O Internato escrita por Rain


Capítulo 16
Dezesseis




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Ficar de detenção não é nada legal. Ainda mais quando se perde um dia de treino. Depois do fim da aula só tive tempo de pedir para que Rafael avisasse da minha punição para o treinador. E com toda certeza ele não ficará nada satisfeito, mas não havia nada que eu pudesse fazer, e o importante é que Victor não foi embora do colégio. Eu estou indo para a detenção aliviado, e um pouco empolgado também por poder passar um tempo com Sebastian.

Ao chegar no refeitório, lugar onde mandaram a gente encontrar o monitor, estava vazio. Exceto por Juliano que já aguardava com um sorriso tímido no rosto. Eu sempre encontro com Juliano nos corredores, e ele sempre me cumprimenta com o mesmo sorriso tímido. Isso é porque ele não pode mostrar tratamento diferenciado com nenhum aluno, regra do colégio. Isso limita um pouco nossas interações, gostaria de conversar mais com Juliano, mas entendo sua posição, por isso respeito e mantenho distância. Logo após eu chegar, Sebastian aparece. Estava sem blazer do uniforme e a gravata estava folgada na camisa branca, o mesmo penteado moderno e o cheiro de cigarro de canela misturado com perfume que há tempos eu não sentia nele. Estava lindo.

— Boa tarde garotos. A função de vocês aqui é ajudar as cozinheiras a fazer o jantar de hoje.

— Está brincando? — perguntei.

— Não, senhor Vidal. — eu conseguia sentir seu desconforto por ter que me chamar pelo sobrenome — E se preparem, pois vocês ajudarão aqui na cozinha pelo resto da semana.

— Três dias? Ótimo. — disse Sebastian insatisfeito.

Caminhamos até a cozinha e o lugar estava um caos, eram vários cozinheiros caminhando de um lado para o outro, alguns lavando pratos, outros cortando legumes. Todos com um uniforme branco impecável, sem nenhum mancha visível. Exceto por uma mulher que usava um dólmã preto e distribuía ordens e xingamentos. Deve ser a cozinheira chefe. Ela ao nos ver entrando se aproxima.

— Olá Franchesca, trouxe esses dois alunos para te ajudar na cozinha.

— Por quanto tempo? — perguntou Franchesca?

— O resto da semana.

— Ótimo. — ela nos encara — Podem começar descascando aqueles sacos de batatas ali.

Sebastian e eu caminhamos para o canto onde estava dois sacos de batatas enormes e duas cadeiras com um grande saco vazio, que provavelmente serviria de lixo para as cascas. Descascar tudo isso ia dar trabalho, ainda mais pra mim que não sei nada sobre cozinhar. O máximo que faço numa cozinha é café e miojo. Franchesca nos entrega uma faca para cada um. Com a outra mão desocupada pego uma batata do saco para dar início a tarefa. Vou ter que aprender na marra. Sebastian não me disse uma palavra nem olhou na minha cara. O silêncio era constrangedor.

Eu prosseguia em silêncio tentando vencer a pequena batalha contra a batata que já estava quase descascada, mas ela estava bem pequena, pois eu estava arrancando boa parte da batata junto com a casca. Sebastian ao perceber meu serviço deu um sorriso.

— O que? — digo irritado.

— Nada, é que tem mais batata na casca que você tirou do que na sua mão.

— Não é pra rir! Eu não sei cortar essas coisas, não sei descascar nada.

— E o que você come quando ficava sozinho em casa? — indaga Sebastian.

— Na cidade grande existe algo chamado Fast Food 24 horas, sabe o que é isso?

Sebastian fica sem graça com a minha resposta. Não me responde nada, apenas volta a se concentrar na tarefa.

Eu sou muito idiota. A primeira vez que eu e Sebastian tivemos uma conversa descente em um bom tempo e eu solto uma grosseria dessas. Minha vontade é de bater na minha própria cara.

— Me desculpa. Fui grosseiro sem motivo. — digo tocando no braço de Sebastian pra ter a atenção dele.

— Tudo bem, Toni. Eu não deveria ter brincado.

— Mas você pode brincar comigo, não tem problema. Eu só… me desculpe. —eu nem sei porque pedi desculpa novamente, mas sentia que tinha que pedir.

Silêncio constrangedor de novo.

— Você foi incrível hoje. -— digo depois de um bom tempo sem dizermos nada um para o outro.

— No que?

— Enfrentando o pai de Victor. Eu tenho que te agradecer, porque se não fosse por você, ele não estaria na escola ainda.

— Eu fiz o que tinha que fazer, mas quem realmente foi essencial para que o pai do Victor ceder foi você.

— Eu?

— Sim. Se só eu tivesse falado, o Deputado provavelmente só acharia que eramos crianças insolentes. Mas o que você falou no fim, foi verdadeiro e bonito. Foi o que realmente convenceu o pai de Victor.

— Você com a coragem e eu com o discurso sentimental, fizemos uma boa dupla. — sorrio.

— É… fizemos.

Sebastian sorriu hesitante. Que saudade que eu sentia de vê-lo sorrindo, seu sorriso era capaz de me fazer esquecer todos os problemas.

—Toni…

— Sim?

— Deixa pra lá.

Eu queria muito saber o que Sebastian ia dizer, mas pela sua expressão achei melhor não pressionar. Nossa relação está muito frágil e eu tenho medo de que as poucas palavras trocadas voltassem a ser zero.

Eu observava Sebastian fazendo a tarefa, como ele é lindo. Seus olhos escuros concentrados em uma tarefa tão simples como cortar batata, mas ainda sim ele era tão prestativo. Eu olhava mais para Sebastian do que para minhas mãos fazendo o mesmo trabalho que ele. E graças a isso me descuido e acabo cortando o meu dedo com a faca.

— Ai!

— O que foi? — Sebastian levanta a cabeça rapidamente assustado.

— Me cortei.

— Deixa eu dar uma olhada.

Sebastian sai do seu lugar e se agacha próximo a mim pegando minha mão para examinar. Ele observava o pequeno corte no meu dedo sangrando atentamente.

— Não dá pra ver nada, você vai ter que lavar.

— Eu quero essas batatas cortadas pra hoje. Os dois bonitos poderiam parar de namorar e fazerem logo o serviço. — disse Franchesca de forma ríspida do outro lado da cozinha.

— Ele cortou o dedo. — disse Sebastian.

— Eu não me importo. Terminem logo a tarefa, vocês tem apenas uma hora.

— Toni vai lavar isso no banheiro, vá rápido porque está sangrando muito. Eu vou adiantando a tarefa. — Sebastian disse as últimas palavras com desânimo.

Saio para o banheiro que ficava no mesmo corredor que o do refeitório, era perto. Ao voltar me deparo com boa parte do saco de batatas cortado e na cadeira onde eu estava sentado uma das cozinheiras ajudava Sebastian.

— Sorte que essas batatas não são para o jantar de hoje, se não estaríamos perdidos na mão de vocês dois. — disse Franchesca.

Esta mulher me irrita. Como pode ser tão amarga e mau humorada trabalhando rodeada de comida? Ela o tempo todo gritava com os subordinados e xingava palavrões desnecessários. Eu só sentia pena de cada uma das pessoas que tinham que trabalhar com ela diariamente.

Sentei-me no chão próximo ao saco e tentei continuar descascando as batatas mesmo não podendo fazer muito, pois eu já era péssimo com a mão boa, agora com um dedo cortado eu era ainda pior. Mas queria ajudar Sebastian a terminar.

Quando terminamos, eu queria me ver livre daquela cozinha o mais rápido possível. Então Sebastian e eu saímos do refeitório enquanto todos os alunos entravam para jantar.

Seguimos por todo o caminho do dormitório em silêncio, o mesmo silêncio constrangedor.

— E o dedo, como está? — perguntou Sebastian.

— Está tudo bem, não foi profundo.

— Deixa eu ver de novo. Não consegui olhar direito com aquela mulher grossa enchendo o saco.

Sebastian segura minha mão de novo, seus dedos acariciavam o meu delicadamente enquanto ele examinava o dedo. Meu coração pulava de alegria com a pequena demonstração de afeto, mas eu me contive. Sebastian do nada para de acariciar minha mão e a solta delicadamente. Ele fica sem graça, como se tivesse se dado conta do que estava fazendo.

— Vamos. — disse sem jeito.

Seguimos caminho.

Quando chegamos no dormitório Sebastian me acompanhou até meu quarto.

— Obrigado por me acompanhar.

— Não custava nada, é caminho mesmo. Boa noite, Toni.

— Boa noite.

Entro no quarto e encontro Victor se arrumando, provavelmente estava indo jantar.

— E aí, cara? Como foi na detenção?

— Um saco, mas, pelo menos, pude conversar com Sebastian.

— Parece que minha quase saída da escola foi uma dadiva pra vocês dois. Só assim pra vocês voltarem a conversar e se unirem pra algo.

Rimos.

— Mas sério agora, obrigado, Toni. Por tudo, o que você disse significou muito pra mim. Também te considero um irmão.

— Ai meu Deus, Victor. Isso foi muito fofo da sua parte. — não consigo conter o riso.

Victor fica corado.

— Vem cá seu besta. Me dá um abraço. — fui até Victor e o abracei — Estamos juntos pra sempre, irmão.

Hoje percebi que não é apenas Sebastian quem tem problemas familiares. Boa parte dos alunos do Elite devem sofrer por falta de afeto, e, serem jogados dentro deste ambiente hostil só deve fazer ainda mais mal a eles. Sempre fui grato pelos pais que tenho, mas hoje, me dando conta da realidade que me cerca, sou mais grato do que nunca.

— Eu vou jantar. Quer que espere você tomar banho e se arrumar? — perguntou Victor depois que soltamos do abraço.

— Eu to meio cansado hoje, pode ir sem mim.

— Vou tentar te trazer alguma coisa escondido.

Victor sai do quarto.

Aproveito que fiquei sozinho pra repensar o dia maluco que tive hoje. Fazer um acordo com o Deputado D´Angelo foi uma coisa arriscada. Ainda mais que eu não sei o preço que pagarei pela ajuda dele. Mas não tinha mais como voltar atrás, eu realmente preciso acabar com esse plano de vida que deve aterrorizar vários alunos do colégio. Desde que foi entregue o meu plano de vida, se tornou comum eu observar os alunos bolsistas e questionar internamente qual deles está passando pelo mesmo problema. Mas enquanto me organizo e colho informações que provem o crime as atividades ilícitas do Elite, preciso garantir que nenhum dos meus amigos se afete com isso. Principalmente Alice que tinha ligação com o grêmio há pouco tempo.

Levanto-me e vou para o banho, preciso relaxar. E nada melhor que um banho pra levar embora as energias ruins.

Quando volto, vou até meu guarda-roupa para separar alguma roupa leve pra dormir. Enquanto separava a roupa, alguém bate na porta. Com a toalha enrolada na cintura vou atender a porta, é Sebastian.

— Oi — digo sem graça, não esperava que Sebastian fosse bater a minha porta.

— Oi… — ele também ficou visivelmente sem graça, mas pude perceber seus olhos percorrendo todo o meu corpo — Trouxe isso pra você. — ele levantou a mão para mostrar uma caixinha de Bund-Adi.

— Obrigado, Sebastian. É muita gentileza sua. Quer entrar? — digo já esperando um não como resposta.

— Acho melhor não. E…Está tarde. — gaguejou — Já vou indo. Boa noite, Toni.

Sebastian vai embora quase correndo.

Me sinto meio mal, não sei o que fiz pra Sebastian sair fugindo de mim. Mas não dá pra ficar me lamentando, só posso esperar pela detenção de amanhã pra tentar falar com ele de novo. Visto minha roupa e deito-me para dormir. Em poucos minutos sinto meu corpo relaxando e minha consciência se esvaindo.

 

De manhã estava ansioso para tomar café. Indo pelo caminho na companhia de Victor só podia sentir meu estômago roncar de fome. Não costumo pular refeições, e ir dormir sem comer nada não foi uma boa decisão para a minha dieta controlada. Agora minha fome é tão grande que eu poderia comer uma bandeja inteira de croissants.

Chegando no refeitório, Alice e Rafael já estavam sentados na mesa de sempre. Se tornou muito comum eles tomarem café com a gente. Os dois conversavam animados sobre o campeonato de natação que estava chegando. Rafael ao nos ver acena para nós e logo me coloca na conversa.

— A gente tem uma boa chance de levar quase todas as modalidades este ano. Ainda mais se o astro da equipe resolver aparecer nos treinos. — brincou.

— Forças externas me impediram. Mas e aí, o treinador ficou uma fera ou só muito bravo?

— Uma fera? Ele quase foi te buscar pela orelha na detenção. — Rafael ria.

— Você ri porque não é você quem está em apuros. Tomara que ele não queira me buscar hoje de novo, nem amanhã.

Dou um gole no meu café e como um pedaço do sanduíche natural que desta vez era de frango e não de peito de peru como de costume. Gostei da mudança.

— É maninho, você não devia ter ficado de detenção. — disse Victor despreocupado.

Eu o encaro sem dizer nada, minha expressão já dizia tudo: você sabe bem porque fiquei de detenção.

Victor riu.

— Acho que a detenção te fez bem, você está mai leve hoje, Toni. — disse Alice.

Observadora como sempre. Alice não era só muito inteligente, mas tinha habilidades de ler as pessoas. Não é atoa que era braço direito de Valentina. Fico feliz que ela tenha escolhido a minha amizade em vez da índole duvidosa do grêmio estudantil.

— Bom, eu vou aproveitar que temos mais alguns minutos de café da manhã e vou até uma das máquinas pegar um capuccino. — digo me levantando.

— Eu vou também. — disse Alice.

Caminhamos até a saída do refeitório e seguimos sentido a máquina que ficava no fim do corredor.

— Foi bom você ter vindo.

— An? — disse Alice surpresa.

É impressão minha ou ela estava ficando corada?

— É que eu preciso falar um assunto sério com você. — olho em volta pra ver se alguém estava prestando atenção em nossa conversa, mas os poucos alunos que estavam no corredor quem passavam não prestavam atenção em nós. — Eu preciso ter certeza que você não tem mais ligação nenhuma com o grêmio estudantil.

— Por que? — Indagou Alice.

— Só me diga se você ainda tem alguma ligação.

— Não tenho mais nada a ver com o grêmio. Mas por que está me perguntando isso, Toni? O que você está aprontando?

Eu hesito. Sei que posso confiar em Alice, mas tenho medo de prejudicá-la por saber demais.

— Toni, me diz agora. O que está acontecendo?

Conto a Alice sobre a conversa com o pai de Sebastian. Revelo a ela que o Deputado também estava na disputa por mim e perdeu, por fim conto do acordo que fiz e do meu plano de expor o colégio Elite. Alice não disse nada por uns momentos. Eu podia ver que ela estava pensando e calculando as variáveis da situação antes de me falar algo, cautela é o terceiro nome de Alice, o segundo é mistério.

— Toni isto é muito arriscado, o Deputado D´Angelo não é de confiança. — disse por fim.

— Eu sei dos riscos, também não confio nele. Mas eu preciso de ajuda, e uma ajuda externa, de alguém que tenha acesso aos esquemas. Preciso de provas e ele é minha melhor opção.

— Eu sei, e entendo suas motivações. Vou te ajudar com o plano, para que não haja imprevistos.

— Não Alice, eu preciso fazer isso sozinho. Não posso arriscar qualquer um de vocês nisso. Eu já estou ferrado, não tenho nada a perder, mas você tem. Só fique longe do grêmio e de qualquer um que seja ligado a eles.

— Eu não ligo pros riscos. Só mantenha-se quieto por agora, eu vou… — Alice fica em silêncio ao perceber Valentina se aproximando.

— Olha quem eu tenho o prazer de encontrar neste corredor. O nadador idiota — apontou para mim — e a traidora. — apontou para Alice. — Toni, como vai os preparativos pro campeonato?

— Muito bem. — respondo ríspido.

— Tenho certeza que sim. — Valentina sorriu de forma maliciosa. Depois se voltou para Alice. — E você Alice? O que anda fazendo? Achou algum sentido na vida além de ser minha seguidora fiel? Sabe, eu me perguntei se você sobreviveria sem eu te dar nenhuma ordem, mas você se saiu muito bem. Uma pena que tenha decaído tanto de nível andando com gente como ele. — novamente Valentina aponta para mim.

A forma como Valentina gesticula enquanto fala me irrita. Eu queria poder segurar as mãos dela para que não pudesse mais mexê-las.

— O que você quer agora? — indago.

— Vim buscar um café. — Valentina coloca uma quantia de dinheiro na máquina e escolhe um descafeinado, o copo sai da máquina — Muito bom conversar com vocês, nos vemos por aí.

Valentina vai embora.

— Será que ela ouviu alguma coisa? — pergunto.

— Provavelmente não. Vamos ser mais cautelosos quando formos falar disso, nada de falar do nosso plano pelos corredores do colégio.

— Nosso plano? — encaro Alice com reprovação.

— Sim. Eu vou te ajudar e não aceito não como resposta. Está na hora de acabar com essa ditadura das classes sociais no Elite.

Sorrio.

— Está certo. Já que você não aceita um não, vamos trabalhar juntos.

O sinal bate. Era hora de dar uma pausa nos planos de justiça e tentar ser um aluno normal.


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Notas finais do capítulo

Oi pessoal, como estão? O próximo capítulo sai no sábado.
Um grande abraço :)



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