Os Treze Guardiões escrita por Miss Lidenbrock


Capítulo 22
Os guardiões perdidos


Notas iniciais do capítulo

E eis a (re)apresentação de um personagem importante! Espero que goste!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/773792/chapter/22

A caverna era úmida e fria.

Eu descobrira uma certa resistência à temperaturas fortes desde que me transformara, mas ainda assim, sentia fria.

Toquei minhas roupas, e percebi que elas não me eram familiares. Olhei pra baixo, e percebi que estava usando um vestido branco, de linho. Como diabos eu vestira aquilo?

Tentei me levantar, e senti uma dor absurda nos braços e nas pernas. Gemi baixinho, tombando de volta no chão.

— Cuidado – disse uma voz à minha direita – Você se machucou muito na queda.

Olhei para o lado com certa dificuldade.

— Eric? – sussurrei.

Eric estava do meu lado, atiçando uma fogueira. Segurava algo espetado num galho – um pedaço de carne, de quê, eu não sabia. Estava sem a sua jaqueta habitual, usando só calça e uma regata branca, que exibia seus braços fortes. Por algum motivo, meu rosto esquentou.

Ele olhou pra mim. Suas sobrancelhas estavam unidas de preocupação.

— Que bom que acordou – falou. Sua voz continha uma pitada de humor. – Achei que ia ter que cavar uma cova na floresta.

— Engraçadinho – juntei minhas forças para impulsionar os braços e sentar. Pontinhos pretos invadiram minha visão.

— Cuidado – ele repetiu, mas eu o ignorei.

— Você era aquele lobo? – sussurrei, olhando seu rosto, como se pudesse identificar traços lupinos nas suas feições.

Ele assentiu levemente, olhando pro chão.

— Por que não me contou? – murmurei.

Ele deu uma risada baixa, amargurada.

— É tudo uma questão de simbologia, não é? – disse – O urso é forte, o leão é o líder, a raposa é astuta, e o lobo... Bem, o lobo é mau.

Pisquei, surpresa.

— De onde você tirou isso? – perguntei. Percebi que a expressão dele estava grave.

— Só de todas as histórias pras crianças dormirem dos últimos séculos – falou – O lobo sopra a casa pra comer os porquinhos. O lobo devora a vovozinha. O lobo engana o carneirinho. Enfim, acho que você já pegou a ideia.

Balancei a cabeça, querendo me esticar para tocá-lo, mas sem conseguir.

— Está enganado – falei – Eric, você não é mau. Não pode ser isso que o lobo significa. Eu conheço você.

— Conhece mesmo? – ele balançou a cabeça – Você nunca viu como é lá em casa. Não sabe como meu... Como ele se comporta. E sabe o que dizem. Filho de lobo...

Ele esticou o braço, que se iluminou à luz da fogueira. Apertei os olhos, e pude enxergar pequenas marcas circulares cobrindo o braço inteiro.

Queimaduras de cigarro.

— Ah, Eric – murmurei, sentindo meu peito apertar – Eu sinto...

— Quer saber? Esquece isso – Eric recolheu o braço de volta – Devia comer alguma coisa. Espero que goste de carne de cervo.

Só então lembrei da comida que Eric esquentava. Como ele havia conseguido isso?

— Você caçou isso? – perguntei, incrédula – E essa roupa... Como você conseguiu?

Agora Eric parecia constrangido. Ele me olhou, e percebi que ele vinha me escondendo alguma coisa.

— Pra falar a verdade, Lorena, eu não sei se teria dado conta de cuidar de você sozinho – falou – Mas eu encontrei ajuda no bosque... Ele deve...

Ele? — arregalei os olhos – Eric, o que você fez?

De repente, um som de passos atiçou meus ouvidos. Um estranho se aproximava; não reconheci o cheiro.

— É ele – Eric exclamou – Tente não surtar, ok? Podemos confiar nele.

Encarei Eric, os olhos dardejando de indignação.

— Quem...?

Então um homem entrou na caverna.

— Trouxe carne de coelho – ele falava. Sua voz era extremamente familiar, isso me surpreendeu. – Espero que ela goste quando acordar... Oh. Você acordou.

Apertei os olhos. O homem se aproximou da luz, e eu arquejei.

Apesar de alguns anos mais velho, era impossível não reconhecer os cabelos escuros e os olhos castanhos. Afinal, ele havia acabado de estrelar o meu sonho.

Você— exclamei.

Lauro Portell.

             *                                      *                               *

— Faz muito tempo que ninguém me chama assim – ele deu um pequeno sorriso, ignorando totalmente a confusão na minha cabeça.

— Vo... Você – gaguejei, nervosa – Isso é impossível!

— Lorena, calma – Eric me pediu. Calma coisa nenhuma! Pensei. – Eu confio nele. Não sei bem por quê, mas confio.

Ah, isso esclarecia tudo.

Olhei para o homem à minha frente. Ele devia ter por volta de 30 anos, a mesma idade que tivera no meu primeiro sonho.

Os sonhos.

— Você... Você tem me mandado sonhos – acusei, cerrando os olhos para ele – Não tem?

Lauro, parecendo derrotado, assentiu.

— Eu venho tentando alertar você, prepará-la – falou – Mas a comunicação por sonhos é instável e confusa. Presumo que só tenha assustado você.

Ah, assustado era pouco.

— O sonho que você me mostrou... Do feitiço... – falei lentamente – Aconteceu há 200 anos atrás, não foi? É impossível você estar vivo!

Lauro então, suspirando, sentou à minha frente, ao lado da fogueira de Eric. A fogueira dele, percebi – ele devia tê-la acendido.

— Existem maneiras de como um bruxo pode deixar de envelhecer – disse ele.

— E elas seriam...? – instiguei.

Ele balançou a cabeça, parecendo muito sério.

— São meios perigosos, sombrios – disse – Não é para crianças como vocês.

Abri a boca para protestar, mas Eric apenas me olhou e balançou a cabeça.

— Ele não vai falar – disse.

Incrédula, encarei um depois o outro, ambos com a expressão enervante de tranqüilidade.

— Como pode confiar nele? – perguntei pra Eric – Ele é um estranho, um...

— Que salvou você – completou Eric calmamente – Sinceramente, se fosse só eu a te encontrar, não sei se você teria sobrevivido.

Balancei a cabeça, cada vez mais confusa.

— Como vocês dois me encontraram, afinal?

— Assim que vi você cair, desci o penhasco. Há um caminho pelas corredeiras – falou Eric – Quando cheguei, você já estava perdendo a consciência. Eu tentei pega-la sem te machucar mais, e foi aí que Lauro chegou...

— Eu estava vigiando as garras da floresta há dias – Lauro esclareceu – Vi a batalha de vocês de longe. Quando consegui chegar, você já tinha caído.

A batalha. Lembrei de repente das criaturas grotescas, de nossos amigos lutando pra derrota-las...

— E Ricardo e Samir? – perguntei, finalmente – O que aconteceu com eles?

Eric balançou a cabeça, parecia pesaroso.

— Quando voltei a olhar para cima do penhasco, não havia mais ninguém.

Engoli em seco. Eles estavam bem. Tinham que estar. Eu saberia se estivessem mortos, não saberia?

— Lorena, eu sei que não confia em mim – Lauro disse, de repente – No seu lugar, provavelmente também não confiaria. Mas eu faria qualquer coisa para conquistar sua confiança.

— Então me dê algumas respostas – falei, sentindo o coração bater forte no peito – Você me deu aquele sonho, mas ele estava incompleto. O que aconteceu depois que realizaram o feitiço?

Lauro suspirou. Eric também o olhava atentamente – aparentemente, ainda não havia escutado explicação alguma.

— A guerra aconteceu – falou ele – Foi... Horrível. Não há como descrever. Foram tempos sombrios. Muitas vidas foram perdidas. Todos nós, guardiões, deixamos um pedaço de nossas almas com aquelas vítimas. Ao fim da guerra, estávamos tão cansados de tudo aquilo que concordamos em fazer o contra-feitiço e devolver os animais guardiões à pedra. Queríamos voltar a viver uma vida normal, ou tão normal quanto jovens bruxos poderiam ter.

Isso batia com aquilo que Santiago dissera. Continuei ouvindo atentamente, meio embevecida pela história.

— Mas nem todos nós concordamos – Lauro continuou, e de repente sua expressão tornou-se sombria. – Alguns de nós ficaram enlouquecidos pelo poder. Se bandearam para magia das trevas. Recusaram-se a colocar seus animais guardiões de volta na pedra.

— Os cinco guardiões que faltavam – falei, lembrando do sonho.

Lauro assentiu, a expressão séria.

— Em todos esses anos, eu me mantive longe de tudo isso. Tentei viver uma vida normal... Ou quase. Mas quando soube que a pedra havia sido encontrada, eu soube. Soube que haveriam novos guardiões. E soube que ele despertaria. Kaî.

Só a pronúncia daquele nome fez com que a caverna ficasse um pouco mais fria. Estremeci.

— E os outros cinco guardiões? – perguntou Eric, que havia se mantido calado até então – O que houve com eles?

Lauro inspirou fundo, parecendo estar se preparando para dizer o pior.

— Eles fugiram – disse – Se esconderam pelos cantos do mundo, esperando uma oportunidade de voltar. Também deixaram de envelhecer, como eu. E agora... Estarão de volta. E é por isso que voltei – falou – Um deles está aqui. E eu precisava proteger vocês. Confiaram na pessoa errada.

— O quê? – Eric franziu a testa – Do que você está falando?

Mas eu arquejei.

Eu sabia.

O sonho. O irmão de Jaqueline, que me havia parecido tão familiar.

Era Santiago.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Que tal essa revelação?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Os Treze Guardiões" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.