Os Treze Guardiões escrita por Miss Lidenbrock


Capítulo 19
O passado que retorna


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é importantíssimo pra história, então estou muito feliz em posta-lo
Se segurem que a coisa vai ficar louca!



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Eu estava sonhando.

Como eu sabia disso? Nem eu sei explicar.

Mas a atmosfera das coisas parecia diferente, as bordas borradas, como se eu estivesse presa em um retrato muito antigo. A paisagem era familiar, claro; eu estava no bosque. Mas onde no bosque?

Eu estava olhando para uma pequena cabana de madeira, que parecia ter sido construída às pressas e poderia ser levada a qualquer mínima ventania. Eu não conhecia o lugar, mas de alguma forma, havia alguma coisa ali que me chamava.

De repente, ouvi passos. Assustada, olhei pra trás pra me deparar com a silhueta de um homem se aproximando.

Mal ele chegara à luz, eu o reconheci: O homem do sonho.

Esperei que ele fosse me notar, talvez falar comigo, mas não. Passou direto, como se eu nem estivesse ali.

Observei-o caminhar. Ele estava diferente do meu sonho anterior. Parecia muito mais jovem, talvez alguns poucos anos mais velho que eu. E seus olhos não eram mais os de tigre – eram castanhos e normais. Parecia um garoto comum.

Exceto, é claro, que estava andando sozinho no meio do bosque, rumo a uma cabana abandonada.

Antes que eu pudesse pensar bem a respeito disso, comecei a segui-lo. Algo me dizia que ele não podia me ver ou ouvir, então o segui de perto, meus instintos gritando que o que quer que ele fosse fazer naquela cabana, eu devia presenciar.

Ele entrou, e eu fui logo em seguida. Estava escuro, mas pra minha visão noturna isso não era um problema.

A cabana era repleta de objetos velhos. Baldes de madeira e cordas, cadeiras com uma perna faltando, vassouras empenadas. Era como se alguém houvesse tentado fazer um depósito no meio do bosque, e depois o abandonado.

O garoto olhava para os lados, como se procurasse alguém. Nós dois nos sobressaltamos então quando a porta se escancarou, e uma figura pequena e ágil se atirou sobre ele.

— Lauro! – exclamou uma voz feminina – Eu achei que não fosse vir, mas você está aqui, está aqui! Eu demorei um pouco, pois a Senhora Guimarães não quis me liberar do serviço tão cedo, mas...

O garoto – Lauro – afastou-a de seus braços gentilmente, mas não tão gentilmente que não a deixasse magoada.

— Jaqueline, Jaqueline, pare – ele murmurou apressadamente – Fale baixo, não queremos que alguém nos ouça.

Jaqueline mordeu o lábio inferior, parecendo chateada. Era uma bela moça de pele escura e cabelos negros trançados até o meio das costas. Tinha olhos muito escuros e levemente puxados, o que sugeria ascendência indígena. Então eu percebi – era a mesma garota da foto que Renata encontrara. Lauro Portell e Jaqueline França.

— Não há ninguém por perto para nos ouvir – falou ela, ressentida – Sabe disso, Lauro.

— Não podemos nos arriscar – Lauro sussurrou apressadamente – As coisas estão ficando piores, Jaque. Minha família já não quer que eu seja visto com você. Querem que eu me case com Martha, você sabe. Nossas famílias vêm de linhagens bruxas muito antigas. Acham que uma união seria muito proveitosa.

Eu podia ver a dor no rosto de Jaqueline, e me penalizei por ela. Parecia tão pequena, tão frágil.

— Mas você me ama – ela fitou Lauro nos olhos, esperançosa – Não ama?

Lauro passou as costas de sua mão delicadamente no rosto dela, que suspirou de prazer.

— Amo – sussurrou – Claro que amo.

Mas meus ouvidos sensíveis ouviram o tremor que as palavras continham.

Jaqueline não ouviu o tremor. Seu rosto se abriu em um sorriso resplandecente.

— Então, daremos um jeito – ela assegurou, e se inclinou para beijá-lo.

Diante daquela cena íntima, eu me senti imediatamente desconfortável. Sabia que era um sonho, uma lembrança do passado – parecia real demais para ser apenas fruto da minha mente – e que eles não podiam me ver ou ouvir, mas ainda assim, invadir aquele momento parecia errado.

Os dois enfim se separaram, e agora Jaqueline ostentava uma expressão preocupada.

— Hoje é o grande dia – murmurou ela – Diógenes já está reunindo os outros na mansão. Mas... – ela suspirou, temerosa – Não sinto que estou preparada.

Lauro tomou as duas mãos de Jaqueline, segurando-as com firmeza.

— Temos que estar preparados – disse ele – É o nosso dever jurado. É a única maneira de cessar esta guerra.

Um pequeno sorriso coloriu o rosto de Jaqueline. Lentamente, ela tocou uma mecha do cabelo de Lauro.

— E, quando a guerra acabar, fugiremos juntos – prometeu.

— Sim – Lauro concordou, mas seu olhar era vazio e distante – Fugiremos juntos.

Eles se beijaram novamente, e eu contive o impulso de me virar de costas.

— Mas, por enquanto, temos de manter as aparências – falou Lauro – Eu vou à mansão de Diógenes primeiro. Terei de sentar ao lado de Martha, você sabe – Jaqueline balançou a cabeça, e Lauro colocou a mão sob seu queixo com firmeza – Será apenas uma encenação. Você espere um pouco antes de ir para lá. Não podem suspeitar que estivemos juntos.

Resignada, Jaqueline assentiu. Lauro deu outro beijo rápido em seus lábios antes de virar de costas e sair pela porta.

Observei Jaqueline passar os braços em volta do corpo e suspirar. Após um segundo de hesitação, decidi seguir Lauro e ver o que aconteceria.

Lauro era rápido, mas eu era mais. Com meus reflexos melhorados, conseguia correr pelo chão acidentado do bosque com facilidade.

Por fim, ele parou, e eu estanquei no lugar, olhando para a visão a minha frente com assombro.

Estávamos diante de uma mansão imensa, de mármore branco, com colunas graciosas ladeando a entrada. Um chafariz elegante com uma escultura de fauno derramava água lentamente à frente. Parecia uma visão de contos de fadas.

Acima da grande porta de madeira, havia uma inscrição dourada:

Nos sumus filii lucis.

De alguma forma, eu consegui entender o significado: Somos filhos da luz.

As ruínas, percebi. É assim que eram antes de serem destruídas.

 

Lauro espalmou a grande porta, e, simples assim, ela abriu. Corri para me juntar a ele antes que fechasse e adentrei o recinto.

O interior era tão lindo quanto seu exterior. O piso de granito chegava a brilhar de tão límpido, e havia mais e mais coluna ladeando as paredes brancas. Quadros pendurados mostravam paisagens de sonho, lindos bosques, praias e montanhas.

Segui Lauro ao longo de um comprido corredor. Paramos diante uma porta branca, e, mais uma vez, Lauro só precisou tocá-la com a mão para abri-la.

Soltei o ar, estupefata.

O salão que aquela porta revelou era imenso. Seria inteiramente branco e claro, não fosse uma longa janela que mostrava a paisagem do bosque com clareza e esplendor.

No centro do salão havia um grupo de jovens, todos mais ou menos da idade de Lauro. Contei-os, e havia dezesseis deles.

E, no centro dos jovens, havia um homem – um homem velho, tão frágil quanto um idoso poderia ser. Se apoiava em uma bengala de madeira, e sua pele era tão fina que eu temi que pudesse se partir a qualquer momento.

— Lauro – disse o idoso, a voz surpreendentemente firme – Está atrasado.

— Peço perdão, mestre Diógenes – Lauro se curvou respeitosamente, e eu percebi, por intuição ou algo mais, que aquele senhor era um bruxo – um muito poderoso.

— Não há o que perdoar, filho. Sente-se. – Diógenes abriu um sorriso gentil, e eu senti uma onda de afeição por aquele senhor que eu jamais conhecera e jamais conheceria.

Lauro se sentou na roda em silêncio, ao lado de uma garota de postura altiva, com longos cabelos dourados presos em um coque e olhos verdes como relva. Esta deve ser Martha, pensei.

Diógenes olhava o círculo de jovens, parecendo contar em silêncio.

— Muito bem, creio que estamos quase todos aqui – ele suspirou – Só falta...

— Estou aqui! – exclamou uma voz vinda do outro lado do salão, seguida de passos apressados. Olhei, e vi Jaqueline entrar estabanada, os cabelos negros escapando das tranças.

Alguns jovens dentro do círculo deram risadas de escárnio.

— Olha só – falou um deles. Tinha cabelos castanhos até os ombros e um rosto bonito, mas sua expressão era cruel. – A pequena mestiça chegando atrasada, como sempre.

 

— Ei! – interrompeu um outro jovem. Este tinha longos cabelos escuros e era bem parecido com Jaqueline. – Não fale assim da minha irmã!

Não fale assim da minha irmã — repetiu o outro, com escárnio.

Olhei de relance para o irmão de Jaqueline. Havia algo nele de extremamente familiar – mas o meu eu do sonho não conseguia lembrar o quê.

— Basta, Leônidas – disse Diógenes para o rapaz de cabelos castanhos, que imediatamente se calou, parecendo ressentido. – Criança, venha se juntar a nós.

— Claro, mestre – ela se curvou, e, reparando o sorriso de Diógenes ao fita-la, percebi que ele nutria grande afeição pela menina.

Jaqueline sentou-se ao lado do irmão – cuja presença ainda me incomodava – e eu não pude deixar de perceber que Lauro ignorara totalmente sua presença, nem mesmo se pronunciara diante do comentário de Leônidas.

— Muito bem – disse Diógenes, quando todos se calaram – Todos vocês sabem por que estão aqui.

Todos agora estavam no mais completo e tenso silêncio. Ostentavam expressões sérias nos rostos. Pareciam tão jovens, e, ao mesmo tempo, tão velhos. O mais velho dali devia ter provavelmente vinte anos, e o mais novo parecia ser um garoto baixo e corpulento, que aparentava ter treze.

— As forças das sombras estão acercando o poder – continuou Diógenes. – Nosso inimigo está se aproximando. Kaî – ele fez uma pausa – Está se aproximando.

Ao som daquele nome, todos pareceram prender a respiração.

— Por isso, reuni vocês, meus melhores pupilos, para fazerem esse feitiço perigoso – disse ele – Para que então possam proteger nosso povo, nosso santuário e todo o mundo. Todos vocês voluntariamente se propuseram a realizar esta magia, mas digo, com sinceridade que ainda há tempo, e não há vergonha, em desistir. Algum de vocês deseja se retirar do salão?

Todos se entreolharam, um desafiando o outro a dar pra trás, em silêncio. Alguns pareciam nervosos, até apavorados, mas ninguém se pronunciou.

— Muito bem – Diógenes bateu a bengala no chão, como se para enfatizar o momento. – Comecemos, então.

E ele se retirou do círculo.

Novos murmúrios percorreram os jovens.

— Hum... senhor? – Uma voz se ergueu. Martha – Não irá realizar o feitiço conosco?

— Oh, não, minha querida – Diógenes sorriu gentilmente – Este trabalho é para os jovens, não para velhos acabados como eu. Meu filho, ele sim, foi preparado para comandar o feitiço.

Então, um dos jovens se levantou. Era alto e magro, tinha cabelos cacheados e bochechas rosadas. Era obviamente filho de Diógenes, mas me lembrava mais alguém – alguém que, mais uma vez, de maneira frustrante não consegui lembrar.

Um burburinho percorreu o círculo. Aparentemente, nem todos acreditavam que o menino seria capaz de realizar o feitiço.

Diógenes ignorou isso, assim como o menino. Ele ostentava uma expressão bem serena no rosto.

— Arturo – comandou Diógenes para o filho – Pegue a âncora do feitiço.

Então Arturo, com cuidado, pegou um objeto e depositou no centro do círculo.

A pedra.

 

Eu a reconheceria em qualquer lugar – e lá estava ela, embora parecesse mais nova, e mais brilhante.

— Lembrem-se – falou Diógenes para o grupo – Os animais que se voluntariaram para o feitiço o fizeram de bom grado, em prol da proteção do mundo e de nosso santuário. Eles os escolherão com base em suas essências e personalidades. Vocês devem louvá-los e lhes ser gratos.

Todos os jovens fecharam os olhos e se curvaram, como se reverenciassem alguém.

— Agora, Arturo – disse Diógenes – O feitiço.

Arturo então pegou do chão um livro imenso, com aspecto amarelado e velho, parecendo muito pesado. Eu percebi com um palpitar de coração que esse era o livro de feitiços – o mesmo do qual surgiram as páginas que me transformaram e aos meus amigos.

Com cuidado, Arturo começou a ler.

Eu percebi a mudança na sala de imediato. O ar pareceu parar, como se estivesse prendendo a respiração.

Então, as cortinas da janela se fecharam sozinhas, e, do nada, dezenas de velas incandescentes se ascenderam no salão. O vento – que eu já esperava – começou a soprar com força no recinto, mesmo sem haver nenhum lugar de onde ele pudesse se originar.

As palavras do feitiço eu reconhecia. Eram as mesmas que Sofia havia lido.

E então eu vi.

 

Uma fumaça espiralada saiu de dentro da pedra – e se espalhou pelo salão inteiro. A fumaça, então, passou a tomar formas. Identifiquei um urso, um falcão, uma raposa.

As formas então começaram a se desprender, cada qual escolhendo um hospedeiro, entrando em seu peito. Olhei fixamente para Lauro, e vi a forma esfumaçada de um tigre penetrar seu peito, enquanto seus braços tremiam.

Tudo acabou tão rápido quanto começara. A fumaça sumiu. O vento cessou. Arturo fechou o livro.

Lentamente, os jovens abriram os olhos. Pareciam os mesmos, mas diferentes – não eram mais os únicos em seus corpos.

Diógenes deu um sorriso e abriu os braços.

— Isso – exclamou – Sejam bem vindos, guardiões.

A imagem começou a ficar borrada, a voz de Diógenes distante, e eu me vi em meio a um pequeno redemoinho onde tudo era um borrão – nada mais fazia sentido.

Então acordei.

 *                                            *                                              *

Acordei ofegante, como se houvesse corrido uma maratona.

Eu não sabia onde estava, e, olhando em volta, percebi que era um lugar escuro, frio e úmido – uma caverna, talvez?

O sonho já estava se desvanecendo da minha mente, e eu apeguei firmemente a todos os detalhes.

Havia muito o que pensar sobre ele, mas eu só conseguia pensar em uma coisa.

Haviam dezoito pessoas naquele círculo. Dezoito guardiões.

Mas nós éramos treze.

Então, onde estavam os outros cinco?


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Notas finais do capítulo

QUERO AS TEORIAS DE VOCÊS NA MINHA MESA



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