O Internato escrita por Rain


Capítulo 13
Treze




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Palavras não saíam da minha boca. Eu não tinha ideia do que dizer a Victor. Nunca pensei que ele fosse tão observador. Ou eu que fui descuidado em demonstrar minha afeição por Sebastian em público.

— Nós somos amigos. Que pergunta, Victor. — respondo de forma descontraída tentando controlar o nervosismo em minha voz.

— Toni, eu não sou idiota. Vejo a forma como você olha pra ele, a forma como ambos se olham. Tem algo entre vocês, está bem nítido.

Eu realmente não esperava que Victor prestasse tanta atenção assim em nós, mas, de qualquer forma, o melhor é abrir o jogo de uma vez. Victor é um bom amigo, e já não aguento mais guardar esse segredo dentro de mim, preciso dividir ele com alguém e Victor é a melhor pessoa pra isso.

— É tão óbvio assim? — pergunto em voz baixa com medo de meus pais passarem no corredor e ouvirem a conversa.

— Um pouco. — Victor bagunça meu cabelo rindo — Mas vocês dois tem um lance né?

— Não temos nada, é sério. Mas eu… Eu gosto de Sebastian.

Victor me observava atentamente, sua expressão não muda em nenhum momento.

— E ele gosta de você?

— Acho que não. Por um momento eu achei que sim, mas ele apenas me trata como um irmão. Somos amigos apenas.

— Então você é gay? Que coisa, cara.

— Eu nunca parei pra pensar na minha sexualidade, nunca imaginei que fosse gostar de um garoto na vida. — desabafo.

— Então Sebastian é seu primeiro. Que legal, cara. Acho que vocês dois formam um belo casal. Torço pra dar certo.

Quase choro ao ouvir o apoio de Victor. Eu realmente precisava me abrir pra alguém. Esse sentimento era algo que estava me sufocando por dentro, era desgastante fingir o tempo todo.

Dou um abraço em Victor e ele retribui sem hesitar.


Entrar no colégio Elite depois de um mês me fez sentir uma sensação estranha. Finalmente pude ir pra casa e usufruir do meu quarto, nem vi o tempo passar. Os dias restantes de férias foram ótimos. Victor e eu íamos à casa de Sebastian e ele ia à minha. Também fomos algumas vezes nadar no lago que Sebastian tinha me levado quando estávamos nos conhecendo. E enfim, estou aqui de novo, entrando pelos portões ao lado de Sebastian e Victor. É incrível como nossa amizade se firmou em tão pouco tempo, parece que nos conhecemos a vida inteira.

Seguindo pelos corredores do colégio encontrei alguns rostos conhecidos, incluindo o de Rafael que acenou de longe e o de Alice que estava com alguns membros do grêmio.

O sinal bate. Segundo o novo cronograma que recebi, a primeira aula seria de artes. Dessa vez Victor tinha os mesmos horários que Sebastian e eu, então fomos juntos para a sala de aula. Entramos e já encontramos o professor sentado em cima de sua mesa. Ele nos deseja boas vindas e começa a falar sobre a matéria. Aulas de artes nunca me trouxeram muito entusiasmo, então passei todo o período olhando para o nada. Ao final da aula, fomos para a aula de química. Quando estávamos subindo as escadas me dou conta que deixei o caderno no armário. Aviso a Sebastian e Victor e volto para o corredor principal. Chegando coloco a senha no cadeado e abro a porta do armário. Ao abrir avisto um envelope vermelho que não estava lá antes. Guardo o envelope dentro de um dos cadernos para ler depois e saio correndo para a aula, pois já estava atrasado e a senhora Flora não gostava de atrasos.

Ao fim do dia, voltamos para o dormitório masculino, Victor e eu entramos no nosso quarto e começamos a desfazer nossas malas. Eu fui esperto de não levar tanta coisa, pois já havia algumas roupas minhas em casa. Mas Victor que saiu daqui com apenas uma mochila, voltou com uma mala cheia de roupas. Ajudei ele com as malas. Conversamos durante todo esse tempo, e quando chegou a hora de fazer as atividades esportivas, decidi ficar no quarto adiantando algumas lições.

— Você não vai mesmo? — perguntou Victor.

— Não, tenho que fazer essa lição de química, não entendi muito bem a matéria, Sebastian vai vir me ajudar.

— Cara, você é louco de largar os treinos pra estudar. Boa sorte com Sebastian.

Victor sai do quarto, me deixando sozinho.

Levanto do chão onde estava sentado arrumando minhas roupas. Coloco minha mala embaixo da cama e sento-me na cadeira da escrivaninha. Organizo meu material para começar a estudar e quando mecho no caderno deixo algo cair. É o envelope vermelho que estava em meu armário mais cedo. Eu acabei esquecendo dele no decorrer do dia. Abro o envelope e dentro dele estava escrito:

Ao senhor Antônio Vidal.

Sua presença está sendo solicitada na sala de reuniões do grêmio estudantil para ser discutida as consequências de sua conduta no colégio Elite.

Ass: Grêmio Estudantil.”

Fico atônito por alguns instantes, não sei se devo levar esse bilhete a sério ou se é alguma pegadinha. Até então não fiz nada pra ser convocado a uma reunião com o grêmio.

Sou afastado dos meus pensamentos ao ouvir uma batida na porta. Vou até a porta com cautela e pergunto com a porta ainda fechada quem era. Uma onda de alívio toma conta de mim ao ouvir a grave e aveludada voz de Sebastian.

Abro a porta e o abraço num ato impulsivo. Sebastian retribui confuso, depois me leva pra dentro e pergunta o que houve.

— Não houve nada, Sebastian, só… sei lá, senti saudade da sua companhia. — respondo como forma de fugir do assunto, mas me arrependo assim que termino a frase.

Sebastian sorri sem graça e depois segura minha mão.

— Tem certeza que não é nada? Sabe que pode me contar qualquer coisa.

— Tenho. Está tudo bem. Devíamos estudar agora.

— Tudo bem, vamos estudar.

Durante todo o nosso estudo estive pensativo. Queria contar a Sebastian sobre o bilhete, mas não queria envolver ele num assunto que era meu. E também sei que esse assunto o deixará nervoso, e quando Sebastian fica nervoso sua ação imediata é fumar. Desde o dia que Sebastian foi parar no hospital, ele vem tentando largar os cigarros, não quero ser gatilho pra que ele volte a colocar aquela coisa na boca.

— Toni? Tá me ouvindo?

— Oi, estou sim.

Você está distraído durante todo o nosso estudo. Acho melhor pararmos por aqui. Amanhã não vai ter aula de química mesmo, teremos tempo de estudar. — diz Sebastian enquanto põem seu material na mochila.

— Mas…

Sebastian me interrompe.

— Toni, eu sei quando tem algo errado com você. Se não quer me contar tudo bem, mas não tente agir como se as coisas estivessem boas. Ver você se fazer de forte me machuca. Descanse, a gente se fala amanhã.

Sebastian me abraça.

Me sinto protegido quando estou nos seus braços. Queria poder falar com ele, mas terei que resolver este assunto sozinho.

 

O dia amanhece e meu ânimo de levantar da cama é zero. Mas logo me deparo com meu colega de quarto levantando desorientado perguntando onde está, como de costume, e isso me faz sentir mais leve. Levanto-me para fazer minha higiene matinal e todo o resto que temos que fazer antes de começar o dia. Minutos depois, estou pronto para mais um dia. Não que eu estivesse animado, pra esse dia começar, só que era inevitável. Deixo Victor se arrumando e saio sozinho em direção ao prédio escolar.

Chegando ao prédio, vou para o refeitório tomar meu café da manhã. Pego apenas uma maça e sento na mesma mesa que costumo sentar sempre com meus amigos. A mesa estava vazia. Esperei por Sebastian durante todo o café da manhã e ele não apareceu.

O sinal bate. Vou para a primeira aula que seria de literatura e ele também não apareceu na aula. Fico preocupado, depois que eu entrei no colégio, Sebastian havia abandonado o costume de matar aulas, mas hoje ele não compareceu a nenhuma delas. Almocei e passei o dia na companhia de Victor, e até ele estranhou a ausência de Sebastian. Vou até o dormitório dele depois do treino de natação e nada de encontrá-lo por lá também. Desisto de procurar por Sebastian e caminho para o meu quarto. Durante o caminho, entro pelo corredor D que estava vazio, exceto por dois garotos grandes que eram do time de basquete do colégio. Eles caminhavam em minha direção, ao chegarem perto me abordam de forma intimidadora.

— Você é o Antonio Vidal? Siga-nos, a presidente deseja falar com você. — disse o mais baixo, que ainda sim devia ser uns 15 centímetros mais alto que eu.

— Eu não vou a lugar nenhum com vocês. Me deem licença.

Tento passar por eles, mas o mais alto entrou na minha frente e me empurrou com o corpo de volta para trás.

— Não brinque conosco, viadinho. Seu namorado hipster maconheiro não está aqui pra te proteger. Venha com a gente ou será pior pra você.

Os dois garotos me seguram pelo braço e me arrastam dali por um caminho que até então eu não conhecia no Elite. Entramos no prédio escolar por uma porta nos fundos da propriedade. O corredor era escuro, mas conseguíamos enxergar através da lanterna do celular de um dos brutamontes que me segurava. Caminhamos pelo corredor escuro até uma escada que levava para o subsolo, onde não era permitida a entrada de nenhum aluno. Eu já estava assustado desde a hora que fui abordado pelos dois jogadores de basquete, mas ser levado para o subsolo do colégio me fez sentir ainda mais medo. Queria mais do que nunca Sebastian aqui comigo. Viramos em um corredor um pouco mais iluminado por lâmpadas no teto, que piscavam o tempo todo. Até que enfim entramos em uma sala.

A sala é escura, com grades na janela e com um grande cheiro de mofo que agredia minhas narinas. Havia uma cadeira há uns quatro metros a minha frente. Alguém sentava nela, mas eu não conseguia ver graças a escassez de luz. Os dois garotos fecham a porta e ficam parados na frente dela, impedindo assim qualquer tentativa minha de fuga. A minha única alternativa era esperar pra ver o que o grêmio queria tanto comigo a ponto de me levar a um lugar horrível como esse.

— Você é bem arisco, eu gosto disso.

Disse uma voz feminina a minha frente. A pessoa sentada na cadeira era uma mulher.

Não digo nada. Ela prossegue.

— Sabia que esse costumava ser um andar escolar? Por algum motivo eles desativaram e mantiveram apenas os andares superiores funcionando. Tem dezenas de histórias sobre essa parte do prédio. Dizem que é mal assombrada, que houve assassinato, entre outras coisas, mas são todas histórias falsas.

Silêncio no recinto.

— Você realmente não vai falar nada? Então deixe-me me apresentar formalmente. — A garota bate duas palmas e a luz se ascende revelando seu rosto — Meu nome é Valentina Gaetani, eu sou a presidente do grêmio estudantil.

Por algum motivo isso não me surpreende, pra ter uma ideia como essa, só poderia ser coisa de uma mente doentia como da presidente do grêmio.

— O que você quer me trazendo aqui? Não acha isso demais? — decido finalmente falar.

— Eu estava começando a ficar preocupada, achei que um dos dois brutamontes atrás de você pudesse ter arrancado sua língua durante o percurso até aqui.

— Fale logo o que você quer. — digo impaciente.

— Tudo bem, vamos ao que interessa. — Valentina pega um pedaço de papel em seu bolso e começa a ler — Antônio Costa Vidal, 16 anos, filho de João Costa Vidal e Carla Beatriz Vidal, pais veterinários que trabalham num rancho na zona rural da cidade. Você conseguiu ingressar no colégio Elite, graças a ajuda financeira que os patrões de seus pais dão. É um atleta bem-sucedido e segundo treinador de natação você tem um futuro brilhante pela frente. — Valentina amassa o pedaço de papel e se vira para mim — Muito interessante.

— Como você sabe tudo isso sobre mim?

— Acredite, foi mais difícil do que parece. Camila foi uma verdadeira inútil na missão de colher informações suas e de sua família. Mas no fim, nada pode ser escondido de mim. — Valentina tinha um tom de arrogância na voz, e gesticulava com as mão de forma teatral toda vez que falava.

— Deixe a minha família em paz, eles não sabem nada sobre esse lugar e só querem que eu tenha uma chance maior de entrar em uma boa universidade.

— Eu não tenho interesse algum na sua família, pode ficar tranquilo. Todos os assuntos pendentes são relacionados a você. Você deveria ter vergonha de andar por aí fazendo o que quer com membros da elite sendo de uma classe inferior.

— Eu não sou inferior! — digo irritado.

— Muito presunçoso de sua parte, andar com dois dos alunos mais ricos do Elite, sendo filho de veterinários de gado. — disse Valentina com desdém — Mas você não veio aqui pra isso. Gabriel, entregue a ele.

O garoto mais alto se aproxima de mim e joga uma espécie de pasta em minha direção com tanta força que chega a me machucar. Depois volta a sua posição em frente a porta.

Abro a pasta. Logo na primeira página uma frase em negrito me chama atenção: “Plano de Vida”. Folio a pasta e encontro algumas fotos e dados sobre as pessoas das fotos. Avisto a foto de um homem de terno, com cabelos começando a ficar grisalhos e com um semblante arrogante. Achei tudo muito estranho. Prossigo lendo as informações sobre o homem.

— Emanuel Alcântara, 45 anos, casado há dez anos com Raquel Alcântara, deputado federal por um importante partido. — leio em voz alta — O que significa isso?

— Esse aí é seu novo dono. Emanuel Alcântara. — respondeu Valentina.

— Meu dono?! Eu não tenho dono! Que droga é essa? — Me altero.

— Vou te fazer uma pergunta, Toni, me responda sinceramente. Você acha que colégios renomados como o Elite precisam de alunos bolsistas?

— Eu… não sei.

— Alunos bolsistas geralmente só servem pra duas coisas aqui, encobrir escândalos de alunos da elite ou pra serem vendidos como escravos sexuais pra pessoas da alta sociedade brasileira. Isso existe a muito tempo, o grêmio ajuda a monitorar isso decidindo quais alunos são mais qualificados aos leilões.

— Leilões?

— Sim. É onde vocês são apresentados aos compradores interessados, essa é a maior fonte de lucros do colégio, e é tudo feito em perfeito sigilo. Acredite, a maioria dos bolsistas se dão muito melhor na vida sendo vendidos do que se tivessem tentado subir na vida por seus próprios esforços.

Valentina já estava me irritando de tanto que suas mãos gesticulavam. Em uma ocasião diferente eu só conseguiria prestar atenção nos delicados gestos teatrais, mas numa conversa como essa, só servia pra confirmar o quanto ela era doente da cabeça.

— Isso é desumano! E mesmo assim, eu não sou bolsista. Porque meu nome está nisso? — questiono.

— Essa é a punição para alunos que não respeitam as regras de convívio social do colégio. E você infringiu várias delas, várias vezes. Estou sendo até generosa em vendê-lo a alguém com um status tão grande como o do senhor Alcântara. A oferta dele por você foi gigantesca, a maior que o colégio já recebeu.

— Eu não vou fazer parte disto. — digo sentindo lágrimas caírem de meus olhos. Me aproximo da cadeira onde Valentina se sentava, mas sou surpreendido por um golpe traseiro que me derruba no chão.

— Não se aproxime dela. — disse um dos garotos que montava guarda e me acertara por trás.

— Você não tem escolha. — Valentina se aproxima de mim e toca em meu rosto com suas delicadas mãos.

Observando Valentina mais de perto, pude perceber que seus traços eram tão delicados quanto o seu toque. O rosto fino e as sobrancelhas bem desenhadas, a pele pálida demais e a magreza extrema, como o corpo de uma top model, os cabelos compridos e negros amarrados em um perfeito rabo de cavalo. Valentina era linda, mas sua beleza vinha acompanhada de uma maldade que eu nunca tinha visto antes.

— Sinto muito por você, Toni. — suas mãos me acariciavam por todo o rosto —Você é lindo, sabia? Claro que você sabe. Uma pena as coisas terem tomado esse rumo.

Valentina se afasta de mim e anda em direção a saída. O brutamonte mais baixo abre a porta para ela, mas antes de sair, Valentina se vira novamente em minha direção.

— Eu quase ia esquecendo. Essa conversa vai permanecer em sigilo absoluto. Ou as pessoas que você ama sofrerão. Seus amigos, e a sua família, todos sofrerão.

Valentina sussurra algo no ouvido do mesmo garoto que abriu a porta e sai.

A porta é fechada. E em instantes estavam os dois jogadores de basquete perto de mim me batendo. Um deles me chutava, enquanto o mais alto, que segundo Valentina, se chamava Gabriel me erguia com agressividade e me dava murros no rosto e no abdômen. Eu tentava me proteger mas era em vão, os dois eram muito fortes e eu estava em completa desvantagem. Depois de alguns minutos fui perdendo a consciência, meus olhos ficaram pesados e a dor se tornou um abismo escuro, eu já não sentia mais nada.


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Notas finais do capítulo

Olá leitores, como estão? O próximo capítulo sai no sábado.
Um grande abraço :)



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