Os Treze Guardiões escrita por Miss Lidenbrock


Capítulo 2
A excursão


Notas iniciais do capítulo

Então gente, sei que esse início ficou grande, mas só assim pra apresentar os 13 personagens principais de forma natural hehe espero que gostem!!



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Esse é o tipo de história em que nenhum ser humano são acreditaria.

Você provavelmente está lendo isso julgando ser uma ficção.

Eu não culpo você. Não mesmo. No seu lugar, eu também acharia.

Mas posso lhe assegurar, acredite você ou não, que tudo o que está escrito nestas páginas realmente aconteceu – e, se você ler até o final, vai saber que os perigos lá fora são muito piores do que imaginava.

Agora, mesmo que não acredite em nada do que está sendo contado aqui, você provavelmente deve estar curioso sobre como tudo isso começou.

E, acredite, foi da maneira mais comum possível.

*                                         *                                                   *

— Pessoal, fiquem quietos, por favor! – berrava a professora Kátia, tentando, em vão, controlar 40 adolescentes hiperativos dentro do ônibus minúsculo. – Paulo e Daniel, se não voltarem para os seus lugares neste instante, juro que paro esse ônibus e largo vocês na rua!

Na parte de trás do ônibus, o barulho se intensificou, e houve um alarmante som de algo caindo e se espatifando no chão. Na frente, a professora continuava a se esgoelar, sendo solenemente ignorada pela multidão de alunos.

Afundei, resignada, no meu assento. Eu gostava de uma boa bagunça como todo mundo, mas estava começando a sentir pena da professora. Além disso, toda aquela barulheira estava me dando dor de cabeça.

— É inacreditável – Gisele, no assento ao lado do meu, resmungou – Parece que estudamos com um bando de animais.

— Bem vinda ao ensino médio – retruquei, irônica.

Renata, no assento da frente, de repente se debruçou para olhar para nós.

— Isso que dá eles mandarem a Kátia para nos acompanhar na excursão – disse ela – Ela mal acabou de sair da faculdade, não tem a menor moral nem o pique pra lidar com a gente.

— Bom, a culpa não é dela se a nossa turma é composta de um bando de gente que não sabe a hora de calar a boca – disse Samir, surgindo por trás do assento ao lado dela. – Eu meio que estou ficando com pena dela. Ela com certeza está revendo as escolhas de carreira nesse momento.

Alguém havia ligado um som alto lá atrás, e metade dos alunos estava cantando “we will rock you” com direito a palmas e batidas de pés.

Gisele suspirou, afundando no assento.

— Eu só queria que chegássemos logo no museu – resmungou.

— Bom, eu não – Renata desdenhou – Eu não sei porque acharam que a gente iria se interessar por isso. Ouvir um idiota com ph.D dar uma palestra sobre uma descoberta idiota que não me interessa nem um pouco.

— Eu achei legal – retrucou Samir – Quer dizer, eles acharam esse artefato indígena bem nos bosques da nossa cidade. Coisas interessantes assim nunca acontecem por aqui.

— Ah, então eles acharam um cocar fossilizado ou coisa assim. Agora eu fiquei interessada.

— Não é um cocar – eu disse – Ouvi falar que é uma espécie de pedra.

Renata revirou os olhos, balançando os cabelos ruivos.

— Fascinante.

— Eu gostei – Gisele deu de ombros – É legal fazermos alguma coisa diferente das aulas chatas de sempre, pra variar.

— Tudo bem, mas precisava se vestir como se estivesse indo a um coquetel, em vez de a um museu?

Comecei a rir. Gisele, com seu cabelo loiro preso em um coque impecável, sua blusa branca abotoada, calça preta e brincos de pérolas, parecia mais uma daquelas damas da alta sociedade nova-iorquina do que uma estudante de ensino médio. Ela era a aluna exemplar da escola, e se comportava assim em todos os aspectos da vida, inclusive na aparência. Ela, assim como Renata e Samir, eram meus melhores amigos desde o ensino fundamental.

— Bom, alguns de nós gostamos de nos vestir bem – Gisele resmungou, olhando para Renata, que vestia uma camiseta do Pokémon e calças de moletom desgastadas.

— O único dia em que a gente não precisa usar uniforme e você se veste como uma dona de casa rica? – provocou Renata – Bom, você com certeza impressionou alguém. Seu namorado ali atrás não para de olhar pra você.

As bochechas de Gisele imediatamente se encheram de cor.

— Ele não é meu namorado – resmungou entre dentes.

Olhei para trás, para onde Renata apontava. Leonardo, o cara mais popular do nosso ano – e o mais cretino, na minha opinião – decidira há algumas semanas que queria adicionar Gisele a sua lista de conquistas e dava em cima dela descaradamente. Até agora, só havia levado foras, mas isso só parecia encorajá-lo ainda mais.

— Bom, ele definitivamente está olhando para você – eu disse – Talvez ele queira tirar uma foto.

Enquanto eu observava, Leonardo desviou a atenção de Gisele pra encher o saco de um dos outros alunos. Eu o reconheci como sendo um garoto tímido que senta lá na frente e é sempre o primeiro da turma nas notas. O coitado estava tentando voltar ao seu assento, mas Leonardo pôs a perna na frente e fez o garoto quase cair de cara no chão, arrancando gargalhadas de alguns alunos em volta.

— Uau – falei – Babaca e se comporta como se estivesse no maternal. Sexy.

— Ele é um babaca – concordou Renata – Mas temos que concordar que ele é muito gostoso. Gisele, se fosse você, pegava e jogava fora.

Eu e Gisele encaramos Leonardo ao mesmo tempo. De fato, as meninas em geral o achavam lindo, com seu cabelo loiro brilhante, os olhos verdes e o abdome definido, mas, pra mim, tudo aquilo parecia ofuscante demais, como olhar por muito tempo para o sol.

Ele nos viu observando e sorriu, mandando uma piscada pra Gisele.

— Ugh – disse ela com uma careta – Não, obrigada.

— Então você não, está, sabe, realmente interessada nele, está? – perguntou Samir, com ansiedade na voz.

— Nem um pouco – Gisele balançou a cabeça – Nem nele, nem em ninguém, pra falar a verdade.

— Ah... – o rosto de Samir desabou.

Renata fez uma careta pra mim, que respondi com um revirar de olhos. Samir era apaixonado pela Gisele desde a quinta série. Todo mundo sabia disso, exceto, aparentemente, a própria Gisele. Ela parecia estar totalmente alheia aos sentimentos dele – ou fingia estar.

— Bom, de qualquer forma – falei, tentando mudar de assunto – Eu nem acho o Leo tão bonito assim. Não vale à pena.

— Ah, claro que você não acha – riu Renata – Está toda apaixonada pelo coleguinha dele...

Foi a minha vez de corar. Com o canto do olho, olhei para o garoto sentado ao lado do Leo. Ricardo, ao contrário do amigo, parecia absorto no fone de ouvido, olhando pela janela.

De repente, os olhos dele se desviaram, e nossos olhares se encontraram. Ele sorriu pra mim, e eu sorri de volta, sentindo as bochechas arderem.

— Ah, pelo amor de deus – reclamou Renata – Vocês estão nessa enrolação de olhares e sorrisos há semanas. Será que dá pra vocês ficarem logo?

— Como se fosse fácil assim – resmunguei.

— Relaxa, amiga – Gisele falou – Ele está totalmente a fim de você também. Com certeza vocês vão acabar ficando na festa de 15 anos da Paola.

— Mas isso é no fim do mês! – protestou Renata – Você realmente quer esperar até lá?

Dei de ombros. Realmente não queria continuar naquela discussão. Por sorte, fui salva pela voz da professora Kátia:

— Muito bem, pessoal, chegamos. Saiam do ônibus sem baderna, tudo bem?

— Até que enfim – Gisele suspirou, nos seguindo até a porta do ônibus.

Olhei pra cima. O museu de história natural era um dos prédios mais antigos de Morro Alto, todo de mármore branco, com aparência grande e imponente. Eu sempre sentia um arrepio ao entrar ali, como se estivesse embarcando em outra época.

— “O professor doutor Santiago Rivera, graduado em Harvard, apresenta sua tese sobre a cultura indígena local baseada nas recentes descobertas arqueológicas” – Renata leu no banner acoplado à porta do museu – Santiago Rivera. Parece espanhol.

— Estranho um estrangeiro se interessar pela cultura daqui – comentou Samir.

— Muito bem, pessoal, quem quiser comprar água ou alguma coisa pra comer antes da palestra, a hora é agora – anunciou a professora – Quero todo mundo lá dentro em quinze minutos!

— Vamos comprar uma água – eu disse – Tô morrendo de sede.

Mal nós entramos na fila, porém, alguém esbarrou em Samir, que tropeçou e quase derrubou todos nós no chão.

— Desculpe – murmurou o garoto, pondo a mão nos bolsos enquanto se afastava rapidamente.

— De boa, cara – Samir respondeu – Caramba. Ele devia olhar pra frente enquanto anda.

— Que cara esquisito – resmungou Renata.

— Qual é o nome dele, mesmo? – perguntou Gisele.

— Eric – murmurei.

— Isso. Ele é todo estranho mesmo. Anda por aí como se fosse ser atacado a qualquer minuto.

Os outros concordaram, mas eu apenas mordi o lábio, em silêncio. A verdade que eu não havia contado aos meus amigos é que eu conhecia Eric melhor que a maioria das pessoas.

Quando criança, éramos vizinhos. Brincávamos muito juntos, já que éramos praticamente as únicas crianças da vizinhança. Porém, quando tínhamos 10 anos, ele se mudou com a família pra outra cidade. Eu nunca mais o vira até que, no início do ano, ele voltara a morar na casa ao lado da minha. No entanto, ele nunca falou comigo nem mesmo deu sinal de que lembrava de mim. Não que eu tenha feito algum esforço para falar com ele também.

— Todo aquele grupinho dele é meio esquisito, pra falar a verdade – comentou Gisele, ainda falando de Eric.

Olhei na mesma direção que ela. Eric estava sentado nos degraus do museu, junto aos três amigos – até onde eu sabia, as únicas pessoas na escola com quem ele conversava – Bernardo, Paulo e Daniel.

Bernardo era um pouco assustador, quando se olhava pela primeira vez. Ele era enorme, muito alto e largo, com um físico que dava a impressão de poder derrubar uns três caras de uma vez. Ele, no entanto, era muito tímido, e não parecia ser capaz de fazer mal a uma mosca.

Paulo e Daniel eram gêmeos, apesar de não serem muito parecidos. Enquanto Paulo tinha cabelos castanhos revoltos e o rosto mais redondo, Daniel tinha o rosto fino e curtos cabelos pretos. Mas ambos tinham a mesma expressão travessa no olhar, como se estivessem prestes a aprontar alguma coisa. Eram o clássico estereótipo de palhaços da turma, e provavelmente os alunos mais problemáticos da escola. Viviam matando aula, faziam esquemas elaborados pra colar nas provas e vez ou outra faziam alguma pegadinha. Mês passado passaram cola na cadeira do professor, o que quase lhes rendeu uma suspensão.

Eric, enquanto isso, era o mais calado dos quatro. Estava sempre com uma jaqueta preta puída que cobria o braço inteiro, e sempre andava olhando pro chão. Com a pele escura, o cabelo e os olhos muito pretos, ele parecia todo composto de sombras.

— Lorena! – a voz de Renata chamou, me arrancando dos pensamentos – Lorena, é sua vez.

Piscando, desviei o olhar de Eric e seus amigos, levemente constrangida. Pedi a água e me afastei da fila com meus amigos.

— Ei, olha – Gisele apontou, enquanto andávamos na direção da entrada do museu – Aquele menina novata ta sentada sozinha. De novo. Sofia o nome dela, né?

Olhei na direção onde ela apontava. Sofia tinha entrado no colégio no mês passado, bem no meio do ano, e até agora não fizera amizade com ninguém. Estava sempre sentada num canto com um livro na mão. Parecia meiga, com os cabelos cacheados na altura do queixo e as bochechas rosadas, e muito, muito tímida.

— A gente podia ir lá falar com ela – eu disse – Deve ser bem chato não ter amigo nenhum.

— Ela ta lendo – apontou Samir – Não ia ser meio grosseiro a gente atrapalhar?

— Ela ta sempre lendo – retrucou Renata – Se for por isso, a gente nunca vai falar com ela.

Dito isso, nós quatro nos aproximamos da menina, que nem percebeu nossa aproximação, tão absorta que estava no livro.

Nós nos entreolhamos. Dando de ombros, decidi começar:

— Oi – disse, abrindo meu melhor sorriso de vamos-nos-conhecer.

Sofia levantou, os olhos, parecendo muito surpresa.

— Oi – disse ela baixinho, com um sorriso tímido.

— Você é a Sofia, né? – continuei, embora já soubesse disso.

Ela balançou a cabeça, o rosto todo ficando vermelho. Nossa. Eu já vira pessoas tímidas, mas aquilo era demais.

— Meu nome é Lorena – falei, tentando manter o tom mais simpático possível. – Esses aqui são a Gisele, Renata e Samir.

— Muito prazer – disse ela, com um sorriso um pouco mais aberto.

— Então, onde você estudava antes? – perguntou Gisele, puxando assunto.

— Eu estudava em outra cidade, Campos Celestes. Meu pai e eu mudamos pra cá em julho. – disse.

Eu sorri. Duas frases de uma vez! Já estávamos fazendo progresso.

— Ah, que legal – disse Renata – Eu já visitei Campos Celestes uma vez. É lindo. E por que vocês mudaram pra cá?

Ela mordeu o lábio. Parecia sem graça outra vez.

— Meu pai se mudou por causa do trabalho. A gente já morou em umas seis cidades diferentes.

— Caramba – exclamou Samir – Seu pai é militar ou algo assim?

— Não – murmurou Sofia, corando violentamente – Ele é escritor.

Pisquei, confusa. Eu não entendia como um trabalho de escritor exigiria tantas viagens. Os outros pareciam tão confusos quanto eu, mas aquele claramente era um assunto sobre o qual ela não gostava de falar.

— Bom – falei, mudando de assunto – Você quer sentar com a gente pra ver a palestra? Estávamos indo pra lá.

Sofia sorriu, um sorriso de verdade dessa vez. Ela ficava muito bonita quando sorria.

— Claro, quero sim – falou. Apesar da timidez, ela parecia genuinamente feliz por termos ido falar com ela, e eu senti um calor gostoso se espalhar pelo meu peito. Não sei porque não havíamos tentando nos aproximar dela antes.

— Bom, vamos logo, antes que a Kátia apareça e nos arraste pra lá pelos cabelos – disse Renata.

Mal havíamos dado dois passos quando nos detivemos por uma voz chamando meu nome:

— Lorena! Espera um pouco!

— Uuuh, olha quem tá vindo aí – comentou Renata, erguendo uma das sobrancelhas – Lembra de respirar, Lorena.

Virei, já sentindo o coração acelerar. Ricardo estava vindo na minha direção, um sorriso estampado no rosto. Infelizmente, Leonardo seguia logo atrás dele. E não só ele...

— Argh, eles estão com aquela puta da Pâmela. – resmungou Renata.

— Renata! – protestou Gisele.

— Ah, qual é, você sabe que é verdade. A Lorena também odeia ela. Elas são praticamente inimigas declaradas desde a terceira série!

Franzi o nariz, sem dizer nada, sabendo que era verdade. Pâmela e eu competíamos por tudo desde crianças, geralmente nos esportes. Nós duas éramos cocapitães do time de vôlei do colégio, mas agíamos como tudo, menos colegas. Nunca perdíamos uma oportunidade de provarmos ser melhor que a outra.

Eu nem mesmo lembrava como isso começou, nem por quê. Só sei que sempre fora assim. Se eu aparecesse com uma mochila nova, no dia seguinte ela aparecia com outra, maior e mais bonita. Na quinta série, eu cheguei toda orgulhosa com minha caixa de lápis de cor de doze cores, que todo mundo adorou. Na semana seguinte, Pâmela chegou com uma caixa de vinte e quatro cores, e ainda vinham com um apontador brilhoso e colorido.

E agora, a julgar pelo braço dado dela com o do Ricardo, ela parecia querer competir por garotos também. Eu podia apostar que ela nem mesmo gostava dele, e estava dando em cima só pra me irritar.

O meu lado feminista sabia que essa competição toda era uma idiotice, que garotas devem se unir e ser legais umas com as outras, mas Pâmela tornava tudo isso tão difícil. Além de ser insuportavelmente arrogante e esnobe, ela ainda era podre de rica e tão ridiculamente... Bonita. Infelizmente pra mim, pensei, enquanto observava seus longos cabelos pretos e sedosos balançarem enquanto ela andava – que tipo de shampoo essa garota usa?! – e a blusa decotava que ressaltava seus seios revoltantemente grandes pra uma garota de 15 anos.

 - Ei – Ricardo exclamou, com um sorriso, ao parar na minha frente, arrancando-me dos meus pensamentos – Vocês estão indo pra palestra?

Um sorriso bobo imediatamente se instalou na minha cara. Eu detestava essa expressão de boba apaixonada, mas simplesmente não conseguia evitar.

— Estamos sim – falei. Minha voz mais parecia um miado, tão melosa que estava. – Vocês também?

Claro que eles estão indo pra palestra, sua besta, me xinguei em pensamento. Pra onde mais?

— Estamos, sim – disse ele, exibindo aquele sorriso maravilhoso pra mim. – Vocês querem sentar com a gente?

— Ah... – Meu cérebro travou por um instante, enquanto eu ficava hipnotizada por aqueles olhos.

A maioria das meninas não reparava muito nele, por estar sempre ao lado do Leonardo, que, claro, era considerado mais bonito. Mas eu o achava muito mais lindo, com o cabelo cacheado bagunçado e os olhos cor de mel, e aquela boquinha em forma de coração...

Eu lembrava exatamente de quando começara a gostar dele. Estávamos fazendo o exercício de biologia, e eu estava completamente empacada nas questões. Ricardo percebeu meu desespero e se ofereceu pra me ajudar. Ele estava anotando a explicação pra mim quando nossas mãos esbarraram sem querer, e foi como se uma corrente elétrica se espalhasse pelo meu braço. Nossos olhares se encontraram, e eu imediatamente imaginei seu braço envolvendo minha cintura, sua mão acariciando meu rosto e me puxando bem pertinho para...

Claro que queremos! – exclamou Renata, me acertando com uma cotovelada e me despertando do devaneio. – Certo, Lorena?

— Hã... Ahã... – resmunguei, ainda meio abobalhada. Pisquei, tentando clarear meus pensamentos nebulosos. – Digo, sim, claro, queremos sim!

 - Legal – sorriu ele. Meu coração errou uma batida.

Pâmela suspirou, parecendo incrivelmente entediada.

— Já disse que devíamos matar essa palestra idiota e matar o tempo ali na lanchonete – disse, com sua voz anasalada, me fazendo dar vontade de lhe dar um soco.

— Eu já te expliquei por que não dá, gata – disse Leonardo, passando os braços em volta dos ombros dela. – Se a professora nos pegar a gente se ferra, e ela com certeza vai me suspender do time, justo quando estamos quase na final do campeonato.

Já mencionei que o Leonardo é o capitão do time de futebol da escola? Isso aí. Um completo clichê.

Pâmela revirou os olhos, mas deu de ombros, parecendo resignada.

— Bom, melhor irmos logo, todo mundo já entrou – disse Samir.

Pâmela não perdeu tempo e saiu arrastando Ricardo, disparando na nossa frente. Cretina.

Leonardo se aproximou de Gisele, pondo a mão em seu ombro.

— Pode sentar do meu lado se quiser, linda.

Samir fechou a cara. No geral ele era bem pacífico, mas parecia pronto pra socar a cara do Leo.

— Vai sonhando – resmungou Gisele, saindo na frente.

Eu, porém, só tinha olhos pro Ricardo, agarrado com a Pâmela.

— Você gosta muito dele, né? – comentou Sofia, olhando minha expressão.

Suspirei.

— Tá tão na cara assim?

Sofia apenas sorriu, o que eu tomei como uma afirmativa.

— Se te faz sentir melhor, acho que ele também gosta bastante de você.

Isso fez com que o sorriso voltasse ao meu rosto.

— Valeu, Sofia.

Chegamos até o salão onde a palestra iria acontecer. Eles haviam afastado a maioria dos objetos de exibição, quase todos voltados para a cultura indígena da nossa região, para dar espaço às dezenas de cadeiras. Quase todos os assentos já estavam ocupados, e a professora estava numa das primeiras fileiras. Ela nos lançou um olhar de censura quando entramos pela porta.

Os únicos lugares disponíveis eram nas duas últimas fileiras. Notei que Eric estava sentado ali, junto com Bernardo, Paulo e Daniel. Por algum motivo, a idéia de sentar perto dele fez meu estômago revirar.

Ricardo sentou no meio de uma das fileiras, e eu estava prestes a tomar o assento ao lado quando Pâmela se jogou nele, lançando um sorriso cínico pra mim.

Fazendo um grande esforço pra não deixar aquilo me irritar, sentei na cadeira de trás, entre Renata e Samir, apenas três cadeiras de distância de Eric.

O diretor do museu estava dando seu tradicional discurso de boas vindas, ao qual, confesso, não prestei nenhuma atenção. Estava ocupada demais observando as cabeças do Ricardo e da Pâmela, cada vez mais próximas uma da outra.

— E finalmente, o Museu de História Natural de Morro Alto tem o prazer de apresentar o professor Santiago Rivera!

Uma chuva de palmas fez-se ouvir, e um homem subiu ao palco, aproximando-se do palanque. Ele não era nada como eu pensara que fosse. Eu havia imaginado um homem idoso, de aparência séria, mas aquele homem parecia estar na casa dos trinta anos. Era moreno e tinha cabelos pretos que se derramavam nos ombros, óculos quadrados e um sorriso simpático. Na verdade, era até bonito.

— Olha só, quem diria – Renata assoviou – O tal professor espanhol até que é bem gostosinho...

— Cara – exclamou Samir – Ele deve ter uns vinte anos a mais que você.

— E daí? Não estou tentando ficar com o cara. Só estou admirando.

Revirei os olhos, desviando a atenção da discussão dos dois para o discurso do professor:

— Com base nesses fatos, minha tese acerca do comportamento e das crenças da população indígena dessa região do país, indica que o artefato que nossos arqueólogos encontraram está diretamente relacionado a um culto a uma espécie de divindade...

Mal haviam se passado quinze minutos, Leonardo virou-se em seu assento e olhou para nós:

— Ei – murmurou – Querem fazer algo realmente interessante?

— Depende – Renata murmurou, entediada – Tem algo a ver com chutar a sua cara repetidas vezes?

Ele a ignorou, olhando diretamente para Gisele:

— Meu primo faz estágio aqui no museu.

Gisele deu de ombros, parecendo espantada.

— Certo. E daí?

Daí que ele sabe onde eles guardaram o tal artefato indígena. Ele me disse. E eu posso levar a gente até lá.

Nós todos nos entreolhamos, um misto de espanto de apreensão.

— Qual é – ele exclamou – Não estão nem um pouco curiosos pra ver o que é?

Engoli em seco. A verdade é que eu estava curiosa, mas aquilo parecia muito arriscado.

— O que aconteceu com o “não posso arriscar ser vetado do time antes da final do campeonato?” – reclamou Gisele.

— Ah, é questão de esperteza – sorriu Leo – Não vão nos pegar se tomarmos cuidado.

— Bem, com certeza parece mais divertido que ficar aqui — disse Pâmela.

— É, parece legal – comentou Ricardo, com um sorriso. – Eu vou.

Isso acabou com as minhas dúvidas.

— Ok. Tô dentro.

— Gisele? – Leonardo perguntou, esperançoso, olhando para minha amiga.

Gisele parecia em dúvida, mas, vendo que eu aceitei, pareceu tomar sua decisão.

— Bom... Até que pode ser legal, acho.

Renata e Samir também concordaram. Sofia, no entanto, parecia hesitante, os braços ao redor do corpo, como se quisesse desaparecer.

— Você não precisa ir, se não quiser – sussurrei, colocando a mão em seu ombro.

Ela olhou pra mim, os enormes olhos castanhos cheios de dúvidas. Ela respirou fundo.

— Não, não... Eu... Quero ir. – falou, com um sorriso inseguro no rosto.

Meu coração se partiu um pouco. Ela devia estar muito ansiosa para fazer amigos.

— Legal. Só precisamos dar um jeito de arranjar a chave da sala – falou Leonardo, como se fosse a coisa mais simples do mundo.

— Ah, isso – exclamei – E como vamos fazer isso, gênio?

— Todas as chaves ficam na portaria – disse ele, parecendo um tanto ofendido pelo meu tom – Só tem um guarda lá. Só precisamos arranjar um jeito de distrair ele.

Um brilho se acendeu por trás dos olhos da Renata. Eu conhecia muito bem aquela expressão.

— Tive uma idéia – exclamou ela, com um sorriso travesso, cravando os olhos diretamente em mim. – E você vai me ajudar.

— E eu tenho escolha? – suspirei.

Leonardo sorriu, satisfeito.

— Legal. Só tomem cuidado pro dedo-duro não pegar vocês.

O “dedo-duro” em questão era Eduardo, também conhecido como o maior puxa-saco de professores da escola. Ele era sobrinho da diretora, e não perdia nenhuma chance de bajular ela e todo o corpo docente. Também costumava delatar todo aluno que estivesse infringindo alguma regra. Nada escapava do seu radar, exceto, ás vezes, os gêmeos.

Ele estava, previsivelmente, sentando ao lado da professora, numa das fileiras da frente.

— Ele não está prestando atenção – falei – E acho que não vai estranhar se nós duas sairmos. Vai pensar que vamos ao banheiro.

— Ótimo – disse Renata, com um sorriso – Que o plano comece.

Suspirei.

— Que ótimo.

*                                              *                                    *

— Seu guarda, pode dar uma ajuda aqui? Minha amiga está passando mal! – berrei.

Ao meu lado, Renata colocava a mão sobre o estômago e gemia dramaticamente.

— Ainda não acredito que estamos fazendo isso – sussurrei.

— Shhh! Não saia da personagem!

— O que está acontecendo aqui? – o guarda se avantajou sobre nós, saindo do seu posto. Ele era surpreendentemente alto e forte, e por um instante vergonhoso eu paralisei de medo.

— Hã... aahh... A minha amiga aqui não está passando bem, e eu preciso de ajuda com ela – falei.

— Acho que vou vomitar – gemeu Renata, fazendo uma cena e tanto ao simular um refluxo, cobrindo a boca e curvando as costas.

O guarda começou a mudar seu peso de um pé para o outro, parecendo nervoso.

— Moça, sinto muito, mas você não pode vomitar dentro do museu. Você não poderia...?

— Não dá tempo de chegar no banheiro! – exclamei, tentando implantar a maior urgência possível na voz – Você não teria um balde ou um saco ou algo assim com você?

O guarda respirou fundo, parecendo ligeiramente aborrecido com a situação toda.

— Não saiam daí – disse – Vou pegar um balde no armário de limpeza.

— Pode, por favor, trazer uma água também? – gritei, enquanto ele se afastava.

Tão logo ele sumiu de vista, Renata parou com o teatrinho e me encarou com a expressão frenética.

— Beleza. Vamos procurar essas chaves – exclamou, me arrastando para dentro da portaria – Você procura nas gavetas que eu olho dentro dos armários.

Com o coração retumbando nos ouvidos, vasculhei rapidamente as gavetas. Na primeira, uma caixa de lenços e três lápis. Segunda: Uma pilha de moedas e ingressos pro show de uma banda underground da cidade. Na terceira, inexplicavelmente, um patinho de borracha. Nada de chaves.

Senti o sangue gelar nas veias. O guarda podia voltar a qualquer momento.

— Achei! – exclamou Renata, sacudindo gloriosamente um molho com umas dez chaves tilintando. – Até que foi fácil!

— Legal, agora esconde isso e vamos sair daqui – sussurrei, já correndo pra fora da portaria.

Mal havíamos pisado para fora, o guarda voltou com um balde numa mão e uma garrafa de água em outra.

— Ahh, na verdade, já estou me sentindo muito melhor – sorriu Renata, com sua maior cara de inocente. – Não preciso do balde. Mas aceito a água, obrigada.

— Se cuide, garota. – disse o guarda, dando tapinhas gentis no ombro de Renata e voltando ao seu posto.

— Eu meio que me sinto mal por enganar ele desse jeito – murmurei enquanto fazíamos o caminho de volta – e se ele se encrencar por nossa causa?

— Ah, nós vamos devolver as chaves antes que alguém sequer perceba – assegurou ela.

Voltamos aos nossos lugares, ambas com um sorriso de vitória nos lábios.

— Conseguimos! – exclamou Renata, sacudindo o bolso para fazer ouvir o leve barulho das chaves sacudindo.

— Beleza – sorriu Leo – Agora é só esperar um pouco pra gente ir...

— Peraí – exclamou uma voz por trás de nós.

Perplexos, todos viramos a cabeça. Paulo estava debruçado em sua cadeira, sorrindo alegremente pra nós.

— Queremos ir também – disse.

Gisele levantou a sobrancelha, parecendo espantada.

— Quê?

— Ouvimos que vocês estão querendo ir ver o bagulho que os arqueólogos encontraram – disse Daniel, surgindo por trás do irmão – E nós quatro também queremos ir.

— Quatro? – perguntei, já temendo a resposta.

Bernardo e Eric se inclinaram, ficando visíveis. Bernardo torcia as mãos, parecendo nervoso.

— Não tenho certeza se é uma boa idéia – disse – E se pegarem a gente?

— Deixa de ser medroso, grandão – riu Paulo – É só a gente ser esperto.

Era uma fala perigosamente parecida com a de Leo.

Eric deu de ombros, parecendo meio entediado.

— Com certeza deve ser melhor que essa porcaria de palestra.

Era a primeira vez em anos que eu ouvia a voz dele. Era grossa e meio rouca, nada parecida com o agudo infantil que eu me lembrava.

Nossos olhares se cruzaram por um instante, e alguma coisa brilhou nos olhos dele – reconhecimento, talvez? – Mas eu desviei o olhar antes de poder descobrir.

Leo olhava para os quatro com um misto de divertimento e tédio.

— Não vejo porque não – deu de ombros – Podem vir.

— Hã... Não vai parecer meio suspeito um grupo desse tamanho sair assim do auditório? – falei.

— Vamos sair aos poucos – sugeriu Ricardo – Um grupo sai primeiro, esperamos um tempinho, e outro sai. Assim ninguém vai perceber. Nos encontramos todos lá no fim do corredor.

Todos concordamos. Eu, admito, estava começando a ficar um pouco empolgada com aquilo tudo. Quebrar regras costuma ter esse efeito nas pessoas.

Se ao menos eu soubesse o que estava por vir...


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