Os Treze Guardiões escrita por Miss Lidenbrock


Capítulo 20
O que se abre


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo aqui vai para o Arthur Santos. Obrigada pelos comentários! Uma das suas dúvidas está prestes a ser sanada.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/773792/chapter/20

Já faziam três horas que todos estavam na casa de Santiago, esperando Daniel se recuperar, e Lorena e Eric ainda não haviam retornado.

Eduardo havia se recolhido em um canto, sozinho, observando os outros, como sempre gostara de fazer.

Bernardo e Sofia estavam juntos, como era de se esperar, e a menina cochilava um sono inquieto no peito do rapaz. Gisele, Samir e Renata estavam conversando baixo entre si. Samir segurava seu braço, que pendia em um ângulo estranho; e Pâmela, surpreendentemente, estava perto deles, a expressão distante.

Ricardo, como ele, estava sozinho. Sua expressão era de quem tentava acordar de um pesadelo.

E Paulo...

Paulo não saía da cabeceira do sofá, olhando insistentemente para o irmão, como se pudesse fazê-lo acordar só com a força de vontade. Daniel não havia piorado, mas também não mostrara sinais de melhora.

Eduardo não podia deixar de se sentir culpado. A discussão com Daniel agora parecia tão idiota.

Aê, Eduardo, vai com duas gatas.

Pena que você não gosta.

Porque ele se incomodara tanto com isso? Será que era tão inseguro assim?

Após alguns segundos de hesitação, Eduardo levantou e foi até onde Paulo estava.

Paulo ergueu o olhar para ele, e Eduardo engoliu em seco. A expressão do outro, geralmente tão travessa e divertida, era de quem voltara da guerra após testemunhar coisas horríveis.

— Eu... Sinto muito – Eduardo falou, por fim – Não devia ter brigado com o seu irmão antes. Foi... Idiota e infantil.

Para sua surpresa, Paulo abriu um mínimo sorriso, suas mãos acariciando o cabelo do irmão.

— Tudo bem. Foi uma brincadeira besta. – ele disse – Mas ele não fez por mal. Ele é a última pessoa que teria preconceito com isso. – ele levantou os olhos para Eduardo – Daniel é gay, sabe?

Eduardo abriu a boca e piscou os olhos, espantado.

— Eu não... Eu não fazia ideia...

— Pouca gente faz – sorriu Paulo – Nossos pais sabem e tudo. Eles são de boa com isso. Bernardo e Eric também sabem. Mas a maioria das pessoas... Acho que elas pensam que um cara palhaço e agitado como o Dani não deve ser gay.

Eduardo sentiu-se envergonhado. Sempre achara os gêmeos simplesmente dois encrenqueiros, que estavam sempre arranjando problema pra todo mundo. Nunca os havia enxergado como pessoas com personalidade própria ou sentimentos.

Pessoas que eram diferentes. Como ele próprio era.

De repente, sentiu vontade de se abrir ali. De ser sincero consigo mesmo e com alguém. Sentiu que Paulo entenderia. E, se alguns dos outros ouvisse, tudo bem, porque eles também entenderiam.

— Eu não sou gay, sabe – disse.

Paulo deu um sorrisinho.

— Tudo bem, cara – falou – Eu só...

— Eu não sou gay – continuou Eduardo – Porque não consigo gostar de ninguém. Não importa se é um cara, ou uma garota. Eu simplesmente... Não me sinto assim.

Paulo piscou os olhos, como se estivesse pensando sobre isso.

— Acho que isso faz de mim uma aberração – Eduardo disse, tristemente.

Paulo balançou a cabeça, com firmeza.

— Não, cara – falou – Eu já ouvi falar de pessoas como você. E mesmo que não tivesse, e daí? Você é diferente. Não significa que seja ruim. Só... abraça essa diferença em você, e seja feliz, saca?

Eduardo sentia uma coisa estranha no peito. Era como se algo há muito tempo acumulado estivesse se soltando.

— Obrigado – murmurou.

Paulo sorriu, e os dois ficaram em silêncio, observando a respiração falha de Daniel.

*                                               *                                          *

Samir havia deixado sua melhor amiga desaparecer.

Não entendia como havia sido tão idiota, tão irresponsável, tão...Inútil.

— Me conta mais uma vez – Renata pediu pela quarta ou quinta vez, como se não quisesse acreditar no que ouvia – O que aconteceu depois da luta?

Samir suspirou. Odiava reviver aquele momento.

— Ricardo conseguiu abater o resto das... Coisas — ele estremeceu só de lembrar da aparência das criaturas – E nós nos demos conta que a Lorena e o Eric tinham sumido. Procuramos por toda a parte, mas o penhasco... A beira do penhasco tinha cedido. Então pensamos... Eu teria voado e procurado, mas...

Samir olhou para o próprio braço quebrado. Uma das criaturas o havia pegado pela asa e esmagado seus ossos. Santiago, que era surpreendentemente bom em primeiros socorros, o havia enfaixado.

— Não – Renata afirmou, balançando a cabeça – Eles não podem ter caído do penhasco. Simplesmente não podem.

Samir sentiu as lágrimas arderem por trás de seus olhos.

— A culpa é minha – falou – Se eu tivesse...

— Não – Gisele se pronunciou de repente, pela primeira vez em vários minutos. – Não pode se culpar, Samir. Você fez tudo o que pôde. É um herói.

Ela suspirou, colocando o rosto entre as mãos.

— Enquanto isso, eu estava tentando apartar a briguinha do Eduardo e da Pâmela – gemeu – Deus, eu me sinto tão idiota.

Samir hesitou. Queria tanto se aproximar de Gisele, abraçá-la, consolá-la, beijar sua testa. Mas não sabia se seria bem vindo. Gisele sempre lhe fora tão distante, como uma estrela há anos-luz de distância.

Renata o encarou como se imaginasse o que ele estava pensando. Samir desviou o olhar, envergonhado.

O clima na casa estava horrível. Daniel estava provavelmente morrendo, e eles haviam perdido Eric e Lorena. E Lorena era como se fosse a líder deles. Talvez ela não soubesse ou quisesse isso, mas ela havia assumido esse papel. E agora todos se sentiam meio perdidos sem ela.

De repente, Ricardo se levantou de onde estivera sentado em silêncio por meia hora, uma expressão decidida no rosto.

— Eu vou pra casa – disse ele.

Gisele piscou os olhos, incrédula.

— Você vai pra casa – perguntou – Com a Lorena desaparecida?

A expressão dele pareceu tremer um pouco, mas ele continuou com o mesmo semblante decidido.

— Tem uma coisa que preciso fazer – disse ele – Além disso, que vai adiantar ficarmos aqui, parados? E nossos pais, não acham que vão ficar preocupados com a nossa demora?

Todos então se entreolharam. Ele tinha um ponto.

— Ele tem razão – suspirou Renata – Meu pai já me mandou umas cinqüenta mensagens. E disse que, se eu estou pretendendo faltar a escola amanhã, eu posso esquecer as saídas extras pro “grupo de estudo”. Ele acha que é só uma desculpa pra eu sair com os amigos.

— Você vai pra escola? — Samir perguntou, espantado. – Sério?

Com tudo aquilo acontecendo, ele havia esquecido das coisas normais de sua vida, como o colégio e até – ele tinha vergonha de admitir – sua família. Mas ele sabia que Renata, filha de um pai solteiro e com cinco irmãos mais velhos, era extremamente protegida.

— Não tenho escolha – suspirou ela, parecendo frustrada.

Ele viu Gisele inspirar fundo.

— Eu também tenho que ir – disse ela – Mas não vou pra escola amanhã. Vou voltar direto pra cá.

Renata apareceu ainda mais amuada. Samir teve pena dela.

— Eu não vou a lugar nenhum – Paulo se manifestou, assustando a todos – Não até Daniel melhorar. Meus pais vão achar que estamos dormindo na casa do Bernardo.

— E eu vou ficar também – Bernardo afirmou, a expressão séria. – Meu melhor amigo está desaparecido e o outro está doente. Não posso sair daqui.

— Nem eu – Sofia disse com sua voz de soprano, surpreendendo a todos. Ela deu de ombros – Eu dou uma desculpa pro meu pai.

— Eu também vou ficar – Eduardo disse, e Samir ergueu as sobrancelhas, surpreso. Essa era possivelmente a primeira vez que Eduardo faltaria aula.

Pâmela era a única que não havia se manifestado. Ela deu de ombros.

— Eu fico – disse – Não é como se minha família fosse sentir minha falta, mesmo.

Santiago pareceu preocupado. Ele relanceou Daniel na cama, depois olhou para o resto deles.

— Alguns de vocês precisam voltar para os pais – disse – Se suas famílias descobrirem que estão aqui, vão querer saber o que está acontecendo. E todos sabemos que isso não será possível.

Samir suspirou. Ir pra casa não era sua maior vontade – ainda mais tendo que explicar o braço quebrado aos pais – mas, ainda assim, ele disse:

— Eu vou pra casa – inspirou fundo – Vai ser melhor assim.

Ricardo começou a juntar suas coisas pra ir pra casa, assim como Gisele e Renata. Samir fitou Gisele longamente, a maneira como seus cabelos loiros caíam em cascata sobre seu rosto, o brilho de seus olhos azuis. De repente, sentiu-se cheio de coragem, e tomou uma decisão.

Andando determinado até Gisele, ele tocou no ombro dela, que o fitou com curiosidade.

— Precisamos conversar – disse – A sós. Tudo bem?

A expressão de Gisele tornou-se preocupada, mas Samir não percebeu. Estava nervoso demais.

— O que foi? – Gisele perguntou, quando os dois rumaram para os fundos da casa, onde ele supunha que a maioria dos outros não pudesse ouvir.

Samir respirou fundo. Era agora ou nunca.

— Gisele – começou – Nós nos conhecemos há anos e você é uma das minhas melhores amigas. Sabe disso – e, ao que Gisele assentiu, continuou: - Mas acontece que eu não vejo você só como amiga. Desde a primeira vez que eu te vi, eu... Senti algo diferente. Demorou algum tempo pra perceber o que eu sentia, mas agora eu sei. Eu te amo, Gisele.

Gisele abriu a boca e fechou, mas nada saiu. Então, ela fechou os olhos, e pareceu suspirar.

— Samir, eu... – disse ela – Agora não é o momento...

— Eu sei que a hora é péssima – admitiu Samir – Mas tudo o que está acontecendo me fez pensar que a vida é muito curta, e que as coisas podem mudar tão rápido, e que não há tempo a perder. E eu... Eu só precisava de te dizer. Precisava que você soubesse.

Gisele passou um longo tempo em silêncio. Tão longo que Samir começou a ficar inquieto. O que estou fazendo? Pensou.

— Samir, eu... Eu amo você – falou Gisele, por fim – Mas... Não do jeito que você ama. Você é uma pessoa incrível, e, acredite em mim, se eu pudesse escolher me apaixonar por alguém, seria por você. Mas hoje aconteceram algumas coisas que me fizeram perceber. Eu nunca poderia gostar assim de você... Nem de você... Nem de nenhum outro garoto.

Foi a vez de Samir ficar em silêncio. Ele abriu a boca, mas dela só saiu ar.

—Ah – ele disse, por fim.

Gisele parecia estar prestes a chorar, e isso causou um mix de sentimentos nele. O Samir que era amigo dela queria abraçá-la e dizer que estava tudo bem, mas o Samir que acabara de ser rejeitado só queria sair correndo e pegar um pouco de ar.

No fim, Gisele lhe poupou essa decisão.

— Sinto muito – disse – Eu tenho que ir.

E saiu andando às pressas, sem olhar pra trás.

Samir, cabisbaixo, voltou até a sala, onde Renata ainda arrumava suas coisas para ir embora. Ela encarou Samir com um olhar inquisitivo.

— O que aconteceu com a Gisele? – perguntou – Ela saiu daqui quase correndo, não deu nem tchau... E você aí com essa cara de velório...

Samir não achava que Renata devia falar de velórios dadas as circunstâncias, mas esse era apenas o jeito dela, e, incrivelmente, conseguiu fazê-lo sorrir.

— Só estamos preocupados com a Lorena – ele disse, por fim – Então... Quer companhia na escola amanhã?

Renata olhou para ele, os olhos brilhando.

— Você faria isso por mim? – perguntou – Cara, você é incrível.

— Eu sei – Samir falou, sentindo-se imediatamente melhor. Renata tinha esse poder.

Mas ele não deveria ter ficado tão feliz. Na verdade, se pudesse voltar no tempo, teria mudado tudo.

Porque ir pra escola acabaria sendo a pior decisão que ele tomaria.

     *                                                  *                                     *

Eduardo estava nos fundos da casa de Santiago.

Ali muita coisa havia começado. Ele se lembrava de Ricardo se transformando em um leão, deixando-o assombrado.

Agora, Eduardo apenas respirava fundo.

Você é diferente. Não significa que seja ruim.

— Eu sou diferente – murmurou Eduardo.

Olhando para o céu, ele sentiu algo queimar dentro de si. Abriu os braços e bradou:

Eu sou diferente! — gritava – Ouviram, mãe, pai, tia? Não tem problema eu ser diferente!

A queimação começou a subir de seu estômago. Passou para o tronco, pelos braços e pernas, até esquentar seus olhos.

E ele então estava voando.

Nem pensou sobre o que estava fazendo. Só alçou vôo por cima da casa de Santiago, observando o bosque, o rio, sentindo-se mais livre do que jamais sentira.

Como a águia que agora era.

Eu vou consertar tudo, pensou. Vou achar o Eric e a Lorena e arrumar um jeito de salvar o Daniel. Eu vou por um fim a tudo isto.

E, sem olhar pra trás, voou rumo ao bosque.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E aí, o que acham que vai acontecer?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Os Treze Guardiões" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.