O Justiceiro: Exílio escrita por Júlio Oliveira


Capítulo 3
Parte 3: Horror pelo amor, amor pelo horror


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura :)



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Já havia se passado dias desde sua torturante viagem ao inferno. Daniel Cage estava de licença depois de seu sofrimento nas mãos da máfia russa, mas sua mente não conseguia descansar. Mesmo passando seguidos dias ao lado da família que tanto amava, apenas uma imagem se apoderava da sua mente: os russos completamente massacrados e espalhados pelo galpão. Vez ou outra, Daniel se via fugindo do presente e revivendo aquele momento de terror. Ele não havia visto os métodos do Justiceiro, afinal, estava vendado enquanto o homem fazia todo o serviço. No entanto, isso dava asas à sua imaginação e ele conseguia se ver assumindo o papel do vigilante sanguinário. Conseguia se enxergar quebrando pescoços com as próprias mãos, abrindo suas gargantas com a faca e disparando tiros contra qualquer um que ousasse se aproximar. Vendo-se manchado de sangue, não sentia repulsa ou qualquer sinal de ânsia de vômito. Na verdade, ele sentia um estranho prazer e excitação com o trabalho executado.

— Hoje eu aprendi uma receita muito doida na internet — a voz suave de sua esposa trouxe-o de volta para a realidade.

Daniel estava no escritório de sua confortável casa. De frente para o computador, o policial lia alguns e-mails com informações que havia requisitado de seus colegas enquanto passava seu tempo longe da polícia. Tomando mais uma xícara de café e gravando aquelas informações em seu caderno de anotações, tomou um susto quando ouviu a porta ser aberta sem aviso prévio.

— Daniel — ela disse com impaciência. — Pensei que você estivesse de licença.

— E eu estou, Marzia — ele respondeu enquanto se levantava agilmente da cadeira. Com a xícara em mãos, deu mais um gole antes de continuar a falar. — Só estava checando uns e-mails.

— Espero que tenha a mesma vontade de checar o jantar — dando um sorriso jocoso, Marzia desceu as escadas.

Daniel seguiu sua esposa e, assim que adentrou a sala de jantar, foi recebido por uma chuva de beijos e abraços por parte de seus filhos. Mary – de nove anos – e Mathew – de seis – eram uma dupla que muito aproveitava a presença estendida do pai. Era incomum ele passar tantos dias dentro de casa.

— Pai, pai — a voz aguda de uma das crianças clamava por atenção. — Será que você pode me dar aquele jogo novo que saiu? Red Dead Redemption 2?

— Olha, eu não sei se é para sua idade — o policial brincou e, logo em seguida, deu leves beijos nas testas de suas crianças. — Mas conversamos sobre isso depois. Hora do jantar.

Enquanto as crianças corriam apressadas para seus lugares, Marzia preparava a mesa com a sua mais nova receita.

— É como um espaguete, só que melhor — ela informou da maneira menos explícita possível.

— Imagino que seja ótimo — seu esposo respondeu ao ver a apetitosa aparência do prato.

Foram minutos em que Daniel conseguiu desviar sua mente danificada após os eventos recentes. Olhava para as pessoas ali presentes e agradecia aos céus pela família que tinha. Era verdadeiramente um homem sortudo por poder contar com tal suporte. Sua esposa fora muito boa com ele nos últimos dias. Ela sabia da tortura sofrida pelo seu marido, mas ele não a contara da intervenção feita por Frank Castle. De toda forma, ele pôde se ver longe do inferno de sangue e violência no qual se metera. Mas tal estado de graça durou pouco tempo. O vibrar do celular chamou sua atenção e ele viu que se tratava de uma das informações que havia pedido de seus colegas.

De um instante para o outro, seus olhos se arregalaram e ele logo se viu levantado, deixando seu prato pela metade e os membros de sua família sem entender nada.

— Daniel? — Marzia mostrava cada vez mais sinais de irritação, e o policial sabia que ela tinha completa razão.

— É uma urgência do trabalho — tentou justificar. — Sei que estou de licença, mas eles precisam de mim.

— Precisam? Não existe nenhum outro policial disponível?

— Marzia, desculpe. Crianças, o papai volta logo.

E, dessa forma, deixando sua esposa extremamente irritada e seus filhos preocupados, Daniel deixou a casa repleta de calmaria e amor e dirigiu seu carro rumo à incerteza e à selvageria. No caminho, leu mais uma vez a mensagem em seu celular: “TIROTEIO NO PÍER 12”. Sim, ele só podia estar lá. Há dias que Daniel planejava isso. Ele desejava mais que tudo poder se ver diante de seu salvador mais uma vez. A poderosa imagem do Justiceiro e sua arte eram uma constante em sua cabeça, de maneira que a própria razão do policial poderia ser questionada. Acelerando o máximo que podia, o homem torturado sentia-se na missão de chegar no local antes da polícia. Para sua sorte, sua casa não ficava tão distante do destino.

No caminho, dúvidas atingiram sua consciência. Aquilo seria correto? Por qual motivo fazer aquilo? Estaria mesmo o Justiceiro em tal píer? Com tantos questionamentos, Daniel chegou a pensar na possibilidade de desistir de sua busca quase irracional e, ao invés disso, dar meia volta e retornar para os braços de sua amada família. Mas uma voz na cabeça do policial o lembrava do sofrimento que passou e de algo que ele mesmo havia dito ao Comissário Martin: “a ‘ordem’ não estava lá para salvá-lo, apenas o ‘caos’”. Com isso em mente, tomou a decisão definitiva de ir até a área de tiro e encontrar, quem sabe, o Justiceiro.

Dirigindo de maneira que muitos julgariam irresponsável, Daniel Cage chegou ao seu destino. No entanto, não ouvia mais tiros. Apressou-se para adentrar o armazém que antecedia o píer, mas sem esquecer de carregar consigo um revólver e seu caderno de anotações. No fim das contas, ele estava certo: em meio a um mar de sangue e morte, o Justiceiro punia um último homem.

— Quem matou Ben Urich!? — Ele gritava com ódio genuíno em sua voz.

Em lágrimas, um russo suplicava dizendo que nada sabia daquilo. Impiedosamente, Frank Castle colocou uma bala em sua cabeça. Das sombras, observando aquela cena, Daniel sentia um misto de repulsa pela violência com admiração pela justiça “sendo feita”, como sua própria mente lhe dizia. Simultaneamente, o policial pensava em uma forma de aproximação, enquanto o Justiceiro abria as caixas abarrotadas de drogas que os russos escondiam ali.

— Frank... Castle! — A voz, que antes começou fraca e abafada, ganhou força ao pronunciar o sobrenome do Justiceiro. Saindo das trevas, Daniel se apresentou com as mãos erguidas. — Sou eu, Daniel Cage. Você me salvou um dia desses. Lembra?

— Que droga você está fazendo aqui? — O rosto de Frank se contorceu numa expressão de estranheza.

— Eu posso explicar, mas a polícia está chegando logo. Temos que sair daqui.

Sem entender bem a situação, mas vendo que o homem não lhe traria perigo, Castle deixou a cena do massacre ao lado do policial. Após alguns minutos de caminhada, o Justiceiro parou abruptamente e, tateando o corpo de Daniel, buscou por escutas ou qualquer armadilha que pudesse ter sido plantada pela polícia ou pela máfia.

— Eu estou com você! — Cage afirmou com veemência. — Olha, eu sei que é estranho, mas eu estive observando você e a sua história. Sei de seu passado militar e da tragédia envolvendo sua família. E sei que muitos acham que você é um monstro ou um demônio, mas eu penso diferente. Você me salvou, Frank. Você me fez ter mais dias para poder abraçar e amar minha família e eu nunca terei como retribuir tal feito. Mas eu tenho como te ajudar neste exato momento.

— Do que você está falando, garoto? — O Justiceiro agora assumia uma posição de raiva e indisposição. Aproximando-se ameaçadoramente do policial, ele ergueu a sua voz e prosseguiu. — Você é estúpido a ponto de arriscar sua vida enquanto tem uma família esperando por você?

— Espera, eu posso explicar — a voz de Daniel saía trêmula, mas ele se mantinha firme em sua posição. — Eu sei que a máfia russa está na sua mira. Estudei o seu padrão de ataque e cheguei até mesmo a ver alguns vídeos seus que se escondem aí na internet. Acontece que eu tenho informações que podem te ajudar. Tenho contatos na polícia e eles acreditam estar bem próximos de fechar o cerco para o Leninsky. E eu posso te entregar essas informações, mas só se você me deixar ir como você. Deixe que eu te ajude, Justiceiro.

Frank Castle sentiu uma genuína vontade de rir daquele raro espécime de ser humano. Na mente do Justiceiro, tudo que ele via era um homem com uma vida magnífica colocando tudo em risco por um desejo que ele mesmo não entendia. Ainda assim, o fato dele ser um policial e poder trazer novas informações ao vigilante era algo a se considerar. Dias atrás, quando Frank invadiu a mansão de Leninsky, ele acabou não tendo o resultado que gostaria. Pelo contrário, chegou até mesmo a ser baleado, tendo a sorte da bala tê-lo pego de raspão. Trabalhar sozinho não estava sendo algo especialmente eficaz.

— Certo — concordou ainda que sentisse uma parcela de amargor na boca. — Mas eu dito as regras, ok? Agora me diga tudo que sabe.

— Ótimo — Cage chegou a soltar um sorriso diante daquela oportunidade única. Puxando seu caderno, continuou. — São duas coisas, na verdade. A primeira é que a perícia atestou qual a bala e o tipo de arma que tirou a vida de Ben Urich. Descobriu-se que é um modelo que ainda não está no mercado, entende? É uma tal de A30-SC4, coisa da Hammer. É o mesmo modelo que havia naquele galpão cheio de caixas.

— Ou seja, os russos realmente mataram o homem — Castle deduziu.

— Exato. O que nos leva à segunda informação: Nicolau Kozlov. Talvez você se pergunte o que esse nome tem a ver com a coisa a toda, mas acontece que ele estava presente nas anotações de Ben Urich. Ele escreveu que o Nicolau era “um mafioso russo excêntrico com dois filhos tão loucos quanto o pai”. Qual a relação com Leninsky? Bem, os dois foram vistos conversando e Ben tirou uma foto da ocasião. Evidentemente isso ainda não configura uma prova de qualquer coisa, mas é de se suspeitar. Há quem acredite que o tal do Kozlov seja o verdadeiro comandante da máfia.

— Então ele saberia exatamente quem matou Ben Urich — concluiu.

Numa postura menos ameaçadora, o Justiceiro deu um passo à frente e gesticulou para que o policial o acompanhasse. Daniel seguiu as ordens do homem de preto e bastaram alguns passos para ele se deparar com um trailer branco posicionado de forma estratégica.

— Essa é a sua base de operações? Móvel? — Questionou com curiosidade.

— Entre — Castle respondeu ao abrir a porta.

Seguindo as palavras do Justiceiro, o policial se deparou com um verdadeiro arsenal ali dentro, além de vários recursos tecnológicos. Além disso, pôde visualizar o quadro em que Frank definia seus maiores suspeitos e próximos alvos.

— Aqui — o Justiceiro disse logo após entregar o GPS ao homem que olhava tudo aquilo com tremenda curiosidade. — Você conhece o endereço do Kozlov?

Acenando positivamente com a cabeça, Daniel começou a fazer tudo que lhe era pedido. Encantado com tudo aquilo, sua mente lhe desviava dos riscos evidentes que existiam naquela empreitada. Ele simplesmente não conseguia imaginar que, a qualquer momento, poderia ser alvejado por uma verdadeira chuva de balas. Também não enxergava a possibilidade de ser torturado mais uma vez, ou mesmo o risco em que colocava a sua família. Na verdade, Cage apenas via a possibilidade de limpar Nova York, nem que fosse apenas uma pequena parcela. Qualquer ação seria melhor do que nada.

— Você sabe usar armas? — O Justiceiro disse enquanto se aproximava de seu destino. — Digo, além daquilo que você usa na polícia.

— Eu servi no exército, Frank — Daniel explicou. — Acabei não indo para a ação, na verdade. Ainda assim, sei como disparar um rifle e alguns outros brinquedos.

— Isso vai bastar.

Parando o veículo, a dupla de vigilantes pôde visualizar a bela mansão que se erguia a alguns metros. Castle sentiu calafrios com aquela vista: apesar de linda, ela lhe fazia lembrar de sua quase morte noites atrás quando invadiu a casa de Leninsky. Apesar de ser um outro bairro, o tal do Nicolau morava numa área com características semelhantes: o natural se misturava com a intervenção humana e proporcionava um visual que agradava aos olhos. No entanto, havia uma diferença primordial entre as duas situações. Nas proximidades da residência do suposto mafioso russo, Frank conseguia ver numerosos seguranças fortemente armados. Conseguia enxergar também câmeras espalhadas pelo enfeitado jardim e, para seu azar, havia carros ao longo de todo o terreno. “O maldito deve estar dando uma festa ou jantar”, pensou.

Pegando seu típico equipamento de escuta, tentou entender o que se passava lá dentro. Mais uma vez, a barreira do idioma se tornou um impedimento para a compreensão de toda a cena, mas era evidente que havia visitantes especiais aquela noite.

— Eu conheço aquele cara! — Daniel exclamou sem muita descrição. Apontava para um dos seguranças armados na frente da porta principal da mansão. — Ele é da máfia. Já o vi em algumas reuniões enquanto estava infiltrado. Esse Nicolau com certeza é da área.

— Então eu já sei como agir — disse o Justiceiro enquanto se levantava para decidir qual arma utilizar.

— Espera! E eu?

— Você... — Frank parou por um instante até lembrar do acordo que fizera com o policial. — Faça o seguinte: posicione-se e use o rifle em caso de emergência. Quero tentar ser discreto e fazer isso de maneira rápida. Ah, e tem isso aqui.

Vasculhando abaixo do balcão, Castle encontrou um par de equipamentos de comunicação a distância. Eram de tamanhos mínimos e, após colocados no ouvido, serviriam para uma troca de palavras ágil da dupla.

— Só atire se eu ordenar — explicou a Cage.

— Certo! — Determinado, Daniel já pensava em bons pontos para poder auxiliar o Justiceiro.

Mantendo a tradição, Castle logo tratou de parar seu veículo em algum ponto estratégico, de maneira que ficasse distante dos olhos de seus inimigos, mas também pudesse proporcionar uma fuga emergencial. Ao mesmo tempo, o policial carregava consigo um rifle equipado com uma luneta que permitia a visualização de seus alvos a partir de uma distância considerável. Procurando um ponto em que ficasse seguro, mas também capaz de proporcionar ajuda ao Justiceiro, optou por uma posição elevada marcada por uma grande árvore que lhe fornecia um abrigo sombreado dos postes luminosos que se estendiam por todo bairro e, em caso de emergência, cobertura. Estava a uns duzentos metros da mansão e podia muito bem acertar bons tiros dali.

O Justiceiro, por outro lado, decidiu partir para um confronto mais direto. As armas por ele escolhidas foram: sua velha pistola e a tal da A30-SC4, como era chamado o armamento desenvolvido pela Hammer. Antes de sair de seu veículo, no entanto, deu mais uma olhada para o ferimento que carregava em seu braço. A bala disparada por Kátia ainda lhe causava dor, mas os danos não eram nada graves. Vestindo mais uma vez seu colete a prova de balas com a caveira branca no peito, Frank Castle saiu do trailer e se preparou para, mais uma vez, fazer o que ele sabia fazer de melhor. A punição estava chegando para Nicolau Kozlov e todos os responsáveis pela morte de Ben Urich.


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Notas finais do capítulo

Obrigado por ter lido até aqui. O que achou do capítulo? Quais as expectativas para as partes que estão por vir?

Até breve o/



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