Sofia enquanto ela passava devagar as mãos no pergaminho. Fechou os olhos, inspirando fundo. Parecia estar tentando se conectar com alguma coisa.

Então, começou a ler.

Dessa vez, as palavras reverberaram de um jeito diferente no peito de Gisele. Remetiam a um tempo que ela não vivera, mas sentia conhecer: Um tempo em que o bosque era mais verde, as coisas, mais simples.

Um vento poderoso começou a rodar pela sala, mesmo a maioria das janelas estando fechada. Ele açoitava os cabelos de Gisele, que lutava pra enxergar Sofia no centro da sala.

Alguma coisa parecia estar acontecendo com Daniel. Sua respiração tornou-se acelerada, e veias negras se espalharam pela sua pele para depois desaparecerem.

Sofia arregalou os olhos.

— Espere aí... – disse ela – Tem alguma coisa errada. Isso não é...

Continue! – rugiu Santiago, e Gisele achou que sua voz parecia diferente. – Se parar agora, seu amigo vai morrer!

Arregalando os olhos em desespero, Sofia voltou a ler, dessa vez mais rápido e com mais urgência. O vento se intensificou, quase arrastando Gisele pra longe. Ela cobriu os olhos com as mãos para evitar a poeira...

E então tudo cessou.

Sofia havia terminado de ler. Ela ofegava com força, como se houvesse acabado de correr uma maratona. Bernardo a encarava preocupado, mas Paulo não tirava os olhos do irmão.

Daniel abriu os olhos.

   *                                       *                                          *

— Daniel? – Paulo chamou, o alívio e a preocupação misturados em sua voz – Ei, mano, pode me ouvir? Como você tá se sentindo?

Mas Gisele podia dizer que havia alguma coisa errada. Os olhos de Daniel, antes castanho-claros, estavam completamente negros.

Daniel olhou para o irmão como se não o reconhecesse. Voltou o olhar para Santiago, como se quisesse saber o que fazer.

— Daniel – chamou Santiago, calmamente – Venha cá. Deixe-me olhar pra você.

Diante do olhar confuso de todos, Daniel andou até Santiago. Parecia completamente saudável, como se jamais houvesse sido mordido. Gisele encontrou o olhar de Sofia, e esta parecia estar apavorada.

Santiago pôs o braço em torno do ombro de Daniel, examinando-o como uma criança observa um brinquedo novo.

— Ah, sim – Santiago falou, parecendo satisfeito – Está perfeito.

Um calafrio percorreu a espinha de Gisele. Ela sabia que algo de errado estava acontecendo, mas seu corpo se recusava a mexer.

— Como assim, perfeito? – Paulo perguntou, confuso – Tem alguma coisa errada com o meu irmão! Ele tá parecendo um robô!

Santiago deu risada. Havia algo de errado naquela risada. Parecia fria, quase um sibilar.

— Um robô. Interessante – falou, sem tirar os olhos de Daniel – Vamos testar os comandos então. Daniel, transforme-se.

Daniel fechou os olhos. Uma fumaça negra começou a desprender-se de seu corpo, espiralando em torno de suas pernas e tronco. Em segundos, Daniel havia desaparecido, e o chacal estava em seu lugar.

Exceto que estava diferente. Não era mais o animal bonito e gracioso que Gisele havia visto na primeira vez. Parecia selvagem. E perigoso. Seus dentes estavam arreganhados num rosnado cruel.

— Agora, Daniel – comandou Santiago – Ataque.

Daniel escrutinou a sala inteira, e seus olhos fixaram no irmão. Inacreditavelmente, o chacal pulou na direção de Paulo, a boca aberta num rugido feroz.

Paulo desviou do irmão bem no momento que este avançara sobre ele, fazendo com que Gisele suspirasse de alívio. Mas o alívio durou pouco, já que o chacal logo se recompôs e pôs-se em posição de ataque de novo.

Daniel! – Paulo gritou, pondo as mãos na frente do corpo, na defensiva – O que está fazendo?! Sou eu! Seu irmão, porra!

O chacal mais uma vez preparou-se pra saltar. Gisele viu com estupefação que Paulo nada fazia pra se defender – não queria machucar o irmão, ela percebeu. Os outros pareciam todos paralisados de medo.

Daniel preparou-se para o bote, e Gisele fechou os olhos – Não queria ver aquilo. Mas então, Santiago se pronunciou:

— Daniel, basta. – afirmou.

Gisele abriu novamente os olhos, à tempo de ver uma fumaça negra espiralada cobrir o animal, para então dar lugar a Daniel novamente. Este não parecia nem um pouco perturbado por ter acabado de tentar atacar o próprio irmão.

Bernardo respirava pesadamente. Enfurecido, ele virou-se para Santiago.

— O que você fez? – bradou – O que fez com ele?

Santiago apenas balançou a cabeça, sorrindo.

— O que eu fiz, não – afirmou – O que sua amiga fez.

Todos olhamos para Sofia, que estava muito pálida, os olhos marejados.

— O feitiço... Eu sabia... – murmurou ela – Sabia que tinha alguma coisa errada. Não era... Um feitiço de cura...

— Um pequeno efeito colateral, apenas – Santiago deu de ombros – O chacal, por si só, já tem tendência à escuridão. A mordida do monstro, combinada com o feitiço, apenas assentou essa escuridão dentro dele. Apenas um erro de cálculo.

Pâmela estendeu a mão para Gisele e a segurou firme. As duas encontraram o olhar uma da outra, e a mensagem nos olhos de Pâmela era clara: Fuja.

Mas Gisele não parecia conseguir. Seus pés estavam colados.

— Não acho que tenha sido um erro – Bernardo rosnou. Seu corpo tremia de fúria. – Acho que você fez de propósito. Acho que planejou transformar Daniel num monstro desde o início.

Santiago encarou Bernardo com algo muito parecido com desprezo.

— Sabe, de todos, você é o que mais me irrita – falou – Daniel, ataque!

Daniel se posicionou à frente de Bernardo, estendendo as mãos à frente do corpo. Um raio negro se desprendeu delas, indo direto para o peito de Bernardo.

Não! – Alguém gritou. Sofia.

Ela se colocou entre Daniel e Bernardo, fechando os olhos e estendendo os mãos, como se pudesse aparar o golpe. E então...

Tudo aconteceu como se fosse em câmera lenta. O raio negro estava indo em direção à Sofia, o resto de nós estáticos de susto. Então, as mãos de Sofia pareceram brilhar, e um jato de energia branca se desprendeu delas, colidindo com o raio negro-arroxeado de Daniel.

As duas energias se juntaram por um momento, soltando estática, até que se destruíram numa sonora explosão.

Gisele olhou para Santiago. Esperava que ele estivesse furioso, mas ele encarava Sofia com uma espécie de triunfo.

— Eu sabia — sussurrou ele, em deleite – Sabia que era você. Eu sei o que você é, menina.

Sofia parecia pálida e confusa, olhando para as próprias mãos com espanto. Só tive tempo de ver Bernardo girando-a e olhando em seus olhos.

— Sofia, fuja — ele murmurou, não baixo o bastante que não pudéssemos ouvir – Ele quer você. Vá embora!

Sofia olhou para ele com os olhos aturdidos, parecendo dividida sobre o que fazer.

— Mas eu... – começou ela.

— Vá, Sofia! – Gisele e Pâmela gritaram ao mesmo tempo, ainda de mãos dadas.

Sofia pareceu se decidir. Com determinação, ficou na ponta dos pés e deu um beijo rápido e furioso em Bernardo – e depois sua forma tremeluziu, aparecendo uma coruja no lugar.

Santiago não parecia preocupado.

— Daniel – falou – Pegue-a.

Daniel avançou, mas encontrou em seu caminho um enorme urso pardo, que rugiu furioso enquanto Sofia voava pela sala, procurando uma saída.

Paulo encarou Gisele e Pâmela. Sua expressão ainda estava confusa e traída, mas a mensagem era clara: Temos que ajudar.

Enquanto os outros estavam distraídos, o olhar de Gisele escrutinou a sala. Havia uma pequena saída de ventilação no alto – pequena, mas grande o bastante para um pequeno animal passar. Uma coruja, talvez.

Ela era a mais rápida dali. Sem pensar, começou a correr, contornando o urso e o chacal que brigavam. Com o canto do olho, viu que Pâmela, já transformava em pantera, cercava o chacal e impedia Santiago de se mover.

Gisele correu até a parede e olhou, apavorada, para a altura. Como poderia subir?!

Garras, pensou ela. Se eu tivesse garras agora.

De repente, sentiu um calor subir por suas mãos. Suas unhas se alongaram até se transformarem em garras afiadas. Determinada, Gisele começou a escalar a parede, se encolhendo a cada vez que suas garras arranhavam a pedra.

Por fim, conseguiu. Abriu a entrada de ventilação com força, e, com o que restava de sua energia, assoviou:

— Sofia, aqui!

A coruja então olhou diretamente pra ela. Rapidamente, começou a voar em sua direção, quase alcançando a saída de ar.

Não! – berrou Santiago.

Uma fumaça verde se desprendeu de seus dedos, como um chicote esfumaçado. O chicote estava indo na direção de Sofia, pronto pra agarrar suas pernas.

Santiago era um bruxo, então? Gisele ficou boquiaberta. Mais uma de suas mentiras. Mas ela não ia deixar que ele vencesse dessa vez.

Gisele fez o que Sofia havia feito por Bernardo – se colocou no lugar do feitiço. A fumaça verde atingiu seu peito e ela gritou de dor – era como se houvesse sido queimada com ácido.

Mas Sofia havia ido embora. Ela olhou pra trás a tempo de ver o bater de suas asas se afastando dali.

Ela olhou para Santiago. Ele parecia furioso. Olhou para Bernardo, que ainda lutava contra Daniel, e deu um sorriso sinistro.

— O que vocês não sabem – ele falou para ninguém em específico – É que eu sou muito mais parecido com vocês do que imaginam.

Por um instante, ele encarou Gisele, e ela arquejou. Os olhos dele estavam totalmente amarelados, as pupilas em fendas.

Escamas começaram a tomar o corpo de Santiago. Não foi uma transformação bonita. Ela observou seu corpo se alongar e se retorcer até que...

Uma serpente imensa preenchia o chão da sala.

Pâmela e Paulo tentaram contê-la, mas ela os afastou com um chicotear de rabo. Mais rápido do que Gisele poderia sonhar, a cobra deu o bote, cravando as presas na perna de Bernardo, que rugiu em desespero.

Em um segundo, Santiago estava de volta. Daniel também havia voltado ao normal, e estava completamente estático no lugar, aguardando as ordens do mestre.

Paulo, Gisele e Pâmela correram em direção a Bernardo. Ele estava estirado no chão, semi consciente, com duas marcas de presas enormes sangrando em sua perna esquerda. Gisele nem precisava se perguntar se eram venenosas, pois uma coloração amarelada começava a se espalhar pelo ferimento.

Pâmela se voltou para Santiago, os olhos dardejando de raiva.

— Quem é você? – perguntou, enraivecida – O que quer de nós?!

Santiago apenas sorriu para ela, como se ela fosse um gatinho adorável e irritante.

— No momento, sou seu carcereiro – disse – E o que quero de vocês, por agora, é que fiquem aqui, enquanto eu resolvo alguns assuntos lá fora. E nem pensem em tentar escapar. Coloquei feitiços nas janelas e na porta. Além disso, meu caro Daniel aqui vai impedir qualquer tentativa de fuga. Certo?

Daniel assentiu. Parecia ter perdido a capacidade de falar.

Santiago olhou para os quatro restantes, fitando Bernardo com um sorrisinho no rosto.

— Se eu fosse vocês, me comportaria bem. – disse ele – Meu veneno age rapidamente. Mas se eu voltar pra cá feliz, posso até curá-lo.

E, andando em direção a porta, deixou Daniel de guarda, olhando avidamente para eles.

— Agora, se me dão licença – disse ele – Tenho uma coruja pra caçar.


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Notas finais do capítulo

E agora? Quais as previsões de vocês?



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