O Voador escrita por Gabriel Gorski


Capítulo 5
Um Objetivo a Ser Cumprido


Notas iniciais do capítulo

O nome Ochantgar é escrito em português, extremamente mal traduzido pelos escribas do nosso mundo.
Foneticamente, uma boa escrita seria: Ôk ram tuí gar. Gramaticalmente, uma boa tradução seria: Okhëmtgër, já que, no alfabeto dos goblins (os que primeiro transcreveram o Ântico dos Icanes e Fegrines), não existia a letra 'a'.

Icanes e fegrines são duas raças de linhagens próximas, criaturas tão ou mais altas que árvores fortes.



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Todos entraram desordenadamente no pátio, que revelou-se pálido e seco. Havia muitas pessoas trabalhando por ali, e quase todos tiveram a educação de cumprimentar cada um dos futuros voadores. O lugar tinha estábulos, cozinhas externas, um poço e uma grande forja dentro da área que podiam ver.

Yearnan tentou se aproximar de Ecco, mas foi surpreendido pelo barulho das portas da casa se abrindo. E, com ambas as pernas em ótimo estado, lá estava o irmão mais velho de Helenne, Helgrine Sussini, dispensado do serviço de voador por ter sido seriamente ferido no joelho.

— Antes de tudo, sou Helgrine Sussini, e é um grande prazer poder guiar cada um de vocês para se tornar um voador. Todos nós sabe...

Yearnan o ignorou completamente. Ele mencionou sobre o dormitório que teriam e os horários de refeições, as atividades cotidianas e os perigosos testes que fariam para aprenderem a blá, blá, blá. O único pensamento que conseguia ter era sobre o quão estúpido fora. Por ser órfão, não teve ninguém para se despedir, exceto sua irmã, que estava sozinha em algum lugar de Aerisco, sendo assim, sua maior preocupação. Não havia nada que pudesse ser feito, não dentro de sua mente. Estava dentro da Casa do Voador e todos sabiam que o único modo de sair dali era se tornando um.

Helgrine permitiu que entrassem na casa, sem badernas. Guardas e outros trabalhadores da casa os auxiliaram a encontrar suas camas e quartos, espalhados pelos vários andares da gigantesca torre central. Na realidade, os quartos pareciam celas de uma prisão escura e abandonada. Limpa, mas abandonada. Uma pequena janela em cada quarto iluminava a pedra polida que revestia tanto as paredes quanto o chão. Ela brilhava em tons verdes e profundos, como uma esmeralda que fracamente brilha no escuro.

— Despejem as suas coisas e desçam para o pátio interno. – Disseram os guardas, retirando-se logo em seguida.

Yearnan sentou-se na própria cama e tentou recapitular tudo que havia acontecido. Ecco havia simplesmente desaparecido pela manhã. Tendo sido capturado, estava claro que ele havia ido para Aerisco sem esperar por eles. À princípio, Yearnan considerou que ele tivesse chamado Avyin para ir com ele, mas isto era improvável, já que ele estava ali, mas ela não. Meninas a serviço dos voadores não eram incomuns, embora trabalhassem para as Casas, e não para a Ordem.

— Mal vejo a hora de me tornar um baleeiro. Eu vou matar a maior de todas elas. – Disse um dos dois meninos que passavam em frente ao dormitório, extasiado.

— Você nem sabe o nome dela. – Debochou o outro.

— Claro que sei. É Ochantgar.

Yearnan não conseguiu – ou nem mesmo tentou – entender o que disseram depois disso. Ele nunca tinha ouvido falar em Ochantgar, mas perdeu-se ao imaginar a maior balaena do mundo. Era realmente impressionante. Decidiu se levantar e descer rumo ao pátio interno, mas se deparou com Ecco atravessando o corredor.

— Cara, por que você está aqui?! – Perguntou Ecco, furioso, aos sussurros.

— Eu que devo perguntar por que você não me acordou. – Rebateu.

— Vocês não deviam vir comigo. Eles querem a mim.

— O que você tem de tão especial? É filho de um lorde, por acaso? Você é tão órfão quanto eu.

— O meu sobrenome. – Cedeu Ecco.

Aquilo era uma novidade. Ecco nunca havia contado a eles qual era o sobrenome dele. Agora que estava prestes a contar, Yearnan segurou a própria euforia, pronto para ouvir.

— E qual é?

— Adahryn.

Que nome ridículo. Pensou Yearnan.

Entretanto, este pensamento reacendeu uma velha memória que tinha. Nela, Yearnan e Avyin corriam com algumas frutas nos braços que costumavam roubar quando menores. Eles se chocaram contra um homem que acabara de entrar na frente deles. As pessoas formaram um círculo ao redor deles, mas os dois irmãos catavam as frutas em óbvio desespero, sem se preocupar com as pessoas. O homem os ajudou a se levantar.

— Senhor Adahryn, o senhor está bem? – Perguntou um homem a serviço de Qlarem, vestido numa túnica negra e seu cinto vermelho.

— Que nome ridículo. – Yearnan disse em voz alta.

O senhor Adahryn o encarou e gargalhou. Tinha uma pança em crescimento, e uma barba excepcional. Seus olhos estavam cercados com pequenas marcas que vêm com a idade, mas seus cabelos ainda eram castanhos, de um tom muito vivo. Em sua cabeça estavam um par de óculos de vitro e couro, criados especialmente para os voadores.

— Você acha meu nome ridículo, Ernandd?

Não havia formas de entender como o senhor Adahryn conhecia o sobrenome de Yearnan. Mas não havia também tempo para pensar nisso, porque o vendedor furioso já os alcançara. Os gêmeos se esconderam atrás do senhor Adahryn.

— Achei vocês, desgraçados. – Disse o homem. – Vão pagar ou vão apanhar como condenados.

— Espere. – Adahryn se intrometeu no caso. – Eu pago pelas frutas que eles pegaram.

Deu alguns alanges ao homem, que se retirou sem dizer palavra alguma, um tanto decepcionado por não poder bater naqueles dois.

— Vão. – Disse Qlarem às crianças. – E não roubem mais.

— Não sabia que você era um Adahryn. – Disse Yearnan.

— Eu nunca contei a ninguém. – Disse Ecco. – Mas esses homens conheceram meu pai e me reconheceram no momento em que puseram os olhos sobre mim.

— Eu só estou aqui porque errei a pedra. – Tentou explicar. – Queria te acertar para chamar a sua atenção.

— Não tem problema. É tarde para reclamarmos.

Yearnan suspirou e Ecco relembrou a conversa que tiveram.

— Por isso não queria que estivesse comigo. Imagino que tentem me usar de todas as formas possíveis assim que puderem. Eu não...

— O que seu pai fez? – Yearnan o interrompeu.

— Noutra hora eu conto. Já que estamos aqui, vamos comer.

Os dois riram e desceram as escadas. Caminharam até o pátio interno da torre, procurando matar a fome que tinham há vários dias.

A torre em si não era grande por sua altura – embora já fosse muito alta –, mas por seu diâmetro. O pátio interno era grande como um salão de festa. Por não ter um teto, o pátio fazia da torre uma construção parcialmente oca, assemelhando-se a um vão.

Sentaram-se à longa mesa em formato de cruz no centro do pátio e o almoço foi logo servido. Havia ali cinco grupos de aprendizes, um de cada vila da Ilha do Caçador, uma miscigenação de raças com ersni, balutes, entleò e somneir. Todos conversavam e se conheciam, mas Ecco e Yearnan saboreavam cada pedaço que mordiam sem dizer uma palavra sequer, senão comentários sobre como aquilo estava bom. O sabor de uma refeição após a semana quase inteira sem mordiscar um mísero pão era incomparável.

Quando terminaram, afastaram os pratos e escoraram-se sobre a mesa. Um homem já velho, que estava sentado numa das extremidades da mesa, ficou de pé e pediu pelo silêncio absoluto. Suas cãs evidenciavam seus cento e tantos anos. Conforme as vozes cessavam, começou a falar.

— Jovens aprendizes. Hoje vocês vêm e comem sob este teto, bem, não literalmente. – Riu da própria anedota antes de prosseguir em sua fala. – Vocês vêm aqui como crianças, mas sairão como verdadeiros guerreiros de batalha em alto céu.

Muitos o aplaudiram, principalmente os que não eram aprendizes.

— Entretanto, como muitos já sabem, nem todos são verdadeiros marinheiros do céu. É por este motivo que será necessário testá-los. – Evidenciou. – Cada um dos aprendizes será submetido a três testes variados. Mas, de acordo com os resultados que obtiverem, é possível que mais testes sejam requeridos.

— Que testes são esses? – Perguntou um garoto de cabelos castanhos curtos.

— Tudo a seu tempo. Dentro de alguns dias vocês conhecerão o primeiro teste. Preparem-se até lá. Até que sejam convocados novamente, estão dispensados.

Todos se levantaram, conversando e especulando aos murmúrios suas ideias e pensamentos.

— O que você acha que é? – Perguntou Ecco.

— Eu acho que será uma missão ou uma viagem de navante. – Respondeu um rapaz esguio que acabara de se aproximar. Ele estendeu a mão para cumprimentar. – Muito prazer, sou Dertang.

— Yearnan. – Cumprimentou.

— Ecco. – E perguntou. – O que quer dizer com isso?

— Eu imagino que seja relacionado ao Novo Mundo. – Respondeu Dertang enquanto subiam as escadas.

— O que é o Novo Mundo? – Perguntou Ecco.

Dertang o estranhou.

— Não sabes?

Ecco fez que não com a cabeça e Yearnan o imitou.

— Quem são os seus exorys? – Perguntou em um tom quase irônico, como se desprezasse um exorys que não cumpre o papel de lecionar com eficiência. Para a surpresa dele, porém, Yearnan respondeu.

— Nem sei o que é um exorys. – Riu.

— Como assim?! – Retrucou Dertang, entrando em um quarto e fazendo sinal para que o acompanhassem.

Ecco sentou-se ao chão depois que Yearnan se apressou para ocupar a cadeira. Dertang pegou um objeto da mesinha e se deitou na cama bem ajustada, observando a peça.

— Mofa. – Respondeu Yearnan, sorrindo. – Eu sei o que é, mas não tive um.

— Eu tive, quando era pequeno. – Disse Ecco. Não me lembro de muitas coisas.

— Mas o que aconteceu? – E sem nem mesmo deixá-los responder, acrescentou. – Vocês são irmãos?

— Não. – Respondeu Ecco. – É que meu pai morreu. Depois disso, meu exorys tentou cuidar de mim, mas um homem novo na cidade disse que aquilo não era possível pela... – Hesitou. Algumas coisas começavam a se conectar. – Valha, ele tinha dito pela lei do Novo Mundo! É o mesmo novo mundo que você falou?

— Sim! – Disse Dertang, animado. – Eu preciso contar pra vocês.

Ecco sentiu um sentimento estranho, alguma coisa muito boa dentro de si. Aquilo o deixava inquieto, querendo ouvir a história. Dertang começou.

— Há pouco tempo, no máximo uns cinco anos, um grupo de exorys da cidade de Birllen, no Reino da Garra, desenvolveu um sistema muito engenhoso que eles chamam de engrenagem. Nele, uma força ou uma energia gera o movimento através das engrenagens, que são como peças que se encaixam, umas nas outras.

— Não entendi quase nada do que você falou. – Disse Yearnan.

A verdade era que, sem um exorys, as pessoas não tinham grandes conhecimentos além de plantar, colher, caçar e construir suas próprias casas. Ecco sabia porque havia nascido em uma família razoavelmente nobre. Vivendo como órfão, pode perceber que a vida era muito simples e fácil para os cidadãos, quase todos camponeses. Se resumiam a arar a pouca terra que havia nas ilhas, criar os filhos e comercializar com os reinos de longe. Diziam que, nas terras do mundo ínfero, as pessoas davam uma parte do que produziam aos seus senhores, a quem eram juramentados e recebiam proteção, um bom pedaço de terra para cultivar e um cantinho para chamar de lar.

Na Ilha do Caçador, porém, não havia senhor para proteger nenhum vassalo, nem terra suficiente para cultivar. Muitos ali eram comerciantes que vinham de longe, de Trintastelo, Sol’heratt, Ascraft ou Hundrawl. Certas vezes, até mesmo alguns homens de Talassos passavam por ali, com animais que viviam na água, num mundo onde as águas se estendiam além do horizonte. Outros eram voadores, baleeiros, simples balutes ou pescadores aéreos. Diferente da forma como se pesca em rio, eles, jogavam redes dos navantes nos peixes quando passavam aos montes. E para ser sincero, haviam tantos peixes a oeste das ilhas que dava para suprir todas as cidades sobreviventes do mundo ínfero por mais de eras.

— Eu vou tentar de novo. – Dertang falou. – É fácil.

— Espera, como você sabe de tanta coisa? – Yearnan estava curioso.

— Eu vou explicar. – Ele disse. – Vocês sabem o que Agheor fez com o mundo. Desde então a vege... Quer dizer, as plantas pararam de crescer e muitos anos se passaram para que crescessem. Até hoje existem grandes reinos quase completamente desolados.

— Ouvi dizer que Telatteri é o pior deles. – Disse Ecco.

— Sim. – Dertang acrescentou. – Dizem que é um reino sem rei para governar, onde vivem os piores monstros e os maiores manequantes que qualquer homem sequer poderia imaginar.

Yearnan se esforçava para acompanhar o pensamento deles. A coisa mais difícil que conseguira entender por si só era como entrar nos olhos da própria irmã e ver o que ela via. Então, em pensamento, relembrou-se de buscar saber da irmã e onde estava.

— E o Novo Mundo? – Perguntou.

— Nix Cortbitten foi a primeira e única somneir a se tornar um exorys. Ela foi a chave para o Novo Mundo. Dizem que tem uma série de documentos antigos, provenientes dos ezraellyanos. Outros creem que pertenceu aos vecadianos, ou até mesmo aos ersni.

— Não tem como saber a verdade, não é? – Perguntou Ecco.

— Bom, essa será a missão de vocês.


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