O Justiceiro: Exílio escrita por Júlio Oliveira


Capítulo 5
Parte 5: Exílio


Notas iniciais do capítulo

A parte final da nossa história. Espero que tenha uma boa leitura!



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O silêncio os seguiu por quase todo o caminho. Frank e Daniel cuidaram bem das últimas questões referentes à mansão do agora falecido Nicolau Kozlov: destruíram as gravações que atestavam a invasão e se livraram de qualquer prova que puderam encontrar. No entanto, uma questão ainda estava pendente: Petyr, filho de Nicolau, havia acompanhado quase toda a ação e teve tempo suficiente – e sofrimento – para memorizar o rosto do policial. Tendo em vista que o garoto era inocente, no entanto, o Justiceiro garantiu que ele permanecesse vivo. Cage sabia que, graças a isso, a vida como ele conhecia estava em risco.

— Ele vai me denunciar — o policial rompeu o silêncio. — Eu não sei como explicar isso à Marzia.

Frank permaneceu calado enquanto dirigia seu trailer de maneira cautelosa. Era madrugada e o céu estava especialmente estrelado aquela noite.

— E meus filhos?! Meu Deus — Daniel continuava a se lamentar. — Eu só queria ajudar. Por que você não fala nada?!

Erguendo a voz, o policial buscava qualquer reação do Justiceiro. Frank, no entanto, permaneceu com sua expressão impassível. Apenas olhava para a estrada e dirigia. No entanto, ainda que sua face indicasse certo nível de indiferença, a sua mente viajava através dos eventos recentes. Estava há meses trabalhando para acabar com todos os processos criminosos feitos pela máfia russa em Nova York. Os malditos estavam envolvidos com o tráfico de armas, de drogas e até mesmo de pessoas. Galpão a galpão, o Justiceiro fazia seu trabalho ao mesmo tempo em que almejava pôr um fim a tudo aquilo. Agora, quase tudo estava feito: o poderoso chefão estava morto, mas o braço político da organização ainda vivia. Mark Leninsky continuava a desfrutar de sua riqueza e liberdade. Isso, sem dúvidas, traria um enorme incômodo para Castle em outros tempos. Mas não naquele dia.

Enquanto dirigia pela estrada mal iluminada, ele sentia algo diferente. Ao invés de seu costumeiro desejo por sangue, tudo que pensava era em se limpar. Sim, era usual que o vigilante se visse coberto pelo sangue de seus inimigos, mas não era o caso naquele momento. Frank Castle ainda se via coberto pelo sangue de Ben Urich. “Não foi culpa minha”, uma voz em sua cabeça tentava justificar. “A culpa é toda minha”, uma outra assumia.

— Fale! — Daniel gritou, interrompendo assim o fluxo de pensamentos do homem de preto.

Olhando para o policial e se enchendo de raiva, Frank conduziu o trailer até o acostamento e freou bruscamente. Levantou-se, abriu a porta e, segurando Cage pela gola de sua camisa, jogou o policial para fora do veículo. Caindo na grama macia e verde, Daniel sentiu medo ao ver a imagem do homem com a caveira no peito descendo do veículo e seguindo em sua direção.

— O que você quer?! — Amedrontado, ele gritou enquanto tentava se levantar para fugir dali.

— Você é um desgraçado bem ingrato, não é? — Com sua voz grave, Frank caminhava lentamente como um verdadeiro mensageiro da morte. — Levante-se e aja como um homem!

Levantando-se lentamente, Daniel se viu completamente encolhido enquanto o Justiceiro se aproximava dele. O vigilante tinha agora uma expressão que misturava raiva e desgosto em grande proporção.

— Você estava gostando, não era? — Frank questionou. — Gostando de matar? Gostando do sangue? Gostando do risco? Responda!

— Eu... — Cage estava ofegante e sentia dificuldade em encontrar as palavras certas. — Eu só queria ser útil. Só isso.

— Útil? — Cheio de fúria, Castle acertou um forte soco no rosto do policial. Daniel caiu mais uma vez na grama enquanto o Justiceiro continuava com suas palavras. — Útil pra quem? Pra sua família? Você não vê, Daniel? Você está jogando tudo pra cima. E eu me sinto ainda mais idiota em saber que cooperei com isso. Era para eu ter te deixado para trás assim que você me entregou essa maldita informação. Por que, Daniel? Por que esse desejo incessante em ferrar com a própria vida?

— Eu odeio esses caras tanto quanto você —  limpando o sangue de seu rosto, Daniel tentava se recompor. Levantou-se enquanto falava. — Este mundo ainda está muito sujo.

— Fique no chão! — Mais uma vez, Frank acertou um violento golpe na face do homem. Semelhantemente, o policial foi ao chão, dessa vez pressionando o seu olho que fora machucado. — Você não sabe nada sobre mim! Eu perdi tudo, Daniel. Tudo! Quando eu volto para casa, não existe uma esposa me esperando. Não tem filho algum querendo um abraço meu. Não há ninguém esperando por mim, Daniel! O sangue, a violência... isso é o que me restou, maldição! Mas você? Você quer simplesmente jogar fora tudo que foi tirado de mim? Eu pensaria melhor se fosse você. Não posso cooperar com esse seu suicídio, rapaz.

— Eu fiz isso por eles!

— Mentira! — Naquele momento, o Justiceiro já estava gritando sem medo algum de ser ouvido a distância. — Você acha que está os protegendo? Só está trazendo o perigo para mais perto de casa. Você é o perigo! Você torturou um garoto inocente momentos atrás, desgraçado! Se eu te ver de novo fazendo algo do tipo, eu garanto que vou colocar uma bala em sua cabeça. Pelo bem da sua família, Daniel! Aliás, você se acha o herói? Você se acha o grande protetor da sua casa? Então deixa eu te ajudar. Acabe logo com todo o risco que eu represento para sua vida, Daniel. Acabe com tudo isso aqui e agora. Ninguém vai ficar sabendo.

Retirando o revólver do coldre, Frank Castle entregou-o para o policial e, ajoelhando-se, mostrou-se de maneira completamente submissa, sem qualquer capacidade de defesa caso o outro homem resolve lhe causar qualquer dano.

— O que você está pensando? — Daniel sentia-se deslocado de tudo aquilo. Seu rosto estava cheio de sangue e ele ainda sentia uma verdadeira confusão de sentimentos e pensamentos dentro de si.

— Atire em mim! Assuma o manto — Castle explicou. — Torne-se o Justiceiro!

Com a arma em punho, o policial pensou por longos segundos. No entanto, vendo que aquilo não o levaria a lugar nenhum, abaixou o revólver e disse:

— Não. Eu não posso.

Levantando-se e pegando sua arma de volta, o Justiceiro respondeu:

— Então eu tomo as decisões daqui pra frente. Você vai voltar para sua família, vai contar tudo que aconteceu e vai contratar um bom advogado. Infelizmente não podemos voltar no tempo, garoto. O presente é só o que nos resta. Não siga o meu caminho.

E, dizendo aquilo, Frank Castle adentrou o trailer e deixou Daniel Cage para trás. O policial ainda gritou pedindo por ajuda para alcançar o seu carro, mas o vigilante o ignorou. O homem teria que caminhar extensos quilômetros na escuridão, ao mesmo tempo em que repensava todas suas últimas decisões. Em prantos, Cage via o seu previsível futuro diante de si: preso, rejeitado por sua esposa e afastado de seus filhos.

— O que eu fiz? — disse em voz alta, mesmo sabendo que já era tarde demais.

“Tarde demais”, as palavras também acompanhavam o Justiceiro em sua viagem. O destino? Nem mesmo ele sabia. Tudo que o anti-herói sentia era o olhar julgador das estrelas enquanto ele dirigia por toda a madrugada. Seu único desejo era esquecer seus últimos dias. “Eu matei um inocente. Eu fui o responsável por destruir uma família. Pior, cooperei com a destruição de outra em meio a todo esse processo. Como fui capaz?”, pensou enquanto sentia um autodesprezo.

Tal sentimento o acompanhou por alguns meses. Abstendo-se da identidade de “Justiceiro”, Frank Castle se colocou em um certo tipo de exílio. Vivia de hotel em hotel, um mais barato que o outro. O dinheiro advinha de pequenos bicos que o homem fazia na área da construção civil. Conseguir uma identidade falsa e “começar de novo” – ao menos por um tempo – não foi exatamente um desafio.

A cada dia, no entanto, ele sentia um peso maior de seus atos. “E se Ben Urich não tiver sido a única vítima? E se tiverem mais por aí que eu simplesmente nunca irei descobrir?”, ele sempre refletia entre uma martelada e outra no seu trabalho. Durante o tempo que passou, acompanhou Nova York mudar. Mark Leninsky foi preso após a polícia apreender provas de sua cooperação com a máfia russa. Junto disso, ocorreu também a prisão de Daniel Cage e, com um certo pesar em seu peito, Frank acompanhou o triste discurso do Comissário Martin enquanto anunciava o ocorrido. O nome “Justiceiro”, aos poucos, sumia dos telejornais e ele voltava, mês a mês, a se tornar apenas uma lenda. Uma lenda cheia de sangue e horror.

Quase um ano havia se passado. Quase um ano sem matar ninguém, ao menos para Frank Castle. No entanto, ele não se sentia menos culpado por toda aquela abstenção. Algo dentro de si ainda apontava o dedo  para ele e gritava com todas as letras: “C U L P A D O”. E a sensação piorou quando, ao acompanhar a TV, Frank viu uma homenagem sendo feita a Ben Urich. Tendo completado um ano de sua morte, os principais canais de TV fizeram todo um trabalho para honrar o nome do ilustre jornalista, que já havia feito tanto pela cidade e pelo país. Entre as pessoas a prestarem homenagens, uma chamou a atenção do ex-vigilante: Doris Urich. A esposa do falecido jornalista ainda preservava grande emoção ao relembrar o ocorrido, no entanto, concentrou-se apenas nos bons momentos durante todo o seu discurso. Nem mesmo Castle conseguiu conter as lágrimas. Olhando mais uma vez para seu colete com a caveira branca pintada – que permanecia oculta de qualquer olhar curioso –, o homem tomou uma decisão.

Era uma noite quente de julho. O calor em Nova York estava mais intenso que o normal, e as noites mais curtas do que deveriam ser. No entanto, os nova-iorquinos tinham motivos para ser gratos: a violência havia decaído no último ano e, pelo fato da máfia russa ter saído do tabuleiro dos crimes, as coisas estavam mais fáceis para a polícia. Doris, que deixava sua casa muito bem arrumada enquanto progredia com a escrita de seu livro, mantinha sempre ao seu lado um pequeno retrato de seu esposo. Aquilo lhe dava calma, paz e inspiração. O homem era um exímio escritor e não parava de escrever até concluir suas matérias.

Doris, no entanto, não era tão acostumada ao ofício. A mulher já estava aposentada após seu longo tempo de trabalho como enfermeira. Agora, passando a maior parte do dia dentro de casa, enxergava a escrita como uma válvula de escape. O tema de seu livro? Uma história de amor, algo baseado em sua própria experiência conjugal com Ben Urich ao longo de tantos anos que passaram juntos. Ao lado dela, um belo gatinho dourado fazia companhia.

— Está com fome, Simba? — perguntou com uma voz cheia de carinho ao ouvir o miado do gato. — Vamos lá, mamãe vai colocar um pouco de comida para você.

Colocando o notebook na mesa ao lado, Doris levantou-se do confortável sofá vermelho e começou a caminhar enquanto Simba a seguia. O escritório em que ela estava era preenchido por recortes de jornal e citações importantes do trabalho de toda a vida de Ben Urich. Aquela era, na verdade, a verdadeira sala de troféus do homem. Havia ainda o troféu do prêmio Pulitzer recebido pelo homem há cerca de dez anos. Ele não era um jornalista qualquer.

Passando pela sala de estar, Doris se deparou com mais uma coleção de fotografias, além de todos aqueles móveis antigos — mas bem cuidados — que ela e seu esposo tanto se esforçaram para obter. Ela parou por um momento, quase como se sentisse a presença de seu marido ali. Respirando fundo, prosseguiu com a caminhada e, finalmente na cozinha, pegou um pouco de ração e completou o recipiente de Simba com o alimento. Retornando para o escritório, teve um susto com o que encontrou: sentado no grande sofá, um homem todo de preto e com uma caveira no peito olhava para os tantos recortes de jornais ali espalhados.

— Meu Deus! — Ela quase gritou, mas conseguiu manter a calma ao ver que o homem não fez menção alguma de impedi-la. — Eu conheço você. Você é o...

— Justiceiro — Frank Castle completou. Era óbvio que ela sabia: não bastava ele ser uma figura famosa em Nova York, a mulher ainda havia sido casada com o maior jornalista que a cidade já conhecera. — Eu era. Não sou mais, eu acho.

— O que você veio fazer aqui?

Levantando-se do sofá lentamente, Frank demonstrou toda sua expressão de abatimento. Com os olhos profundos e preenchidos de puro cansaço e insônia, ele começou a falar:

— Eu vim contar a verdade. Toda ela — sua voz saía com uma calma que ele mesmo esquecera ser capaz de reproduzir. — Você deve me conhecer bem. Céus, quem não conhece? Justiceiro, vigilante, matador de bandidos. Sim, eu fiz isso por muito tempo. Não só matei, como também ameacei e torturei sem sentir peso algum em minha consciência. Eu sou um completo assassino, Doris.

— E o que eu tenho a ver com isso? — A mulher começara a tremer e, vendo isso, Frank gesticulou para ela manter a calma.

— Eu não farei mal algum a você, acredite — explicou. — Mas sim, você tem algo a ver comigo. Na verdade, eu não matei apenas bandidos. Eu sei que até hoje não encontraram o responsável pela morte de seu esposo, mas eu tenho a resposta: eu o matei. Não foi minha intenção, muito longe disso. Apenas disparei a arma errada, na hora errada e no lugar errado. Ben Urich foi vítima de uma bala perdida. Eu sou o responsável, Doris.

A pobre viúva revivia as cenas de horror da morte do marido em sua mente, enquanto Castle tentava manter a calma e segurar as lágrimas.

— Eu sei o que você sente agora. Também passei por isso. A minha família foi tirada de mim da pior forma possível e desde então eu nunca mais fui o mesmo. Sei que nada trará Ben de volta, mas espero que minha culpa tenha fim — após dizer isso, Frank sacou sua pistola e a entregou para Doris. — Acabe com isso. Vingue seu esposo e termine o que eu comecei.

Olhando para a arma, a viúva ficou levemente chocada, mas logo respirou fundo e pensou no que diria. Olhando nos olhos do Justiceiro, disse:

— Você está certo — suas palavras saíram de maneira suave e até mesmo Frank ficou surpreso. — Nada trará o meu amor de volta. Eu não quero matar você, Frank Castle.

Surpreendido, o homem pensou em questionar, mas a explicação veio em maior velocidade.

— A vingança não é a resposta pra tudo. Ben sempre acreditou no poder das palavras, no poder da informação. Que mensagem eu passaria para ele se eu fosse pelo caminho contrário? Céus, Deus sabe como eu tive vontade de matar o responsável pela morte do meu marido, seja lá quem fosse. Mas quer saber? Isso não interessa mais. Eu só quero seguir minha vida e vou rezar para que você, quem sabe, possa seguir a sua. Será que não está na hora de se libertar desse ciclo de vingança?

Levantando-se lentamente, Frank Castle pegou sua pistola de volta e, com o mesmo olhar de surpresa de antes, falou:

— Obrigado — nem mesmo ele entendia o porquê daquela palavra.

— Só tome a decisão certa — Doris finalizou.

E, tendo ouvido aquilo, o homem retirou-se da residência da viúva. Deixou para trás uma mulher forte e resiliente, que seguia com a vida independente das intempéries que apareciam. Quanto a ele? Jogou sua arma e seu colete com a caveira branca no lixão mais próximo. Talvez fosse a hora de sair do exílio. Sairia dele não como Justiceiro. Esse nome ficaria para trás. Talvez fosse a hora de seguir em frente simplesmente como Frank Castle. Talvez fosse a hora de viver.


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Notas finais do capítulo

Muito obrigado por ter lido até aqui. "O Justiceiro: Exílio" foi muito divertido durante todo seu processo de escrita, mas teve seus momentos desafiadores. Só o final mesmo, eu cheguei a planejar três. Espero que tenha escolhido o melhor e.e

Deixe seu comentário e, caso tenha gostado pra valer, sua recomendação. Fico grato desde já com todo o suporte. Até breve! ♥



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