Pieces: Em Pedaços escrita por Moonkiss


Capítulo 1
Imagem (parte I)


Notas iniciais do capítulo

Olá, honeys! Então, essa é a primeira fanfic que posto sobre GaaHina, meu OTP. Além disso, fico feliz em estar a compartilhando com vocês por conta da mensagem que ela transmite. Esse primeiro capítulo e o próximo contarão um pouco sobre a vida dos protagonistas, hoje é a vez do Gaara. Como podem ver, é uma songfic, e a música tema dela se chama “Pieces” da banda Red. Cada capítulo terá uma música também.
Enfim, boa leitura! ♥



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Então eu vejo sua face, sei que finalmente sou seu. Encontro tudo o que pensei que tivesse perdido. Você chama meu nome, eu vou até você em pedaços, para que então possa me completar.

— Pieces, Red.

 

Capítulo I – Imagem (parte I)

Escrito por @Moonkiss

 

Sente-se e beba chá de poejo. Destile a vida que está dentro de mim. Sou um mentiroso e um ladrão, sou a realeza anêmica.

— Pennyroyal Tea, Nirvana.

• • •

Gaara

 

Seus olhos são como os de um ser cruel e assustador. Tem uma áurea opressiva, uma verdadeira encarnação do ódio. Me encara com tal barbaridade que a qualquer momento eu poderia me render aqui mesmo, já com as forças perdidas. É uma figura desumana, extremamente mórbida e doentia. Ele é o meu pior inimigo. Mas infelizmente não seria capaz de derrotá-lo, porque a covardia toma posse de mim. Ferido, minha respiração descompassa; o único som que se pode ouvir no lugar, além do gotejar do meu sangue sobre o chão. Chega a ser angustiante até para mim. Seu corpo, fraco e delgado, acompanha perfeitamente os poucos movimentos que eu faço. Aquilo me irrita na alma. Conforme ia apertando os cacos de vidro que seguro, corto ainda mais minha pele. Trêmulas e frias, minhas mãos sangram constantemente, porém, não sinto mais dores. Eu agora com todas as letras havia enlouquecido de vez e aquela criatura a minha frente é a culpada. Rangi os dentes em apenas cogitar essa ideia.

— Gaara? Posso entrar, amigão?

Virei a cabeça para o lado esquerdo e olhei a porta da suíte quando ouvi a voz de Naruto me chamar. Por uns segundos pensei em não respondê-lo. Observei ao meu redor e de forma alguma podia deixá-lo ver o estado do banheiro, que mais parecia um cenário de filme de terror depois do meu surto psicótico. Voltei a atenção novamente para o espelho diante de mim, agora quebrado por inteiro, e afrontei mais uma vez o meu reflexo. Franzi a testa e os lábios. “Desprezível!”, sussurrei para mim mesmo, finalmente retirando a mão do que sobrou do refletor e abrindo a torneira da pia para limpar todo aquele sangramento.

— Já vou! — bradei, lavando as mãos e recolhendo cada fragmento de vidro visível cravado na pele.

Vez ou outra suspirava de dor. No entanto, a agonia física não era problema. Tudo aquilo que havia ocorrido ainda estava sendo digerido bem devagar na minha mente. Numa espécie de flashback, vi o exato instante em que cerrei o punho com tamanha força e, tal qual uma flecha sendo arremessada, acertei o espelho através de um soco.

Nunca tive a proeza de controlar meus impulsos, mas devo reconhecer que agora ultrapassei os limites. Em minhas veias ainda circulava sangue quente. Quente o suficiente para me sentir chamuscado por dezenas de labaredas de fogo. É notável que Sasuke e eu guardamos uma certa rixa um pelo outro desde que nos conhecemos, entretanto, jamais imaginei que fôssemos brigar como há poucos minutos. Após toda aquela confusão, provavelmente a Fire Will* estava acabada. Eu pelo menos não voltaria à banda, não para voltar a trabalhar com ele.

Assim que terminei — ou pelo menos a metade —, molhei o rosto salpicado de sangue e fechei a água. Já que estava seminu, tendo somente uma toalha enrolada na parte inferior do corpo devido ao banho que tomara, rapidamente saí do cômodo e o tranquei, me deparando com meu quarto e peguei minhas roupas em cima da cama, logo as vestindo. Depois eu cuidaria do toalete. Acabando de passar um desodorante spray, o qual joguei no colchão despreocupadamente depois do uso, pus uma camisa preta de mangas compridas e penteei meus cabelos com os próprios dedos, pronto para atender Naruto.

Trancara meu quarto com todas as voltas que eram possíveis de dar-se na fechadura. Sabia que caso não fizesse isso os caras viriam recitar mil e um sermões, algo que eu tentaria evitar nas próximas vinte e quatro horas ou mais. Só então pude sentir gotículas de suor escorrerem pelas minhas têmporas enquanto caminhava a passos largos rumo à entrada. Destranquei a porta, me deparando com ele.

Naruto tinha um olhar preocupado, mas sua expressão facial era séria. Trazia consigo um prato de fatia de pizza e um copo grande de Coca-Cola. Deduzi que era para mim e de repente meu estômago roncou ao sentir o cheiro da comida. Desconcertado com o ato prestativo dele, pigarreei e me mantive indiferente.

— Entre.

Assim como eu dissera ele fez. Adentrou o quarto em silêncio, logo se sentando na beirada da cama e deixando o lanche em cima do criado-mudo ao lado. Fechei e encostei-me na porta de braços cruzados, ainda inexpressivo.

— O que você tem? — perguntou com um ar desconfiado, me observando. Arqueara uma sobrancelha, parecendo analisar cada ação minha. Engoli seco e fingi apatia outra vez.

— A que se refere, Uzumaki?

— Você, ora, parece que está me escondendo alguma coisa...

Naruto Uzumaki, de um modo bem esquisito devido as nossas diferenças de personalidade, é meu melhor amigo e posso contar com ele para o que der e vier. Mas não permitiria que soubesse dos meus minutos de inlucidez. Embora ele guardasse meus segredos, há muitas coisas que eu acumulo para mim mesmo. Deposito minha confiança nele, todavia não sinto total liberdade para conversar sobre absolutamente tudo. Então simplesmente estreitei o olhar e forcei ignorância na voz:

— Se veio aqui pra me encher o saco, pode indo embora.

— Não seja infantil, Gaara! — rebateu, quase gritando — Sei que você tá com raiva do Sasuke e tem razões concretas pra isso, mas não precisa se trancar feito uma princesinha presa numa torre e ignorar todos nós!

— Olha, Naruto, acho melhor você sair antes que eu me aborreça com você também. — esbravejei de volta, retribuindo também o mesmo semblante enraivecido. Naruto automaticamente pôs-se de pé, afirmando cheio de convicção:

— Eu vim aqui pra conversar contigo e não vou sair até fazer isso!

Contendo-me a fim de não respondê-lo com grosseria, continuei parado e fechei os olhos fazendo uma contagem progressiva mentalmente. Não queria falar com ninguém enquanto minha cabeça não estivesse fria, pois sabia que se isso acontecesse geraria mais discórdias. É inexplicável o quão grande é a minha raiva nesse momento. Não apenas por causa da minha discussão com Sasuke Uchiha, afinal, jamais iria me chatear a esse ponto unicamente por ele, mesmo que eu o odiasse. Sabe quando todos os seus tormentos resolvem unir-se e formar um só pesadelo? Segurei o queixo, descruzando um braço e apoiando o cotovelo no outro no segundo em que parei de contar.

— Fale logo o que você quer. — pedi num tom inflexível, ainda de olhos fechados. O ouvi retornar à cama. Ele abrandou o timbre de voz:

— Não saia da banda. Pense nos nossos fãs! Você é o vocalista, é praticamente o ícone da Fire Will, todos sentiriam sua falta! Tô ligado que você e o Sasuke não se dão bem, mas pense como eles ficariam arrasados... não deixe uma briga idiota acabar com o seu sonho. Você sonhou em ser cantor e compositor durante a vida inteira, não desista agora!

Apesar de Naruto ser atrapalhado na maioria das vezes, ele compreende esse meu objetivo e é uma pessoa surpreendentemente motivadora e positiva. Desde a pré-adolescência aquilo realmente tornou-se o meu maior sonho. A música, por um milagre, é a única coisa que me faz sentir vivo, que me faz ter esperanças. Ele está certo. Independentemente das dificuldades, não posso jogar por terra tudo o que eu um dia sonhei para a minha vida. Abri as pálpebras e o olhei, desfazendo aquela irritação anterior e dando lugar ao arrependimento.

— Você tem razão...

— Sempre estou certo! — disse sorridente, mostrando o polegar num sinal afirmativo — Faz um esforço pelos nossos fãs! Sasuke é bipolar, daqui a pouco ele aparece aqui e acaba fazendo as pazes contigo de novo.

— Depois do que eu ouvi seria impossível perdoá-lo. — murmurei, revirando os olhos e indo para onde ele estava com as mãos no bolso da calça, me sentando ao lado dele. Naruto colocou a mão em meu ombro e falou calmamente:

— Gaara, lembre-se: pelos nossos fãs e pelo seu sonho!

— OK, Naruto, já entendi. — bufei, empurrando levemente a mão dele dali. Nesse momento, senti uma dor aguda, obra dos pedaços de vidro restantes na minha pele. Me controlei como se nada tivesse acontecido — Mas não vou aceitar gracinhas novamente, tá legal? Ele sempre faz isso, ele acha que o mundo gira em torno dele!

— É tenso lidar com o Sasuke, mas depois você se acostuma. Neji conversou com ele, então tá suave!

— Beleza então.

Neji, um dos membros da Fire Will e responsável pela guitarra solo, também é considerado o “cérebro” do grupo em virtude de sua inteligência e competência. Geralmente nós concordávamos em tudo e grande parte de seus gostos eram semelhantes aos meus. Por conseguinte, confiei nas palavras de Naruto, pois eu de certa forma admirava o Rapunzel — apelido dado a ele graças aos seus cabelos compridos.

— Ha, ha! Agora vamos lá para baixo, os caras estão preocupados com você. — sugeriu com um sorriso, levantando-se e me chamando através de um gesto.

Conquanto eu aparento estar bem, aquelas dores somente aumentavam enquanto me mexia. Tinha que despistar Naruto o mais rápido possível, caso contrário as coisas iriam piorar. Aproveitava as mangas longas da camisa e tentava esconder desde a chegada dele os meus ferimentos. Numa tentativa de fazê-lo ir embora, recusei o convite, sendo áspero e desviando o olhar dele.

— Não estou a fim de vê-lo tão cedo.

— Quem, o Sasuke? Aquele maldito não está aqui, foi pra casa da Sakura!

— Não sei como ela consegue aguentá-lo... — indaguei, balançando a cabeça negativamente e escorando os cotovelos sobre os joelhos.

— Isso é o que eu chamo de amor verdadeiro! — ele exclamou, ajeitando seu moletom de cor laranja berrante. Subitamente apontou para o lanche esquecido em cima do móvel, surpreso — Ih, é, não vai comer? A pizza de bacon já deve ter esfriado!

Vi a comida e estiquei o corpo para me aproximar dela, a fim de apanhá-la. Peguei o prato e o pus sobre meu colo. Por reflexos, percebi que Naruto me acompanhava com os olhos. Ou melhor, acompanhava a pizza, e aposto que estava prestes a babar. Quando toquei na fatia, ofereci a ele com um olhar sugestivo, no entanto, não aceitou. Por fim a mordi. Já estava morna, contudo, mastiguei com prazer, saboreando cada parte dela.

— Incrível. — comentei com um mínimo riso ao engolir. Aquilo provocou uma breve gargalhada em Naruto.

— Ha, ha, tinha me esquecido dela também. Eu adoro comida estrangei... — inesperadamente, interrompeu sua própria fala, e um espanto repentino tomou conta de si — GAARA!

Assustado, segui a trilha por onde o olhar dele fixava. E novamente eu estava sendo protagonista de uma cena cinematográfica de horror; uma torrente de sangue escapava do meu pulso direito. O coração em míseros segundos subiu à garganta e praguejei internamente. MERDA!

Ao passo que eu entrava num pequeno colapso, Naruto se prontificara em tomar a comida e o prato de mim para deixá-los em cima do criado-mudo e ir procurar aos berros algo capaz de conter o sangramento. Meus olhos lentamente pairaram sobre o chão a poucos centímetros diante dos meus pés. Já se formava uma poça escarlate ali. Não tinha reação alguma, nem sabia o porquê daquilo, e só depois de um tempo notei que havia espirrado sangue em meu jeans escuro. Naquele instante, finalmente para o despertar de meu transe, Naruto parara de correr pelo quarto tal qual uma barata tonta e vinha com uma toalha de rosto que tinha encontrado no armário, logo a amarrando de modo cauteloso no meu braço depois de dobrar a manga encharcada da minha camisa. Me senti o filho dele.

— Que onda! — exclamou assim que terminara, em seguida observando o chão ensanguentado — Como você se machucou?!

— Não foi nada, Naruto, esqueça isso!

Já irritado, temente de que ele descobrisse a origem daquela ferida, subitamente alguém bateu na porta três vezes seguidas de forma desesperada, e então ouvimos as vozes dos rapazes e os fortes latidos de Akamaru atrás dela. “Obrigado, Uzumaki...”, pensei, enquanto deduzia que eles tivessem escutado os gritos de Naruto.

— Naruto, Gaara, abrem a porta! — gritava Shikamaru com mais uma batida.

Sem delongas ele andou até a entrada e a destrancou. Franzi os lábios, prevendo o que viria pela frente. Ao abrir a porta, como sempre o primeiro a adentrar o cômodo foi o cachorro de Kiba. Akamaru farejava o chão em linha reta e ia rapidamente de encontro à poça de sangue, cheirando-a. Neji entrou logo em seguida, o pegando no colo na intenção de impedi-lo de lamber tudo aquilo. Shikamaru e Kiba vieram após, nos encarando com tamanha preocupação.

— Podem me dizer o que houve aqui? — ele questionou com o cenho enrugado, pondo o animal ao meu lado na cama e olhando aquela sujeira. Antes que eu pudesse explicar, Naruto se pronunciou:

— O Gaara se feriu, temos que levá-lo ao hospital!

— Não exagera, Naruto! — interrompi, usando um tom de voz alto e irritadiço. Akamaru voltou-se para mim, tentando cheirar a toalha amarrada no meu pulso, e desviei seu focinho com cuidado — Foi apenas um corte, não é nada demais.

— Para uma poça de sangue deste tamanho não é exagero do Naruto. — Neji retorquiu, sarcástico, pondo as mãos sobre a cintura. Desta vez me observava.

Semicerrei os olhos, tentando cogitar alguma resposta que não fosse idiota o suficiente para que ele não agisse outra vez com sarcasmo. Instantaneamente, Shikamaru se aproximou, sendo precavido a fim de não pisar na poça, agachou-se para ficar a minha altura e pegou meu braço em silêncio. Retirou cuidadosamente o pano sangrento, que por hora era branco, e começou a analisar os ferimentos. Profundos, aliás. Eu olhava para ele, olhava para as feridas, e assim sucessivamente. Temia que ele apenas com aquelas observações enxergasse os fragmentos de vidro enterrados em minha pele. Por fim, suspirou e largou meu pulso, que ainda sangrava um pouco.

— O estúpido do Naruto está certo. Ele vai ter de levar alguns pontos. — afirmou com uma expressão indiferente. Devido ao insulto, Naruto lhe deu a língua num gesto infantil.

— Como você fez isso, Sabaku? — Neji indagou mais uma vez, sem ceder a séria postura. Uma veia sobressaltou em minha testa ao vê-lo chamar-me pelo sobrenome.

— Eu só quebrei o espelho do banheiro acidentalmente. — admiti. Meus batimentos cardíacos pareciam elevar a cada segundo.

Kiba de súbito adentrou novamente, agora com um esfregão e um balde d’água em mãos. Só então reparei que ele saíra. Sem mais demoras começou a limpar a poça de sangue, que já coagulava. Naruto, Neji e Shikamaru davam-lhe licença para que pudesse fazer tal coisa enquanto eu simplesmente levantava os pés e de novo tentava afastar Akamaru do meu braço. Rezava para que nenhum deles duvidasse da minha afirmação ou perguntasse como exatamente fiz aquilo, pois eu reconheço que não sei mentir. Senti o suor descer pela minha fronte.

— Shikamaru, venha comigo ao hospital, precisamos levá-lo o quanto antes. — convocou Neji, indo diretamente ao meu armário — Vocês, por favor, limpam essa bagunça.

— Eu quero ir!!

— Não, Naruto, você é muito escandaloso. Ajuda o Kiba a limpar o banheiro do Gaara e lava aquela louça que você deixou na cozinha. — respondeu, enfatizando a última frase e retornando com outra toalha de rosto, logo a enrolando no meu punho.

Fui incapaz de ouvir absolutamente tudo ao meu redor depois de sua fala; minha audição sumira junto com a calmaria que expressava. Involuntariamente arregalei os olhos e os direcionei a Neji. Amaldiçoei a mim mesmo por ter demonstrado nervosismo com o timbre proferido:

— Não vai ser preciso! Eu tô legal!

— Suas veias sanguíneas foram perfuradas, cara. Você precisa ir. — Shikamaru alegou após um breve bocejo, coçando o próprio couro cabeludo e pondo uma mão dentro do bolso da calça desbotada.

— Ele tem razão. E você per… — Neji pausou ao perceber que mais uma vez Akamaru era atraído pelo cheiro de sangue da minha ferida. Ele, bufando, o empurrou levemente, o que fez o bicho sair dali — perdeu muito sangue pelo visto.

— Vão logo antes que a situação dele piore! — Kiba falou impacientemente, terminando seu trabalho e caminhando até a saída — Naruto e eu tomamos conta de tudo!

No mesmo instante em que se retirara, o cachorro foi logo atrás a passos rápidos. Eu tive que render-me. Não há escapatórias. A única solução diante daquelas circunstâncias é pedir aos céus para que eles não questionassem o que tinha realmente ocorrido. Suspirei ao sentir Neji bater em meu ombro esquerdo como um pedido para que me levantasse, e assim o fiz. Naruto, emitindo sons de falso choro, fazia um bico enquanto rastejava até a mesinha e pegava o copo de refrigerante — que eu nem tive a oportunidade de beber um gole sequer — junto com o prato de pizza fria e comida pela metade. Nós quatro saímos ao mesmo tempo do quarto.

Chegando à garagem ao lado da casa, culpando-me pela grande enrascada em que me meti e buscando motivos concretos para ter cometido tais atos, eles me proibiram de ajudá-los a abri-la em conta do braço cortado. No entanto, admito que quaisquer movimentos bruscos que eu faço, sinto dores insuportáveis ao ponto de arder. Em poucos minutos, após entrarmos no Hilux de cor chocolate, Neji ligá-lo e manobrá-lo e Shikamaru fechar o local e voltar ao automóvel, partimos para o hospital de Konoha.

— Gaara, liga o rádio aí, por favor. — pediu Shikamaru posicionado no meio do banco de trás, colocando o cinto de segurança.

Eu estava sentado no carona, então atendi de imediato ao pedido dele. Automaticamente o pen drive, que Neji deixava conectado ao rádio por hábito, começou a tocar na terceira faixa. É gravado com músicas aleatórias, e nesse momento é a vez da banda norte-americana Hurricane Bells. Apesar de apreciar bastante indie rock, nem a melodia conseguia melhorar meu humor. Escorei a têmpora na janela de vidro fumê e me perdi em meio a diversos devaneios ao observar a paisagem lá fora.

O caso do espelho fechara o dia com chave de ouro; antes mesmo do raiar do Sol já poderia considerar que esta sexta-feira não seria das melhores. Acordei naquela manhã depois de um sonho terrivelmente nostálgico com a minha mãe. Recebi de minha médica a notícia de que possuo grandes possibilidades de desenvolver uma doença pulmonar grave devido ao vício em tabaco. Briguei com Sasuke, o segundo “líder” da Fire Will, durante o ensaio para uma importante apresentação na próxima semana, algo que comprometeria minha estadia na banda. E agora um braço machucado.

— Ei. — Neji chamou-me severamente enquanto dirigia com atenção, o que me fez voltar à realidade — Põe o cinto e vamos conversar.

“Sim, senhor...”, revirei os olhos com aquele pensamento. Foi então que finalmente reparei que não utilizava o cinto de segurança. Tinha me esquecido deste detalhe. Mesmo a contragosto, puxei o cinto e o encaixei. Queria poder me preparar para o disparo que viria a seguir, contudo, minhas munições esgotaram e meu colete à prova de balas desgastara. Sem opções, exalei um longo suspiro e ajeitei minha postura. Mantive o olhar para frente, pois não teria a audácia de encará-lo.

— Manda aí.

— Eu já mandei o papo pro Sasuke e agora vai ser pra você. A carreira da Fire Will está só começando, o show que faremos semana que vem deixa isso bem claro. Então QUALQUER conflito que aconteça agora será fatal para todos nós. Tá me entendendo, Gaara? — iniciou, mais sério e convicto do que de costume, sem desviar os olhos do volante. Bufei e elevei um pouco a voz:

— Eu sei, eu sei que nós estamos num momento muito importante. Mas estou sem saco para aturar as palhaçadas do Sasuke!

— Relaxa que eu já resolvi essa parte. — respondeu, pisando no freio ao parar no sinal vermelho. Ele me lançou uma breve olhada — Agora preciso que você me prometa que irá controlar seus nervos e ser mais paciente.

— Paciente? Com o príncipe Uchiha? — sorri com ironia, o olhando rapidamente também — Desculpa, mas não tenho essa proeza.

— Gaara, escuta: TODOS sabem que não é nada fácil conviver com o Sasuke e por isso ignoramos os chiliques dele, se você continuar dando corda a isso só vai piorar a situação! — Neji vociferou de repente, gesticulando de modo impaciente com a mão direita e voltando a visão em mim — Caso ele queira reclamar, bater os pés ou seja lá o que for, deixe-o falando sozinho e pronto! Se ligou no que eu quero dizer?

Admito que naquele instante uma enorme vontade de socar a cara dele me possuiu ao ponto de eu abrir e fechar o punho com força total. Detesto quando Neji fala deste jeito. Todavia o compreendo, pois o meu desentendimento com Sasuke à tarde conseguira irritar a todos nós. Senti o maxilar travar involuntariamente ao relembrar daquilo.

A primeira cena que me veio à mente foi a seguinte: Sasuke Uchiha, emanando fúria à flor da pele, acertara-me o rosto com um soco tão forte que por conseguinte caí para trás. Tudo girou ao meu redor e instantaneamente senti gosto de ferro na boca. Vi por reflexos os rapazes largando seus instrumentos a fim de interferirem; Kiba e Neji seguravam-no enquanto Naruto e Shikamaru me socorriam. Ouvia muitos, muitos gritos de Sasuke e de alguns deles tentando acalmá-lo. Minha vista estava turva e a coluna doía arduamente como consequência do impacto dela contra o chão. Jamais permitiria que alguém agisse daquela forma humilhante comigo. De repente minhas correntes sanguíneas borbulharam como a lava de um vulcão ativo. E então, retribuindo o sentimento de cólera, me levantei rapidamente, limpei o fio de sangue no canto dos lábios e ignorei as interferências dos meus colegas: avancei em direção a Sasuke e atingi também através de um soco seu olho esquerdo.

Apesar de nos separarem na mesma hora, nós trocamos inúmeros xingamentos e outros tipos de ofensas, dando um gran finale ao ensaio. Sasuke, com a região do olho ferido arroxeada, continuou me desgraçando por minutos que pareciam séculos. Foi daí que subi para meu quarto e houve o incidente do espelho. Tudo por causa de uma maldita nota alta melódica tirada em tempo errado.

— Sim... — falei entre dentes, contendo um suspiro. Neji puxou o freio de mão para prosseguir a partida quando a luz verde do semáforo foi sinalizada.

— OK. Promete então que vai quebrar essa para nós?

— Não prometo nada. Mas farei o possível para evitar conflitos. — respondi sem expressões. Ele apenas assentiu.

— Dá pra falarem baixo, por favor? — Shikamaru resmungou, sonolento — Tem alguém aqui querendo dormir.

— Se quisesse realmente dormir, ficaria em casa!

— Ô, projeto de Rapunzel, foi você quem me chamou para vir! — ponderou de repente, retribuindo o olhar estreito de Neji através do retrovisor frontal.

A partir de então ambos deram início a uma boba discussão que pela primeira vez fez-me questionar sobre a maturidade dos dois. Eu respirei fundo e repentinamente senti uma pulsação nada agradável dentro da minha cabeça. Por um instante a visão embaçou um pouco. Fitei meu braço cortado; o novo pano enrolado ali não estava tão ensanguentado quanto o anterior, mas julgando o fato de que a péssima sensação de o líquido estar escorrendo me incomodava e aquela fraqueza corporal também poderia concluir que havia perdido muito sangue.

Descansei toda a espinha dorsal no banco e fechei as pálpebras, crente de que o ato amenizaria a dor. Para minha infelicidade, Shikamaru e Neji ainda se amavam, e já que eu não estava a fim de escutar suas reclamações, resolvi aumentar o volume do rádio. Descalcei o pé direito do chinelo preto e o levei até o botão de volume, rodando-o com o dedão em sentido horário à medida que a altura do som me satisfazia.

Tocava J-rock no momento e desconhecia o grupo musical. Utilizando o modo de antes, cliquei na opção de repetir a faixa Monsters, clamando aos céus para que eles calassem a boca logo. Encarei aquilo como uma questão contraditória. E o discurso sobre evitar picuinhas?

— Eu mereço... — sussurrei a mim mesmo assim que retornei a fechar os olhos. E, inevitavelmente, ao meu inferno particular.

 

[...]

O hospital de Konoha se localiza no subúrbio da cidade, ficando a uma pequena distância de casa. Graças a Deus haviam poucos pacientes durante o horário noturno, logo fui atendido rapidamente. Cheguei enfraquecido ao centro médico, entretanto, ainda tinha forças o suficiente para caminhar. Eu fiquei na enfermaria do primeiro andar do prédio, tinham retirado os pedaços de vidro do meu punho e me injetado a anestesia para levar os pontos cirúrgicos. Recebi também uma transfusão sanguínea, já que, segundo o doutor, perdi uma quantidade considerável de sangue. Para ser franco, desde o início queria ir embora. Eu não suporto hospitais. Qualquer coisa relacionada a hospitais me desagrada porque sempre me lembrava da mamãe.

Partimos para casa num trajeto tranquilo e silencioso. Já na garagem, Neji queixava-se sobre o mau funcionamento repentino do rádio enquanto tirava a chave de ignição ao desligar o automóvel. Shikamaru e eu saímos do carro sem nos importarmos se ele estava falando sozinho ou não e nos direcionamos à casa. Alguém havia deixado a porta semiaberta. Empurrei a entrada para nossa passagem e entramos, novamente encostando-a.

Naruto estava esparramado no sofá, jogando de um jeito tão fissurado em seu celular que parecia em estado de frenesi. Kiba, por sua vez, usava como travesseiro a costela de Akamaru e assistia a um filme. Deitados no chão, ele diminuiu o volume da TV através do controle remoto e se pôs de pé, vindo em nossa direção.

— E então? — perguntou, entreolhando-nos de mãos na cintura. Nesse momento o cachorro veio, nos cumprimentando com um balanço de cauda e cheirando nossos pés.

— Sete pontos e uma transfusão de sangue. — disse ao me agachar para fazer um breve cafuné em Akamaru. Assim que levantei, fitei Naruto e reprimi um riso — Qual o problema dele?

The King Of Fighters. — explicou Kiba após um suspiro, o olhando por cima do ombro. Ele se virou para mim — Você tem visitas.

— Sakura está no banho e Sasuke tragando um lá fora. — Naruto balbuciou de repente, sem interceptar sua visão na tela do aparelho.

Uma repentina ânsia de vômito rastejou pela minha garganta ao ouvir o nome dele. Torci o nariz e tomei rumo às escadas, pronto para me trancar no quarto de volta. Antes que pudesse pisar no primeiro degrau, Kiba me parou:

— Ô, acho melhor falar com os dois antes de subir. Cherry* o persuadiu a fazer as pazes com você, dá essa moral pra garota.

Eu respeito a atitude de Sakura, porém, não estou em condições de encarar o namorado dela, senão a casa possivelmente viraria uma cena de crime. Quando estava prestes a respondê-lo, Neji chegou, e todos olharam na sua direção.

— Tenho boas notícias. — anunciou, sorridente, e fechou a porta — Enquanto estava lá fora, recebi uma mensagem da Tenten. Ela conseguiu arranjar um micro-ônibus para o dia do show, onde podemos transportar os instrumentos. Já está tudo resolvido.

Pondo as chaves do carro e a carteira em cima da mesa de centro, ele caminhou até a cozinha e abriu a geladeira para procurar algo. Enquanto Kiba e Naruto comemoravam, Shikamaru se aproximou de mim.

— Você acha que ele tá a fim da Tenten de verdade? Sei lá, Neji não faz o tipo bobo apaixonado. — deu de ombros e enrugou a testa, sussurrando de um jeito cético. Pensando no que responderia, olhei para o teto.

— Bom, o comportamento dele muda totalmente quando o assunto é ela. Dessa vez acho que o Neji realmente tá gamadão.

Há alguns meses que Neji mantém um relacionamento enrolado com Tenten Mitsashi, uma garota da universidade onde eles estudam, a qual trabalha numa empresa produtora de eventos — razão que nos levou a acreditar inicialmente que ele somente a usava em prol do sucesso da banda. Neji é um cara famoso entre as meninas e, apesar do porte nobre, aproveita-se disso para se envolver casualmente com elas. No entanto, parece que Tenten conseguiu conquistá-lo a julgar pelo tempo que estão juntos e pela forma como ele a trata. É estranho vê-lo abrir a porta do carro para ela, presenteando-a com buquês de suas flores favoritas, respeitando-a em questão de limites de intimidade e entre outras espécies de cavalheirismo, pois nunca havia agido assim com outra.

Repentinamente escutei passos vindos do corredor do segundo andar. Sakura então começou a descer as escadas, usando uma camisa preta de Sasuke que a deixara com um ar engraçado e meigo devido ao tamanho largo e comprido demais para ela.

— Quanto tempo, hein? — Neji riu, em seguida bebendo a água da garrafa de plástico que havia apanhado. Ela abriu um sorriso cínico.

— Não são apenas vocês que estão ocupados ultimamente.

Sakura Haruno, mais conhecida como Cherry, seu nome artístico, é uma grande amiga nossa e seguia a carreira de cantora solo, conseguindo reconhecimento através das redes sociais também. Diferente de seu namorado, ela é alegre, educada e gosta de mim. Questiono-me como pôde nela florescer sentimentos por Sasuke. São tão distintos, mas também é tão nítido o amor entre os dois. Seria isto realmente possível?

Assim que chegou ao primeiro andar, Sakura cumprimentou a todos com um abraço apertado. Fui o último, então no instante em que se soltou de mim traçou uma expressão amigável e perguntou:

— Você está melhor?

— Comparando ao meu humor de hoje mais cedo sim.

— Sasuke deve estar no quintal. Eu conversei com ele, está arrependido do que fez. Vai lá, Gaara, por favor.

— Sabe bem que Sasuke e eu somos como a água e o óleo. — resmunguei, coçando a nuca.

Diante do meu desânimo, Sakura fez um bico e fingiu um choro como uma criança pirracenta. Não que eu fosse ceder ao pedido dela somente pela encenação, e sim por causa de seu esforço, sem contar que poderia prejudicar o futuro da banda caso Sasuke e eu continuássemos brigados. Bufei, estressado, e esfreguei o couro cabeludo de Cherry num gesto brincalhão antes de ir em direção ao quintal. Repentinamente senti alguém cutucar minhas costas. É Naruto.

— Depois eu gostaria de conversar contigo.

— Outra vez?

— Sim. E é sério.

O olhar circunspecto dele me preocupou, pois raramente Naruto fica assim tão severo. Engoli seco. Será que ele desconfia do que houve realmente no banheiro? Assenti e ele deu meia-volta, logo retornei ao meu objetivo inicial. Irei fugir o máximo que puder dele e de Kiba.

Abri a porta dos fundos e me deparei com o quintal. Sentado na grama, Sasuke acendia um cigarro e observava distraidamente a Lua crescente. Eu não faço a mínima ideia de como iniciar um diálogo com ele, posto que durante todos estes onze anos nós jamais tivemos o desejo de nos conhecermos melhor. Encostei-me no batente da porta e escondi os polegares nos bolsos do jeans, aguardando uma súbita iniciativa.

— Ela também te convenceu? — ele inquiriu inesperadamente, me tirando dos devaneios. Refreei um suspiro e me aproximei, cabisbaixo.

— Por aí.

— Ela me lembra a dona Mikoto. — disse, sem atrapalhar sua atenção para o céu escuro. Sentei-me ao lado dele — Sempre amolecendo meu coração de pedra.

— Típico delas.

— A Sra. Sabaku também é tão amável quanto? — indagou, retirando o cigarro da boca para exalar a fumaça. Abatido de repente, pesei meus olhos sobre o nada.

Karura era uma mulher linda, tanto por dentro quanto por fora. Adorava sentir o abraço aconchegante, os beijos calorosos e o agradável cheirinho de rosas de minha mãe, principalmente quando eu estava triste. Seu irmão mais novo, Yashamaru — que inclusive cuidou de mim e dos meus irmãos após o falecimento dela —, costumava dizer que quando você nasce em um mundo no qual não se encaixa, significa que nasceu para ajudar a criar um novo mundo. E o mundo não estava preparado para reconhecer a genialidade que ela possuía. Mamãe em sua adolescência geralmente se sentia assim, incompreendida e estranha. Provavelmente puxei isso dela. Em virtude disso meu tio também alegava que eu sou uma das pessoas com a missão de mudar o mundo, todavia nunca tive o dom de cativar ou de cuidar tal qual ela tinha. Pelo contrário. Sou como um furacão; provoco o terror e destruo tudo que há ao meu redor. Respondi por fim:

— Ela era sim. Tal qual um anjo.

— Sei bem como se sente.

Sasuke pela primeira vez me pareceu empático, e não duvido nada que tenha sido mesmo. A voz dele irradiava franqueza e melancolia. A fim de quebrar aquele clima tenso, lancei uma olhada de esguelha para ele, que dava uma última tragada naquele cigarro. Sei que não posso mais sequer cogitar a ideia de tocar em um por causa das recomendações da doutora Tsunade — que fui consultar em razão da tosse seca que tem me atormentado ultimamente —, mas fumar, apesar de soar um tanto insensato, é a única coisa que me acalma com exceção da música.

— Tem mais um aí?

— Tsc, você não tem jeito mesmo. — criticou, refreando uma risada — Talvez seja até pior que meu pai.

— É sério que vamos conversar sobre família?

— O caso é que eu estava pensando neles. A essa hora, há exatos dezessete anos, o Sr. e a Sra. Uchiha comemoravam seu aniversário de casamento poucos minutos antes de ocorrer aquele assalto. Até hoje não esqueço a expressão horrorizada que petrificou o rosto de minha mãe. — tamborilou o indicador no cigarro para que as cinzas caíssem no pequeno cinzeiro de vidro próximo aos seus pés. Ele me abriu um sorriso falso — No entanto, isso não te interessa, não é?

O assassinato de Mikoto e de Fugaku Uchiha ocorreu quando Sasuke possuía seis anos. Não sabia muito sobre o acontecimento, até porque não conversava com ele, tomei conhecimento de que seus pais foram mortos depois de um assalto agora mesmo. Entretanto, havia ouvido falar que Itachi, seu irmão mais velho, se responsabilizou por ele em consequência disso. Em partes compreendo os sentimentos dele, eu tinha a mesma idade quando minha mãe morreu. Relaxei a coluna sobre o gramado e pus as mãos atrás da cabeça.

— Itachi ficou responsável por você depois da morte deles, certo?

— Mais ou menos. Nosso avô Madara tomou a guarda, porém, ele agia como um moleque de dezesseis anos. Em vez de cuidar de duas crianças órfãs preferia gastar seu tempo frequentando botecos e correndo atrás de periguetes. E então meu irmão ocupou o cargo desde cedo. — ele grunhiu, apanhando mais um cigarro na cartela ao lado do cinzeiro. Murmurei, estreitando os olhos devido ao intenso brilho lunar:

— Trágico.

— E você? Tem irmãos?

— Uma mulher e um homem. Também sou o caçula.

— Não fala muito deles... — Sasuke comentou, pondo o isqueiro junto com o maço e o cinzeiro após usá-lo mais uma vez. Ninguém merece. Bufei e enruguei a testa involuntariamente.

— Não há por que falar.

— Deixe-me adivinhar: má relação?

— Só com o homem. Temari passou a ser uma espécie de mãe adotiva quando Yashamaru faleceu também. — disse de um jeito mordaz, rezando por dentro para que se encerrasse o assunto. De repente ele perguntou enquanto expelia a fumaça pelas narinas:

— E o seu pai? Onde estava no meio disso tudo?

Aquela havia sido a gota d’água. Instintivamente me levantei e andei em direção à porta a passos largos. Reconheço que Sasuke não formulou a pergunta com más intenções, porém, odeio falar sobre meu pai. Odeio falar sobre minha família. Odeio falar sobre mim. Odeio rememorar cada cena do meu passado. Quando estava prestes a entrar, parei no mesmo segundo em que o escutei:

— Perdoe-me. Tanto por isso quanto pelo acontecimento de hoje à tarde.

Soa bem esquisito Sasuke me pedindo perdão por algo, sobretudo pelo nosso desentendimento de hoje, visto que não cogitava essa atitude dele. Admito que eu usualmente sou orgulhoso, mas tenho consciência de que vim para reconciliar com ele e que este ato impediria uma possível decadência da banda antes mesmo de estrearmos em palco. Suspirando, dei meia-volta com as mãos nos bolsos. Sasuke continuava sentado, contudo, virado para mim. Uau, o olho dele tá horrível!

— Esse pedido de perdão inclui condições?

— O que você quer? — inquiriu, imitando meu semblante debochado. Caminhei até onde ele estava, projetando o queixo na direção da cartela de cigarros.

— Pretende acabar com esse maço ainda hoje?

Risonho, Sasuke pegou a pequena caixa e a jogou para mim. Ai, meu punho ainda dói. Assim que a apanhei, examinei o maço em prol de garantir se ainda continha a quantidade suficiente que eu ansiava consumir, já que a minha acabara ontem. Haviam dezessete unidades. Abrindo um sorriso forçado, o olhei de volta.

— Tá perdoado. — me virei para ir embora. Repentinamente lembrei-me de que também devia desculpas a ele e o observei com remorso, gesticulando para a região do globo ocular — Ah, e foi mal pelo...

— Acho justo eu também pedir algo em troca. — me interrompeu com um olhar interesseiro. Cruzei os braços.

— Certo.

— Bem, você tem o seu vício e eu tenho o meu. Está uma bela noite para se embriagar, sabe? Mas a minha amada flor de cerejeira acha que estou num nível crítico de alcoolismo e, devido a sua preocupação, me proibiu de beber. Compreende o que quero dizer?

— Nós conhecemos o temperamento da Sakura.

— Ela não vai saber, a não ser que você abra o bico. — ralhou, deitando-se sobre a relva e retornando a atenção para a Lua.

Não sabia como iria “surrupiar” alguma bebida contanto que a namorada dele não me visse, mas eu realmente devo esse favor a Sasuke. Entrei em casa, observando a sala inteira à procura de Sakura; por sorte ela não estava no cômodo. Deve ter subido de novo. Neji e Naruto dividiam o mesmo sofá ao passo que Shikamaru e Kiba estavam sentados no chão, os quatro jogando algo no Xbox. Aproveitando o momento de distração deles, fui à estante bar do modo mais natural possível e peguei uma garrafa de conhaque e um dos copos de cristal enfileirados. Por incrível que pareça nenhum deles percebeu minha presença ali, principalmente levando em conta que a estante fica próxima à televisão.

Voltei lá fora sem mais delongas e Sasuke prosseguia na mesma posição. Quando pigarreei para que me notasse, ele apenas me deu uma olhadela e sentou-se, logo apanhando a bebida e o copo.

— Sabia que os antioxidantes contidos no conhaque ajudam a prevenir certos tipos de sintomas de envelhecimento? — comentou, abrindo a garrafa e despejando o conhaque no copo em seguida.

— Isso quando a bebida é consumida com moderação. E aposto que não é por este motivo pelo qual você bebe.

— Ora, está falando igual à Sakura. — enquanto ele bebericava, pregueei levemente a testa — Nem parece o Gaara que eu conheço. Pelo menos o pouco que conheço dele.

— Hmm. Então o que o Gaara que você conhece, mesmo sendo pouco, faria?

— Até aonde eu sei ele daria um fim nessa cartela de cigarros enquanto viraria um copo cheio ao som do bom e velho rock ‘n roll.

A tentação é gigantesca. Não posso fazer isso. Estou tendo um dia péssimo. Aliás, recentemente tenho passado por dias péssimos, apesar de não morar mais na cidade de Suna há onze anos. Já deveria estar acostumado, contudo, ainda desconheço a causa para tal. Então tento ao menos evitar quaisquer tipos de sentimentos ou memórias importunas, e o único meio para conseguir esse desígnio é realizando minha terapia diária. Não posso sequer optar por dormir, porque sofro de insônia desde a infância — algo que explica as bizarras olheiras que carrego. Preciso fazer isso.

Sentei ao lado de Sasuke, mantendo uma distância por cerca de um metro, e retirei um cigarro da caixa e o acendi com o isqueiro. Já tragando, peguei a garrafa para abri-la e comecei a revirá-la no gargalo após afastar o tabaco dos lábios a fim de expelir a fumaça. Repentinamente ele pôs Pennyroyal Tea para tocar em seu celular e o repousou ali na grama. Ficamos ouvindo a música em silêncio, cada um alimentando seu vício e devaneando horrores. Desligar-me de tudo e de todos é o que eu mais desejo agora. A minha verdadeira vontade mesmo é de sumir, tornar-me invisível, mas logicamente isto é impossível. A voz de Kurt Cobain parecia se instalar em meu subconsciente.

A princípio não conseguia compreender o que ele quis dizer com “mentiroso” e “ladrão” num verso da música. Anos mais tarde descobri que há rumores de que o poejo foi usado pelos chineses durante a Dinastia Tang como uma droga dada aos prisioneiros a fim de que confessassem com detalhes seus crimes enquanto estivessem sob efeito dela. Provavelmente seja isso. Achava que Kurt estava se referindo ao próprio problema de estômago nesta melodia, pois o chá de poejo serve para tratar de dores estomacais. No entanto, não somente disso. É um chá abortivo também. Na canção foi usado como uma metáfora para retratar a vontade de renascer, porém, sem sucesso, resultando então na doença digestiva, que são figurativamente as crises de depressão do eu lírico. E a chamada “realeza anêmica” descreve a impotência que os membros do Nirvana sentiam ao não saberem lidar com os acontecimentos que os rodeavam e os levavam a situações fatídicas. Um exemplo disso é a popularidade da banda na época. Muito engenhoso. De todo modo eu compartilho da mesma sensação ou de algo bastante similar.

Quando passei a morar com os rapazes esperava que essa mudança de vida poderia no máximo me trazer um pouco de tranquilidade, mas nem isso conseguia encontrar. Nem a fama, nem o dinheiro seriam capazes de me conceder paz. Não que eu acredite que os bens materiais possam fazer este tipo de coisa, entretanto, não há nada que me proporcione o prazer de continuar a caminhada. Nada. Estou cansado. Não me refiro ao lado físico, porquanto a exaustão mental também existe. E esse é o meu problema.

Estamos no mesmo barco, Cobain.


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Notas finais do capítulo

OBS.: *Fire Will = Vontade do fogo;
*Cherry = Cereja.

E aí, meus queridos, o que acharam? Aceito críticas construtivas! No próximo capítulo então veremos um pouco da vida da Hinata.
Desde já agradeço de coração a atenção de todos! Beijos, até mais!! ♥



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