POV. Linda

— Gente, acabei de lembrar que tenho uma coisa pra contar pra vocês! — A Sarah diz enquanto estamos com a Ray, a Kimi, a Fran, a Liv e a Ashlyn almoçando na nossa mesa de sempre do refeitório da escola. — Lembram que eu disse que já tinha visto o Henry antes e vocês não acreditaram? Então, eu descobri onde foi! Lá perto da minha casa tem um abrigo de cães, eu tava passando por lá no sábado e ele tava lá! Aí eu lembrei que uns dias antes das aulas começarem eu o vi no mesmo lugar!

— Tem certeza que era ele? — A Fran pergunta.

— Absoluta!

— E você foi falar com ele, né? — Quem pergunta agora é a Kimi.

— Na verdade não... Eu tava com pressa pra chegar em casa, tinha um monte de doces pra fazer... — a família da Sarah tem uma cafeteria. — Eu voltei no domingo, só que ele não tava lá. Mas vocês não percebem o que isso quer dizer? Ele provavelmente trabalha no abrigo, ou pelo menos gosta de visitá-lo, o que significa que é uma pessoa sensível.

— Quem gosta de animais geralmente é... — Ray comenta.

— Exatamente! Ou seja, eu tava certa, ele não é como os outros jogadores.

— Vendo por esse lado... — diz a Ashlyn. — Mas eu ainda não confio nele, pra mim ainda parece ser metido.

— Concordo com a Ashlyn — eu falo. — Você mesma disse que não chegou a falar com ele, então você não sabe o que ele tava fazendo nesse abrigo; talvez tenha feito alguma coisa muito idiota e o pai tenha colocado ele pra trabalhar lá como castigo...

A Liv começa a rir neste momento. Se tem alguém que não vai com a cara dos populares da escola é ela.

— Ai, que mania vocês têm de julgar os outros... — Sarah reclama. —Eu acho que ele vale a pena. Vou tentar alguma coisa... quer dizer, se você deixar, Ray.

— Eu? Por quê? O que eu tenho a ver com isso?

— Ué, você foi a primeira a ver ele e, sabe a nossa regra, quem viu primeiro, pega? — Sim, elas têm uma regra assim... Sem comentários!

— Ah, tá! Pode ficar tranquila, ele é todinho seu. Eu não tô a fim de gostar de ninguém tão cedo...

Recapitulando a última "história de amor" da Ray: ela inventou de gostar de um menino que já tinha namorada, aí, por mais que a minha amiga fosse muito discreta, a tal namorada (o nome dela é Rachel) percebeu que a Ray tava de olho nele e começou a ameaçá-la de várias formas. Foi assustador! Mas o lado bom é que a Rachel tá fazendo terapia agora.

— Olha, Sarah — a Ashlyn fala —, por mais que eu não vá com a cara do Henry, apoio a sua decisão, até porque, de todas nós, você é a que geralmente está certa sobre o caráter das pessoas. Aliás, se qualquer outra de vocês chegasse a gostar de um jogador idiota, eu iria apoiar, até porque essas coisas do coração a gente não escolhe, né?

Não sei se foi impressão minha, mas acho que a Ashlyn deu uma olhadinha pra Fran ao dizer isso... Será que ela também tá a fim de um jogador? O que tá acontecendo com as minhas amigas??? 

Bom, sobre o possível boy da Fran eu não posso opinar, já que nem sei quem é; mas eu acho um erro a Sarah ficar insistindo nessa coisa de achar que o Henry é diferente. E daí que ele tava no abrigo de cães? Ela disse que não faz nenhuma aula com ele e que mal o vê na escola, ou seja, não tem como ela saber como ele é, só que eu tô na turma de geografia dele e sei exatamente. Pra começar, ele fica o tempo todo conversando com a Claire, uma daquelas patricinhas de cabeça vazia, eles agem como se fossem as únicas pessoas na sala e os outros fossem invisíveis. É irritante! Eu tenho certeza de que ele nem se lembra mais do meu nome, deve ter esquecido que eu fui uma das primeiras pessoas a falar com ele na escola...

Além disso, como todo atleta (tirando a Ray) que se preze, ele não estuda nada. Por que esse povo tá escola, afinal? E ele não só tem desprezo pelos estudos, como pela leitura em geral, é uma daquelas pessoas que, se vir alguém com um livro, já fica com um ar de deboche. Coitados, são tão burros... Um dia desses, por exemplo, eu tava lendo um dos livros de Sherlock Holmes e ele, provavelmente achando que eu não tava percebendo, me olhou desse jeito. Eu geralmente não ligo, mas fiquei com raiva. Talvez pelo fato de que, na primeira impressão, eu realmente achei que ele fosse legal...

~~

POV. Henry

Eu não falei mais com a Sarah depois daquele dia. Na verdade, quase não a vejo na escola, já que ela não faz nenhuma aula comigo e andamos com grupos diferentes. Eu tô na mesma turma de biologia da Ray, uma das amigas dela daquele dia, e na de geografia de outra delas, que eu ainda não decorei o nome; mas também não falo com elas. Às vezes não parece, mas eu posso ser bem tímido, e, como eu nem conheci essas meninas exatamente, só falei meu nome e elas os delas, não tem porque eu me esforçar pra ser amigo delas.

Além disso, a Ray eu não sei, mas a da aula de geografia (acho que o nome dela começa com L...) não vai com a minha cara. Bom, quando tá sozinha ela geralmente está com o nariz enfiado em algum livro, mas, quando não, fica me olhando de um jeito estranho, como se estivesse me julgando. Teve um dia que eu a vi lendo no corredor do colégio, aí eu tentei ver qual era o livro. Sabe, eu tenho essa coisa: sempre que vejo alguém lendo um livro, quero saber qual é, mas não gosto de perguntar pra pessoa por não querer atrapalhar a leitura dela. Só que, antes que eu pudesse ver o título, a menina me fuzilou com aqueles olhões azuis que dão medo e eu achei melhor parar de olhar antes que ela me matasse.

Enfim, as pessoas com quem eu ando são os caras do meu time, as líderes de torcida (uma delas é até amiga da Sarah, mas com ela eu não falo muito) e a Claire. Eu não tenho certeza se realmente gosto dessas pessoas, mas pelo menos não fico sozinho aqui na escola... Ah, falando nisso, lá vem a Claire, minha maior companhia nos últimos dias.

— Oi, gatinho. Posso falar com você um minuto? É importante!

Importante? Espero que seja ajuda com a matéria de geografia, porque eu tô precisando!

— Sabe o Brad? — Ela continua.

— Seu namorado?

— Bom, agora ele é meu ex-namorado. Ele começou a andar com um pessoal esquisito da aula de artesanato... Credo! Não deu pra continuar com ele depois dessa, né? Então eu preciso de um novo namorado, mais popular, e pensei em você!

— O quê?!

— É, pensa bem: se a gente namorar, nós dois vamos ficar ainda mais populares e aí...

— Espera! Eu sei que já ficamos amigos e tal, mas nos conhecemos há muito pouco tempo não dá pra...

— Ah, sobre isso, não precisa se preocupar! É só a gente não namorar de verdade, mas não conta pra ninguém, hein?

Eu tenho um monte de perguntas sobre essa ideia louca, mas acho que a seguinte resume todas:

— Por quê?

— Porque você não quer namorar de verdade e, sinceramente, por mais que você seja muito atraente e tal, eu também não tô interessada desse jeito...

— Não, por que você precisa fazer isso? Se terminou com o Brad e não gosta de mais ninguém, por que não fica solteira?

— Você não entende nada, né, Henry? Eu preciso zelar pela minha popularidade e, pra isso, preciso estar com as pessoas certas e não posso, em hipótese alguma, ficar solteira por muito tempo. Eu não sou líder de torcida, só sou bonita, você sabe quantas meninas bonitas na escola não são populares? Pois é, e eu preciso ser uma das princesas no baile da primavera... — E ela continua falando mais um monte de coisas sobre a importância da popularidade dela.

Eu sei que parece muita besteira e, sinceramente, dá vontade de nem prestar atenção no que ela diz, mas, por incrível que pareça, eu entendo essa preocupação da Claire com a popularidade. O que ela na verdade quer é ser aceita pelas pessoas da escola. Eu entendo porque sei bem como é isso...

No Ensino Fundamental eu não tinha amigos, ficava o tempo todo sozinho pelos cantos, lendo, e as pessoas me achavam estranho. Como eu sempre gostei de jogar futebol com o meu pai e o meu irmão, decidi tentar entrar pro time do colégio quando entrei no Ensino Médio e aí as coisas começaram a mudar: num piscar de olhos eu ganhei amigos, namoradas e deixei de ser um estranho. Mas, por medo das coisas voltarem a ser como antes, eu procuro não ler mais em público, vai que eu volto a lanchar sozinho no banheiro?

Enfim, voltando à história da Claire, eu não tava com a menor vontade de ser o namorado falso dela, mas ela insistiu tanto, mas tanto, que eu acabei ficando com pena e... não consegui dizer "não". Aliás eu tenho um pouco de dificuldade em dizer essa palavra pras pessoas... Bom, nós vamos resolver direito como vai ser esse namoro, estabelecer umas regras e tudo mais ao longo desta semana, e começaremos a farsa na semana que vem. Eu só espero que ninguém descubra essa palhaçada...