Sem Fim escrita por Evangeline White


Capítulo 2
Vermelho




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Pontos de luz brilharam como estrelas frias e distantes. Círculos escuros iam e vinham, e sorrisos brancos corriam por peles claras e cinzentas. Então, uma faixa laranja aparecia, e montanhas de narizes se erguiam sob os círculos que piscavam.

Vai e volta. Era tudo o que Erick via desde a árvore.

Tudo começou pelo verde das folhas. Um verde apagado, com linhas laranjas correndo em seu corpo. Erick sabia que o outono estava chegando. As linhas laranjas nunca mentiam. Toda a cor viva do quintal ganhava novas companhias.

O tronco da árvore era pintado de velhice, e a grama em seus pés descalços ficava mais dura. Quando erguia o rosto, via um céu claro e cheio de nuvens cinzentas, mas nenhuma água. Erick sempre esperava que a água fosse cair para ver os pingos grossos guerrearem com a terra escura, mas isso nunca acontecia.

Sua atenção voltava, então, para a grande árvore. Naquele dia, não eram apenas o verde e laranja que balançavam em troncos claros. Havia vermelho também. Muito vermelho. Erick achava o vermelho lindo.

Foi pelo vermelho que subiu o cinza duro das galhos. Foi pelo vermelho que seus pés procuraram sustentação. Foi pelo vermelho que sua boca salivou, imaginando quão doce deveria ser aquele sabor.

E foi vermelho que viu quando tudo ficou leve, e a grama recebeu seu corpo miúdo.

Agora, tudo o que via eram círculos escuros e estrelas brancas. Borrões de pele e sorrisos e céus de madeira. Sons estranhos de vozes conhecidas. Ouvia sobre maçãs, jardins e crianças. Ouvia sobre sorte, dores e cama. Mas não queria ouvir, queria ver. Queria seu vermelho de novo. A árvore continuava lá, e Erick a queria. Quase podia sentir o vermelho nos dedos; chegara tão perto, mesmo tão pequeno.

Ainda conseguia enxergar. Atrás da janela suja, passando os galhos comuns. A árvore grande, nos limites do jardim. Ainda podia ver a mancha vermelha preciosa o esperando. O chamando. Erick precisava ir até lá. Aquilo era dele!

Os feixes laranjas voltaram e se foram. Os borrões feios aos poucos escureceram. De repente, Erick via sombras cobrindo camas de ferro, bacias cinzas com água reluzente, linhas e linhas de toalhas brancas com cruzes bordadas. Erick ainda não sabia ler, mas conhecia os desenhos. E sabia não estar longe de sua árvore. Sabia não estar longe de seu vermelho vibrante.

Quando o quarto pareceu congelado, Erick se levantou.

Sabia que não era seguro sair pela porta; alguma freira poderia vê-lo. Então decidiu pela janela. Erick era miúdo; o menor dos garotos do quarto azul. Por isso não foi difícil passar pelo pouco espaço que o vidro duro deixava, nem se pendurar nas plantas pegajosas da parede velha.

Até mesmo o imenso orfanato parecia mergulhado no triste cinza de outono. Erick sempre via cinza naquela estação: cinza nas botas para brincar na lama; cinza na lareira grande do salão principal, quando todos os meninos se juntavam para ouvir a Irmã Anna ler uma história; cinza nas cobertas empoeiradas, dadas aos órfãos para se prepararem para o inverno. Era isso que o outono era, afinal. Uma preparação cinza e triste para se trancar em casa. Fazia sete anos que Erick passava pelos cinzas de outono, e completaria o oitavo quando a primeira nevasca chegasse.

Por isso, precisava do vermelho vibrante. Nunca havia visto nada tão vivo como aquilo no outono morto.

Seus pés descalços sentiram a grama fresca. A salinha da Irmã Teresa ficava perto do térreo, era fácil fugir. Só precisava correr até a grande árvore e voltar antes das doze badaladas. Só precisava tocar em seu amado vermelho.

Quando chegou, o vento mudou de repente. Os cinzas tristes lhe cegaram em chiados de folhas velhas, e Erick jurou ter ouvido alguém gritar. Algo gritar. Precisava pegar seu vermelho logo. Precisava fugir dali logo.

O coração disparou, e Erick olhou para suas mãos. Dedos vermelhos de tensão, molhados como seu rosto. Estava em lágrimas, por que estava em lágrimas?

Precisava subir a árvore logo. Não podia ficar fora da casa depois das doze badaladas. A Irmã Anna era sempre rígida. As histórias da Irmã Teresa falavam do tempo, das proibições; mas Erick nunca ouvia. Ele não era de ouvir, gostava de olhar as coisas, e o livro não tinha figuras. Por isso criava suas próprias. Erick gostava de ver as cores das coisas, e por isso estava lá. Ele queria ver aquilo só mais uma vez.

Sua boca salivou. Erick limpou as mãos molhadas na camisa azul. Estava perto de sua recompensa. Estava perto de sentir o que o vermelho podia oferecer.

O vento chacoalhou as folhas, e Erick ouviu o grito novamente. Ele não era bom de ouvir, mas não conseguiu fingir daquele vez. Era apavorante. Todo o jardim a noite ficava apavorante. Tudo era escuro, sem cor. A única coisa que vibrava era o vermelho no meio das folhas mortas. Vibrava como vida, como quando corria com seus amigos. Vibrava como algo que nunca viu, mas que sentia ser familiar...

Erick subiu na árvore. Se apoiou nos galhos grossos e pretos. Esticou a mão, que agora gotejava como tinta. Conseguiu abrir espaço entre as folhas. Estava perto, muito perto...

Então, ele gritou.


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