Bebeu mais um gole do cappuccino e colocou a caneca do Batman sobre o criado mudo. Se encontrava debaixo das cobertas, com um pijama listrado e meias combinando, o cabelo castanho preso em um simples rabo de cavalo. Uma tempestade caía do lado de fora da Mansão Wayne e ela aproveitava o clima frio para resolver o enigma que a atormentava fazia uma semana, desde o seu confronto com Savage.

Pegou a caneca e assoprou a fumaça que emanava do liquido. Leu com cuidado os arquivos que passavam pela tela de seu notebook, tentava de toda forma achar um motivo lógico para ligar o ataque de Vandal ao roubo do Aniquilador. O que a mente maligna dele queria com uma armadura milenar criada por Ares? Obviamente algo nada bom, mas seu cérebro simplesmente não conseguia criar uma conexão lógica maior do que ele usando a armadura contra a Liga e isso era simples demais para ele. O risco de ir até a Torre e controlar a Liga era alto demais para que Savage criasse apenas um plano como vários outros já feitos. Ele planejava algo e ela tinha que descobrir, o seu lado detetive da Bat Família necessitava disso.

Três batidas na porta de seu quarto a obrigaram a sair de seu transe e voltar a realidade, seu olhar migrou para a porta de madeira.

— Entre — Permitiu enquanto fechava a tela do notebook e observava seu pai adentrar, o que significava algo sério. Bruce Wayne nunca vinha até seu quarto sem que algo estivesse acontecendo.

— Estudando para a faculdade? — Seus olhos inquisidores foram em direção ao aparelho agora desligado.

— Sim, textos para a aula de poesia. — Mentiu descaradamente e bebeu mais um pouco. Seu pai não gostava que ela se envolvesse em assuntos da Liga como era o caso de Savage, porém ela não conseguiria deixar aquele caso indeterminado. — Gostaria de ler um?

— Talvez outra hora. — Ele respondeu desconfortável, a faculdade de Literatura de Kate nunca fora a escolha querida pelo seu pai que queria que ela seguisse no ramo da família como uma garota de negócios. Ela deixava aquela responsabilidade para Damian que realmente tinha jeito para o mundo das ações. — Vim aqui por outro motivo.

Agora ele havia conseguido atiçar sua curiosidade.

— Que seria?

Ele sentou-se na beirada de sua cama e juntou as mãos. Assunto sério, ela imaginou com um sorriso interno.

— Com certeza você deve se lembrar do projeto Young Justice.

Claro que ela se lembrava. Criado inicialmente pelo Robin, Aqualad, Kid Flash, Superboy e Miss Marte. Hoje em dia desativado por conta dos últimos membros terem se dissolvido a alguns anos atrás. Onde ele queria chegar? Concordou com um aceno e aguardou que ele continuasse após tomar um pouco do cappuccino.

— Depois do seu desempenho e de outros filhos dos membros fundadores, nós fizemos uma votação e achamos que era hora de reativar o projeto com vocês.

Ela piscou atônita. Uma equipe com eles parecia piada, mas seu pai não era de contar piadas.

— Você realmente acha que uma equipe com todos nós, pessoas tão diferentes e com objetivos diversos iria dar certo? — Questionou olhando fixamente para o mais velho.

— Vocês se saíram muito bem e nunca tiveram treinamento juntos antes.

— Pai, deixa eu te lembrar que quase perdemos aquela batalha, eles quatro haviam sido capturados e estavam quase caindo no controle de Savage. Se não fosse pelo elemento surpresa todos nós ainda estaríamos sendo fantoches. — Ela comentou tentando mostrar a ele todos os pontos falhos.

— O que você esperava de um bando de jovens que nunca haviam treinados juntos e que lutaram contra Vandal Savage, um inimigo nível alfa da Liga da Justiça, eu diria que vocês extrapolaram as expectativas.

Ela estava pronta para rebater, mas calou-se quando ele se levantou e a observou de cima com aquele olhar de sabe tudo que apenas ele tinha.

— Kate, por mais que eu acredite que essa equipe tenha tudo para dar certo nem eu e nem ninguém pode obrigá-los a se juntarem. Eu vim até aqui pedindo para você considerar essa ideia.

Ela suspirou e se deu por vencida.

— Tudo bem, por mais que eu aceite fazer parte dessa equipe ainda existem mais quatro pessoas a serem persuadidas, como você espera conquistá-los?

— Eu estava contando com você para isso.

Kate levantou uma sobrancelha inquisidora. Saiu de baixo das cobertas e colocou a xícara vazia no criado mudo novamente.

— Tudo bem, mas eu quero o jato da mamãe.

~*~

Se realmente esperava juntar todos eles em uma equipe necessitava de um plano conciso e bem pensando, por isso a primeira pessoa que resolveu abordar era Andrew. Ele havia parado com a carreira de herói por um tempo para focar nos estudos, o que já era um problema para ela, mas confiava que o desejo dele de ajudar as pessoas e a amizade deles conseguissem convencê-lo a voltar a ativa. Ao menos era o que ela esperava.

Pousou o jato invisível de sua mãe em uma clareira nos limites de Central City e desceu da grande aeronave. Não estava querendo bagunçar o cabelo naquele dia, contudo estava com o tempo corrido já que ainda tinha de se encontrar com mais três, por conta disso pegou impulso e pulou para o ar. Zarpou pelo céu rapidamente, passou pelos grande prédios do centro da cidade e depois pelas casas do subúrbio até chegar à Faculdade de Central City. Desceu com cuidado em um lugar sem ninguém num canto do campus e seguiu apressada para o campo de futebol americano.

Kate sentou-se em um dos bancos de madeira branco da arquibancada e observou quando Andy lançou a bola que venceu o jogo, quer dizer, o treino.  As outras pessoas que estavam na arquibancada e o time vibraram com término do jogo de treinamento. Seu amigo ruivo junto dos outros membros do time seguiram para os vestiários e ela aguardou pacientemente até o jovem Allen sair de lá rodeados com seus amigos animados com a vitória. Ela esperava que eles tivessem aquele desempenho no jogo de verdade.

Acenou para Andrew de seu lugar e ele a notou, pois se despediu de seus amigos e seguiu aonde ela estava. As pessoas que antes estavam assistindo ao treino começaram a se dispersar pelo campus, deixando os dois sozinhos, o que era perfeito para ela. Sorriu para o amigo quando este ficou próximo e o abraçou atenciosamente.

— Duas vezes no mês? Está querendo algo de mim para vir de Gotham até aqui? — Era isso mesmo que queria, pensou consigo mesma enquanto ria do comentário do amigo. Ele jogou a bolsa sobre o banco e sentou-se ao lado dela. — Como você está?

— Bem e você?

— Ótimo, o último jogo da temporada é semana que vem e o time está preparadíssimo, estamos com uma ótima estratégia e eu tenho treinado bastante meu arremesso.

— Você sabe que eu não entendo nada de futebol americano né? — Ambos riram.

— Agora falando sério, você não viria aqui apenas para dar um oi e sabe como eu estou, poderia mandar uma mensagem para isso. — Ele sabia ser perspicaz em relação a ela e a mesma bufou seguindo para o tópico principal.

— Bom, a nossa luta com o Savage trouxe ideias para meu pai.

— Como assim? — Ele franziu a testa do mesmo jeito que fazia quando era criança e estava confuso.

— A Liga quer reativar o projeto Young Justice conosco, os legados dos membros fundadores. — Ela começou, mas foi interrompida pelo ruivo.

— Kate, você sabe muito bem que eu parei por um tempo com essa vida de super-herói para focar apenas na faculdade e no futebol, não estou querendo voltar a ativa até esse semestre acabar.

— Isso é uma desculpa furada, eu estudo e ainda sou a Moça Maravilha sem complicações, se eu que não sou uma velocista consigo você também consegue. — Disse colocando as mãos na cintura numa pose que saiu muito parecida com sua própria mãe.

— Você não entende, depois que eu parei com a vida dupla as coisas melhoraram bastante. Acabou eu chegando atrasado por conta do Capitão Frio e tendo de inventar desculpas de que meu cachorro tava com diarreia ou que o trânsito estava péssimo.

— Então quer dizer que você cansou da vida de herói? — Ele a olhou com uma cara de culpado e ela sentiu que havia acertado no centro do alvo.

— Não foi isso o que eu disse, eu amo o que eu faço, mas essa vida dupla estava me matando.

— Andrew! — Virou o corpo para ficar de frente para ele e pegou em suas mãos, não sairia dali sem estar com sua missão completa, não se daria por vencida tão facilmente. — Você mesmo viu que o mundo está mais perigoso, Savage invadiu a Torre da Liga e se não fosse por nós tudo estaria perdido uma hora dessas, o mundo precisa de mais heróis e uma equipe nova poderia ajudar as pessoas em necessidade contra as ameaças que estão surgindo por agora.

Ele abriu a boca para rebater, mas ela continuou.

— Eu sei que é difícil tudo isso de vida dupla e responsabilidades em dobro quando você só tem dezenove e só quer ir dormir sem pensar que talvez terá de enfrentar um vilão no dia seguinte. Mas você já esqueceu da felicidade no rosto das pessoas quando elas veem as capas surgindo do céu? A esperança que um símbolo no peito traz? Nós precisamos lutar!

Ele continuou olhando para ela por mais alguns segundo antes dele se dar por vencido.

— Tá bom, eu aceito.

— Ah, eu sabia que podia contar com você. — Disse pulando nos braços dele e rindo de verdade, o primeiro da lista recrutado com sucesso.

— Já falou com os outros? — Andy perguntou depois dela largar ele.

— Não, estava pensando que talvez a chance deles aceitarem fossem maiores se nós dois fossemos juntos. — Kate sorriu e fez sua melhor tentativa de cachorro pidão, ele se deu por vencido mais uma vez e concordou com um aceno.

— Ótimo, vamos até a Jane, ela é a próxima da lista.

— Você quer mesmo atravessar o país hoje?

— Na verdade agora e pensei em apostar uma corrida como nos velhos tempos.

~*~

Pousou o jato com uma raiva leve.

— Eu não acredito que você me venceu de novo, essa belezinha aqui voa a quatro mil quilômetros por hora. — Ela comentou enquanto descia e seguia até onde Andy estava.

— Bem, eu não podia ver o jato, você podia ter dito que chegou primeiro e só estava me esperando. — Ele riu e ela passou direto por ele após mais uma derrota horrível contra o Allen.

— Um dia eu ainda te venço. — Comentou enquanto abria a porteira do rancho e seguia a casa de dois andares, toda pintada de branco e parecendo uma daquelas moradias saídas de filmes de faroeste.

Seguiram até a varanda onde o Caçador de Marte se encontrava descansando em sua forma verde e natural numa cadeira de balanço.

— John! — Ela exclamou enquanto ambos os cumprimentavam. — Viemos ver a Jane.

— É claro, ela está lá em cima, segundo quarto a direita. — O marciano informou com as mãos. — Tiveram sorte, a Gloria está fazendo cookies e os dela são os melhores que eu já comi.

— Não vejo a hora de experimentar. — Comentei e logo adentrei na casa que parecia ter parado no tempo a algumas décadas, os móveis eram antigos, assim como o papel de parede e o piso, não desgastado, apenas retro. — Olá senhora Jones! — Os dois falaram rapidamente com a mãe de Jane antes de subir pela escada e chegarem em frente ao quarto de quem eles realmente queriam falar.

Kate bateu na porta e não esperou muito antes da garota abrir a porta. Ela primeiro tomou um susto, pois com certeza não esperava a presença deles ali, depois sorriu e por fim voltou com a cara de surpresa antes de gritar.

— SIM! Eu aceito fazer parte da equipe! — Ela berrou subitamente e os dois visitantes ficaram sem reação. — Desculpa, não foi minha intenção ler a mente de vocês, mas é que eu quase nunca recebo visitas, ainda mais de pessoas da minha idade, fiquei curiosa, mas foi uma completa invasão de privacidade. Entrem, fiquem a vontade.

— Não tudo bem, foi mais rápido do que pensava. — Kate alegou se sentando na cadeira perto da escrivaninha. Esperava que tivesse de ter uma lábia da mesma forma como fora com Andy, mas para sua sorte ou decepção suas habilidades de conversão não foram necessárias. Pegou-se observando o quarto de Jane, as paredes eram preenchidas por um papel de parede cor de creme, em cima da cabeceira de sua cama alguns bonequinhos estavam adornando o local, na parede alguns posters estavam colados, na escrivaninha um dever de matemática continuava pela metade. Naquele momento ela percebeu o quanto jovem Jane era e se perguntava se era realmente uma boa ideia envolvê-la naquilo tudo.

— Você tem um quarto legal. — Andrew observou com um sorriso amarelo, estavam realmente sem assunto ou o que fazer ali.

— Obrigado, eu redecorei recentemente. — O silêncio constrangedor voltou. — O que vocês acham de descermos para ver se os biscoitos estão prontos?

— Boa ideia! — Afirmou e logo o trio desceu as escadas até a cozinha.

— Olá mais uma vez, acabei de colocar os cookies no forno, vão demorar apenas uns dez minutinhos, sentem-se e aguardem. — Gloria explicou e eles obedeceram sentando-se nos bancos da ilha que havia na cozinha.

— Mamãe, eu tenho uma ótima notícia! — Jane informou e Kate sorriu ao ver a animação dela.

— E que notícia seria essa?

— Eu estou entrando numa equipe!

— Como assim? — A expressão da mulher não foi a mais animada. — Eu falei com seu pai que não queria você metida com essas coisas, você é muito nova para isso.

Kate e Andy se entreolharam. A Wayne não contava com a desaprovação da mãe dela, isso seria um problema.

— Mas você sabe que eu sempre quis ser uma heroína igual ao meu pai e a Megan, ajudar as pessoas e fazer a diferença. — Jane estava de pé e sua face vermelha, a ponto de chorar.

— Quando você ficar mais velha e entender melhor o que significa ter uma vida de heroína eu não vou me meter nisso, mas no momento você vai me obedecer mocinha.

Jane gaguejou e começou a chorar antes de sair correndo para o quintal. John apareceu logo depois.

— Vocês poderiam ver como a Jane está?

— Claro. — Kate confirmou se levantando e sendo seguida pelo amigo.

Acharam ela em um balanço preso a uma grande árvore. Ela olhava para o chão e limpou as lágrimas que brotavam de seus olhos.

— Vocês devem achar que eu sou uma criança ainda e que eu não estou pronta para participar da equipe. — Ela declarou desviando o olhar deles com vergonha.

— Você vai se surpreender com tantas vezes eu já chorei. — A Wayne tentou fazê-la se sentir melhor, mas não podia fazer com que ela brigasse com a mãe para fazer parte da equipe, mesmo que isso significasse falhar com seu pai. — Olha, eu não quero ver você brigada com sua mãe por conta da equipe.

— Não vai haver mais brigas. — Todos viraram-se para ver o marciano se aproximar. — Não se preocupe Jane, conversei com sua mãe e enquanto você quiser ser heroína irá ter nosso apoio.

A Jones correu e abraçou o pai com força. Ela e Andrew se entreolharam com um sorriso cúmplice, mas mesmo assim pensamentos brotavam na mente de Kate. Estaria fazendo o certo atraindo Jane para tudo aquilo?

~*~

Posicionou o jato perfeitamente dentro da batcaverna e desceu dele com um suspiro. O dia havia sido cheio e ela estava cansada, sair voando pelo país e recrutando gente seria mais difícil do que ela pensava, ainda mais que agora faltavam os dois mais complicados. Tirou as botas por que seus pés doíam e seguiu até a escada que dava na saída.

— Seu pai me contou sobre a missão que ele deixou em suas mãos. — Diana disse seguindo até ela.

Kate abraçou a mãe e aproveitou aquele momento delas duas em que ela podia de deixar de ser a Wonder Girl, filha do Batman e da Mulher Maravilha para ser apenas Kat, a garota de Gotham que estudava literatura e queria escrever um livro.

— Como foi? — Sua mãe perguntou quando ambas se separaram.

— Bem, dois já foram, só faltam mais dois.

— Não duvidei que fosse conseguir, agora vá tomar um banho e trocar essas roupas, está com uma cara péssima.

— Valeu pelo elogio mãe. — Riu enquanto seguia mais uma vez para a escada.

— E Kat?

— Sim — Indagou se virando.

— Sabe porque seu pai mandou você ir chamar os outros, não é? — Kate concordou com aceno. — Ele quer que você seja líder desde o começo, tem certeza que está preparada para isso?

A Wayne concordou com outro aceno e seguiu novamente para a saída. Tinha que estar.